Do Registro do Protesto Contra a Alienação de Bens Móveis e Imóveis
Décio Antônio Erpen
Sumário. 1. Do Protesto no Direito Imobiliário – Evolução. 2. Os Protestos em Geral. 3. Das Cautelares específicas no Registro Imobiliário. 4.Do Princípio da Concentração e da Inscrição. 5. Registro ou Averbação. 6. Publicação de Editais. 7. Dos Recursos do Protesto concedido ou denegado. 8. Vedação de escriturar ou registrar. 9. Pressupostos e extensão do Protesto. 10. Protesto contra a venda de bens móveis e o Registro de Títulos e Documentos. 11. Conclusão.
Do Protesto no Direito Imobiliário - Evolução
Existe um vezo secular, atinente ao Protesto contra a Alienação de Bens, relativamente à sua inscrição no Registro Imobiliário, e que só encontra explicação se feita uma digressão histórica em torno do Direito Imobiliário. Senão vejamos.
Descoberto o Brasil, todo o território pertencia à Coroa Portuguesa. O desmembramento iniciou-se com as Cartas de Sesmarias, originariamente pelos donatários; depois pelos Governadores ( O Registro de Imóveis - Afrânio de Carvalho). Tal sistema perdurou até a Independência do Brasil, em l822. Em l850, e surge o primeiro ato legislativo - Lei 601- que legitimou as posses, exigindo seu registro no chamado Registro do Vigário. Os ocupantes de terras devolutas deviam registrar suas posses para desvinculá-las do território do domínio público. Prosseguia, sem maiores percalços, o avanço da propriedade privada, o que convinha ao Governante, exatamente para tornar efetiva a posse do território. Tal prática foi extremamente decisiva quando da invocação do princípio "uti possidetis" , dando a configuração definitiva do território nacional.
Em l843, é criado o Registro de Imóveis, através da Lei Orçamentária 317, denominando-se Registro Hipotecário, mas que não apresentava confiabilidade, pois não adotara os princípios da especialidade e publicidade. Para suprir a lacuna, sobreveio a ( Lei 1.237, de l864, cujo instituto se chamou Registro Geral, de grande alcance, proclamando que a propriedade imobiliária era adquirida pela "transcrição" do título". Afirma Afrânio de Carvalho que tal registro foi verdadeiro antecedente do Registro de Imóveis.
Observo que no Brasil, a rigor, o Registro Hipotecário antecedeu o Registro Imobiliário, ou seja, o instituto do crédito era mais importante que o instituto da propriedade.
A Lei Hipotecária, que foi um grande avanço para o Registro Imobiliário, tornou obrigatório o registro dos atos relativos à transmissão de bens de raiz, por atos "inter vivos" e a constituição de direitos reais. Deixou fora, propositadamente, os atos judiciais e a transmissão "causa-mortis", isto porque a publicidade se da-se-ia nos Foros ou nas Repartições onde se efetivara a partilha.
Para trazer à lume exclusivamente a legislação significativa, expresso que o Registro Torrens, adotado em l890, era facultativo, assim que, somente com a entrada em vigor do Código Civil, em l917, todos os atos de transmissão de propriedade ou instituição de direitos reais sobre coisas alheias passaram a ser obrigatórios. Iniciou-se, então, um sistema orgânico, porque obrigatório e abrangente, passando o Registro Imobiliário a exercer sua grande missão política, não truncando sua função econômica.
A Lei dos Registros Públicos, que foi o documento legal mais importante depois do Código Civil, em l975 , a rigor, alterou, substancialmente a técnica registral, em adotando a matrícula, ou seja, outorgando caráter real ao ato registral, mantendo , todavia, a idéia central do Código Civil, no tocante ao regime jurídico da propriedade imobiliária, que se adquire pelo registro ( antiga transcrição).
