BE2486

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Paraíba: recolhimento prévio de custas e emolumentos
Constituição de base de dados centralizada 

Jurisprudência selecionada

Custas e emolumentos. Serviços notariais e registrais.


EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade: descabimento: caso de inconstitucionalidade reflexa.Portaria nº 001-GP1, de 16.1.2004, do Presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, que determina que o pagamento por via bancária dos emolumentos correspondentes aos serviços notariais e de registro – obtidos através do sistema informatizado daquele Tribunal – somente pode ser feito nas agências do Banco do Estado de Sergipe S/A – BANESE. Caso em que a portaria questionada, editada com o propósito de regulamentar o exercício de atividade fiscalizatória prevista em leis federais (L. 8.935/94; L. 10.169/2000) e estadual (L.est. 4.485/2001), retira destas normas seu fundamento de validade e não diretamente da Constituição. Tem-se inconstitucionalidade reflexa - a cuja verificação não se presta a ação direta - quando o vício de ilegitimidade irrogado a um ato normativo é o desrespeito à Lei Fundamental por haver violado norma infraconstitucional interposta, a cuja observância estaria vinculado pela Constituição. (STF – Plenário - ADI 3132/SE - Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 9/6/2006)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência da ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em não conhecer da ação direta de inconstitucionalidade.

Brasília, 15 de fevereiro de 2006.

SEPÚLVEDA PERTENCE - RELATOR

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - A Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR – propõe ação direta de inconstitucionalidade da Portaria nº 001-GP1, do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, publicada em 16.1º.2004, do seguinte teor:

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE, no uso das suas atribuições conferidas pelos arts. 21 e 97 da Lei Complementar Estadual nº 88, de 30 de outubro de 2003 (Código de Organização Judiciária do Estado de Sergipe), combinados com o art. 29, I, da Lei nº 2.246, de 26 de dezembro de 1979, e em obediência às determinações do art. 236 da Constituição Federal, arts. 30, VII e IX, e 37 da Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, arts. 6º e 20 da Lei Estadual nº 4.485, de 19 de dezembro de 2001, e na Resolução nº 12, de 28 de agosto de 2003, do Tribunal de Justiça,

R E S O L V E

Art. 1º A partir de 16 de fevereiro de 2004, a cobrança de emolumentos pelos Cartórios Extrajudiciais só poderá ser feita por boleto bancário emitido pelo sistema informatizado do Tribunal de Justiça, disponível no endereço eletrônico http://www.tj.se.gov.br/cartorioextrajudicial/, em três vias, com pagamento pelo usuário do serviço nas agências do Banco do Estado de Sergipe S.A.- BANESE.

Parágrafo único. Excetuam-se da obrigatoriedade os atos de reconhecimento de firma e autenticação de documento, cabendo ao Cartório efetuar o recolhimento do valor total de tais serviços, semanalmente, em boleto bancário emitido pelo sistema informatizado do Tribunal de Justiça, em três vias, nas agências do BANESE.

Art. 2º O selo de autenticidade continuará a ser exigido em todos os atos praticados pelos Notários e Registradores.

Art. 3º Os Notários e Registradores terão até o dia 02 de fevereiro de 2004 para comunicar à Presidência do Tribunal de Justiça os dados de sua conta bancária no BANESE (agência, tipo e número da conta) e o número do CPF ou CNPJ.

Art. 4º Esta Portaria entra em vigor a partir desta data.

Art. 5º Ficam revogadas as disposições em contrário.”

02. Aduz a proponente, em suma, que ao assim dispor, o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe teria determinado o recolhimento de todos os emolumentos das serventias extrajudiciais aos cofres do poder público,que posteriormente, eventualmente,” seriam repassados às serventias correspondentes.

03. Sustenta que:

De forma ampla, o desempenho privado de uma atividade implica no gerenciamento de pessoal e bens da serventia, dos procedimentos adotados para a consecução da atividade desenvolvida, o controle de entrada e saída de dinheiro, buscando o equilíbrio entre as despesas e receitas, evitando desperdícios e gastos desnecessários, em fim, o desempenho privado de qualquer atividade pressupõe a gestão total da atividade desenvolvida.

