BE2725

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IV Seminário de Direito Notarial e Registral de São Paulo
Aula magna do desembargador Francisco Loureiro


Aula magna ministrada no IV Seminário de Direito Notarial e Registral de São Paulo, realizado no dia 2 de setembro de 2006, no hotel Pergamon, na capital.

Alienação fiduciária
Francisco Eduardo Loureiro*

A minha idéia é apresentar uma visão geral do direito material e traçar algumas questões fundamentais, como eventuais cláusulas restritivas, bem como sobre a escolha da garantia fiduciária. O particular geralmente fica em dúvida se faz o compromisso de compra e venda com garantia fiduciária ou com garantia hipotecária, ou seja, qual o melhor instrumento e quais as conseqüências de cada um dos regimes jurídicos.

O negócio jurídico chama-se alienação fiduciária de garantia da qual decorre o direito real de garantia chamado propriedade fiduciária.

A propriedade fiduciária é a grande garantia real do século XXI, que vai matar outras garantias, uma vez que ela é o sonho de todo credor, que dorme e sonha com uma garantia como essa. É uma garantia absolutamente.

Quando foi criada, a hipoteca também tinha esse caráter de primazia, mas, ao longo do tempo, veio perdendo essa característica, quando leis especiais deram preferência legais a outros créditos, previdenciários e trabalhistas, cujos privilégios foram superiores à preferência do direito real da hipoteca. Por isso, o instituto da hipoteca acabou ficando desgastado e houve necessidade de os credores criarem um novo mecanismo que suprisse as falhas da hipoteca, qual seja, a propriedade fiduciária.

Mas qual é a grande vantagem para o credor em utilizar a propriedade fiduciária como garantia? A execução da garantia, que costuma ser um problema sério para o credor, especialmente a garantia hipotecária, que demandava o ajuizamento da execução judicial, penhora, embargos, recursos.

A propriedade fiduciária de bens imóveis veio contornar esse problema. Num prazo de 90 dias, no máximo de 120 dias, recupera-se não só a propriedade como a posse desse imóvel. Por isso, essa garantia é o sonho de todo o credor. É exclusiva e eficaz. A alienação fiduciária vai aniquilar a hipoteca e a própria anticrese. Essa é a vantagem do sistema da propriedade fiduciária.

Quando o credor concede o crédito, vende a prazo alguma coisa, a principal característica é que ele, como credor, acredita no devedor, tem confiança que o devedor vai honrar o compromisso. Mas o credor sabe que o devedor pode se tornar inadimplente, por isso ele vai escolher a garantia mais adequada para seu crédito. Em relação aos bens imóveis, o ordenamento jurídico dispõe de três grandes garantias: a hipoteca, a propriedade fiduciária e o compromisso de compra e venda. No entanto, é preciso conhecer a causa e a finalidade econômica do contrato.

É nesse ponto que o compromisso de compra e venda se aproxima perigosamente da hipoteca e da propriedade fiduciária, uma vez que ele é usado como um instrumento de garantia. O promitente vendedor tem consigo a propriedade, se houver inadimplemento, ele tem a possibilidade de resolver o contrato e retomar o imóvel para si. Portanto, o compromisso de compra e venda, sob esse prisma, vem se aproximando muito mais do direito real de garantia, uma vez que ele cumpre o papel do direito real de garantia porque sua causa econômica é garantir o crédito do promitente vendedor.

Como o tabelião poderá saber qual é o instrumento mais eficaz para seu cliente? O tabelião deve perguntar-lhe o que pretende, qual é o seu propósito: retomar o imóvel ou receber seu crédito? Se o cliente escolher retomar a coisa, o melhor instrumento é o compromisso de compra e venda, que lhe permite a resolução e o estado de posse. O promitente vendedor devolve o preço, e o promitente comprador devolve a coisa. Caso não haja o pagamento das parcelas do preço, as parcelas pagas perder-se-ão em favor do promitente vendedor.

Essa cláusula penal tem mudado sua função. No direito tradicional, ela tinha duas funções: reforçar o vínculo e premeditar as perdas e danos. No direito moderno, a cláusula penal ganhou uma terceira importante função: restabelecer o equilíbrio desfeito pelo inadimplemento, recuperar o equilíbrio perdido. Com base nisso, os tribunais têm decidido que o vendedor pode reter as parcelas do preço até cobrir o montante do prejuízo. Para contornar esse problema, os tribunais passaram a determinar a devolução de parte das parcelas pagas. Esse, portanto, é o mecanismo: quem quiser ter seu imóvel de volta utilize o compromisso de compra e venda, sabendo, no entanto, que a recuperação dele ou das parcelas pagas é proporcional ao prejuízo pelo inadimplemento.

Se o cliente/vendedor não tiver interesse em retomar o imóvel, mas em receber o saldo contra o devedor fiduciante, o melhor instrumento é a propriedade fiduciária. A garantia fiduciária permite a rápida retomada do imóvel, mas ele não poderá se apoderar do bem, porque, obrigatoriamente, terá de levá-lo à venda em leilão público. O vendedor não fica com o bem, mas recupera e executa seu preço com a venda do bem em leilão. Portanto, se o cliente não quiser retomar o bem, mas executar o preço, a melhor garantia é a fiduciária ou a hipoteca, embora a hipoteca seja um instrumento mais fraco e demorado. Visto isso, vamos dar uma olhada no regime jurídico da propriedade fiduciária, na lei 9.514/97, alterada pela lei 10.931/04.

