Reflexos processuais e extraprocessuais
Guilherme Fanti
Sumário: Introdução. 1 – a inexistência de personalidade jurídica dos cartórios extrajudiciais. 1.1 – os reflexos da ilegitimidade passiva “ad processum” dos cartórios na prática processual. 1.2 – aspectos jurisprudenciais. 2 – o cartório como pessoa formal, dotado de personalidade judiciária. 2.1 - os reflexos da personalidade judiciária dos cartórios diante da sucessão da titularidade de um serviço notarial ou de registro. Conclusão. Bibliografia.
Resumo: O presente trabalho foi desenvolvido por meio de uma análise objetiva do conceito e da natureza jurídica dos cartórios extrajudiciais. O que se pretende demonstrar é que os serviços notariais e de registro não possuem personalidade jurídica própria, não são empresa ou entidade. Destarte, veremos que os cartórios são entes fictícios, desprovidos de personalidade e de patrimônio, não possuindo capacidade de ser parte em juízo, enquanto condição só recognoscível a pessoa física do seu titular, na qualidade de agente delegado do Poder Público. A responsabilidade dos delegados dos serviços notariais e de registro é limitada aos atos e obrigações contraídas durante o exercício da delegação. Por conseguinte, verifica-se que o novo titular da função, não deve responder por atos dos que lhe antecederam e tão pouco por ilícitos que não cometeu.
Palavras-chave: CARTÓRIO. PERSONALIDADE. DELEGAÇÃO. RESPONSABILIDADE. SUCESSÃO.
As atividades notariais e de registro constituem relevante serviço público que visa garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, bem como a preservação da ordem social. Certo é que tais funções públicas representam um instrumento fundamental para o desenvolvimento econômico nacional.
Este trabalho tem por objetivo geral analisar se os serviços notariais e de registro são dotados ou não de personalidade jurídica própria, tendo em vista o conceito e a natureza dessas serventias extrajudiciais. Também, como objetivo específico, busca-se questionar a jurisprudência atual atinente a matéria, a qual apresenta algumas divergências.
A escolha do presente tema tem como justificativa os inúmeros reflexos advindos da personalização jurídica dos cartórios, na função pública delegada à pessoa física do titular do serviço.
Hodiernamente, é muito freqüente a propositura de ações judiciais onde os oficiais de notas ou de registro são acionados para reparar danos em razão da responsabilidade civil e administrativa a eles conferidas pela delegação da função pública. Cumpre salientar que a maioria dessas ações são, preliminarmente, extintas, tendo em vista a ilegitimidade passiva dos cartórios, o que acarreta a ausência de um elemento fundamental da ação, sendo que a falta dessa condição leva a carência da mesma.
Contudo, existem alguns julgados no sentido de que, nada obstante o fato de o cartório não possuir personalidade jurídica, a serventia extrajudicial deve ser considerada como “pessoa formal” dotada de personalidade “judiciária”, com plena capacidade para estar em juízo, tal como as demais figuras expressas no rol do art. 12 do Código de Processo Civil.
Outro importante objetivo buscado por meio deste trabalho, é alertar para o grave problema gerado na sucessão da titularidade de um serviço notarial ou de registro, caso seja adotado o posicionamento indicado no parágrafo anterior, uma vez que o titular-sucessor poderá vir a ser responsabilizado por prejuízos causados em momento em que sequer administrava o serviço a si delegado.
Cumpre salientar que os cartórios extrajudiciais, no passado, eram considerados bens, equiparados aos imóveis, inclusive passíveis de herança, e adquiridos por doação. Posteriormente, eles deixaram de compor o patrimônio dos notários e registradores, deixando, assim, de ser bem, perdendo o seu conteúdo econômico. Finalmente, nos dias atuais, os serviços notariais e de registro passaram a ser delegados por meio de concurso público a pessoas físicas, e exercidos, em caráter privado. Ou seja, hoje os cartórios extrajudiciais não pertencem ao seu momentâneo titular, mas, sim, exclusivamente ao Estado. Por isso, que os cartórios não são uma entidade, não detém personalidade jurídica própria, não se equiparando a qualquer tipo de empresa.
1 – A inexistência de personalidade jurídica dos cartórios extrajudiciais
O entendimento predominante de nossa doutrina e jurisprudência firmam a posição de que os cartórios extrajudiciais, entes despersonalizados, desprovidos de patrimônio próprio, não possuem personalidade jurídica e não se caracterizam como empresa ou entidade.
Cumpre frisar que, hodiernamente, os serviços notariais e de registro passaram a ser delegados pelo Poder Público, por meio de concurso público, e exercidos, em caráter privado, consoante o disposto no art. 236 da Constituição Federal/88. Assim sendo, os cartórios extrajudiciais constituem, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade e sujeita, por isso mesmo, a um regime de direito público. Todavia, é preciso frisar que os notários e registradores não exercem cargo público, são classificados como agentes públicos delegados, os quais agem como se fossem o próprio Estado, dotados de autoridade. O notário e o registrador, na qualidade de agentes públicos delegados, exercem uma função pública “sui generis”, exercida no interesse da sociedade e que têm o escopo de garantir a segurança jurídica, a paz social e o desenvolvimento econômico.
