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Observatório do Registro

Melhim Chalhub


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O jurista Melhim Namem Chalhub é bastante conhecido da comunidade de estudiosos do direito registral imobiliário brasileiro. É um autor versátil e prolífico, transita com desenvoltura nos pareceres de alta densidade que produz, nos anteprojetos de leis que elabora, nos debates que participa, nas palestras que profere, nos artigos de jornal em que vulgariza a sua produção.

Melhim acaba sendo o arauto do desenvolvimento econômico visto da particular perspectiva da contribuição que lhe podem emprestar os juristas. Ao lado dessa onda da análise econômica do direito, Melhim nos mostra que é possível iluminar a economia pela aguda visão do... jurista! Armado com as categorias do direito civil, o plástico jus gentium, que ele tão bem domina, aliando a sua aguda visão social, Melhim atua em várias frentes. Realiza uma vigorosa  análise jurídica da economia. Basta ver que as recentes leis aprovadas pelo Congresso Nacional, muitas tributárias da lúcida contribuição de Melhim Chalhub, dão oxigênio para a aceleração do processo de desenvolvimento econômico e social do país. Estamos muito dependentes de marcos legais definidores da infra-estrutura que nos permitirá caminhar entre as nações em desenvolvimento.

No artigo abaixo, publicado hoje no Valor Econômico, ele aponta como os vários nós-górdios foram ajojados diligentemente pela nomenklatura ancorada no coração da Administração. Estamos lidando com os cansados barnabés da economia, incrustrados na máquina, vinculados a um modelo de Estado superado pela experiência comunitária internacional. Não enxergam um horizonte mais generoso que a sua própria secretária.

De desafios modernos e de como superá-los - esse o tema central do artigo. Confiram.

 


Barreiras jurídicas do crescimento econômico
Melhim N. Chalhub*


A realização dos investimentos necessários ao desenvolvimento passa por uma indispensável revisão da legislação sobre a limitação de riscos patrimoniais na atividade empresarial. É preciso suprimir disposições legais contraditórias, sistematizar a legislação e sintonizar seus critérios no contexto internacional.

Como se sabe, é possível limitar os riscos patrimoniais de um determinado negócio mediante afetação que torne o respectivo patrimônio incomunicável em relação aos demais bens, direitos e obrigações do titular. A afetação isola o patrimônio afetado e exclui os bens e direitos que o integram do risco de constrição por execução de dívidas não-vinculadas ao negócio correspondente. Justifica-se a afetação pela necessidade de se privilegiar determinada operação econômica ou certas situações socialmente relevantes. São os casos, por exemplo, do bem de família e do fundo de investimento, sendo este um caso que envolve a titularidade em nome de terceiro para fins de administração.

Trata-se de um mecanismo de especial eficácia para incrementar a atividade produtiva, sobretudo porque confere maior segurança jurídica aos financiamentos. Por ela, o investidor conhecerá a medida certa do seu risco, porque terá certeza de que os bens e direitos integrantes do empreendimento no qual investiu não responderão por débitos estranhos ao negócio específico.

A afetação é um elemento típico do trust. Sua eficácia como mecanismo de limitação de responsabilidade e conseqüente estímulo a investimentos é incomparável, de tal modo que foi rapidamente adotado por uma infinidade de países, entre eles Escócia, África do Sul, Japão e China. No mesmo sentido, processa-se uma atualização da fidúcia, que alguns qualificam como versão civilista do trust. São os casos das legislações de Luxemburgo, Quebec, Líbano, Argentina, Peru, Chile e Itália, entre outras.

Na Itália reformou-se o Código Civil para permitir a constituição de "patrimônios destinados a negócios específicos", cujos bens e direitos não podem ser penhorados para o pagamento de dívidas estranhas ao empreendimento afetado. A regulamentação italiana tem estrutura e função semelhantes à nossa afetação patrimonial aplicável às incorporações imobiliárias, prevista na Lei nº 10.931, de 2004. Outra iniciativa também recente é a da França, cujo Senado acaba de aprovar a regulamentação da fidúcia no Código Civil, privilegiando a criação do patrimônios de afetação. O direito brasileiro também admite a criação de patrimônios separados. Temos mais de uma dúzia de leis que tratam de pelo menos 16 diferentes espécies de propriedade fiduciária e patrimônios de afetação.