Com esse breve lembrete da evolução histórica, conclui-se que os protestos judiciais, seja qual fosse sua natureza, até a entrada em vigor do Código Civil, não eram passíveis de registro porque os foros se constituíam, à época, igualmente, em órgãos de publicidade. Aí o vezo dos juristas, que mantiveram a prática dos rábulas , em promovendo o protesto e guardando-o em suas gavetas para utilizá-lo quando conviesse. Contudo ignorado pela comunidade, também, porque não tinha eficácia estabelecida no tempo. Era perpétuo e indefinido. Sem tempo para o exercício de eventual direito. Autêntica espada de Dâmocles, ou armadilha jurídica.
Dos protestos em Geral
Até l939, cada Estado tinha seu Código de Processo Civil. Valho-me do adotado em meu Estado – o do Rio Grande do Sul – na suposição de que o mesmo conteúdo tenha sido consagrado nos demais Estados brasileiros.
A Lei 65, de l5 de janeiro de l908, trazia na Secção II, disposições em torno dos "Protestos em Geral". O art. 793 tinha a seguinte redação:
"Tomado por termo, o protesto será intimado às partes e interessados, ou pessoalmente se conhecidos e presentes, ou por edital se forem desconhecidos ou ausentes."
Adiante, estabeleceu que seriam utilizados nas ações competentes. Não especializou o Protesto Contra a Alienação de Bens.
Já, o Código de Processo Civil, de l939 ,editado pela União, uniformizando a matéria processual em todo o território nacional, dispôs o tema no TÍTULO X, dedicando diversos preceitos constantes dos artigos 720 e seguintes.
O art. 720 prevê a possibilidade de se formalizar o protesto, quando seria "notificado quem de direito". Adiante, vedou o contraprotesto. Já, o art. 723 expressou:
"Feitas as notificações, o protesto será entregue ao peticionário quarenta e oito (48) horas depois, independente de traslado, salvo se, dentro desse prazo, a parte interessada houver pedido certidão."
Vedou, expressamente, a prática de se impedir "a formação de contrato ou a realização de negócio lícito."( art. 721).Não se referiu, especificamente, ao Protesto Contra Alienação de Bens.
O atual CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – Lei 5.869, de 11 de janeiro de l973, - disciplinou a matéria no Livro III – Do Processo Cautelar.
Relativamente aos Protestos, Notificações e Interpelações, dedicou o Código de Procedimentos os artigos 867 a 873.
Praticamente, copiou o dispositivo de l939, no que pertine à possibilidade de protesto para "prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal"( art. 867).
A novidade maior se encontra no art. 870,I, que prevê a publicação por editais,
"Se o protesto for para conhecimento do público em geral, nos casos previstos em lei, ou quando a publicidade seja essencial para que o protesto, notificação ou interpelação atinja seus fins."
O parágrafo único do art. 870 faz expressa referência ao tema ora enfocado, expressando:
" quando se tratar de protesto contra a alienação de bens, pode o juiz ouvir, em três (3) dias, aquele contra quem foi dirigido, desde que lhe pareça haver no pedido ato emulativo, tentativa de extorsão, ou qualquer outro fim ilícito, decidindo em seguida sobre o pedido de publicação de editais.
De tudo deduz-se que o legislador especializou esse tipo de protesto e deu-lhe certo caráter de contenciosidade, para evitar seja ele abusivo. A publicação de editais somente pode se dar "quando a publicidade seja essencial para que o protesto "... atinja seus fins." (art. 870,I)
Aí, a sabedoria do preceito.
O objetivo do edital é dar ciência inequívoca à toda a comunidade.
Sabe-se, e disso temos tratado, que há duas modalidades de publicidade: a) através dos órgãos específicos, previstos em lei , na chamada publicidade passiva ( ofícios registrais, repartições); b) órgãos precários, ou publicidade ativa, na falta de um órgão específico de publicidade. Isso ocorre com os editais, avisos, anúncios, em especial convite para licitação, venda judicial, leilão, etc.