É o mesmo que ocorre com as atividades notariais e de registro, cujas atividades são privatizadas por delegação do poder público. Os titulares das serventias, por possuírem caráter privado, são detentores de plena gestão das atividades que exercem, sendo responsáveis por controlar as receitas de despesas das serventias, utilizando os recursos auferidos da forma que lhe melhor parecer para a perfeita execução da atividade que lhe foram delegadas pelo poder público. Para tanto são responsáveis pelos atos praticados na serventia, civil e criminalmente, nos termos já consignados por este Supremo Tribunal Federal.

(...)

Ao determinar o recolhimento de todos os emolumentos aos cofres da Justiça, o Provimento atacado interfere na gestão administrativa e financeira do serviço, uma vez que retira do titular a faculdade de utilizar a receita diária como melhor lhe parecer.”

04. Daí a alegação de ofensa do artigo 236 da Constituição Federal, bem como do seu § 2º, pois

O § 2º do artigo 236 da CF/88 é claro ao afirmar que regular a forma que deve ser exercida a atividade notarial é competência exclusiva de Lei, não pode desta forma o Tribunal de Justiça, por meio de Portaria normativa, determinar a forma de cobrança de emolumentos dos serviços extrajudiciais, e muito menos determinar que estes sejam recolhidos aos cofres da Justiça sergipana, para somente após certo prazo, e não se sabe de que maneira – uma vez que não está determinado na portaria – serem repassados aos Titulares da delegação”.

05. Afirma, por fim, que a arrecadação como regulamentada causaria transtornos incalculáveis, tanto aos notários quanto aos usuários dos serviços notariais e de registro, afrontando o princípio da proporcionalidade.

06. Solicitadas informações antes da apreciação do pedido cautelar (f. 28), prestou-as o il. Desembargador Presidente do TJSE,verbis:

Essa Portaria detalha, no conteúdo de seu artigo 1º já transcrito, a orientação traçada pelo Pleno deste Tribunal de Justiça, em Resolução nº 12, de 28 de agosto de 2003 (doc. 1), cujo caputdo seu artigo 1º tem o seguinte teor: ‘A cobrança de emolumentos pelos Notários e Registradores será realizada exclusivamente através do Sistema Informatizado fornecido e controlado pelos Tribunais de Justiça’.

E a antevista Resolução não destoa do permissivo contido no artigo 20, da Lei Estadual nº 4.485/2001 (doc. 02), quando dicta: ‘Art. 20 – As taxas e emolumentos serão pagas e recolhidas de acordo com as normas estabelecidas por Resolução do Tribunal de Justiça, observando o disposto neste e na legislação pertinente’.

A seu turno, a disposição legal estadual retrotranscrita não entra em rota de colisão com a Lei Federal nº 8.935/94, regulamentadora do artigo 236 da Constituição Federal.

É que a retromencionada Lei 8.935/94, em seu artigo 30, além de impor, como dever do notário e dos registradores ‘afixar em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, as tabelas de emolumentos em vigor’ (inciso VII), também os obriga a ‘dar recibo dos emolumentos percebidos’ (inciso IX).

Por outro lado, a dicção do § 2º, do artigo 236 do texto Magno no sentido de que ‘Lei Federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro’ (verbis), não fulminou, e nem poderia, o princípio federativo, cláusula pétrea encravada pelo constituinte originário no § 4º, inciso I, do artigo 60 da Lei Fundamental.

Por isso mesmo a Constituição fala em ‘normas gerais’ (art. 236, § 2º).

E a Lei que regulamenta esses artigos e parágrafos – Lei nº 10.169 de 29 de dezembro de 2000, edita em seu artigo 1º: ‘Os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notários e de registro, observadas as normas desta Lei’.

A mesma Lei, em seu artigo 2º, enfatiza ‘a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais’ e no artigo 6º impõe aos notários e registradores a obrigação de fornecer ‘recibo dos emolumentos percebidos, sem prejuízo da indicação definitiva e obrigatória dos respectivos valores à margem do documento entregue ao interessado, em conformidade com a tabela vigente ao tempo da prática do ato’ (verbis).

Com a instituição das guias contra as quais se insurge a ANOREG, poupa-se aos notários e registradores o fornecimento do recibo, já que a guia converte-se em comprovante do pagamento do serviço prestado.

2.1. Temos, pois, que da base para o vértice da pirâmide jurídica, o conteúdo substancial da Portaria atacada vai encontrando fundamento de validade em todas as escalas, até atingir a unidade do sentido consagrado no §1º, do artigo 236, da Constituição Federal.

3. Penso que não desborda o ato normativo para além do exercício de fiscalização tão-somente pelo fato de estabelecer o modo de pagamento através de boleto bancário, sem qualquer prejuízo para os notários e registradores.

