Regularização de loteamento e a segurança jurídica
Sylvio Rinaldi Filho
Tema de grande relevância e atualidade, a regularização fundiária, por suas repercussões sociais, que em geral beneficiam as camadas menos favorecidas, tem despertado grande interesse, tanto no meio registral, quanto junto aos Poderes Públicos Municipais.
A alegria daquele que após anos de incertezas obtém o registro de sua moradia é incomensurável.
Aqui em Barretos, esta Serventia, num trabalho conjunto com a Municipalidade, procedeu ao levantamento dos empreendimentos irregulares, apresentando a orientação, caso a caso, das medidas necessárias às regularizações. Em algumas situações, sequer foi necessário intentar o procedimento administrativo de regularização, posto que o empreendedor acabou por elidir voluntariamente os obstáculos registrais.
Decadência de taxas e tributos municipais
Cito o exemplo da CDHU, que não tem poupado esforços para regularizar os últimos conjuntos habitacionais problemáticos da cidade, e teve reconhecido pela Municipalidade, administrativamente, a decadência de taxas e tributos que incidiam sobre os mesmos, dispensando assim a necessidade de morosa ação declaratória, o que simplificou em muito as pendências existentes.
Minha experiência pessoal endossa a constatação dos inúmeros artigos publicados neste Boletim sobre o tema – de que a parceria Registro de Imóveis/Prefeitura é imprescindível para a implantação de uma eficaz política de regularização fundiária.
Mas a regularização fundiária não representa apenas a solução de problemas. Estamos tratando de situações fáticas consolidadas ao longo do tempo, que muitas vezes irão esbarrar com a correta situação jurídica do imóvel.
Nulidades de registro e terceiros de boa-fé
Presto-me em relatar curiosa situação decorrente de procedimento de regularização de loteamento, intentado pela Municipalidade de Barretos, processo n° 08/95-CP, no qual foi apontada a existência de duplicidade de registros.
O pedido, ao final, veio a ser acolhido, tendo o MM. Juiz Corregedor Permanente, em sua decisão, determinado “o cancelamento das matrículas em duplicidade (posteriores)”.
Recebido o mandado para seu cumprimento, tive o cuidado de observar que, in casu, aqueles que realmente eram proprietários dos imóveis em duplicidade registral, eram titulares do direito pelos registros posteriores, havendo caso de existência, até mesmo, de hipoteca em favor da Caixa Econômica Federal para garantia do financiamento para a construção da casa erigida no terreno.
Como simplesmente cancelar 17 matrículas? O que diriam os proprietários dos imóveis cujas matrículas passariam a não mais ter validade jurídica? Onde fica a segurança jurídica?
Diante de tais questionamentos, peticionei ao MM. Juiz Corregedor-Permanente da Comarca de Barretos, expondo que, no caso concreto, deveriam, sim, os registros posteriores, serem preservados, face o art. 214, caput e seu § 5° da Lei n° 6.015/73, pela nova redação dada pela Lei n° 10.931/04:
Art. 214 - As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.
(....)
§ 5°- A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel.
Demonstrei ainda que o caso em questão tinha a particularidade: boa parte das duplicidades podia ser entendida como ratificação do negócio jurídico anterior, visto que os proprietários originários, os loteadores irregulares, constituíram seu procurador, pessoa que, que num primeiro momento, compareceu como adquirente de uma série de lotes para, a seguir, comparecer, na qualidade de procurador dos proprietários originários, para outorgar a escritura de lotes que, registrariamente ele, procurador, constava como proprietário.
Demonstrei mais que é orientação jurisprudencial a atenuação das exigências registrárias objetivando regularizar situações consolidadas, sempre beneficiando os adquirentes (nunca o proprietário originário, que ensejou a irregularidade).
Citei o recente Provimento 10/2004, da E. Corregedoria Geral de Justiça, que ao normatizar a regularização de condomínios estipulou:
“216. Os adquirentes de partes ideais, para regularizar situações de fato anteriores a 08 de junho de 2001, poderão requerer o registro de condomínio especial.
216.1. Para esse fim, os Interessados apresentarão requerimento ao Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis competente, instruído com os seguintes documentos:
(....)
c) histórico dos títulos de propriedade, abrangendo os últimos vinte anos, acompanhado das certidões dos registros correspondentes;
(....)
g) relação de todos os co-proprietários e compromissários compradores, ou cessionários de compromisso de compra e venda, titulares de direito real (artigo 1.225, inciso VII, do Código Civil), com declaração, conjunta ou individual, de anuência com a instituição do condomínio edilício.”.
É evidente que o motivo da estipulação pela E. Corregedoria Geral de Justiça, no mencionado Provimento n° 10/2004, de apresentação dos títulos de propriedade dos últimos 20 anos relaciona-se à comprovação do exaurimento da prescrição aquisitiva, que asseguraria a consolidação das situações fáticas, afastando seguramente qualquer questionamento jurídico válido.
E, como todas as matrículas posteriores que se buscava validar se referiam a aquisições de mais de 20 (vinte) anos, considerando a cadeia filiatória, estavam elas aptas portanto até para se enquadrarem na exigência do usucapião extraordinário, que passou para 15 (quinze) anos com o Novo Código Civil (art. 1238).
Ademais, caso fossem as matrículas em questão canceladas, ficaria configurada a hipótese de usucapião tabular, previsto no § único do art. 1.242 do Código Civil.
“§ Único - Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.”
Ou seja, com o cancelamento das matrículas, seus atuais proprietários tabulares (considerando as matrículas posteriores), a fim de restabelecer sua condição registral, teriam que ser valer da mencionada ação de usucapião fundamentada no § único do artigo 1.242, o que vale dizer que seriam 17 (dezessete) novos processos que poderiam ser evitados caso fosse aceita a argumentação que apresentei.
Diante do exposto, meu pedido veio a ser acolhido integralmente, determinando o MM. Juiz Corregedor-Permanente o cancelamento das transcrições e matrículas anteriores.
Quanto sofrimento foi evitado àqueles que seriam atingidos pela decisão inicial. Que péssima impressão causaria a prática de tais atos d cancelamento e que impressão teriam do Registro de Imóveis e do Poder Judiciário... Quantas ações judiciais foram evitadas apenas usando-se da cautela e do bom senso.
Nossa função é mais complexa do que se pode imaginar....
Fica do exemplo citado a sugestão à E. Corregedoria-Geral de Justiça no sentido em adotar a orientação de, nos casos de regularização administrativa, em havendo duplicidade registral, determinar de ofício a validação dos registros que preencham os requisitos do § único do art. 1242 do Código Civil.
Barretos, 11 de outubro de 2005
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