O Ato de Registro como meio de impedir a fraude à Lei do FGTS
Mauro Antônio Rocha
1. O artigo 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, que rege o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, enumera diversas hipóteses permissivas de movimentação da conta vinculada do trabalhador no FGTS, abrangendo, dentre outras, a aquisição da moradia própria pelo trabalhador, nas seguintes condições:
Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:
...
V - pagamento de parte das prestações decorrentes de financiamento habitacional concedido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), desde que:
a) o mutuário conte com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes;
b) o valor bloqueado seja utilizado, no mínimo, durante o prazo de 12 (doze) meses;
c) o valor do abatimento atinja, no máximo, 80 (oitenta) por cento do montante da prestação;
VI - liquidação ou amortização extraordinária do saldo devedor de financiamento imobiliário, observadas as condições estabelecidas pelo Conselho Curador, dentre elas a de que o financiamento seja concedido no âmbito do SFH e haja interstício mínimo de 2 (dois) anos para cada movimentação;
VII - pagamento total ou parcial do preço da aquisição de moradia própria, observadas as seguintes condições:
a) o mutuário deverá contar com o mínimo de 3 (três) anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou empresas diferentes;
b) seja a operação financiável nas condições vigentes para o SFH;
....
§ 3º O direito de adquirir moradia com recursos do FGTS, pelo trabalhador, só poderá ser exercido para um único imóvel.
§ 4º O imóvel objeto de utilização do FGTS somente poderá ser objeto de outra transação com recursos do fundo, na forma que vier a ser regulamentada pelo Conselho Curador.
...
§ 17. Fica vedada a movimentação da conta vinculada do FGTS nas modalidades previstas nos incisos V, VI e VII deste artigo, nas operações firmadas, a partir de 25 de junho de 1998, no caso em que o adquirente já seja proprietário ou promitente comprador de imóvel localizado no Município onde resida, bem como no caso em que o adquirente já detenha, em qualquer parte do País, pelo menos um financiamento nas condições do SFH.
A referida Lei está regulamentada pelo Decreto nº 99.684, de 08 de novembro de 1990 e pelas Resoluções do Conselho Curador do FGTS.
O conceito de moradia própria, para os efeitos do atendimento às determinações legais, foi estabelecido pelo Conselho Curador do FGTS através da Resolução CCFGTS nº 66/92, que assim dispôs:
Resolve:
...
II – Estabelecer o entendimento de que o imóvel para moradia própria é aquele em que o pretendente instalará a sua residência e domicílio com ânimo definitivo.
2. A hipótese legal da aquisição de moradia própria tem sido reiteradamente utilizada para a tentativa de movimentação ilegal, indevida e intempestiva dos recursos depositados em conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.
Da mera simulação da transferência da propriedade de imóvel residencial impeditivo à aquisição para ‘sociedades’ criadas unicamente com o objetivo de receber o imóvel em pagamento e integralização de capital ou da doação desse imóvel para ascendentes ou descendentes, com posterior retorno do bem ao patrimônio do doador, entre outros exemplos, é recorrente a aquisição pelo trabalhador de imóvel residencial declaradamente para moradia própria, em operação amparada pela Lei, seguida da imediata transmissão da propriedade para terceiros, propiciando a utilização dos recursos liberados pelo FGTS para outras finalidades não previstas em Lei.
A principal constatação é a de que essas operações não são fruto da atividade isolada do trabalhador que conta, quase sempre, com a participação de terceiros, remunerados ou comissionados, que operam com razoável conhecimento da legislação de regência e das rotinas adotadas pelos agentes financeiros para a análise dessas operações.
No Estado de São Paulo, por força da análise técnica e jurídica centralizada das propostas de operações imobiliárias a Caixa Econômica Federal praticamente eliminou qualquer possibilidade dessa movimentação fraudulenta dos recursos do Fundo.
3. Há, no entanto, uma modalidade fraudulenta cujo combate requer a cooperação e participação ativa dos Registradores de Imóveis. Nos referimos aqui à observância do prazo de carência para utilização dos recursos do FGTS para outra transação com um mesmo imóvel.
A lei determinou a observância de prazo mínimo para que o imóvel adquirido com utilização de recursos de conta vinculada ao FGTS venha a ser objeto de outra transação com recursos do mesmo fundo.
Autorizado pela norma, o Conselho Curador, pela Resolução CCFGTS nº 163/94, estabeleceu o seguinte:
Resolve:
...