Quanto à natureza jurídica do serviço notarial e de registro, há de se levar a exame, o apontamento feito por HELY LOPES MEIRELLES, em sua obra intitulada “Direito Administrativo Brasileiro”, que abaixo transcrevemos:
“O Governo e a Administração, como criações abstratas da Constituição e das leis, atuam por intermédio de suas entidades (pessoas jurídicas), de seus órgãos (centros de decisão) e de seus agentes (pessoas físicas investidas em cargos e funções)”.[1]
Destarte, é importante mencionar que as entidades são pessoas jurídicas, públicas ou privadas, os órgãos são centros de competência despersonalizados e que os agentes são aqueles que desempenham as funções do órgão, atribuídas e delimitadas por norma legal. Os agentes públicos classificam-se da seguinte forma: agentes políticos, que são os integrantes dos três Poderes e os componentes do primeiro escalão, membros do Ministério Público, Tribunais de Contas, e representantes diplomáticos; agentes administrativos, que são os servidores públicos definidos no art. 37, incisos II, V, IX da CF/88; agentes honoríficos, isto é, aqueles cidadãos convocados ou nomeados a prestar, interinamente, serviços ao Estado a título gratuito, configurando-se em verdadeiros colaboradores; e, por fim, agentes “delegados”, particulares que desempenham determinada atividade e executam determinado serviço público em nome próprio, por sua conta e risco, mas sobre a fiscalização do Estado delegante[2].
É na categoria de agentes delegados, representantes do Poder Estatal, que se encontram os notários e registradores, os quais não se confundem com os servidores públicos, tampouco exercem cargo público.
Assim, verifica-se que os notários e registradores, profissionais do direito, devidamente habilitados em concurso público de provas e títulos, desenvolvem função pública por delegação do Estado, assumindo, direta e pessoalmente, todos os ônus decorrentes do exercício da mesma, como por exemplo: aquisição ou locação do imóvel onde será prestado o serviço, sua montagem com móveis e equipamentos necessários para a execução da referida prestação, guarda e conservação dos livros públicos, contratação de pessoal sob o regime celetista, responsabilização pessoal por todos os atos praticados. Por tais motivos, não há que prevalecer o entendimento que o serviço notarial e registral configura uma pessoa jurídica, dotada de personalidade jurídica.
Ademais, verifica-se que hoje a outorga da titularidade de uma delegação não tem o condão de transferir ao momentâneo notário ou registrador qualquer espécie de bem ou patrimônio, isto é, a titularidade de uma serventia não pertence ao titular investido na função, mas sim, exclusivamente ao Estado.
É certo afirmar que as serventias notariais e de registro não são pessoa jurídica – não são empresa. A afirmação torna-se inequívoca pela análise da relação jurídica existente entre o titular da Serventia e o Estado ou mesmo porque a organização é regulada por lei e os serviços prestados ficam sujeitos ao controle e fiscalização do Poder Judiciário. Ainda, como reiteradamente mencionado, o cartório não possui personalidade jurídica, a qual só se adquire com o registro dos atos constitutivos na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo já proclamou:
“O cartório e a função titulada não são pessoas físicas ou jurídicas; não são entes jurídicos no ordenamento brasileiro, não podendo e nem devendo figurar no pólo ativo ou passivo processual. Em realidade não têm personalidade própria e nem são entes patrimoniais, capazes de contrair direitos e obrigações. Entes jurídicos são somente aqueles previstos em lei, e o art. 16 e 18 do Código Civil assim não os classifica. Em suma, é mera evocação designativa de um serviço público prestado por particulares, profissionais do direito, e, como tal, insuscetível de figurar ad causam ou ad processum, em qualquer relação de direito, ativa ou passivamente.” [3]
Assim sendo, pelos atos praticados no serviço notarial ou de registro, responde pessoalmente o titular da serventia extrajudicial, não se afigurando tecnicamente correto que o cartório integre o pólo passivo de qualquer demanda, uma vez que não detém personalidade jurídica própria, consoante o disposto no art. 22 da Lei n.º 8.935/94, art. 28 da Lei n.º 6.015/73 e art. 236, §1º, da Constituição Federal/88.É oportuno relacionar o presente posicionamento ao Direito Tributário, no que tange a incidência do IRPF – (Imposto sobre a Renda de Pessoa Física). Cabe salientar que os haveres auferidos pelo titular da serventia, a título de emolumentos, são contabilizados como receita da pessoa física do titular, recolhendo este o IRPF. Portanto, verifica-se que para efeitos tributários, também os cartórios não possuem personalidade jurídica.
Outro não é o entendimento jurisprudencial a respeito da matéria, como a seguir se demonstra:
“Legitimidade "ad causam" - cobrança ajuizada contra cartório de registro de imóveis - inadmissibilidade, visto este não ter personalidade jurídica e, conseqüentemente, capacidade de ser parte em processo - hipótese em que, outrossim, cabe ao oficial titular, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros - extinção do processo decretada - recurso improvido.”[4]
Em recente julgamento, o Ministro CASTRO FILHO, do Superior Tribunal de Justiça, pronunciou-se sobre a matéria, nos seguintes termos:
"Inquestionável que a responsabilidade é pessoal do titular da serventia. Esta não possui personalidade jurídica. Assim, o titular (pessoa física) responde pelos danos causados a terceiro por ato seu ou de seus prepostos. Desta maneira, não pode o sucessor responder por atos ilícitos praticados pelo sucedido”[5].
Nesse sentido, REGNOBERTO MARQUES DE MELO JR., em obra intitulada - “Da Natureza Jurídica dos Emolumentos Notariais e Registrais” - pondera que:
“Vale ponderar de logo que os serviços notariais e registrais (cartórios) não possuem personalidade jurídica. São meras divisões administrativas nas quais os notários e registradores exercem o seu mister, através de delegação estatal. (..) É manifesto que não há “atos praticados pelos serviços notariais e de registro.” Os serviços notariais e de registro não praticam atos. Quem os pratica, prescinde referir, são os notários e registradores e seus prepostos, contratados pelo regime celetista.”[6]
Por conseguinte, conclui-se que o cartório extrajudicial é uma instituição sem personalidade jurídica, sendo certo afirmar que as serventias notariais e de registro não chegam sequer a configurar-se como pessoa, ou seja, representam apenas o local físico onde é exercida, em caráter privado, a função pública delegada.