Ora, se há um órgão específico para noticiar todas as alterações subjetivas do titular do bem imóvel, e objetivas relativas ao mesmo, não há por que se valer de um órgão precário, que se tem prestado, muitas vezes, para tipificar hipóteses que o próprio legislador previu: "ato emulativo, tentativa de extorsão, ou qualquer outro fim ilícito..."
Em se cuidando de imóveis, devendo as certidões integrarem futuro ato jurídico, prestam-se elas a alertar o futuro adquirente de eventual óbice ou restrição. Sendo cogente a presença da certidão imobiliária, eventual protesto ficará consignado na mesma, o que alertará possível interessado.
Das cautelares específicas no Registro Imobiliário
A Lei dos Registros Públicos ( Lei 6.015/73) e que é posterior ao Código de Processo Civil, este com vigência a partir de 1O de janeiro de l974, e aquela, a partir de 1O de janeiro de l976, prevê o registro de cautelares na matrícula do imóvel. Isto ocorre relativamente às penhoras, arrestos e seqüestros ( art. l67,5); citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis.
Foi mais abrangente, ao dispor, no art. 246, a possibilidade ampla de averbação quando houver alteração no registro. Já no art. 247, cuidou da indisponibilidade de bens, prevendo a averbação, isso porque a indisponibilidade nasce ante previsão expressa de lei e, de regra, por ato estatal feito publicar no Diário Oficial, órgão de publicidade dos atos oficiais.
Quero chegar à conclusão, que o sistema processual passou a exigir o registro dos atos judiciais, na sua totalidade, para efeitos de publicidade "erga omnes", abandonando a sistemática anterior ao Código Civil, onde o aldeão sabia de tudo o que ocorria no seu meio social , através de uma publicidade muito primitiva. Não vejo nenhuma razão, nem de bom senso, nem jurídica, a autorizar a conclusão de que o protesto contra a alienação de bens não tenha espaço para ser inscrito. Antes pelo contrário.
Releio o art. 870,I do CPC:
"Se o protesto for para conhecimento do público em geral, nos casos previstos em lei, ou quando a publicidade seja essencial ..."
O protesto, para tornar inequívoca a vontade do pleiteante frente a outro contratante , sem dúvida, não carece de publicidade. Aí, sim, os autos serão entregues à parte interessada, incidindo o disposto no art. 872. Mas quando objetiva alertar toda uma comunidade , não havendo órgão específico de publicidade, possível a publicação de editais. Caso contrário, a publicidade dar-se-á no Órgão Específico, ou seja, em se tratando de imóveis, no Registro Imobiliário; em se cuidando de navios ou aeronaves, no Registro respectivo.
Dos princípios da Concentração e da Inscrição
Com a edição da Lei 6.015/73, tratando-se de imóveis, adotou-se, em substituição à transcrição – que era pessoal e cronológica –, a matrícula ( eminentemente real), onde devem se concentrar todos as alterações subjetivas e objetivas, relativas aos titulares e ao imóvel em si. Tudo, sem exceções, pena de ser o sistema incompleto.
Se alguma dúvida houvesse a respeito, uma análise sistemática solveria o impasse. Invoca-se, ao ensejo, a Lei 7.433/85, chamada LEI DAS ESCRITURAS PÚBLICAS, que diz quais os documentos necessários à lavratura do ato notarial, dispondo, no artigo 1O,§2O , a consignação obrigatória das:
"...as certidões fiscais, feitos ajuizados, e ônus reais,..."
O Decreto N.º 93.240/86 regulamentou a mesma lei, dizendo que as certidões são expedidas pelo Registro Imobiliário competente.
Ora, a certidão, agora integradora do ato jurídico, objetiva dar ciência ao adquirente de toda situação jurídica do imóvel, incluindo as cautelares. Do contrário, não haveria necessidade de aludir aos "feitos ajuizados", porque deles é que nascem as penhoras, arrestos, seqüestros, citações em ações reais. E , também os protestos, como medidas preventivas de direito.
Essa posição do legislador é suficiente para consagrar o princípio da concentração, se outros precedentes legislativos não existissem como, v.g. a prevalência da locação, em caso de alienação, se houver inscrição no Registro Imobiliário, etc.
