Evolução histórica dos sistemas registrais
Maria Elena Luna Campos
I.- A BÍBLIA
Estudiosos do Direito Hipotecário pretendem encontrar em passagens Bíblicas as origens mais remotas da publicidade imobiliária ou manifestações rudimentares da transmissão de domínio. No Levítico (Capítulo 25, 24), livro de Rute (Capítulo 4, 9), ou Jeremias (22, 9,14,15), há exemplos dessas manifestações, que se referem melhor a modos ou formas sacramentais da transmissão da propriedade.
LEVÍTICOS 25, 24: "Por isso, em qualquer terra que vocês possuírem, concedam o direito de resgatar a terra".
"Se um irmão seu cai na miséria e precisa vender algo do patrimônio próprio, o parente mais próximo dele, que tem o direito de resgate, irá até ele e resgatará aquilo que o irmão tiver vendido".
RUTE 4, 9
"Então Booz disse aos anciãos e ao povo: Vocês hoje são testemunhas de que eu estou comprando de Noemi tudo o que pertencia a Elimelec, a Quelion e a Maloon".
JEREMIAS 22, 9, 14 e 15.
“E responderão: Foi porque eles abandonaram a aliança com Javé seu Deus, e adoraram outros deuses e os serviram".
“E diz: Vou construir uma casa grande, com imensos aposentos. E faz janelas, recobre a casa com cedro e a pinta de vermelho".
“Você pensa que é rei porque tem mais cedro que os outros? O seu pai não comeu e não bebeu? Pois ele fez o que é justo e o que é direito, e no seu tempo tudo correu bem para ele.”
II.-EGITO
Jerônimo González Martínez, sobre a organização do Registro da Propriedade nessa região, expressa: Parece que existiam dois tipos de ofícios: o bibiozeke demosion logon (Arquivos de negócios), onde se conservavam as declarações feitas a cada catorze anos e que serviam de base para a arrecadação dos impostos, e o enkteseon bibliozeke (Arquivo de aquisições), dirigido por funcionários semelhantes aos nossos Registradores (bibliofilakes) que intervinham na contratação imobiliária e na transmissão de direitos de igual caráter.
III.- ROMANO
Aqui a publicidade registral não existiu e, muito menos, o registro. É por isso que, nesse sistema, predominou-se a clandestinidade de imóveis. Como mencionado posteriormente, o Direito Registral é criação alemã, predominando a Mancipatio, referindo-se unicamente às Res Mancipi, sejam bens móveis ou imóveis. Era uma forma de contratação essencialmente formalista, porque a conduta dos interventores era o elemento sem o qual as partes não podiam ficar obrigadas, nem surtir efeitos os atos que eram celebrados. Nesse sistema, as denominações que tinham os interventores eram: "Mancipio Accipiens" para o adquirente, "Mancipio Dans" para o alienante,e intervinha, também, o "Libripens", que era o agente público e os "Testis Classicus", que eram cinco testemunhas.
O "Mancipio Accipiens" e o "Mancipio Dans", compareciam perante o "Libripens" e os "Testis Classics", para que o primeiro pronunciasse as palavras rituais, o "Nuncupatio", e ao mesmo tempo, colocava suas mãos no ato que simbolizava, por exemplo, o prédio alienado, que podia consistir em um punhado de terra ou outra coisa semelhante. Posteriormente, golpeava a libra, sustentada pelo "Libripens", com um ramo de árvore.
A In Jure Cessio referia-se também às "Res Mancipi", fossem bens móveis ou imóveis. Em si, era uma espécie de juízo simulado, relativo à alienação de transferência de bens, na qual o demandado confessava a demanda, um simulacro de juízo reivindicatório, como por exemplo: O "In Jure Cedens" (transferidor), ou seja, o demandado, concorria com o "Vindicans" (adquirente), ou seja, o reivindicante demandante, perante o magistrado, com as palavras rituais: "Legis Actio Sacramenti In Rem". O primeiro aceitava a demanda do segundo, o Magistrado, uma vez que se aceitava a demanda pelas partes, declarava que a propriedade pertencia ao Reivindicante. A "Mancipatio" e a "In Jure Cessio" foram desaparecendo na Época Clássica, surgindo a "Traditio".
A TRADITIO.- Aplicava-se para todo tipo de bens, sem a intervenção de formas rituais, referia-se à entrega da coisa com desapropriação, sendo que na linguagem jurídica moderna tradição também quer dizer ENTREGA.
IV.- ALEMÃO
O direito germânico antigo não era comum a todos os reinos que formavam parte do que atualmente é a República Federal Alemã. Tal e como ocorreu em Roma, a transmissão de imóveis realizava-se em duas etapas: por um lado, o negócio jurídico e, por outro, o ato translativo de domínio.
