BE2373

Compartilhe:


BOVESPA – 23/02/2006

Espaço Jurídico - Notícias

Segurança jurídica potencializa o mercado de títulos imobiliários  
Por Andréa Háfez*


Alexandre Assolini Motta, sócio do escritório Pedrazza, Maximiano, Kawasaki

A partir da possibilidade da aplicação de instrumentos que dão maiores garantias aos credores, o financiamento imobiliário ganha espaço e o uso do mercado de capitais no setor também. Tribunais aprovam o uso da alienação fiduciária, mas questão ainda tem que ser enfrentada pelo STF

Depois de uma longa construção tanto legal como judicial, os títulos imobiliários atingiram um nível de segurança que permitiu fechar 2005 com emissões de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) no valor de R$ 3,3 bilhões e a expectativa é de que nos próximos anos alcance a casa dos R$ 50 bilhões. O Judiciário tem colaborado e pode ajudar cada vez mais para a ampliação destes valores destinados ao financiamento do mercado imobiliário no Brasil. A estimativa hoje é de que exista um déficit habitacional de mais de 7 milhões de moradias.

Com a criação de uma nova garantia para os contratos de financiamento a partir de 1997, o mercado imobiliário começou a enxergar possibilidades para ganhar novo fôlego. Antes da instituição da figura da alienação fiduciária, havia um receio em investir nesta área. Ao realizar uma operação de financiamento de um imóvel, o credor era desestimulado pelo fato de, no caso de inadimplência do devedor, se ver dentro de um processo judicial para recuperar o imóvel que levaria em média mais de cinco anos.

A alienação fiduciária é um instituto que prevê a transferência da propriedade em parte para o devedor. O comprador detém a chamada propriedade “resolúvel” que só vai se tornar plena após a quitação do financiamento. Caso ocorra a interrupção do pagamento do financiamento, o credor cumprirá um procedimento (ver matéria abaixo) que permitirá a recuperação total da propriedade e da posse em um prazo próximo a um ano.

Desta forma, os credores - potenciais financiadores do setor, como incorporadoras e construtoras - conquistaram uma garantia que traz a segurança suficiente para investir neste mercado. Com este incentivo, uma incorporadora, por exemplo, consegue mais facilmente trabalhar com a hipótese de financiamento. Pode se propor a erguer novos empreendimentos, inclusive na área comercial e industrial, gerar créditos que irá receber de seus financiados e vender esta carteira para as securitizadoras. Estes “ intermediários ” irão utilizar este direito ao crédito para dar lastro aos papéis que serão lançados no mercado, os chamados Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). Os investidores que compram estes papéis terão seus ganhos e estarão financiando o mercado imobiliário. É a ponte entre o mercado de capitais e o mercado imobiliário.

Mas esta cadeia poderia ser quebrada caso o Judiciário entendesse que a alienação fiduciária não pode ser aplicada ao mercado imobiliário. O que não está acontecendo. Com decisões nos Tribunais de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Brasília, o Judiciário deu seu aval para o uso deste tipo de garantia nos contratos de financiamento imobiliário. Hoje, segundo Carlos Eduardo Fleury, superintendente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário (Abecip), são mais de 100 mil contratos com a previsão de alienação fiduciária.

No início, ainda em 1997, quando entrou em vigor a lei que criava o Sistema de Financiamento Imobiliário e a própria figura da alienação fiduciária (Lei nº 9514/97), o receio era grande. De acordo com a advogada da Brazilian Securitires, Fernanda Costa do Amaral, havia um temor por parte do setor em se lançar a algo novo e o Judiciário barrar o uso desta nova garantia. “A Justiça, porém, vem dando o respaldo necessário ao novo instituto”, afirma Fernanda.

Os papéis emitidos com lastro em operações de financiamento imobiliário que prevêem a alienação fiduciária podem obter uma melhor avaliação de risco, pois a inadimplência nos contratos originadores é menor. De acordo com dados da Abecip, o índice de inadimplência da massa total dos contratos de financiamento imobiliário feitos após 1998 é de 8% e se forem tomados apenas os casos em que há a previsão de alienação fiduciária é de 2%.

Depois de passar pelo aval de tribunais estaduais, há a expectativa da chegada ao Supremo Tribunal Federal da discussão sobre a constitucionalidade do uso da alienação fiduciária no mercado imobiliário. Este instituto, segundo o advogado Alexandre Assolini Motta, sócio do escritório Pedrazza, Maximiano, Kawasaki, e membro da Comissão para Produtos Imobiliários da Bovespa, também ganhou o crivo do Judiciário quando foi aplicado anteriormente ao mercado de bens móveis.

Na década de 60, quando o governo quis ampliar o financiamento para este setor, como o de veículos, chegou à conclusão que o penhor, que era a principal modalidade de garantia, não dava aos investidores-credores um conforto adequado. Foi criada a alienação fiduciária para bens móveis, em 1969, por meio do Decreto-Lei 911. A partir de então, o instituto também foi contestado judicialmente. Mesmo depois da promulgação da nova Constituição em 1988, os Tribunais, inclusive o STF, entenderam que ele era regular e a legislação sobre o mecanismo era constitucional. “Hoje é possível obter muito rápido o financiamento de um veículo porque o credor tem segurança que, se ocorrer a interrupção do pagamento do financiamento, poderá retomar o bem com mais facilidade”, afirma Assolini.