Havia três exceções, no sistema jurídico, de situações jurídicas, que estavam excluídas de inscrição, porque, ou prevalecia a publicidade natural, ou porque a publicidade era gerada de forma genuína. Na primeira hipótese, trago o caso da posse "ad usucapionem", que existe independente de registro , seguindo-se da servidão aparente e contínua. Sendo direitos reais visíveis e contínuos, dispensados estão de registro, para fins de oponibilidade. O registro faz-se necessário somente para fins de disponibilidade. A outra exceção reside na desapropriação, pois o ato de declaração de utilidade pública estaria gerando a ficção de conhecimento, com a publicação do ato estatal na Imprensa Oficial
Recentemente, surgiu um fato jurídico novo: a Lei 9.785, de 29 de janeiro de l999, dispondo sobre a desapropriação, consignou no art. 2O , que fica alterada a Lei 6.015/73, no seu art. 167, I , quando acrescenta mais um caso de registro:
"36- da imissão provisória da posse,..."
Adiante, cogitou a lei do registro da sentença proferida no processo de desapropriação, junto ao Registro Imobiliário, prestigiando-o sobremaneira.
Conclui-se que o próprio Legislador, que não se submetia ao sistema registral porque entendia que a publicidade de seus atos dava-se através da Imprensa Oficial e, também porque se cuidava de ato de império, passou a exigir a inscrição dos mesmos nos Registros Públicos Civis, com o escopo de proteger terceiros de boa-fé. Prestigiou, sobremaneira o sistema registral.
Isso está a ocorrer, igualmente, nas chamadas cautelares fiscais, das quais cuidarei noutra oportunidade.
Denota-se, assim, a tendência de se abandonar a publicidade natural, para se consagrar, de forma definitiva, o princípio da inscrição. Segundo ele, todos os atos e fatos jurígenos devem ser inscritos no sistema registral, com isso, munindo a Comunidade de elementos aptos a outorgar confiável a publicidade registral e com isso tornar efetiva a segurança jurídica.
Como em nenhum momento exigiu o legislador certidão judicial da distribuição e, sim, certidão emanada pelo Registro de Imóveis, tem-se que pode haver ineficácia do protesto frente a terceiros, se não inscrito no Álbum Imobiliário. E se a conduta do Registrador advém de norma superior, não se afasta a hipótese de responsabilidade civil do Estado pela adoção de norma que afronta o sistema publicitário.
Registro ou Averbação
Tenho que tal discussão é essencialmente uma questão de técnica. Segundo a melhor doutrina, o rol dos casos de registro é exaustivo. Vale-se, então, do permissivo no art. 246 da Lei Registral para se averbar. O importante é que haja a notícia do Protesto Contra a Alienação de Bens para evitar que terceiros, de boa-fé sejam atingidos.
A discussão era importante na vigência das antigas transcrições, isso porque as averbações davam-se "à sua margem" . Hoje, com a adoção da matrícula, tanto os registros, como as averbações ocorrem na mesma, diferenciando-se , somente, em seu conteúdo.
No caso das cautelares, sem dúvida, está-se diante de uma autêntica publicidade-notícia, bem diversa da publicidade constitutiva.
Publicação de editais
Cuida-se é matéria jurisdicional, mas não dispensa a inscrição (lato sensu) do mesmo protesto, exatamente para conhecimento de terceiros que venham procurar notícias da situação jurídica de um imóvel e de eventual alteração subjetiva. Autêntico caso de dupla publicidade.
O juiz só pode deferir a publicação dos editais quando isso se fizer absolutamente necessário, pena de se incorrer nos inconvenientes que o legislador quis coibir: prestar-se à extorsão ou outros objetivos escusos. Aventa a lei, inclusive, a um sumário contraditório, para deferimento, ou não, dos editais. A publicação não fica ao alvedrio da parte requerente. A prática tem demonstrado que levam eles a terríveis inconvenientes, exatamente pela abusividade no exercício de suposto direito.