Esse acervo legislativo, entretanto, é insuficiente, paradoxal, errático e assistemático.Com efeito, na elaboração de alguns textos legislativos, foram agregados alguns dispositivos que, por antagônicos à natureza jurídica da afetação, a deformam e anulam sua função protecionista. Uma dessas deformações é a forma imprópria em que a afetação aparece na lei sobre as garantias do fundo garantidor das parcerias público-privadas (PPPs). Outra, mais grave, nas incorporações imobiliárias, imputa aos próprios beneficiários da afetação - os adquirentes - a obrigação de pagar dívidas da incorporação, sob pena de serem punidos com a desafetação e conseqüente supressão dos seus direitos patrimoniais. O pior é que suprime, também, os direitos patrimoniais dos trabalhadores e da previdência, lançando todos na vala comum das incertezas da falência da empresa incorporadora.

Mas o mais grave dos paradoxos está no artigo 76 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, que considera ineficaz toda e qualquer afetação em relação aos créditos fiscais, previdenciários e trabalhistas e permite que os bens e as rendas do patrimônio de afetação sejam desviados para o pagamento de dívidas estranhas ao negócio específico.

Trata-se de uma inqualificável aberração jurídica, pois uma afetação somente poderá ser considerada ineficaz se constituída em fraude de execução, do mesmo modo que, por exemplo, uma hipoteca será ineficaz se fraudulenta. Jamais se poderá considerar ineficaz, "tout court", a figura jurídica da afetação ou a figura jurídica da hipoteca. Ao neutralizar o efeito da afetação, inoculando-a com o germe da insegurança jurídica, o artigo 76 da Medida Provisória nº 2158-35 desestimula os investimentos e exclui o Brasil do ambiente jurídico da nova economia.

Suprimir essa aberração é o mínimo que se exige para que esse importante mecanismo jurídico-econômico possa atuar como catalisador do desenvolvimento econômico e social. Do contrário, como recentemente observou Delfim Neto, o Brasil "terá o destino de Plutão: será excluído da geografia".

* Melhim Namem Chalhub é advogado, professor de direito civil, consultor jurídico da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) e autor dos livros "Negócio Fiduciário", "Direitos Reais" e "Da Incorporação Imobiliária" (Fonte: 10/01 - Valor Econômico - Legislação - Pág E2. Claro, a charge é do insuperável Quino.



Hipoteca ambiental
João Pedro Lamana Paiva*


A matéria publicada no Observatório do Registro (Confira:  Hipoteca ambiental II) relata a colisão de interesses igualmente protegidos pela Constituição Federal Brasileira: direito à livre iniciativa econômica (CF, art. 170, inciso VI) e direito ao meio ambiente (CF, art. 225).

Assim, se de um lado, temos as empresas mineradoras, que fomentam a economia de Osório e empregam sua população nativa, de outro lado temos o meio ambiente, patrimônio nacional, que em época de veraneio atrae milhões de turistas, sendo, portanto, também fundamental para o desenvolvimento de uma das principais atividade locais.

De tal sorte que a solução apontada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul trata-se de uma conduta pioneira, na qual foi dosada a lei com a realidade sócio-econômica, na medida em que ajustou com as Empresas Mineradoras sua permanência e funcionamento na região por um prazo não superior a cinco anos, mediante o compromisso da criação de um Estabelecimento destinado a abrigar crianças vítimas de maus tratos abrangendo os Municípios de Osório, Terra de Areia , Maquiné e Itati. Acresce a isso a promessa de recuperação do meio ambiente degradado pelo exercício habitual da extração de jazidas na região, garantida por uma caução real – HIPOTECA alcunhada de HIPOTECA AMBIENTAL, que permite ao Município assegurar-se do cumprimento do pacto.

A retirada das mineradoras do balneário de Osório ocasionaria um impacto social muito grande, inclusive o assentamento da população desempregada nas zonas costeiras, fato que contribuíria para prejudicar ainda mais a já tão degradada área e ocasionaria o dispêndio de dinheiro público não só para recuperação da zona afetada, como também para um novo assentamento da nova população de desempregados.

Logo, acertou o parquet estadual, conciliando os dois interesses, efetivou o princípio consagrado no artigo 170, inciso VI da Constituição Federal, defendendo o meio ambiente, através da implementação de um tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação

Quanto a novo tipo de Hipoteca - HIPOTECA AMBIENTAL - é interessante observar que este instituto é autorizado pela CF, art. 170, inciso VI, Código Civil, art. 1.473, inciso V, Estatuto da Cidade, art. 2°, IV e XII. Dessa forma, podemos conceituá-la como um novo instrumento a fim de assegurar ao Poder Público competente a concretização dos princípios fundamentais relacionados ao meio ambiente, quando estes entram em rota de colisão com importantes empreendimentos sócio-econômicos.

Diante disso é possível a constituição de hipoteca em virtude de um contrato de compromisso de recuperação do meio ambiente, desde que obedecidos todos os requisitos legais previstos no Código Civil e Lei 6.015/73.

* João Pedro Lamana Paiva é registrador em Sapucaia do Sul, RS



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