Não há prejuízo uma vez que, depositado o valor dos serviços mais o FERD (Fundo Especial de Receita e Despesas), este destinado ao Tribunal e o valor dos serviços destinados ao Cartório e depositado na conta deste no BANESE – Banco do Estado de Sergipe, efetiva-se a transparência do recebimento pelo Cartório extrajudicial, bem como se efetiva a transparência quanto ao valor do FERD debitado ao Tribunal.

(...)

Efetuado o pagamento através da guia, o respectivo valor integral entrará em uma conta do próprio Banco e à noite do mesmo dia, através da operação bancária conhecida como ‘compensação’, cada uma das parcelas discriminadas na guia de recolhimento será creditada na conta do seu destinatário, seja: as verbas laçadas nos campos ‘Taxa’ e ou ‘Selo’ serão creditadas na conta do respectivo Cartório designado ali pela indicação de Ofício (1º Ofício, 2º Ofício, etc); as verbas relativas ao ‘FERD’ serão creditadas nas contas respectivas do Tribunal de Justiça. O expediente fornecido pelo próprio BANESE (doc. 8) esclarece este ponto.

(...)

4.1. Antes da adoção dessa medida, o somatório de todas as verbas acima identificadas era recebido pelo Cartório e somente no final de cada mês, ao seu talante, era transferida para o Poder Judiciário a parcela relativa ao FERD, já que o ‘selo’ era comprado, antecipadamente, pelos cartórios no Tribunal de Justiça.

4.2. O procedimento do pagamento através das guias, confere maior transparência às relações entre Cartórios, usuários e Judiciário, contribuindo para a efetividade dos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (art. 37 da CF).

(...)

Assinale-se, por oportuno, que cada Cartório pode fazer o acompanhamento via ‘on line’, de forma segura e individualizada, dos valores das guias pagas ao Banco pelo usuário, antes mesmo da efetivação do rateio que ocorrerá somente à noite, com a ‘compensação’. O Cartório já saberá, assim, previamente, qual o somatório dos valores que após a ‘compensação’ serão creditados em sua conta.

4.3. Aliás, esse já é o procedimento relativo ao pagamento de custas e emolumentos no âmbito da Justiça Federal e igualmente adotado no recebimento de tributos nas esferas federal e estadual.

4.4. Registre-se que a própria instituição promovente divulga, através da internet, sob o título ‘Cartório 24 Horas’ (doc. 07) a oferta de serviços da espécie a serem solicitados e pagos através do sistema bancário.

5. É de clareza solar o substrato de interesse público a revestir de cunho eminentemente fiscalizatório a medida adotada em relação a esses delegados de serviços públicos.

Assenta a natureza publicística dessa medida, a explicitação, ao mutuário, dos valores cobrados a título de custas e emolumentos estabelecidos na legislação de regência e na certeza de que as parcelas relativas ao FERD estarão sendo repassadas de imediato para o Judiciário.

Também facilita essa medida, o levantamento pelo Fisco, em todas as esferas, dos valores que lhe servirão de base de cálculo para a respectiva incidência.

6. Como se refere da ‘Relação de Cartórios com respectivas contas bancárias’ (doc. 05), os registradores e notários deste Estado já forneceram ao Tribunal de Justiça os dados necessários para a efetivação da medida fiscalizatória adotada, tais como CPF, agência bancária na qual mantêm conta no Banese e o seu respectivo número.”

Elidido, à primeira vista, opericulum in mora, determinei a adoção do rito do artigo 12 da L. 9868/99 (f. 143).

O Advogado-Geral da União suscitou o não-conhecimento da ação,uma vez que não restou devidamente caracterizado o conflito de constitucionalidade, mas sim um conflito de legalidade ” (f. 148); no mérito, manifestou-se pela sua improcedência.

O parecer da Procuradoria-Geral da República é no mesmo sentido.

É o relatório, do qual se distribuirão cópias aos Senhores Ministros.

VOTO

VOTO S/ PRELIMINAR

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – (Relator):

I

A irresignação da proponente está na determinação do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe de que o pagamento por via bancária dos emolumentos correspondentes aos serviços notariais e de registro - obtidos através do sistema informatizado daquele Tribunal – somente pudesse ser feito nas agências do Banco do Estado de Sergipe S/A.

O caráter privado do exercício dos serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais não afasta a natureza pública de sua atividade, que, por isso mesmo, são delegados.