La Gewere e o Auflassung, eram as formas de transmitir a propriedade. A Gewere integrava-se por dois aspectos: a entrega ao adquirente e a desapossamento ou abandono do alienante. O Auflassung poderia ser judicial ou extrajudicial. O primeiro, como a in-jure cessio, era um juízo simulado, ou seja, o adquirente demandava ao alienante a entrega da coisa, o alienante aceitava a demanda e o juiz decidia a favor do autor, entregando-lhe judicialmente a posse. No extrajudicial, o contrato era aperfeiçoado com a inscrição da transmissão da propriedade no livro territorial. Este sistema é conhecido como registro constitutivo.
V.- ESPANHOL
Esse Direito Registral divide-se em quatro períodos. PRIMEIRO: Denominado de Publicidade Primitiva. Aqui, houve uma grande variedade de formas de publicidade, sendo a mais notável, a chamada "Robración", a qual era a ratificação Pública e solene da transferência, por carta ou escritura, de um imóvel. A seguir, estão alguns exemplos de foros que regulavam a “Robración”:
- O Foro de Sepúlveda: "O que vendesse uma propriedade rural Vangalo Robrar".
- O Foro de Plascência: "Quem quiser vender uma propriedade rural, terá de divulgá-la por três dias na cidade".
Surgiram, assim, esses foros em Castilla e em León, enquanto que na Catalunha triunfava o Direito Romano desde o século anterior.
SEGUNDO: Denominado de influência Romana. Nesse período, desaparecem lentamente as formas solenes de publicidade que, por sua vez, eram substituídas pela Traditio, predominando a clandestinidade, pois os bens sujeitos a prestações reais eram vendidos como qualquer coisa ou objeto, impondo-se, dessa maneira, certas medidas de publicidade para todas as alienações de imóveis, lutando contra os juízes, que eram seus únicos rivais, e se apegavam ao Direito Romano, admirado por estes devido sua perfeita técnica.
TERCEIRO: Denominado de Regime de Publicidade. Paulatinamente, vai desaparecendo a clandestinidade, embora ainda não fosse um sistema geral de publicidade imobiliário. Referia-se somente a certos atos relacionados a imóveis, em especial, de encargos ou hipotecas. O procedimento de registro de hipotecas era público e recebia direitos tarifários, os quais eram realizados pelo sistema de escaninho, e por ordem de despachos de documentos, servindo de base para fazer o registro. Dessa maneira, não houve resistência ao registro dos ofícios de hipotecas, colocando-se um fim nas discrepâncias existentes entre os compradores e interessados nos bens hipotecados.
Robustecendo-se o sistema registral no imposto de hipotecas e, posteriormente, com o imposto de direitos reais, foi desaparecendo a clandestinidade.
QUARTO: Denominado de Consolidação do Regime de Publicidade Registral. Esse período originou-se com a Lei Hipotecária do ano de 1861.
VI - FRANÇA
Sabemos que na França a aplicação do direito em tempos feudais e monárquicos diferenciou, muito bem, o norte do sul. No primeiro, com grande influência germânica, a forma de transmissão da propriedade realizava-se por meio da Gewere e Auflassung. No segundo, permaneceu como nos costumes do direito romano, transmitindo a propriedade com a traditio, celebrada de diversas formas, conforme o tempo e lugar.
VII - AUSTRALIANO
Esse sistema iniciou-se, em princípio, na África do Sul a partir do ano de 1858, espalhando-se para a Inglaterra e suas apropriações, a países coloniais e a alguns outros da União Norte-americana.
Conhecido com o nome de "Sistema Torrens". Foi criado pelo Sr. Roberto Richard Torrens, que pretendia proporcionar uma grande segurança aos títulos das propriedades na Austrália.
Essas propriedades apresentavam dois tipos de títulos: o direto que provinha da coroa e que, por sua vez, era inacatável; e o derivado que, por não existir um sistema de registro, prestava-se a todo tipo de fraudes já que, nessa época, operava-se, indiscutivelmente, a clandestinidade.
Esse autor queria que todos os títulos se desligassem da coroa e, para isso, foi criado um sistema chamado “matriculação”, ou seja, o acesso pela primeira vez ao Registro Público.
Esse sistema de “matriculação” era voluntário, porém, uma vez realizado, o imóvel a ficava sob o sistema registral, que tem como objetivo comprovar a existência do imóvel, assim como sua localização e seus limites, atribuindo fé, portanto, ao direito do “matriculante”, tornando inacatável esse direito e criando-se um título único e absoluto.
Esse procedimento consistia em apresentar uma solicitação de inscrição acompanhada de plantas, títulos e demais documentos necessários, submetidos à solicitação, com seus anexos, ao estudo de peritos (juristas e engenheiros topógrafos), com um aperfeiçoamento do ponto de vista legal e físico.