Com a publicação ou não dos editais, sempre há que se valer, também, do órgão publicitário específico, isto em se cuidando de imóvel, pena de se fracionar o sistema.
Não se pode olvidar que o instituto do Protesto Contra a Alienação de Bens objetiva, fundamentalmente, alertar terceiros de boa-fé. Outros protestos podem Ter a finalidade de expressar a vontade do seu autor, ou tipificar uma situação jurídica.
Dos recursos do Protesto concedido ou denegado
Reina grande dissenso em torno da recorribilidade, ou não, da decisão que concede ou denega o protesto contra a alienação.
Recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, sendo Relator o eminente Ministro Sálvio de Figueiredo (RMS 9.570-0 in Boletim do Superior Tribunal de Justiça, nº 13) admitiu o Mandado de Segurança como remédio contra o ato judicial, ante ausência de previsão legal de recurso.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em especial a Sexta Câmara Cível, que integro, tem admitido o Agravo de Instrumento. E, se for o caso, tem deferido liminar, tornando o recurso tão ágil quanto o "mandamus", sem quebrar o sistema recursal. Mas não se pode negar que reina grande divergência. THEOTÔNIO NEGRÃO, em notas de rodapé, traz sugestivos precedentes.
Tenho que qualquer uma das vias eleitas constitui-se em autêntica conquista para tutela do direito do requerido. E ambos os expedientes possuem justificativa no sistema. Se o protesto deferido fere, acintosamente, direito líquido e certo da parte requerida, a via mandamental encontra respaldo, também, porque não há previsão legal de recurso específico, pois não instaurada a lide. Não há contraditório . Não há que se falar em recurso. Mas o patrimônio da parte requerida fica anestesiado.
Se o requerido porta um bom direito, não na eloquência de um direito líquido e certo, mas analisado, criteriosamente, merece tutela judicial, possível o exame pela via recursal. Com isso se instaura um contraditório sumário, que encontra respaldo no sistema legal.
Vedação de se alienar (escriturar ou de registrar)
Assaz importante frisar que o Protesto Contra a Alienação
de Bens não se presta a tornar indisponível o patrimônio do requerido. Se as medidas cautelares específicas não têm essa eficácia, com sobradas razões, isso não pode ocorrer num protesto genérico, quando, muitas vezes, sequer há sentença condenatória. Cuida-se de medida cautelar quando inexiste título passível de execução.
O legislador atentou a tal circunstância, ao ponto de consignar, no art. 869 do CPC ,que o juiz indeferirá o pedido, quando o protesto
"... possa impedir a formação de contrato ou a realização de negócio lícito."
Não se cuida, pois, de declaração de indisponibilidade, nem de vedação de realização de negócio, que poderá ficar comprometido diante do princípio da prioridade. O negócio feito sob protesto é válido, com possibilidade de se questionar, no futuro, a eficácia , relativamente ao autor do protesto. Não se adentra no campo da proibição da lavratura de ato, nem de sua validade. Cuida-se de reserva, apenas, para uma eventualidade. A prática tem demonstrado, e isso é assaz preocupante, que o bem, alvo de protesto, fica em estado letárgico. E o requerido sob suspeita em suas transações.
De regra, tais protestos advêm antes de um processo de conhecimento, ou no seu curso.
Não posso deixar de consignar precedente advindo da Sexta Câmara Cível, do Tribunal de Justiça de nosso Estado, em julgamento que participei, sendo Relator o eminente Des. Osvaldo Stefanello, que traz significativa passagem doutrinária estampada pelo Professor Galeno Lacerda ( Comentários, Forense, vol.VII, Tomo II, p. 496 e seguintes) e da lição de PONTES DE MIRANDA ( comentários, l973,vol. XII/336) do seguinte teor:
"Não pode, pois o juiz admitir protesto, notificação ou interpelação que implique ordem de fazer ou não fazer ou que de qualquer forma, mesmo indiretamente, importe modificação, constituição ou extinção de direito, ou , ainda, coação sobre a vontade de outrem. Medidas voluntárias dessa natureza, emitidas em procedimento unilateral, não contêm essa espécie de eficácia; delas resulta apenas impedimento de caráter psicológico, sem efeito jurídico impeditivo." (Ap. Cível 598 125 714)
Pressupostos e extensão do protesto
O requerente deve demonstrar que o (futuro) devedor está a comprometer futura execução. Além de um suposto direito, pois, o risco iminente.
