Sociedade formada por cônjuges e o novo Código Civil
Pablo Stolze Gagliano
Dando seguimento aos debates acerca do Novo Código Civil e o Registro de Imóveis, publicamos abaixo o texto do Dr. Pablo Stolze Gagliano sobre a soceidade formado por cônjuges no NCC.
Dr. Stolze estará participando do evento realizado Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, Irib, pelo Colégio Registral do Rio Grande do Sul e pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, com apoio do Ministério Público do estado do Rio Grande do Sul, MPRS nos próximos dias 15 e 16 de maio.
Consulte aqui os trabalhos já publicados: http://www.irib.org.br/biblio/indice_ncc.asp
Sociedade formada por cônjuges e o novo Código Civil
Pablo Stolze Gagliano*
O novo Código Civil, em seu art. 977, do Livro de Direito de Empresa, dispõe ser "facultado aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória".
Tal dispositivo, duramente criticado pela doutrina, deverá causar controvérsias e colocar em difícil situação determinadas sociedades que, há anos, atuam no mercado. Advirta-se, aliás, que nos termos do seu art. 2031, "as associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de um ano para se adaptarem às disposições deste Código, a partir da sua vigência", abrindo-se igual prazo aos empresários
Naquilo, pois, que os atos constitutivos dessas pessoas jurídicas forem incompatíveis com a nova disciplina legal, o legislador abriu o prazo de um ano para que se procedessem com as necessárias modificações. Com isso, uma primeira interpretação do Código conduz à idéia de que a sociedade formada com a presença de marido e mulher, desde que casados sob o regime da comunhão universal ou da separação obrigatória, tem o prazo de um ano para ter o seu contrato social modificado, com a saída de um ou de outro, e o ingresso de um terceiro, sob pena de ser considerada ineficaz.
A impressão que se tem é de que a lei teria "oficializado a figura do laranja". Tudo isso porque, inadvertidamente, o legislador firmou uma espécie de "presunção de fraude" pelo simples fato de os consortes constituírem sociedade, impondo-lhes o desfazimento da sociedade, se forem casados sob os regimes referidos pelo art. 977.
Não concordamos com essa postura. A condição de casados, por si só, ou a adoção deste ou daquele regime, não poderia interferir na formação de uma sociedade, sob o argumento da existência de fraude.
Toda fraude deve ser apreciada in concreto, e não segundo critérios apriorísticos injustificadamente criados pelo legislador.
O que dizer, então, daquela sociedade formada há anos por pessoas casadas em regime de comunhão universal de bens?
Desfazer-se da empresa?
Providenciar um substituto às pressas?
Em nosso entendimento, a solução está na alteração do regime de bens, desde que não haja prejuízo a terceiros de boa fé, especialmente os credores.
Como sabemos, o 1639, § 2°, admite a "alteração do regime, no curso do casamento, mediante autorização judicial, em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas, e ressalvados os direitos de terceiros".
Já defendemos, aliás, que, a despeito de o art. 2.039 determinar que "o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1° de janeiro de 1916, é por ele estabelecido", esta regra apenas explicita que para os casamentos anteriores ao Código de 2002, o juiz, quando da separação ou do divórcio, não poderá lançar mão das regras do novo Código Civil referentes às espécies de regimes de bens (arts. 1658 a 1688), para efeito de partilhar o patrimônio do casal. Deverá, pois, aplicar ainda os dispositivos do Código de 1916 (arts. 262 a 311).
Entretanto, no que tange à sua modificação (inovação do Código de 2002 – art. 1639), pelo fato de o regime de bens consistir em uma instituição patrimonial de eficácia continuada, gerando efeitos durante todo o tempo de subsistência da sociedade conjugal, até a sua dissolução, a alteração poderá ocorrer mesmo em face de matrimônios anteriores à nova lei (1).
