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Visão contemporânea e prática do direito imobiliário – Registros Públicos – Exigências e Soluções Práticas

Da retificação de área
José Vicente Amaral Filho*


Palestra proferida na sede do Secovi-SP, no dia 16 de agosto, no primeiro de uma série de encontros jurídicos que o Secovi-SP está realizando sobre as tendências do mercado imobiliário, com apoio do Irib e da Arisp.

1. Introdução

Com o advento da lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, foi alterado o procedimento da retificação de área, por meio das alterações dos artigos 212 e 213 da lei 6.015/73 – Lei de Registros Públicos.

O objetivo da alteração foi trazer maior celeridade às retificações de área, fazendo assim cumprir o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, pelo qual o cidadão tem direito a um “processo razoavelmente célere ”, imputando então ao oficial do registro de imóveis, a incumbência do procedimento de retificação.

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

É certo que a retificação de área é uma questão essencialmente técnica, uma vez que tem como fim adequar a descrição tabular à área real do imóvel, mediante documentação comprobatória a ser apresentada pelo requerente, lastreada em memorial descritivo firmado por profissional habilitado, sendo desnecessário seu processamento pelas vias judiciais, salvo em casos específicos, onde houver possibilidade de prejuízos a terceiros.

2. Modificações trazidas com a nova lei – procedimentos para retificação

O procedimento retificatório no regime da lei anterior autorizava o oficial a praticar a retificação de área baseada na existência de erro evidente, hipótese em que estava autorizado “de ofício” ou a requerimento da parte, a alterar os dados da matrícula.

Erro evidente, no dizer de Venicio Antonio de Paula Salles, na obra Direito Registral Imobiliário, pode ser conceituado como “qualquer erro ou omissão capaz de ser demonstrado cabalmente por evidências documentais incontestes, quer provenha de equívoco na transposição de dados, quer seja fruto do desacordo entre a informação tabular e o conteúdo de documento oficial ”, ou seja, o erro de fácil visualização.

As retificações realizadas no cartório de registro de imóveis eram restritas, portanto, a situações de simples alterações dos dados tabulares, que não implicassem em quaisquer danos a terceiros confrontantes ou interessados, conforme o artigo 213, então em vigor.

Art. 213 – Lei 6015/73

A requerimento do interessado, poderá ser retificado o erro constante do registro, desde que tal retificação não acarrete prejuízo a terceiro.

1o. A retificação será feita mediante despacho judicial, salvo no caso de erro evidente, o qual o oficial, desde logo, corrigirá, com a devida cautela.

2o. Se da retificação resultar alteração da descrição das divisas ou da área do imóvel, serão citados, para se manifestar sobre o requerimento em dez dias, todos os confrontantes e o alienante ou seus sucessores, dispensada a citação deste último se a data da transcrição ou da matrícula remontar mais de vinte anos.

3o. O Ministério Público será ouvido no pedido de retificação.

4o. Se o pedido de retificação for impugnado fundamentadamente, o juiz remeterá o interessado para as vias ordinárias.

5o. Da sentença do juiz, deferindo ou não o requerimento, cabe recurso de apelação com ambos os efeitos.

Alterações diversas, que extrapolassem o conceito de erro evidente, eram remetidas ao procedimento judicial, que então era revestido de natureza não contenciosa, mas sim de jurisdição voluntária e consensual.

Verifica-se que a jurisdição voluntária difere da contenciosa, especialmente pelo fato de que, “na voluntária não há ação, mas pedido; não há processo, mas apenas procedimento; não há partes, mas interessados; não produz coisa julgada, nem há lide ”. (extraído do RESP 238.573/SE, DJU 9/10/2000, relator ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).

Dessa forma, atentos aos rigores formais, os oficiais registradores, invariavelmente, remetiam as retificações para os procedimentos judiciais, para que se evitassem danos a terceiros.

A ação de retificação de área processava-se de forma lenta, eis que, deveriam ser citados os confrontantes, e também o antigo titular de domínio, quando a aquisição tivesse ocorrido há menos de vinte anos, sendo que, por diversas vezes, os endereços dos proprietários se encontravam desatualizados nas matrículas ou transcrições. Também, para o convencimento do Juiz, fazia-se necessária a apresentação de perícia, que tornava mais moroso o procedimento de retificação judicial.

