Bobagens tabelioas
Paulo Roberto G. Ferreira
Erro, enumera o Aurélio, é um juízo falso, um desacerto, um engano, incorreção, inexatidão, desregramento, falta. O erro é a ação, ou omissão, que nos leva para o destino que não queríamos.
Errar é humano. Tabeliães são humanos e lidam com humanos, logo... tabeliães recepcionam erros e também erram eles próprios.
Se é da natureza humana errar, é também natural possibilitar a correção do erro, seja qual for a magnitude da falha.
As leis – muitas delas também fruto da falibilidade humana... – endossam a natureza. A Lei 8.935/94 não contém previsão explícita, mas diz que o serviço notarial será prestado de modo eficiente e adequado (art. 4º). O ato correto é certamente o primeiro degrau desta exigência.
As escrituras públicas são atos administrativos notariais formados exclusivamente em decorrência da vontade das partes, como declarada ao tabelião. Os erros, portanto, podem advir das partes em face do que desejam ou do que declaram ou do próprio tabelião, ao formalizar o ato. Esta distinção, a do agente do erro, pouco interesse tem, exceto para definir quem suporta o preço da correção.
Os erros constantes em atos notariais podem ser corrigidos das seguintes formas: 1) Por ressalva final; 2) Pela cláusula “em tempo”, também ao final; 3) Por aditamento; e 4) Por rerratificação.
A forma mais freqüente de corrigir erros é por ressalva final. Feita a leitura, o tabelião percebe ou é alertado pelas partes sobre erros, rasuras, borrões ou riscaduras no ato. É possível também que haja omissões ou imprecisões. Assim, antes das assinaturas, o tabelião escreve as emendas, fazendo as correções (também conhecidas por declaros e ressalvos). A ressalva indicará o local e a natureza do erro e será feita sempre antes da finalização do ato e, por óbvio, das assinaturas, das partes e do tabelião.
A cláusula “em tempo” é inserida ao final do ato, quando o defeito ou omissão for verificado após as assinaturas das partes, sem que o ato tenha sido finalizado pela assinatura do tabelião. Logo abaixo da última assinatura, em havendo espaço, ou na página subseqüente, é inserida a expressão em tempo, e declaradas as correções ou mudanças indispensáveis ao ato. Feito o acréscimo, deve ser lido às partes para aprovação e, acordes quanto ao seu conteúdo, devem novamente assinar todos os participantes do ato, que será encerrado pelo tabelião com a sua assinatura.
Em tese, não há limite para as correções feitas por ressalva final ou pela cláusula em tempo. Tudo pode ser corrigido ou alterado antes da assinatura final do tabelião. Na prática, porém, quando haja alteração da natureza do ato, substituição das partes ou do objeto do negócio, parece-nos mais adequado e consentâneo com o princípio da adequação formal e eficácia do ato notarial, o abandono da redação imprópria em favor de um novo ato.
Os atos notariais também podem ser corrigidos por aditamento. Neste caso, em ato distinto e subscrito apenas pelo tabelião (ou seu substituto), sem necessidade da presença e assinatura das partes, erros e omissões podem ser sanados. A pedido das partes ou de ofício, pela mera constatação do erro ou omissão pelo tabelião, ou a vista de documentos oficiais, o ato será corrigido. Quando houver retificação, o ato será um aditamento retificativo. Quando suprir omissão, o ato será simples aditamento.
O aditamento tem limites. As correções, acréscimos ou supressões devem restringir-se a elementos acessórios das partes ou do ato. Exemplificando, temos a qualificação das partes, omissões ou correções quanto ao objeto (desde que não se o substitua), declarações feitas ou documentos apresentados e omitidos, etc.
Em nenhuma hipótese, as correções feitas por aditamento poderão alterar a substância do ato.
Somente com a assinatura das partes poderá ser alterada a respectiva vontade.
Finalmente, os atos notariais podem ser corrigidos por rerratificação. Neste caso, temos uma nova escritura, a própria de rerratificação, para suprir ou corrigir elemento substancial, indispensável à eficácia plena do ato, em vista de haver faltado, apesar das assinaturas das partes e do tabelião.
Esta escritura deverá conter a assinatura de todos quantos compareceram ao ato, permitida a substituição em caso de falecimento, cessão de direitos ou, claro, mandato.
Não há limite temporal para a correção por rerratificação. É possível, por exemplo, a correção de uma escritura lavrada há décadas.