1.1 – Os reflexos da ilegitimidade passiva “ad processum” dos cartórios na prática processual
Os cartórios extrajudiciais, freqüentemente, são acionados em processos de reparação de danos em razão de atos próprios da serventia e da responsabilidade civil do notário e do registrador, a qual está esculpida nos artigos art. 22 da Lei n.º 8.935/94, art. 28 da Lei n.º 6.015/73 e art. 236, §1º, da Constituição Federal/88.
No entanto, é importante frisar que grande parte, quiçá a maioria, dessas ações são propostas com irregularidades processuais que podem auxiliar a um deslinde favorável do processo para o titular da serventia. Ocorre que nessas ações, os requerentes, por desconhecerem a natureza jurídica dos cartórios, equivocadamente, teimam em nominar como parte no pólo passivo da demanda os nomes “fictícios” das serventias. Destarte, cumpre frisar que tanto o “cartório” quanto a função de “titular de cartório”, carecem de ilegitimidade passiva “ad processum”, não detendo capacidade de ser parte em juízo.
Nesse sentido, PAULO ROBERTO DE CARVALHO RÊGO, em obra intitulada “Registros Públicos e Notas – Natureza Jurídica do Vínculo Laboral de Prepostos e Responsabilidade de Notários e Registradores”, apresenta o seguinte entendimento a respeito da matéria:
“Como se vê dos venerandos acórdãos paulistas e cariocas, demonstrativos da pacífica jurisprudência, “cartórios” e a função exercida por seus “titulares” não são entes jurídicos, não detêm personalidade jurídica e, sem personificação, não há capacidade de ser parte, não podendo figurar passivamente numa relação de direito material ou processual, inexistindo, em conseqüência, legitimidade processual passiva ao “Titular do Ofício”, mas sim, e apenas, à pessoa física do então Oficial à época em que teria sido causado o dano. Em conclusão: 1) nem o “cartório” e nem a função de “titular de ofício extrajudicial” detêm capacidade de ser parte em juízo; 2) carecem de legitimidade passiva ad processum, para nele figurar; e 3) é facultado ao interessado postular a declaração da ilegitimidade passiva, sem que, por isso, assuma a qualidade de parte ou “co-réu”. Assim sendo, somente podem ser dirigidas as eventuais demandas em face da pessoa física do Oficial e, mesmo assim, somente em face daquele que estava em exercício à época dos fatos.”[7]
Outro não é o entendimento de MARIA DARLENE BRAGA ARAÚJO, em artigo intitulado “Responsabilidade Civil do Estado e dos Oficiais de Registro e Aspectos Processuais Utilizados como Matéria de Defesa em Ações Propostas Contra Registradores”, publicado pelo IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, in verbis:
“Cumpre lembrar que, verificada a ilegitimidade de uma parte em processo judicial, seja ela ativa ou passiva, esta acarreta a ausência de um elemento fundamental da ação, e a falta dessa condição da ação leva à carência da mesma e até mesmo o indeferimento da inicial, nos termos do art. 295, II, do CPC. Ainda falando sobre requisitos processuais que podem ser usados como defesa aos registradores acionados judicialmente a indenizar vítimas de seus atos, vale lembrar que a petição inicial deverá conter os fundamentos jurídicos do pedido (art. 282, III, CPC), ou seja, o autor da ação deverá possuir fundamento jurídico para pretender indenização e deverá requerê-la de quem possuir legitimidade passiva para responder pelo prejuízo sofrido, caso contrário, fica configurada a ausência de requisito de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. Não comprovada a legitimidade do Oficial de registro como parte legítima na demanda, o processo deverá ser extinto sem julgamento de mérito, em relação ao “Titular do Cartório” acionado, com respaldo no que estabelece o art. 267, I, IV e VI, CPC.” (...) Sabe-se que é muito comum no meio jurídico o equivocado questionamento acerca da natureza jurídica do “cartório”, o qual não chega sequer a configurar-se como pessoa, pois não é pessoa jurídica e sim um ente fictício (fictio iuris). Assim sendo, o ente fictício, “Cartório” não possui personalidade jurídica, sequer atípica, razão pela qual o titular responde pessoalmente por todos os atos jurídicos decorrentes da atividade registral (...)”[8]
É oportuno mencionar, que nos casos onde não se configura a culpa ou o dolo do registrador, fica clara sua ilegitimidade como parte em qualquer demanda, haja vista que a responsabilidade civil do notário e do registrador é subjetiva. Também, é certo afirmar que os cartórios, por não deterem personalidade jurídica, e, portanto, capacidade de ser parte, não podem ser demandados em Juízo. Ocorre que a possibilidade de entes, sem personalidade jurídica, na relação processual, está restrita às hipóteses legalmente previstas, já que o art. 12, do CPC, encerra rol da modalidade “numerus clausus”.
Por fim, ante o acima exposto, verifica-se que a legitimidade “ad causam” passiva pertence, exclusivamente, à pessoa física do titular da serventia e não ao cartório de notas ou registro.