Tal situação, além de custosa, para o titular do direito, pois envolvia a contratação de advogado, perito, assistente técnico, e custas processuais, trazia evidentes prejuízos para o requerente, que se via impossibilitado, em determinadas ocasiões, de utilizar o imóvel para determinada finalidade, como a implantação de empreendimento imobiliário, ou a unificação do imóvel com outras áreas contíguas.

Convém lembrar que também o Ministério Público era chamado a participar do procedimento judicial como fiscal da lei.

A lei 10.931/2004, que modificou a Lei de Registros Públicos, teve como principal objetivo trazer uma rápida e eficiente resposta ao pedido do requerente e titular do direito, evitando-se o moroso procedimento judicial a que eram submetidas as retificações de área.

Assim, a lei, modificando a redação dos artigos 212 e 213 da lei 6.015/73, enunciou o rol de situações, nas quais, pode o oficial do cartório de registro de imóveis alterar as descrições da matrícula.

Art. 212. Se o registro ou a averbação for omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, por meio de procedimento administrativo previsto no artigo 213, facultado ao interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial.

Parágrafo único. A opção pelo procedimento administrativo previsto no art. 213 não  exclui a prestação jurisdicional, a requerimento da parte prejudicada ”.

O artigo em questão é de conteúdo bastante amplo, quando menciona omissão, imprecisão ou falta da expressão da verdade, uma vez que nessas situações podem se encaixar praticamente todas as retificações de área. Como dito anteriormente, vê-se que a questão é técnica, devendo o oficial se valer da documentação apresentada pelo requerente, para que seja procedida a alteração.

Verifica-se também que o procedimento administrativo não exclui o judicial, cujo acesso é também facultado ao interessado, cujo procedimento será o da jurisdição voluntária ou consensual, tendo sido dispensada a participação do Ministério Público, salvo quando estiverem presentes interesses coletivos e sociais.

O artigo 213 elenca as situações passíveis de retificação no âmbito do registro de imóveis, podendo ser de ofício ou a requerimento do interessado, nos termos do inciso I:

a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título;

b) indicação ou atualização de confrontação;

c) alteração de denominação de logradouro público, comprovada por documento oficial;

d) retificação que vise a indicação de rumos, ângulos de deflexão ou inserção de coordenadas georreferenciadas, em que não haja alteração das medidas perimetrais;

e) alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a partir das medidas perimetrais constantes do registro;

f) reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que já tenha sido objeto de retificação;

g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial, quando houver necessidade de produção de outras provas.”

E o inciso II desse mesmo artigo, sempre a requerimento do interessado, “no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA, bem assim pelos confrontantes ”.

Constata-se, portanto, que a nova lei deixou para trás as retificações baseadas somente em casos evidentes, para possibilitar ao requerente a adequação da área sempre que houver discrepâncias nas medidas, e desde que não haja danos a terceiros, por via administrativa, evitando-se a morosidade do procedimento judicial.

Os casos mencionados no inciso I do artigo 213 são aqueles de fácil constatação, tanto que podem ser efetivados de ofício pelo registrador mediante documento oficial, como no caso de alteração da denominação do logradouro público ou da numeração do imóvel. Ou mesmo, a inserção de medidas que visem simples operações aritméticas, como é o caso dos imóveis que têm as medidas exatas de frente, fundos e laterais, sem, contudo, totalizar a área.

Já os casos previstos no inciso II do artigo 213 devem ser processados pelo pedido do interessado e envolvem maior rigor formal. Para que seja procedida a alteração da matrícula nesses casos, imprescindível a participação de profissional técnico, que, por meio de memorial descritivo detalhado e, se possível, com a respectiva filiação do imóvel, irá instruir o pedido retificatório e embasar o convencimento do oficial. O requerente e o profissional que firmarem o laudo deverão responder pelos eventuais prejuízos causados a terceiros.

Necessária, também, a anuência dos confrontantes do imóvel para que sejam evitados danos a terceiros. A ausência de tal consentimento fará com que o oficial do registro de imóveis mande notificar os interessados por via postal, cartório de registro de títulos e documentos, ou ainda, por meio de edital, para que eles venham integrar o procedimento, se assim desejarem.

O doutor Venicio Antonio de Paula Salles, na obra citada, diz que o potencial dano pode ser verificado em consonância com o regramento do parágrafo primeiro do artigo 500 do Código Civil Brasileiro, ou seja, desprezando-se variações inferiores a 1/20 da área. “Parágrafo primeiro: Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar, que em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio”.