III – Estabelecer que os imóveis adquiridos total ou parcialmente com recursos do FGTS somente poderão ser objeto de nova negociação com utilização do Fundo depois de decorridos, no mínimo, 3 (três) anos da última transação.
O controle do referido prazo se faz pela inserção desse aspecto relevante da transação no registro da transmissão da propriedade, possibilitando ao agente financeiro constatar sua observância diretamente da certidão da matrícula imobiliária.
Na ausência de previsão legal para a inserção dessa informação o agente operador do FGTS vem buscando junto às entidades representativas dos registradores de imóveis a observância voluntária e espontânea desse requisito essencial à fiscalização da legalidade da movimentação de recursos. Ressalte-se que, em São Paulo, a maioria dos registradores tem atendido a contento essa necessidade.
Para além disso, a Corregedoria Geral da Justiça publicou no DOE de 16 de setembro de 1997 parecer jurídico de lavra do então r. Juiz Auxiliar da Corregedoria Dr. Marcelo Martins Berthe, ao qual atribuiu caráter normativo, que, s.m.j., continua válido e vigente, nos seguintes termos:
Protolocado CG. nº 19.419/97 – Capital – Caixa Econômica Federal
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Tratam os autos de promoção da Caixa Econômica Federal, que pleiteia seja determinado, aos Registros de Imóveis do Estado de São Paulo, que a escrituração dos registros efetuados, quando for o caso, indiquem que a aquisição utilizou recursos do FGTS, com a explicitação do valor.
Segundo consta ainda, a legislação própria, que regula o FGTS, não autorizaria nova utilização de recursos do fundo, para o mesmo imóvel, antes de decorrido o prazo de três anos, pelo que a inclusão desse referido dado no registro impediria a burla da lei.
É o relatório.
Passo a opinar:
Tenho que a propositura merece acolhimento.
Entre outros requisitos legais para a escrituração do livro 2, deve constar “o valor do contrato, da coisa ou da dívida, prazo desta, condições e mais especificações, inclusive os juros, se houver.” (art. 176, § 1º, III, n.5, da Lei de Registros Públicos).
Quando houver utilização de fundo de garantia por tempo de serviço, para pagamento do preço, esse fato relevante do contrato deverá ser incluído na redação do registro que seja feito no livro 2, até porque não será dado utilizar novos recursos do FGTS antes de decorrido o prazo de três anos, como alerta a promovente.
Fato como esse interessa não só à gestora do FGTS, senão a todos, porque importa em limitação legal que pode ser relevante para terceiros, entre estes eventuais futuros adquirentes desses imóveis.
Assim, tenho que procede a preocupação objeto desta proposta, cumprido seja determinado aos Registros de Imóveis que, por ocasião da escrituração do Livro 2, façam constar dos respectivos atos de registro, a parte do preço que foi paga com a utilização de recursos do FGTS, tudo conforme estiver constando dos títulos causais.
Finalmente, em sendo este aprovado, alvitra-se seja conferido a esta proposta caráter normativo, para que atinja os fins a que se destina.
É o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada consideração de Vossa Excelência.
Sub censura.
São Paulo, 10 de setembro de 1997.
Marcelo Martins Berthe
Juiz Auxiliar de Corregedoria
DECISÃO
Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar a ele atribuo caráter normativo.
Publique-se para conhecimento.
São Paulo, 12 de setembro de 1997
Márcio Martins Bonilha
Corregedor Geral da Justiça.
No entanto, em que pese a predisposição ao atendimento do pleito pelas entidades representativas dos registradores de imóveis, da solicitude da maioria dos Oficiais, sensíveis à necessidade de controle da utilização dos recursos FGTS e do caráter normativo do parecer jurídico transcrito, alguns Oficiais continuam reticentes à inclusão desse dado relevante do contrato na redação do registro lançado na matrícula imobiliária.
Assim agindo, impossibilitam o acompanhamento da movimentação daqueles recursos e favorecem, ainda que de forma involuntária, a realização de operações vedadas pela lei de regência, em prejuízo aos trabalhadores em geral e, em especial, ao adquirente de boa-fé que poderá ser obrigado a restituir ao Fundo os valores ilegalmente movimentados.
4. Por todo o exposto, para o controle e fiscalização das operações é imprescindível a colaboração e a participação dos Oficiais de Registro de Imóveis para que façam constar dos respectivos atos de registro a parte do preço que foi paga com a utilização do FGTS, conforme descrito nos títulos causais.
* Mauro Antônio Rocha é advogado e Coordenador Jurídico de Contratos Habitacionais da Caixa Econômica Federal.
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