Após o exame, realizava-se uma publicação com todos os elementos do caso e de individualização da pessoa e da propriedade, fixando-se, dessa maneira, um prazo para que alguém se opusesse. Não havendo oposição, fazia-se o registro, ou seja, matriculava-se o imóvel. Uma vez realizado tudo isso, redigia-se o certificado do Título.
Quando se mudava de proprietário ou de titular, entregava-se o título ou certificado para que fosse anulado, substituindo-o por outro, ou também, era feito o endosso correspondente sobre o título no Registro, o qual também podia ser entregue em penhor ou ser útil para uma hipoteca. É a inscrição que faz surgir o direito real sobre um imóvel e não o contrato, como se pensa. Esse sistema, como o germânico, realiza o registro à base de um fólio real para cada imóvel e em forma de extrato, e não à base da inscrição integral do título.
VIII - O REGISTRO PÚBLICO DA PROPRIEDADE NO MÉXICO
No México, o Sistema Registral, ao longo da história, teve duas variantes e, assim, durante a Época da Colônia foram criados os ofícios de hipotecas, estabelecidos primeiramente na Espanha desde meados do século XVIII, resultando muito limitada à publicidade relativa aos bens imóveis, já que se anotavam os atos constitutivos de hipotecas, de censos e de outros encargos reais, assim como a venda de bens de raízes onerados. Dessa maneira, era muito difícil conhecer a situação jurídica completa dos imóveis.
Em 1871, implantou-se propriamente o Registro Público da Propriedade, mas de 1871 a 1902, os ofícios de hipotecas permaneceram como uma segunda seção.
Esses "ofícios de hipotecas" encontravam-se em mãos dos particulares e conforme uma lei de 1853 do então Presidente dos Estados Unidos Mexicanos, Sr. Antonio López de Santa Ana, os bens eram arrematados pelo melhor licitante, trabalhando sob a supervisão das Prefeituras e para a cobrança de direitos, baseavam-se em uma taxa oficial.
Os dois sistemas registrais existentes no México vão de 1871 até 1979 e o segundo e atual a partir de 1979. Basicamente, tratou de implantar os ensinamentos estabelecidos na Legislação Espanhola, sendo para o primeiro a Lei Hipotecária de 1861 e para o segundo a vigente Lei Hipotecária de 1946, tendo-se adotado para os dois sistemas o efeito declarativo para a Inscrição Registral, e que é próprio do sistema Francês, assim como a separação do Cadastro e do Registro Público da Propriedade, dependendo esta da autoridade administrativa e não dos Tribunais Judiciais.
Foi em 29 de Dezembro de 1978 quando o Presidente da Grande Comissão da Câmara de Deputados declarou à imprensa que o Congresso não tinha tido tempo suficiente para estudar e discutir as últimas reformas da Legislação Civil, porém, apesar disso, tinham visto a necessidade de aprová-los. Foi assim que, no mês de Janeiro de 1979, mediante uma fulminante e surpreendente reforma de todos os artigos do Registro Público da Propriedade no Código Civil, e com a expedição de um novo Regulamento, substituiu-se, de um dia para o outro, nosso anterior sistema Registral, que se baseava em livros seriados, numerados e folheados há mais de um século, por um novo registro a base de fólios dispersos ou folhas soltas.
Porém, mesmo com a chegada do novo sistema registral não se oferece nada novo. Os mesmos princípios gerais de antes continuavam em vigor, apresentando mais falhas que o sistema do registro Francês. Seus registros têm efeitos puramente declarativos, dado que os direitos reais nascem, são transmitidos, são modificados e extintos entre as partes e, embora para beneficio de terceiros, a virtude de acordos extra-registrais, cuja nulidade agora sempre produz como conseqüência a nulidade de sua inscrição no Registro Público da Propriedade e a conseqüente perda de direitos dos que os adquiriram fiados na existência de tal inscrição.
A função principal do Registro Público, com a segunda reforma de Janeiro de 1979 no México, é dotar de segurança jurídica os adquirentes de boa fé, mas esse sistema à base de fólios dispersos ou folhas soltas é também outro fator que enfraquece essa grande segurança jurídica que acima de tudo deveria proporcionar ao Registro Público da Propriedade, já que atualmente resulta fácil para qualquer pessoa fazer desaparecer ou substituir um fólio por outro com distintas anotações registrais ; assim, para que os bens tenham um regime jurídico de publicidade, de segurança e de respeito à aparência jurídica, que são objetivos do Registro Público da Propriedade, poderão ser aceitos como garantias de créditos com juros proporcionais ou para o desenvolvimento de um crédito territorial saudável, uma vez conseguida essa segurança.
* Maria Elena Luna Campos é registradora e o texto foi originariamente publicado no Cadri Gestor - SCR 12/2/2006. Tradução: Eloísa Cerdan. Revisão: Marcelo Salaroli, registrador.
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