A notificação é medida imprescindível à retificação sempre que não haja expressa anuência dos confrontantes. Os notificados terão o prazo de quinze dias, para se oporem ao pedido, ou, decorrido o prazo sem resposta, presumir-se-á a tácita anuência. Os órgãos do poder público poderão ter seu prazo contado em quádruplo, além de, também, a exemplo dos demais confrontantes, firmarem o memorial descritivo. 

O parágrafo 10 do artigo em estudo estabelece como confrontantes não só os titulares de domínio com títulos registrados, mas também seus ocupantes. Em caso de imóvel em condomínio, qualquer condômino poderá representar os demais; o condomínio edilício será representado pelo síndico ou pela comissão de representantes.

Também essa redação denota claramente o aspecto de celeridade que norteou o legislador. Deve-se ressaltar que, nesse mesmo sentido e a partir da nova redação, o antigo titular do domínio deixou de ser chamado a integrar o procedimento, independentemente do tempo decorrido desde a alienação do imóvel.

Se houver impugnação da parte interessada, o oficial chamará o requerente e o profissional que firmou o memorial descritivo, para se manifestarem em cinco dias. Ainda como parte de sua incumbência, o oficial deverá analisar a fundamentação da impugnação de forma a evitar que meras manifestações sem fundamento venham comprometer a agilidade da retificação. Do mesmo modo, poderá o oficial, se assim entender, em face da falta de consenso das partes, encaminhar o procedimento para a esfera judicial. Em havendo discussões sobre o direito de propriedade, o procedimento deverá ser levado, obrigatoriamente, às vias ordinárias para instrução processual.

3. Casos excluídos da retificação

Diz o parágrafo 11 do artigo 213, que independe de retificação:

I - A regularização fundiária de interesse social, realizada em Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), promovida pelo Município ou Distrito Federal, quando os lotes já estiverem cadastrados individualmente ou com lançamento fiscal há mais de vinte anos.

II - A adequação da descrição de imóvel rural às exigências dos arts. 176, parágrafos 3oe 4o, e 225, parágrafo 3oda Lei 6015/73 (georreferenciamento no Sistema Geodésico Brasileiro).”

4. Da alteração das divisas por meio de escritura pública

A lei 10.931/2004 estabeleceu, também, a possibilidade de dois ou mais confrontantes alterarem ou estabelecerem divisas por meio de escritura pública, estando sujeitos ao recolhimento do imposto de transmissão sempre que houver transferência de área de um para o outro.

5. Os benefícios da nova lei e os empreendimentos imobiliários

Inegáveis os benefícios trazidos com a edição da lei 10.931/2004 para os incorporadores e empreendedores imobiliários.

A escassez, cada vez maior, de terrenos nesta Capital, destinados à construção de empreendimentos imobiliários, faz com que os empreendedores procurem “formar” terrenos, a partir da aquisição de vários imóveis, que, unificados serão destinados à implantação do empreendimento.

Pelo trâmite processual a que estavam sujeitas as retificações, muitas vezes tornava-se inviável a compra de terrenos sem as corretas medidas, uma vez que o procedimento para a retificação judicial da área poderia demorar vários anos, o que inviabilizava a formação do terreno. Essa situação era usual e a negativa dos oficiais de registro de imóveis era fundamentada em face da legislação.

Ao analisarem a aquisição de imóveis, os advogados alertavam seus clientes a respeito da possibilidade de retificação judicial de área, bem como da morosidade desse processo, e das custas advindas, o que fazia com que, não raramente, os empreendedores desistissem da implantação do empreendimento em determinada área, trazendo prejuízos aos proprietários dos imóveis, ao empreendedor, e à população em geral.

Tal situação não mais ocorre. Salvo casos de danos potenciais a terceiros, o oficial registrador analisa a retificação de área sob o prisma da nova lei, sem o anterior excesso de formalismo, o que possibilita as alterações necessárias de acordo com a documentação apresentada pelo requerente, de forma ágil e eficiente.

Conclusão

Temos que as modificações no processamento de retificação de área, em face da alteração da Lei de Registros Públicos, trouxeram incontáveis benefícios ao setor imobiliário, possibilitando seu desenvolvimento, por meio da facilitação e desburocratização na aquisição de imóveis, além de evitarem a desnecessária busca do poder Judiciário para a tramitação das ações retificatórias.

*José  Vicente Amaral Filho é membro do conselho jurídico do Secovi-SP.

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