Também não há, em tese, limites quanto ao conteúdo do ato, indispensável a presença e assinatura de todos quantos compareceram ao ato original, permitida a substituição nos casos legais.
Erros comuns
A experiência permite listar alguns erros freqüentes, aqui lembrados para comunhão dos infortúnios e, portanto, para prevenir sua repetição.
Quanto às partes, erro na grafia dos nomes, erro na qualificação (divorciada, se declarou casada, p. ex.), erro nos números de CPF e carteiras de identidade, etc. Evidentemente, estas situações todas devem ser consideradas em relação ao tempo do ato e, principalmente, documentadas.
Quanto aos imóveis, erro na grafia do nome ou numeração da rua, número ou data da certidão, de metragens evidentemente erradas, desde que a diferença seja pequena (“terreno 21x50,5, somando 1.060,60 m2” quando é evidente, a luz da certidão, que é 1060,50m2), erro na confrontação e todos os demais erros descritivos do imóvel e que, a vista da certidão arquivada para a lavratura do ato, estejam em desacordo com as declarações da escritura.
Erros referentes ao imóvel são, por natureza, muito mais sensíveis. Portanto, ainda que evidentes, retificações devem ser promovidas com cautela. Por exemplo, na certidão imobiliária consta “imóvel e respectiva vaga de garagem” tendo a escritura feito menção apenas ao imóvel. Como saber se o desejo das partes era realmente incluir a vaga? Não basta uma delas comparecer e reclamar o erro. Neste caso, e sempre que o erro envolver substancial distinção do objeto do negócio, consideramos imprescindível a presença das partes para a sonora rerratificação.
Há ainda erros quanto à documentação ou outras formalidades da lei.
Quanto à documentação, o mais freqüente é o desacordo de números, datas, siglas. Estes são erros evidentes que, via de regra, podem ser corrigidos de ofício pelo tabelião.
Há, contudo, uma zona cinzenta instigante. Por exemplo, a escritura foi lavrada com as certidões do INSS e Receita Federal após o prazo de validade declarado. Seria possível solicitar novas certidões e, com elas, aditar para retificar, de ofício?
Não vemos problema, mas entendemos que o assunto merece debate, pois envolve aspectos éticos.
Dentre as demais formalidades da lei, citamos, a título de exemplo, as declarações. A falta delas, ou desacordo delas, com a vontade do declarante, só pode ser corrigida por rerratificação. A exceção fica por conta da anuência do cônjuge que, em muitos atos, não é expressa, aceitando-se a presença e assinatura do casal como declaração de acordo. E ainda que houvesse exigência para que se suprisse, entendemos que esta seria possível através de ata declaratória ou aditamento retificativo por solicitação das partes, com a declaração da anuência.
Ata Notarial
Foi a ata notarial instituída pela Lei 8.935/94 para corrigir erros materiais em escrituras?
Parece-nos que a lei pretendeu muito mais e a doutrina já se encarrega de rechear as infindáveis possibilidades da ata como atividade notarial a serviço das necessidades da cidadania e da sociedade.
A ata notarial, contudo, não é a forma, a roupa feita sob medida para a correção de erros, ainda que em alguns notariados da América Latina seja, por vezes, utilizada.
Vemos alguns óbices que tornam a correção de erros por ata notarial incompatível com a natureza deste ato.
Em primeiro lugar, a ata deve ter um solicitante. Se o tabelião perceber o erro ou se a parte se recusar a solicitar a correção, faltará elemento essencial ao ato. E não se pense que o tabelião deverá agir como solicitante, lavrando o próprio ato corretivo, pois esta solução representa infração ao princípio da impessoalidade, e obstado expressamente pelo artigo 27 da lei 8.935/94.
Em segundo lugar, a ata notarial tem natureza de pré-constituição probatória, instrumento a disposição da sociedade. Utilizá-la para corrigir erros ou omissões parece-nos um desvio de finalidade que constitui infração ao artigo 6°, inciso II, da referida lei 8.935/94.
Indepentemente da titulação do ato, cremos que o imprescindível é corrigir os erros e omissões, quando detectados, o quanto antes e da maneira mais simples e menos custosa.
Resta lembrar que, em vista do princípio da unicidade da fé pública, decorrente da delegação estatal, qualquer tabelião poderá corrigir erro ou omissão constante de ato feito por outro.
* Paulo Roberto G. Ferreira é o 26º Tabelião de Notas de S. Paulo
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