Decorre, daí, o poder de fiscalização pelo Poder Judiciário, não só da atividade-fim, mas também da adequação dos seus instrumentos ao desempenho da função pública, embora delegada, conforme ficou assentado no julgamento do RE 255124 (Pleno,Néri, DJ 8.11.02).

Certo, os limites desta fiscalização ainda não estão bem definidos na jurisprudência do Tribunal.

Penso, contudo, não ser esta a oportunidade apropriada para fazê-lo.

É que, conforme ressaltado pelos ilustres Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da República, na preliminar suscitada nas informações do Presidente do Tribunal local, a Portaria questionada retira seu fundamento de validade dos dispositivos das leis federais e estadual pertinentes, e não diretamente da Constituição Federal (ADIn 2535,Pertence, DJ 21.11.03; RE 208183,Ilmar, DJ 14.12.01; ADIn 1383,Moreira, DJ 18.10.96; ADIn 1368,Néri, DJ 19.12.96; ADIn 589,Velloso, DJ 18.10.91).

Extraio do parecer do Ministério Público Federal (f. 157/159):

5.   Preliminarmente, cumpre esclarecer que os serviços notariais e de registro, embora sejam exercidos em caráter privado, são essencialmente públicos e, como tal, estão sujeitos, segundo o art. 236, § 1º, da Constituição Federal, à fiscalização pelo Poder Judiciário.

6.   A Lei nº 8.935/94, que regulamenta o dispositivo constitucional acima mencionado, por sua vez, dispõe, em seus artigos 30, IX e 37, que os notários e os oficiais de registro, além de terem o dever de dar recibo dos emolumentos percebidos, têm seus atos sujeitos à fiscalização judiciária, exercida pelo juízo competente, ‘sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos’.

7.   Posteriormente, a Lei nº 10.169/2000, regulamentando o art. 236, § 2º, fixou em seu art. 4º, dentre outras normas gerais para fixação de emolumentos, o seguinte comando:

Art. 4º As tabelas de emolumentos serão publicadas nos órgãos oficiais das respectivas unidades da Federação,cabendo às autoridades competentes determinar a fiscalização do seu cumprimento e sua afixação obrigatória em local visível em cada serviço notarial e de registro.’ (Grifamos)

8.   Dispôs, ainda, a Lei Estadual nº 4.485/2001 acerca do pagamento e recolhimento das taxas e emolumentos o seguinte:

Art. 6º Os notários e os registradores darão recibo dos emolumentos percebidos,consoante padronização estabelecida por Portaria da Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, que poderá adotar sistema de controle e cobrança informatizados, em conformidade com a tabela vigente ao tempo da prática do ato.

(...)

Art. 20As taxas e emolumentos serão pagos e recolhidos de acordo com as normas estabelecidas por Resolução do Tribunal de Justiça, observado o disposto nesta lei e na legislação pertinente.’ (Grifamos)

9. Observa-se que a Portaria nº 001GP1, do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, que constitui o objeto da presente impugnação, foi editada com fundamento nas leis acima transcritas e com o propósito de regulamentar o exercício da atividade fiscalizatória nelas prevista. Assim, eventual incompatibilidade ou extrapolação do texto do mencionado ato normativo em face da lei sob cuja égide foi editado constitui verdadeira crise de legalidade, estranha ao controle normativo abstrato, que limita-se apenas à aferição de ofensa direta a dispositivos da Constituição Federal.”

II

Acolho a preliminar levantada e não conheço da ação direta de inconstitucionalidade: é o meu voto.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhora Presidenta, vislumbro, no caso, a contrariedade frontal ao artigo 236 da Constituição Federal. Vem-nos, desse dispositivo, que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado.

Na espécie, trata-se de ato do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe que acaba por estabelecer o que eu denominaria de caixa único, porquanto determina não o recolhimento dos emolumentos ao cartório prestador dos serviços, mas o recolhimento, em guia de depósito, ao próprio Tribunal de Justiça e repasse posterior aos cartórios.