1.2 – Aspectos jurisprudenciais
O entendimento predominante de nossa doutrina e jurisprudência firmam a posição de que os cartórios extrajudiciais não possuem personalidade jurídica e, portanto, não podem figurar no pólo passivo das demandas judiciais. Assim sendo, cumpre relacionar alguns importantes julgados:
"CIVIL E PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO – CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS – ILEGITIMIDADE PASSIVA – ENTE DESPERSONALIZADO – 1. Cartório extrajudicial não tem personalidade jurídica de direito material. 2. A responsabilidade por falha de cartório extrajudicial deve ser suportada pelo titular da serventia (art. 28, LRP/73 e art. 22, Lei 8.935/94), designado à época do evento danoso. 3. Recurso improvido." (TJDF, Ap. 20010111042928–DF, 2ª T.Cív., Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos, DJU-I de 22.Out.2003, p. 44).
"EMBARGOS DO DEVEDOR – CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – ILEGITIMIDADE AD CAUSAM – Cartório extra-judicial é desprovido de personalidade jurídica e processual. Não figura em pólo passivo da execução. A extinção do processo executivo se impõe." (TJMG, Ap 000.344.189-6/00, 1ª Câm.Cív., Rel. Des. Orlando Carvalho, J. 24.Jun.2003)
"RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA - DANOS MORAIS – AQUISIÇÃO DE VEÍCULO – FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS DA REQUERENTE – ILEGITIMIDADE DE PARTE – EXTINÇÃO DA AÇÃO COM RELAÇÃO AO CARTÓRIO DE SERVIÇO NOTARIAL – FALTA DE PERSONALIDADE JURÍDICA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Os cartórios notariais são partes ilegítimas a figurarem no pólo passivo de ação indenizatória, por faltar-lhe personalidade jurídica. Deve o prejudicado, em havendo interesse, acionar o tabelião.." (TJMT, AC 32357/2002, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Jurandir Florêncio de Castilho, J. 26.05.2003)
“EXECUÇÃO - CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – ILEGITIMIDADE PASSIVA “AD CAUSAM”. Segundo o entendimento assentado em precedentes desta Corte de Justiça, “os cartórios extrajudiciais não detêm personalidade jurídica própria, razão por que não podem integrar o pólo passivo da execução, o que incumbe ao seu titular, em caso de falecimento deste, a titularidade passiva deve ser ocupada por seu espólio e não por quem responde, provisoriamente, pelos serviços daquela serventia.” (TJ-DF- Ac. unân. da 3ª T., publ. em 14.11.2000 – Ap. 1999.011.027.905-3 – Rel. Des. Jeronymo de Souza.)
“PERSONALIDADE JURÍDICA – CARTÓRIO - INOCORRÊNCIA. Os cartórios, por não deterem personalidade jurídica, e, portanto, capacidade de ser parte, não podem ser demandados em Juízo. A possibilidade de entes, sem personalidade jurídica, na relação processual, está restrita às hipóteses legalmente previstas, já que o art. 12, do CPC, encerra rol da modalidade numerus clausus.” (TRT-10ª r. – Ac. unân. da 1ª Turma, publicado em 05-05-2000 – RO 3.085/99 – Rel. Juiz João Amílcar).
“REGISTRO PÚBLICO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PROPOSTA CONTRA O 8º OFÍCIO DO REGISTRO GERAL DE IMÓVEIS – IMPROPRIEDADE – RESPONSABILIDADE DO OFICIAL DO REGISTRO PÚBLICO. Não tendo o cartório personalidade jurídica, já que não se confunde com qualquer dos entes referidos no art. 16 do CC, não passando ele do lugar onde, privativamente, o serventuário executa o seu ofício, não pode integrar a relação jurídica processual, por lhe faltar a capacidade de ser parte.” (TJ/RJ – Apelação Cível n.º 1674/87, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Sampaio Peres.)
Vejamos a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
“RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – TABELIONATO – ILEGITIMIDADE PASSIVA – RECONHECIMENTO. O Tabelionato de Protesto de Títulos é ente desprovido de personalidade jurídica, não sendo parte passiva legítima para responder à ação de indenização por dano moral e patrimonial. Precedentes deste Tribunal e do STF. Apelação provida, ao efeito de acolher-se a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada.”(TJ/RS - Apelação Cível n.º 70011320058, Rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, julgado em 28/04/2005)
“RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – ILEGITIMIDADE PASSIVA DO TABELIONATO. O tabelionato não tem legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda que visa a sua responsabilização por divulgação do protesto após o pagamento da dívida, porquanto desprovido de personalidade jurídica e judiciária. Aplicação do art. 236 da CF, em consonância com o art. 22 da Lei n.º 8.935/94 e o art. 38 da Lei n.º 9.492/97. Apelo desprovido.” (TJ/RS – Apelação Cível n.º 70010051209, Rel. Des. Leo Lima, julgado em 23/12/2004)
“APELAÇÃO – CANCELAMENTO DE PROTESTO – ILEGITIMIDADE PASSIVA DO TABELIONATO. O tabelionato de Protestos Cambiais não detém personalidade jurídica, não podendo, portanto, ser demandado em ação que visa ao cancelamento de protestos. Ilegitimidade passiva. Apelo improvido.” (TJ/RS – Apelação Cível n.º 70007493273, Rel. Des. Orlando Heemann Júnior, julgado em 02/09/2004.)