Mas não fica aí a particularidade do instituto. Há que se atentar para o princípio da especialidade. Não se protesta contra a alienação de todo e qualquer bem que integre o patrimônio. Salvo se a universalidade for insuficiente a garantir futura execução. Do contrário, há que se especializar determinado bem, pena de se tornar a medida abusiva. O direito deve ser exercitado "civiliter".
Há casos em que os Tribunais têm deferido dano moral diante de protesto abusivo, em especial quando se alega que o requerido está em lugar incerto ou não sabido, e não sendo tal assertiva correta. Sem prejuízo, por suposto, de danos materiais. Em caso de empresa, o protesto abusivo pode provocar sua ruína. Aí, o dano é material.
Em defesa dos requerentes, alega-se que a publicação de editais, quando abusiva, dá-se sob os auspícios do Estado, ante o crivo do Judiciário. Se o pedido é abusivo, ao juiz compete indeferir ou podar algum excesso, promovendo eventual adequação.
Protesto contra a venda de bens móveis e o Registro de Títulos e Documentos
As coisas se complicam quando se cuida de se acautelar contra futuro devedor, que seja proprietário somente de bens móveis.
Sabe-se que a posse induz à presunção de domínio. Com isso, o possuidor pode alienar o bem, prevalecendo a teoria da aparência. O terceiro de boa- fé não pode ser prejudicado.
Penso que, em se tratando de bem de fácil circulação, inviável o protesto para o fim almejado. Quando se cuida de penhora, arresto ou seqüestro, o correto é retirar o bem do comércio, exatamente em homenagem à teoria da aparência, isso porque a posse leva à presunção de domínio. Os terceiros de boa-fé não podem ser prejudicados na interação social.
Isso justifica o preceito contido no art. 666 do CPC que diz:
"Se o credor não concordar em que fique como depositário o devedor, depositar-se-ão:
I – No Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal ou em um banco,..."
Os três incisos dizem respeito a bens móveis, deixando clara a posição do legislador, de retirar do comércio, quantias em dinheiro, pedras, metais preciosos, papéis de créditos e móveis, o que somente é explicável se compreendido o regime jurídico da propriedade mobiliária.
Não consigo divisar um saudável espaço para se truncar a vida do devedor e dos terceiros de boa-fé, em colocando sob suspeita toda e qualquer alienação de bens móveis, de fácil circulação.
Todavia, em se cuidando de veículo automotor, possível construir-se dentro do sistema, um mecanismo apto a alertar terceiros de eventuais riscos. Tratando-se de bem de expressivo valor, possível a publicidade, através de editais, com ampla publicidade. Os riscos dos editais residem na circunstância de ser essa publicidade fugaz e instantânea. Publicado o edital num periódico- lido ou não - , já no dia seguinte é ignorado. Mas gera a ficção de conhecimento e, com isto, pode se prestar a casos de iniquidade.
As ficções legais são necessárias à construção do sistema jurídico. No caso da publicidade registral, gera ela a ficção de conhecimento "erga omnes". Essa ficção é indispensável para a estruturação do sistema jurídico. Mesmo para o caso de publicação de editais. Ninguém pode alegar seu desconhecimento. Mas em se cuidando de bens móveis, parece-me assaz perigosa a incidência da ficção legal de conhecimento. Como compelir toda uma população a ler determinado período, exatamente em Editais ou Avisos, sem nenhum atrativo?
