Sociedade entre Cônjuges
Celso Marini
É cristalino que o artigo 977 do novo Código Civil, enquanto não modificado, faz emergir no cenário jurídico questão polêmica no que tange as sociedades legalmente existentes, cuja constituição ocorreu antes da vigência do novo Código Civil e que tem por sócios cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens ou da separação obrigatória.
A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 6º, revela implícito o princípio da irretroatividade das leis, visando à proteção ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada.
Tal princípio foi recepcionado pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXXVI, ao consagrar a máxima de que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Por sua vez, o novo Código Civil, em seu artigo 2.035, previu que “a validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedecerão ao disposto nas leis anteriores”.
Diante deste quadro, no que diz respeito a sociedades constituídas entre cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens ou da comunhão obrigatória de bens, na vigência da lei revogada, parece-me claro não haver razão ou necessidade de sua adequação à nova Lei Civil. E o motivo desse posicionamento tem por alicerce o conflito de normas no tempo.
A norma civil contida no artigo 977 é conflitante com norma fundamental contida na Constituição Federal (artº 5º, XXXVI), além das demais normas infra-constitucionais citadas.
As sociedades entre cônjuges, tendo por pedra fundamental o contrato vigente à época de sua constituição, e sendo esta anterior a nova Lei Civil, temos que são atos jurídicos perfeitos; é direito adquirido dos sócios - ainda que o regime seja o da comunhão universal de bens ou da separação obrigatória.
Em relação ao contratualismo, é preciso lembrar que a Lei de Introdução ao Código Civil (artigo 5º) tem por premissa princípio que consagra o fim social na aplicação da lei.
E, se assim não fosse, o artigo 421 do novo Código Civil destacou que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Por sua vez, dissolver sociedade entre cônjuges, lastreada em disposição legal superveniente à sua constituição, é antes de mais nada atentatório ao princípio expresso no artigo 422 do novo Código Civil, ou seja, ao princípio da boa-fé.
Finalmente, o disposto no artigo 977 rege a constituição de novas sociedades, pois interpretada a norma literalmente tem-se que “contratar sociedade” está no tempo presente, não pretérito.
Socorre, ainda, em favor de minha razão de pensar, o fenômeno da ultratividade: o fato de que uma norma não seja mais vigente, não teria o condão de desvincular os fatos e atos jurídicos cuja ocorrência se deu antes da mesma deixar de viger.
Se não fosse o exposto, o Projeto de Lei 6760/2002, que tem por escopo a alteração, dentre outros, do artigo 977 em comento, se aprovado, dará ao mesmo a seguinte redação:
“Art. 977 - Faculta-se entre os cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros.”
Aprovado que seja esse Projeto de Lei, a polêmica travada em relação ao artigo 977 do novo Código Civil, restará encerrada.
Respeitando posicionamento contrário de ilustres juristas, esse é meu ponto de vista em relação ao tema.
Celso Marini é Oficial Substituto do Registro de Imóveis de Salto, SP., Mestre em Direito Civil pela UNIMEP/SP.
Confira também: Sociedade formada por cônjuges e o novo Código Civil - Pablo Stolze Gagliano
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