Creio não ser necessário cotejar o ato da referida Corte com a legislação regulamentadora do artigo 236 da Constituição Federal. O confronto se faz, a meu ver, com o princípio básico – e sou mesmo ideologicamente contrário a ele –, contido na cabeça desse artigo, do exercício de tais serviços em caráter privado. A Carta da República, ao aludir à prática dos serviços em caráter privado, refere-se, também, à remuneração desses serviços, o que tem, reconheço, acarretado desvirtuamentos, chegando-se, em atividade obrigatória e ligada à atuação do Estado, a remunerações incompatíveis com um serviço público que particulares estão compelidos a usar.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Mas não se trata de uma medida tão-somente para assegurar o pagamento devido?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não, esse pagamento, evidentemente, será assegurado ao cartório que cobra dos cidadãos os serviços por ele prestados. Na verdade, a regra em questão desvia o recolhimento do cartório para o Tribunal. Este gerencia, portanto, no campo da arrecadação, o que é devido aos cartórios pelo exercício da atividade privada.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (RELATOR) – Emolumentos fixados como tributo com parte destinada a um fundo do Tribunal e repassado o restante dia-a-dia aos cartórios.

A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE) – É apenas uma centralização bancária.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (RELATOR) – Exato.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Compreendo e imagino ser o repasse, inclusive, fidedigno. Não concebo que se cogite, em decorrência do citado artigo 236, de impedir a possibilidade de aquele que exerce uma atividade em caráter privado cobrar, ele próprio, os emolumentos. Uma coisa é a fixação dos emolumentos prevista no § 2º do artigo 236; outra é a forma de remuneração do serviço, não se podendo, a meu ver, criar intermediário, o Tribunal, o qual arrecada os emolumentos mediante boleto emitido no respectivo nome, para creditar em conta própria e, depois, repassar aos cartórios.

Essa tutela não se harmoniza com a natureza privada prevista na cabeça do artigo 236. Por perceber – estou convencido disso - conflito entre a norma baixada pelo Tribunal de Justiça e o disposto no artigo 236, segundo o qual “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público”, entendo que o ato do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe desafia o controle concentrado de constitucionalidade. Não posso imaginar, repito, norma de um tribunal de justiça obrigando aos cidadãos que recorram aos serviços notariais e de registro, o recolhimento não ao cartório - não o pagamento, até mesmo em pecúnia, ao cartório do que é devido pelos serviços -, mas a uma conta do próprio tribunal de justiça.

Por isso, peço vênia para admitir a ação direta de inconstitucionalidade e já adianto que, conhecidas as premissas do voto, caminho no sentido de declarar a inconstitucionalidade do ato.

Não sou simpático, repito - mas nem por isso posso deixar de votar conforme o convencimento quanto ao alcance da Carta -, à quadra vivida nesse setor. Penso haver algo discrepante do que podemos assentar como provido de razoabilidade, tendo em conta, ante um serviço público – ressalto – obrigatório, que titulares cheguem a perceber, por mês, quinhentos, seiscentos, um milhão de reais. No entanto, isso não é argumento para deixar de dar eficácia ao texto primitivo da Constituição de 1988.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Senhora Presidente, quero fazer uma observação de caráter jurídico e uma de caráter prático.

Sob o ponto de vista jurídico, o caso é de um serviço de natureza pública, portanto sujeito à fiscalização do Estado, em qualquer dos seus aspectos. Penso ser essa a forma de efetivar a fiscalização, que é dever do Estado em relação à prestação do serviço público; isto é, o fato de ter havido, pela Constituição, delegação do serviço, não retira do Estado o poder de acompanhar-lhe a prestação de acordo com a lei.

Do ângulo prático, fui juiz da Corregedoria Geral da Justiça durante dois anos. Tivemos em São Paulo, nessa época, problema semelhante – e, provavelmente, não é o que deve ter acontecido em Sergipe -, quando era simplesmente impossível controlar o pagamento correto dos atos notariais e de registro, pois alguns cartórios não forneciam recibo, nem era recolhido imposto de renda.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (RELATOR) – Com a circunstância de que parte do recolhido pelo usuário é devido ao Fundo do Tribunal de Justiça.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Estou coerente com os votos anteriores, pois tenho sustentado, no Plenário, a inconstitucionalidade dessa destinação.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Em São Paulo, a Corregedoria foi obrigada a editar portaria em que se estabeleceu, não esse sistema, mas sistema análogo, para permitir o controle.