O ponto de equilíbrio deve ser encontrado. Não se pode exigir que um paulista conheça os editais publicados em periódico gaúcho. Contudo, - pondera-se - é uma temeridade adquirir-se, em São Paulo, um veículo lotado no Rio Grande do Sul, sem que se faça, no mínimo, sumária investigação. Como os editais integram a chamada publicidade precária, deve-se encontrar um meio de se perpetuar o ato, em algum órgão que permita futura busca por parte de algum interessado.
Penso que se está dentro de um vazio do sistema e que deve ser suprido. Do contrário, o sistema estará a serviço da insegurança jurídica.
Não tenho a menor dúvida que, em se cuidando de venda de bem móvel com reserva de domínio, alienação fiduciária, leasing ou outro direito sobre coisa alheia, que tenha sido alvo de registro, o protesto seja inscrito no OFÍCIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS onde se deu o registro originário. Se duplo, porque o domicílio do credor é diverso do devedor, em ambos deve figurar eventual cautelar. Quando o bem móvel passou ao regime da publicidade artificial, substituindo a precariedade da natural, passa a situação jurídica do bem a se submeter ao princípio da inscrição.
Não há o menor respaldo jurídico, pretender-se inscrever o protesto no DETRAN, por duas razões fundamentais. A primeira, porque não há previsão legal. Se a publicidade registral existe para outorgar a segurança jurídica, a identificação do órgão deve ser inequívoca, exatamente para ser segura; a segunda, porque o registro no DETRAN é da aquisição já efetivada, e para fins administrativos, ou seja, para legitimar a circulação do veículo. Ora, se um terceiro de boa-fé adquiriu um veículo, efetivada a tradição, consumada a venda, eis que superados os três planos (existência, validade e eficácia), como deixar de autorizar sua circulação diante de um ato de protesto preexistente , mas que o adquirente de boa- fé ignorava ? O protesto existe para alertar o adquirente e, não para puni-lo.
A segurança jurídica somente será alcançada quando for instuticionalizada a propriedade do veículo automotor, com registro constitutivo, e precisados os órgãos de publicidade. E, cuidando-se de um registro civil, de direito material, caberá a órgãos que integram o sistema publicitário, fazê-lo. Nunca o DETRAN, que exerce funções meramente administrativas. O DETRAN, nos casos de registro de alienação, recebe um fato consumado, daí por que despicienda qualquer diligência junto ao mesmo, para obstar futuro registro. Nem para fins de publicidade-notícia.
Todavia, se o veículo automotor se inseriu no sistema registral através dos institutos da alienação fiduciária ou leasing, o Ofício de Títulos e Documentos passou a ser seu órgão de publicidade. Bastaria sua inscrição para alertar terceiros. A publicidade estaria gerada
Conclusão
No momento em que a interação social intensifica-se, maior é a sede de segurança jurídica. Os negócios mobiliários ou imobiliários não se prestam mais a aventuras ou riscos. A propriedade mobiliário passou a ter grande expressão monetária, vezes superando a imobiliária. Há que se munir a Comunidade de um mecanismo ágil, seguro e absolutamente confiável, relativamente às situações jurídicas dos bens (móveis ou imóveis) e negócios. O Registro de Títulos e Documentos, uma salvaguarda para os bens móveis e para os negócios jurídicos em geral, deve ser prestigiado para cumprir sua missão social. Mas isso só será conseguido se o legislador outorgar à Nação um sistema registral moderno e completo, e se os operadores do Direito prestigiarem-no, compelindo o cidadão a registrar todos os fatos jurígenos ou atos jurídicos oponíveis. Assim, resguardar-se-ão os terceiros de boa fé e outorgar-se-á a segurança jurídica almejada, um dos valores supremos do direito.
Ressalvo, por derradeiro, que o presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema; mas, ensejar uma séria meditação de parte do mundo jurídico, em torno da cautelar , ora enfocada.
Porto Alegre, maio de l999
Décio Antônio Erpen é Desembargador TJ RS e Professor de Direito Civil – PUC – R
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