Aliás, essa possibilidade de incidência do Código novo em face de atos jurídicos já consumados, mas de execução continuada ou diferida, apenas no que tange ao seu aspecto eficacial, não é surpresa, consoante se pode constatar da análise do art. 2035 do presente Código, referente aos contratos.
E note-se que mesmo as pessoas casadas sob o regime de separação obrigatória poderão, excepcionalmente, e desde que o juiz avalie a justa causa da medida, realizar a mudança do regime. Darei um exemplo. Imagine que dois jovens se casem por força de suprimento judicial (art. 1517, parágrafo único). Neste caso, o regime é o de separação obrigatória (art. 1641, III). Teria sentido, pois, à luz da mudança de paradigmas proposta pelo novo Código, que estas pessoas vivessem 40, 50 ou 60 anos unidos sob o intransponível regime da separação obrigatória? Ou não poderia o julgador, analisando com cautela o caso concreto, afastar a rigidez da norma e, sem prejuízo aos terceiros de boa fé, permitir a modificação de regime? (2)
Por tudo que se expôs, concluímos que, mesmo casados antes de 11 de janeiro de 2003 – data da entrada em vigor do novo Código -, os cônjuges poderiam pleitear a modificação do regime, eis que os seus efeitos jurídico-patrimoniais adentrariam a incidência do novo diploma, submetendo-se às suas normas.
Tal providência se nos afigura bastante útil especialmente para as centenas – senão milhares – de pessoas casadas sob o regime de comunhão universal e que hajam estabelecido sociedade comercial antes da entrada em vigor do novo Código.
É preciso, diante das perplexidades existentes em inúmeros pontos do novo diploma, que afastemos formalismos inúteis, visando imprimir plena eficácia à nova lei, sem prejuízo da dinâmica das relações econômicas, e, principalmente, dos ditames constitucionais, a exemplo da valorização social do trabalho e da livre iniciativa.
Por isso, defendemos a possibilidade da mudança do regime de bens, a critério do magistrado, a quem se incumbe a tarefa de avaliar, ouvido sempre o Ministério Público, em procedimento de jurisdição graciosa e com ampla publicidade, a conveniência da medida.
NOTAS
1 - Este também é o pensamento de LUIZ EDSON FACHIN e SILVIO DE SALVO VENOSA, consoante palestras ministradas pelos ilustrados juristas na inauguração do Curso Satelitário IELF-PRIMA (SP), por ocasião do Seminário sobre o Novo Código Civil coordenado por PABLO STOLZE GAGLIANO.
2 - Assim pensa SILVIO VENOSA, segundo nos foi passado pessoalmente pelo ilustre professor paulista, em consulta que fizemos a respeito do tema.
* Dr. Pablo Stolze Gagliano é Juiz de Direito, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da UFBA, professor de Direito Civil Convidado da EMAB, ESMIP e do Curso JusPodivm.
Notícias por categorias
- Georreferenciamento
- Regularização fundiária
- Registro eletrônico
- Alienação fiduciária
- Legislação e Provimento
- Artigos
- Imóveis rurais e urbanos
- Imóveis públicos
- Geral
- Eventos
- Concursos
- Condomínio e Loteamento
- Jurisprudência
- INCRA
- Usucapião Extrajudicial
- SIGEF
- Institucional
- IRIB Responde
- Biblioteca
- Cursos
- IRIB Memória
- Jurisprudência Comentada
- Jurisprudência Selecionada
- IRIB em Vídeo
- Teses e Dissertações
- Opinião
- FAQ - Tecnologia e Registro
Últimas Notícias
- Parcelamento do solo urbano. Desmembramento. Via pública – regularização. Infraestrutura urbana básica – ausência. Inviabilidade.
- Tokenização imobiliária: Mercado deve estar atento com o futuro da consulta pública da CVM para regulamentação da prestação de serviços de ativos virtuais
- CNMP regula atuação do MP em inventários com crianças, adolescentes e incapazes