A definição dada diz tratar-se de uma propriedade resolúvel de coisa imóvel que o devedor, com escopo de garantia, transfere para o credor. Sempre que falamos de propriedade fiduciária temos de trabalhar com três mecanismos fundamentais para entendê-la: a propriedade resolúvel, uma vez que ela é transferida para o credor fiduciário sob a condição resolutiva. O adimplemento é o evento futuro e incerto que vai transferir automaticamente a propriedade. Portanto, a propriedade é transferida para o credor até que haja o adimplemento da obrigação, mas sem necessidade de nova emissão de vontade.

Desdobramento da posse

O segundo fenômeno da propriedade fiduciária é o desdobramento da posse. A posse direta é entregue ao devedor fiduciante, o que é uma bobagem, porque o devedor fiduciante tem a posse precária. É claro que essa posse é justa, direta, mas o juiz lhe concede a posse temporária em virtude de uma relação anterior. A posse do credor fiduciário é indireta. Como há o desdobramento da posse, a posse do devedor fiduciante é justa enquanto ele pagar a parcela do preço; se o credor fiduciário quiser retomar o imóvel antes disso, o juiz não lhe concederá.

 A posse se tornará precária se, no momento do inadimplemento – portanto, no momento do descumprimento do contrato, quando a mora for convertida em inadimplemento absoluto –, o imóvel não for devolvido como deveria. A posse que era justa e direta converter-se-á em injusta e precária. Nesse contexto, no entanto, credor e devedor podem defender suas posses contra terceiros. Se o imóvel for invadido, ambos poderão ajuizar ação de reintegração.

O terceiro fenômeno diz respeito ao patrimônio de afetação. A propriedade transferida ao credor fiduciário é estranha. O direito de propriedade deixa claro que a pessoa pode usar, fruir, dispor e reivindicar. O credor fiduciário tem a propriedade resolúvel da coisa que está destituída da maioria dos poderes. Ele não pode usar, dispor nem fruir dela, portanto, embora ele tenha formalmente a propriedade, trata-se de uma propriedade de afetação, de uma propriedade por destinação própria, ou seja, é uma garantia para o adimplemento da obrigação. A propriedade serve apenas para essa finalidade, razão pela qual o credor fiduciário não possui os direitos fundamentais do dono.

Vejamos como funciona o sistema de acordo com a lei 9.514/97. Primeiro, o objeto: bens imóveis infungíveis. Segundo, o artigo 22, parágrafo único, vulgarizou o instituto e hoje, determina que a alienação fiduciária pode ser contratada por pessoa física ou jurídica, não apenas por entidades que operam no SFI, bem como pode ter como objeto bens enfitêuticos. Nessa hipótese e se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário, será exigível o pagamento do laudêmio.

Outro requisito diz respeito ao pedido formal. A lei 9.514/97 permite o uso do instrumento público ou particular. Vejamos o que diz do Código Civil:

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

1o Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

Portanto, o registro é constitutivo da propriedade fiduciária.

O artigo 24 da lei 9.514/97 trata dos requisitos formais. Toda garantia real deve ser especializada, uma vez que é de interesse não só do credor e do vendedor, mas de terceiros, aos quais cabe o direito de saber qual é o patrimônio disponível do devedor para que possam negociar com ele.

Diz o artigo 24 que o contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá: I. o valor do principal da dívida; II. o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário; III. a taxa de juros e os encargos incidentes; IV. a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição; V. a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária; VI. a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão; e VII. a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o artigo 27.

Confiram a extinção da propriedade fiduciária no parágrafo 7º do artigo 26.

7º Decorrido o prazo de que trata o § 1º, sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá, à vista da prova do pagamento, pelo fiduciário, do imposto de transmissão inter vivos, o registro, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário.

Com a nova redação dada pela lei 10.931/04, o parágrafo sétimo estabelece:

7o Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivose, se for o caso, do laudêmio.

Observem: o credor fiduciário não retém o imóvel, que passará automaticamente para as mãos do devedor fiduciante.

Se houver inadimplemento, como se dará a execução do contrato? A execução do contrato é o sonho de todo credor porque se faz por mecanismos extrajudiciais, pelo oficial do registro imobiliário. Se houver inadimplemento, o credor fiduciário provocará o oficial de registro que notificará o devedor fiduciante para constituir em mora.

O bem vai a leilão. No primeiro leilão, o preço mínimo é o valor contratual atribuído ao imóvel. Se o valor for superado, o bem será alienado. Se o valor arrecadado for superior ao valor da dívida, o saldo será devolvido para o devedor fiduciante. Se o imóvel for para um segundo leilão público, seu preço mínimo será o valor da dívida, o valor do saldo do credor. Se não houver interessado, o lance será livre. Se houver sobra, haverá eventual devolução do preço ao devedor fiduciário, incluído o valor das benfeitorias. O devedor não ficará responsável pelo saldo devedor, se o valor da arrematação não for suficiente para cobrir a dívida.

Controle de cláusulas abusivas. O parágrafo primeiro do artigo 26 da lei 9.514/97 prevê a possibilidade de as partes elegerem representantes, ou seja, assiste ao devedor o direito de constituir um representante para intervir por ele em ações judiciais. Por isso, sempre que houver uma cláusula segundo a qual a instituição financeira eleja alguém do seu grupo, essa cláusula será abusiva, uma vez que a instituição escolheu um representante em prol de seu interesse e não do interesse do devedor.

*Francisco Eduardo Loureiro  é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo

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