“CANCELAMENTO DE PROTESTO – ILEGITIMIDADE PASSIVA DO TABELIONATO - QUE NÃO É DOTADO DE PERSONALIDADE JURÍDICA E NEM SEMELHA ENTE DE DIREITO DESPERSONALIZADO PARA SER PARTE IDÔNEA NA COMPOSIÇÃO SUBJETIVA DA DEMANDA - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE SUSCITADA EX OFFICIO – APLICAÇÃO DO ART. 267, VI E §3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APELO PREJUDICADO. EXTINÇÃO DA AÇÃO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA.”(TJ/RS – Apelação Cível n.º 70006223150, Rel. Des. Clarindo Favretto, julgado em 28/08/2003)
“PROCESSUAL CIVIL – ILEGITIMIDADE PASSIVA DO TABELIONATO QUE NÃO É DOTADO DE PERSONALIDADE JURÍDICA, É ENTE DE DIREITO DESPERSONALIZADO PARA SER PARTE IDÔNEA NA COMPOSIÇÃO SUBJETIVA DA DEMANDA. RECURSO IMPROVIDO”. (TJ/RS – Agravo de Instrumento n.º 70006177844, Rel. Des. Clarindo Favretto, julgado em 22/05/2003).
“REGISTRO PÚBLICOS – REGISTRO DE IMÓVEIS – ANULAÇÃO DE REGISTRO PROPOSTA CONTRA O “CARTÓRIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS”. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INVIÁVEL NA ESPÉCIE O APROVEITAMENTO COMO DÚVIDA INVERSA.” (TJ/RS - Apelação Cível n.º 587033937, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Elias Elmyr Manssour, julgado em 09/02/1988)
Como se pode do todo inferir, os acórdãos indicados confirmam o entendimento predominante da jurisprudência, no sentido de que os cartórios extrajudiciais não são dotados de personalidade jurídica própria. Por conseguinte, claramente se conclui que as serventias notariais e de registro não podem figurar no pólo passivo das ações judiciais.
2 – O cartório como pessoa formal, dotado de personalidade judiciária
O entendimento predominante de nossa doutrina e jurisprudência, como já demonstrado, firmam a posição de que os serviços notariais e de registro não possuem personalidade jurídica ou judiciária. Assim sendo, pelos atos praticados nas serventias, respondem pessoalmente os titulares delegados, não se afigurando correto que o “cartório” integre o pólo passivo de qualquer demanda.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, analisando a matéria em questão, posicionou-se da seguinte maneira:
“Nesta Quarta Turma já assim foi decidido sobre a legitimidade das pessoas formais: Desta forma, o réu estaria legitimado para demandar e ser demandado, por defender um interesse próprio, sendo ele equiparado a uma das várias figuras denominadas “pessoas formais”, contempladas pela lei como titulares de personalidade judiciária, conquanto não-detentoras de personalidade jurídica, tais como a massa falida, o espólio, as heranças jacente e vacante e o condomínio, sendo pertinente a lição de Thereza Alvim, em O Direito Processual de Estar em Juízo (RT, 1996, n.º 1.7, pág. 71), no sentido de não ser taxativo o rol elencado no art. 12 do Código de Processo Civil. (...) Assim, tenho que o cartório de notas pode figurar na relação processual instaurada para a indenização pelo dano decorrente da alegada má prestação dos serviços notariais. Nada impedia, ademais, que o lesado, para a recomposição do dano patrimonial causado por quem atuava investido de função de natureza pública, acionasse exclusivamente o Estado, como, da mesma forma, poderia fazê-lo em relação ao responsável direto, ou a ambos, conjuntamente. (...) Posto isso, conheço do recurso, pela divergência, e dou-lhe provimento, para afastar a preliminar de ilegitimidade acolhida pela Egrégia Câmara. É o voto.”[9]
No mesmo sentido, já julgou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como a seguir se demonstra:
“LEGITIMIDADE DE PARTE - Ativa - Ocorrência - Ação de prestação de serviços promovida por Cartório de Notas - Admissibilidade - Recurso provido. O titular da serventia é responsável civil e criminalmente pelos atos cartorários, mas, na espécie, contratante foi o Cartório, que, apesar de não ser pessoa jurídica, é, no entanto, assemelhado à pessoa formal.”[10]
Como se pode do todo inferir, os referidos julgados sustentam que o cartório extrajudicial é dotado de personalidade judiciária, portanto, capaz de figurar no pólo ativo ou passivo de qualquer demanda, haja vista a sua condição de “pessoa formal”. Tal posicionamento, funda-se no sentido de não ser taxativo o rol elencado no art. 12 do Código de Processo Civil, ou seja, o referido artigo é interpretado de forma extensiva aos serviços notariais e registrais.
Todavia, entende-se que não se afigura correto que o “cartório” integre o pólo passivo de qualquer demanda judicial, uma vez que não detém personalidade jurídica própria. Ademais, consoante os fundamentos já expostos, não concordo com o entendimento daqueles que interpretam o art. 12 do CPC de forma ampliativa, para nele incluir os cartórios extrajudiciais. Cabe salientar que o referido dispositivo legal apresenta um rol expresso e taxativo – “numerus clausus”.
Com efeito, é importante, quiçá importantíssimo, mencionar que se adotado o posicionamento de que os cartórios possuem personalidade judiciária (pessoa formal), com capacidade para estarem em juízo, estaremos gerando um grave problema na sucessão da titularidade de um serviço notarial ou de registro, uma vez que o titular-sucessor poderá vir a ser responsabilizado por prejuízos causados em momento em que sequer administrava o serviço a si delegado.
2.1 - Os reflexos da personalidade judiciária dos cartórios diante da sucessão da titularidade de um serviço notarial ou de registro
Hodiernamente, os serviços notariais e de registro são atividades delegadas pelo Poder Público, por meio de concurso público, e exercidos, em caráter privado, consoante o disposto no art. 236 da Constituição Federal/88. Com efeito, é precioso lembrar que o ingresso na função pública dá-se por concurso público, portanto, de forma “originária”.