Nada se retira do que é devido ao registrador e ao notário. Assim, não vejo a razão jurídica pela qual a ANOREG se está rebelando contra essa medida.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Ministro Cezar Peluso, externei a razão jurídica do meu voto. Vossa Excelência pode não concordar, mas não dizer que não há razão jurídica. Devo refutar a assertiva.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – A minha razão jurídica eu já dei: trata-se de serviço público sobre o qual o Estado tem o poder e o dever de fiscalização.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência tem as suas; tenho as minhas. Agora, respeite o voto que proferi. Não me venha com assertivas visando à desqualificação do meu voto.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Absolutamente. Não estou desqualificando nada. Estou, simplesmente, manifestando o meu ponto de vista.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Proferi um voto devidamente fundamentado. Vossa Excelência pode não concordar, mas não venha com tentativa de desqualificação.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Aliás, recebo do povo para discordar de Vossa Excelência quando me pareça necessário. É o que faço.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Claro, discorde, estamos em um Colegiado. Essa é a beleza do colegiado. Mas sem tentar desqualificar; sem asseverar que o voto do Colega não tem fundamento jurídico.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Não há desqualificação nenhuma, Ministro.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (RELATOR) – Se bem ouvi a frase do Ministro Cezar Peluso, Sua Excelência disse que não vê razão jurídica. É uma questão de ótica, Excelência.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não, Sua Excelência não vê razão jurídica no voto do colega, mas vê no próprio. É isso.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Não, absolutamente. Não vejo razão jurídica na pretensão.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não me importo de ficar vencido no Colegiado, mas não aceito insinuações.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Ministro, eu disse não ver razão jurídica para a ANOREG rebelar-se.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O trabalho que desenvolvo é sério, como é o trabalho dos demais colegas.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Ministro, se Vossa Excelência quer pretexto para discordar de modo pouco urbano, pode inventá-lo; mas o que eu disse foi outra coisa. Disse que não vejo, do ponto de vista prático, nada que justifique a reclamação da ANOREG, pois nada lhe é retirado. É só isso que estou dizendo.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – De bem intencionados, o mundo está cheio, realmente.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Não há motivo nenhum para Vossa Excelência entender que estou desqualificando o voto de Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – É um novo enquadramento, mais palatável.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Isso não me causa nenhuma inibição de discordar quando seja necessário.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Ao contrário, o Colegiado é um órgão democrático por excelência. O que se reclama de cada integrante do Colegiado é a manifestação de acordo com o convencimento.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Sim.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não me importo.

Registrou-se que estaria discrepando do que normalmente ocorre ao não ficar vencido de forma isolada. Não me importo de ficar vencido.

Agora, evidentemente, não posso conceber que se parta, ao se divergir, para a desqualificação do que eu diga neste Colegiado.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Ministro, ninguém desqualificou o que Vossa Excelência disse.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O que está em jogo não é o meu voto, mas a situação concreta do processo.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – Exatamente. Por isso mesmo eu disse que não vejo razão por que a ANOREG se rebela contra uma forma de fiscalização que em nada tolhe ou embaraça seus direitos. É muito simples.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Aceito a justificativa de Vossa Excelência.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Senhora Presidente, desde o começo, a partir do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, eu quase tenderia, até por uma razão pragmática, a conhecer da ação e julgá-la improcedente exatamente por dizer que, a rigor, o que o ato está a fazer é concretizar – uma vez que se trata de serviço público – um mecanismo de controle reconhecido.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (RELATOR) – A minha dificuldade é negar o caráter regulamentar, declaradamente secundário, dessa resolução à base de uma lei estadual que, afora a legislação federal, explicitamente dispõe:

Art. 20. As taxas e emolumentos serão pagos e recolhidos de acordo com as normas estabelecidas por Resolução do Tribunal de Justiça, observado o disposto nesta Lei e na legislação pertinente.”

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Sim. E não há nenhum desbordamento do que está estabelecido.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (RELATOR) – É difícil declarar a constitucionalidade da resolução sem enfrentar a constitucionalidade dessa lei, que não é atacada.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Sim, ministro, mas a base do meu voto - que pode não resultar do convencimento alheio – é única: conflita com a natureza privada dos serviços a previsão de que a remuneração pertinente se faça mediante boleto para depósito na conta do Tribunal.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (RELATOR) – Sim, Vossa Excelência vê um conflito direto.

DECISÃO

Decisão: O Tribunal, por maioria, não conheceu da ação direta de inconstitucionalidade, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que a conhecia. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Carlos Britto e, neste julgamento, o Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente). Presidiu o julgamento a Senhora Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).

Plenário, 15.02.2006.

Presidência do Senhor Ministro Nelson Jobim.

Presentes à sessão os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau.

Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.

Luiz Tomimatsu – Secretário.

 



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