Outro não é o entendimento de PAULO ROBERTO DE CARVALHO RÊGO, a respeito da matéria, conforme transcrevemos:
“Com efeito, além de inexistir a “empresa cartório” ou personalidade jurídica ao seu oficial “titular”, falece legitimidade passiva ad causam ao novo serventuário que assume a serventia pelos débitos deixados pelo que lhe antecedeu, porque, tendo se dado seu ingresso na função pública, de forma originária, por concurso público, não há que cogitar de “solidariedade” ou “sucessão” entre ele e quaisquer anteriores ocupantes da função exercida. (...) Só por isso, já se demonstra que não existe sucessão entre os Oficiais Titulares, porque recebem a delegação diretamente do Estado, por meio de um dos seus Poderes, o Poder Judiciário, de forma originária. Assim é porque, vaga uma delegação (por aposentadoria, morte, renúncia, etc. do seu antigo titular), essa retorna ao Estado, o qual seleciona, por concurso público, um novo delegado, que, assim, assume sem qualquer vinculação com o Oficial anterior, porque recebe a outorga da delegação diretamente do Estado.(...) Assim, não há sucessão “comercial” e nem “trabalhista” entre os Oficiais, anteriores e atuais, não sendo, esse responsável por nenhum desatino ou ilícito praticado durante o exercício da delegação por outro, que não ele próprio. (...) Concluímos, portanto, que a responsabilidade dos delegados dos serviços notariais e de registro é limitada aos atos e obrigações contraídas durante o exercício da delegação, não podendo, o novo titular da função, responder por atos dos que lhe antecederam.”[11]
Por conseguinte, claramente se conclui que é a pessoa física do titular que responde pelos ilícitos que praticar durante o exercício da função pública delegada. A responsabilidade é pessoal, não alcançando o oficial delegado que não ostentava esta qualidade à época em que ocorreu o ato danoso. É importante frisar que não se pode responsabilizar o titular-sucessor que não participara do ilícito, e, muito menos, responsabilizar a figura do “cartório” como se fosse uma empresa, dotada de personalidade jurídica. Certo é que o titular investido, originariamente, na função pública, não pode ser responsabilizado pelos atos praticados anteriormente à sua delegação.
Cabe salientar que se adotado o entendimento de que as serventias possuem personalidade judiciária e, portanto, capacidade para figurarem no pólo passivo das demandas, surgirá um grave problema, tendo em vista que as ações judiciais serão ajuizadas, equivocadamente, contra os “cartórios”, entes desprovidos de personalidade jurídica e patrimônio próprio, sem distinguir a pessoa do atual delegado do então titular a época do ato danoso. Assim sendo, estreme de dúvidas, que prevalecendo esse entendimento, surgirá uma enorme insegurança aos novos titulares investidos na função, os quais poderão ver-se responsabilizados por prejuízos causados pelos seus antecessores, em momento em que se quer detinham a qualidade de delegados do Poder Público.
Destarte, consoante a jurisprudência dominante, é certo afirmar que o “cartório” ou o “titular da serventia”, não detém personalidade jurídica, não são uma empresa ou entidade e, portanto, não pode ocorrer a sucessão comercial e nem trabalhista entre os oficiais, anteriores e atuais, onde o atual oficial a exercer a função pública assumiria todo o passivo da serventia e responderia civilmente por atos ilícitos ou funcionais, eventualmente praticados desde sua instalação pelos delegados antecessores. O atual titular da serventia não pode responder por um ato ilícito ou funcional que não praticou.
Contudo, cabe transcrever o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n.º 443.467/PR:
“O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO (Relator): O ponto nodal da questão reside em saber se a responsabilidade civil por ato ilícito praticado por oficial do Registro de Imóveis é pessoal, não podendo o seu sucessor (atual titular da serventia) responder por ato danoso praticado pelo sucedido (anterior titular). (..) "Inquestionável que a responsabilidade é pessoal do titular da serventia. Esta não possui personalidade jurídica. Assim, o titular (pessoa física) responde pelos danos causados a terceiro por ato seu ou de seus prepostos. Desta maneira, não pode o sucessor responder por atos ilícitos praticados pelo sucedido. (...) A responsabilidade por ato ilícito é pessoal, ou seja, decorre no caso dos autos, de falha no serviço praticado pelo próprio agente público (Oficial Titular do Cartório) ou seus prepostos. Inadmissível que venha atingir o sucessor por atos ilícitos praticados pelo sucedido. De todo irrelevante que, no caso em exame, seja o próprio filho. A pessoa pode responder por atos de terceiros só nos casos previstos em lei de modo expresso, como os pais respondem pelos atos dos filhos menores, o patrão pelo ato do empregado, dentro de outras hipóteses. Não é o caso dos autos. Logo, não se pode cogitar nem de imputabilidade do fato danoso ao réu”. Nessa linha de raciocínio, é de se ter presente que só poderia mesmo responder como titular do cartório aquele que efetivamente ocupava o cargo à época da prática do fato reputado como lesivo aos interesses do autor, razão pela qual não poderia tal responsabilidade ser transferida ao agente público que o sucedeu, afigurando-se escorreita, portanto, a conclusão em que assentado o aresto hostilizado.”[12]
Quanto à sucessão trabalhista entre os titulares, anteriores e atuais, das serventias notariais e de registro, o TRT/SP - Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, firmou o seguinte posicionamento:
“RECLAMAÇÃO TRABALHISTA – JUSTIÇA DO TRABALHO – COMPETÊNCIA – OFICIAL – RESPONSABILIDADE SUCESSIVA – INOCORRÊNCIA. O cartório não pode ser reconhecido pela CLT como empregador ou equiparado a este, razão pela qual não pode, o Oficial, responder por eventuais direitos do autor anteriores a data de sua investidura.”[13]
No mesmo sentido, isentando o novo delegatário da sucessão trabalhista:
“CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. SUCESSÃO TRABALHISTA. Os cartórios extrajudiciais não possuem personalidade jurídica própria, pertencendo ao Estado, razão pela qual não possuem legitimidade para serem demandados em Juízo. Conforme o art. 2º da Resolução n.º 110/94 do Conselho da Magistratura, cada titular de serventia deve se responsabilizar pela rescisão dos contratos de trabalho, quando de seu desligamento, ou seja, cada titular de cartório é responsável pelos contratos de trabalho que efetiva, não podendo este ônus ser transferido ao novo titular, o qual não contratou, não assalariou e tampouco dirigiu o trabalho do empregado. Diante de legislação específica que envolve a organização e administração dos cartórios, a qual responsabiliza unicamente o titular, ainda que provisório, pela gestão do negócio cartorial, não há que se falar em sucessão trabalhista, nos moldes do art. 10 e 448 da CLT.”[14]
“SERVIÇO NOTARIAL E DE REGISTRO – LEGITIMIDADE PASSIVA – LEI 8935/94 – IMPOSSIBILIDADE. Tendo a Constituição Federal estabelecido em seu art. 236, que os serviços notariais e de registro serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público e dispondo a Lei n.º 8935/94, em seu art. 3º, que a delegação será feita na pessoa do notário (ou tabelião) e seus artigos 20 e 21, que não é a serventia quem responde, mas sim a pessoa física de seu titular, uma vez que é este quem celebra diretamente os contratos de trabalho, não há como manter o cartório como parte legítima da demanda.”[15]
Acrescente-se, também, o entendimento de Marco Antônio da Silva, Tabelião e Oficial Registrador da Comarca de Resende – Rio de Janeiro, in verbis:
“Questão controvertida que surge após a delegação é saber de quem será a responsabilidade pelos danos praticados pelo antigo delegatário e por fato pretérito à delegação. Neste particular, é importante esclarecer que a pessoa tabelião ou registrador não se confunde com Cartório, até porque esse não possui personalidade jurídica, sendo insuscetível de ser demandado. Os cartórios não possuem personalidade jurídica por se tratarem estes apenas de denominação dada a cada unidade descentralizada do serviço notarial e de registro. Outra que, extinta a delegação, a qualquer título, o exercício da atividade “RETORNA” para o Estado, sem subtrair do gestor-contratante a responsabilidade de seus atos. Consagrada a responsabilidade pessoal do notário e do registrador fica evidente que somente ele responde pelos atos praticados na sua gestão. A responsabilidade é divisível, pessoal e descontínua e, como decorrência, não se pode atribuir responsabilidade ao novo delegatário, ou ao cartório, pelos atos pretéritos, àqueles de exclusiva obrigação (dever jurídico originário) e responsabilidade (dever jurídico secundário) do antecessor. (..) A consagração unânime de nossos Tribunais da natureza estatal das atividades exercidas pelos notários e oficiais registradores redunda na inquestionável inexistência de personalidade jurídica das serventias extrajudiciais, e inexistência de sucessão de responsabilidade, pois, cessando a delegação, o serviço retorna ao comando do Estado delegante.(..) Portanto, ante a falta de personalidade jurídica, o cartório é insuscetível de ser demandado pela responsabilidade civil dos atos do antigo delegatário, sendo certo também que o delegatário que praticou o ato deve responder perante o cidadão prejudicado pelos danos, não havendo qualquer possibilidade de sucessão, e, vi de conseqüência, de responsabilização do novo delegatário.”[16]
Com efeito, entende-se que não há sucessão trabalhista, uma vez que a serventia notarial e de registro não é empresa, não possui personalidade jurídica e tampouco pratica atos negociais. Também, é importante lembrar que inexiste a transferência da unidade de trabalho de um para o outro titular da serventia, ou seja, extinta a delegação, a qualquer título, o exercício da atividade retorna para o Estado. Outro, motivo relevante para não aplicação da sucessão trabalhista é o fato de que a delegação é outorgada à pessoa física do titular, por concurso público, em caráter “originário”.
Portanto, depois de analisar a presente matéria, observa-se que somente podem ser dirigidas as eventuais demandas judiciais contra a “pessoa física” do oficial que estava em exercício à época dos fatos, tendo em vista que o ingresso na titularidade de delegação extrajudicial é “originário”, por meio de concurso público. Também, é oportuno frisar que tais ações judiciais podem ser propostas, exclusivamente, contra o Estado, como, da mesma forma, podem ser ajuizadas contra o Estado e o Oficial que praticou o ato lesivo, conjuntamente.
Neste capítulo pretendemos resumir as principais conclusões a que chegamos no decorrer deste estudo. Foram elas alistadas segundo a seqüência em que aparecem no trabalho. Assim sendo, podemos concluir afirmando o seguinte:
1) A atividade notarial e de registro constituem relevante serviço público que visa garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, bem como a preservação da ordem social. Tais funções públicas representam um instrumento fundamental para o desenvolvimento econômico nacional.
2) Como visto, o cartório é uma instituição administrativa, não tem, entre nós, personalidade jurídica, nem conseqüente capacidade de ser parte em juízo, enquanto condição só recognoscível a seu titular, na qualidade de agente público delegado.
3) O entendimento predominante de nossa doutrina e jurisprudência firmam a posição de que os cartórios extrajudiciais, entes despersonalizados, desprovidos de patrimônio próprio, não possuem personalidade jurídica e não se caracterizam como empresa ou entidade.
4) Também, verifica-se que hoje a outorga da titularidade de uma delegação não tem o condão de transferir ao momentâneo notário ou registrador qualquer espécie de bem ou patrimônio, isto é, a titularidade de uma serventia não pertence ao titular investido na função, mas sim, exclusivamente ao Estado.
5) É certo afirmar que as serventias notariais e de registro não são pessoa jurídica – não são empresa. A afirmação torna-se inequívoca pela análise da relação jurídica existente entre o titular da Serventia e o Estado ou mesmo porque a organização é regulada por lei e os serviços prestados ficam sujeitos ao controle e fiscalização do Poder Judiciário.
6) Assim sendo, pelos atos praticados no serviço notarial ou de registro, responde pessoalmente o titular da serventia extrajudicial, não se afigurando tecnicamente correto que o cartório integre o pólo passivo de qualquer demanda, uma vez que não detém personalidade jurídica própria, consoante o disposto no art. 22 da Lei n.º 8.935/94, art. 28 da Lei n.º 6.015/73 e art. 236, §1º, da Constituição Federal/88.
7) Logo, cumpre frisar que tanto o “cartório” quanto a função de “titular de cartório”, carecem de ilegitimidade passiva “ad processum”, não detendo capacidade de ser parte em juízo. A possibilidade de entes, sem personalidade jurídica, na relação processual, está restrita às hipóteses legalmente previstas no art. 12, do CPC.
8) Observa-se que não se afigura correto que o “cartório” integre o pólo passivo de qualquer demanda judicial, uma vez que não detém personalidade jurídica própria. Destarte, consoante os fundamentos expostos, discordo do entendimento daqueles que interpretam o art. 12 do CPC de forma ampliativa, para nele incluir os cartórios extrajudiciais, haja vista que o referido dispositivo legal apresenta um rol expresso e taxativo – “numerus clausus”.
9) A responsabilidade dos delegados dos serviços notariais e de registro é limitada aos atos e obrigações contraídas durante o exercício da delegação. Por conseguinte, conclui-se que o novo titular da função, não deve responder por atos dos que lhe antecederam e tão pouco por ilícitos que não cometeu.
ARAÚJO, Maria Darlene Braga. Registro de Imóveis – Estudos de Direito Registral Imobiliário – XXVII Encontro de Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil – Vitória/2000. IRIB. Porto Alegre. Sérgio Antonio Fabris Editor. 2002.
BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil do Estado decorrente de at os notariais e de registro. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2005.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª edição. São Paulo. Malheiros, 1998.
MELO JÚNIOR, Regnoberto Marques de. Da natureza jurídica dos emolumentos notariais e registrais . Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 591, 19 fev. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6313>.
RÊGO, Paulo Roberto de Carvalho. Registros Públicos e Notas – Natureza Jurídica do Vínculo Laboral de Prepostos e Responsabilidade de Notários e Registradores. Porto Alegre. IRIB. Sergio Antonio Fabris Editor, 2004.
SILVA, Marco Antônio da. A personalidade jurídica dos cartórios e a responsabilidade civil do notário e registrador por atos pretéritos à delegação. Boletim Notaregistral, ano 7, n.º 34, Belo Horizonte/MG, outubro de 2005.
Notas
* Guilherme Fanti é assessor jurídico dos Serviços de Registros Públicos e Tabelionato de Protestos de Cachoeirinha/RS. Pós-graduado em Direito Imobiliário, Direito Tributário e Pós-graduando em Direito Registral Imobiliário. Porto Alegre, 7 de março de 2006.
[1] Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 23ª ed., Malheiros Editores, SP, 1998, pág.66.
[2] Idem, 17ª edição, 1992, pág. 71 a 76.
[3] Ap. 0078975500 – Palmital – 7ª Câm. Cív., Ac. 3954, DOJSP 25.08.1995.
[4] Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo - NP.: 00552291-8/00 TP.: APELACAO CIVEL - NA.: 552291- PP.4 - CO.: SÃO JÓSE DOS CAMPOS - DJ.: 19/09/95 OJ.: 3 A. CÂMARA - DP.: MF 9/NP - JTALEX 160/57 - REL. LUIZ DE GODOY - DEC.: Unanime.
[5] STJ - Recurso Especial n.º 443467/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 05/05/2005.
[6] Regnoberto Marques de Melo Jr . Da natureza jurídica dos emolumentos notariais e registrais . Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 591, 19 fev. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6313>.
[7] Paulo Roberto de Carvalho Rego, Porto Alegre, IRIB, Sérgio Antonio Fabris Editor, 2004, pág. 108 e 109
[8] Maria Darlene Braga Araújo, Registro de Imóveis – Estudos de Direito Registral Imobiliário – XXVII Encontro de Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil – Vitória/2000, IRIB, Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2002, pág. 316 e 317.
[9] STJ - Recurso Especial n.º 476532/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 20/05/2003 – (DJ 04.08.2003)
[10] TJ/SP - Apelação Cível n. 264.078-2 - Santo André - 11ª Câmara Civil - Relator: Gildo dos Santos - 24.08.95 - V.U.)
[11] Paulo Roberto de Carvalho Rego, Porto Alegre, IRIB, Sérgio Antonio Fabris Editor, 2004, pág. 101, 114, 1
[12] STJ – Recurso Especial n.º 443.467/PR (2002/0079639-8), Rel. M
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