Espera-se que o sucesso da garantia dada aos financiamentos de bens móveis possa se repetir no setor imobiliário. Até o momento o Judiciário tem se posicionado a favor desta aplicação. A tese para fundamentar a inconstitucionalidade da Lei nº 9.514/97, que institui a garantia aos financiamentos imobiliários, é de que ela limita o acesso do devedor à Justiça, o que feriria os princípios da ampla defesa e do contraditório.

No entanto, segundo as recentes decisões dadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, não há porque considerar a legislação contrária à Constituição. De acordo com os desembargadores relatores dos processos, a lei instituiu um regime no qual o devedor (fiduciante) transmite ao credor (fiduciário) a propriedade do imóvel, temporária e condicionalmente, enquanto durar a dívida. Se a dívida deixa de ser paga, há a previsão da consolidação da propriedade ao credor.

A nova legislação ainda explicita a formalidade do registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis para que o credor consiga a propriedade plena e retomada da posse por completo. Desta forma, o Tribunal tem entendido que a alienação fiduciária foi instituída para uma maior garantia do pagamento. Além disso, no momento da assinatura do contrato de financiamento, há a ciência do procedimento. O devedor não sofre restrição aos seus direitos. Não há afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

Romeu Pasquantônio, diretor da Bovespa

O devedor que se sentir prejudicado pode recorrer à Justiça, mas não pode se utilizar dela como forma protelatória para deixar de pagar sua dívida e permanecer com o imóvel”, afirma Assolini. “A leitura que o Judiciário fez sobre alienação fiduciária de móveis é a de que se trata de dispositivo constitucional, analogicamente, também deve entender que no caso dos imóveis não há problema”.

Com um risco menor, os papéis vinculados ao financiamento imobiliário passam a ser mais atrativos. “Se o investidor se sente mais seguro, o mercado destes títulos tem mais chances de crescer”, afirma Romeu Pasquantônio, diretor da Bovespa. Campo para crescer existe, pois a demanda por imóveis tanto residenciais como comerciais e industriais é grande. De acordo com o Secovi (Sindicato da Habitação), apenas no setor de moradias, há um déficit imobiliário de mais de 7 milhões de unidades.

Se ocorrer a falta da concessão de segurança jurídica por parte da Justiça para a alienação fiduciária nos contratos de financiamentos imobiliários, o país ficará restrito basicamente às linhas de crédito públicas. “A Caixa Econômica Federal, que era o banco que mais financiava imóveis no Sistema Financeiro de Habitação, com dinheiro do orçamento da União, sofreu muito prejuízo. No formato das execuções anteriores, os devedores declaravam o imóvel como bem de família e não havia solução para o credor”, diz Pasquantônio. O resultado é o baixo volume de financiamentos. Com a alienação fiduciária, a expectativa é de uma redução de riscos, mais contratos de financiamento, e crescimento no volume dos títulos mobiliários rastreados nestes créditos, os CRIs. “Em uma decisão em um processo judicial individual, toda uma coletividade pode ser prejudicada”.

Para dar uma noção mais concreta do potencial deste mercado para a geração de recursos para o financiamento imobiliário, o diretor da Bovespa compara alguns números do estoque de títulos de recebíveis imobiliários de outros países com os do Brasil. Nos Estados Unidos, os valores chegam a US$ 7 trilhões, o equivalente a 60% do PIB americano; na Espanha, são 672 bilhões de euros (52% do PIB). No Brasil, os CRIs alcançaram pouco mais de R$ 3 bilhões, menos de 1% do PIB. A alienação fiduciária com o crivo do Judiciário pode não resolver, mas poderá ajudar a desenvolver um mercado e aumentar os recursos para o mercado imobiliário.

Tabela

Novas regras podem ampliar acesso aos CRIs

A Comissão de Valores mobiliários (CVM) irá apresentar uma nova regulamentação para os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). A proposta deve alterar a Instrução Normativa 414 que trouxe as regras para estes títulos em 2004. Neste período, o mercado ainda não estava amadurecido, o que levou a CVM a optar por impor mais exigências a fim de proteger os investidores pessoas físicas. Agora, com as possíveis alterações, a autarquia deve viabilizar um maior acesso aos CRIs.

O interesse por este tipo de título aumentou desde o início de 2005, quando o governo determinou a isenção de Imposto de Renda sobre os ganhos com investimentos em CRIs obtidos por pessoas físicas. A intenção parecia ser democratizar este mercado e fomentar mais recursos para financiamentos imobiliários, pois o lastro dos CRIs é, em boa parte, créditos decorrentes destes contratos.

No entanto, a regulamentação da CVM de 2004 praticamente impediu a emissão de CRIs com valores inferiores a R$ 300 mil, o que inviabilizou o acesso para grande parte dos investidores pessoas físicas. A rigor, a IN 414 não impõe este piso, mas as exigências feitas para emissões com valores menores foram tantas, que não houve nenhum caso registrado durante todo o ano de 2005.

Segundo Carlos Alberto Rebello Sobrinho, superintendente de Registros de Valores Mobiliários da CVM, uma nova proposta deve entrar em audiência pública ainda neste trimestre, com mudanças que podem facilitar as ofertas de CRIs para o varejo. A autarquia deve alinhar a regulamentação à política tributária do governo, depois de um processo de amadurecimento como no trabalho de padronização de créditos e especialização de operadores. (A.H.)

Credor tem que cumprir regras na retomada de imóvel

A presença da alienação fiduciária em financiamentos imobiliários dispensa a execução no Judiciário das dívidas decorrentes deste tipo de contrato. A Lei nº 9.514/97 determinou a execução extrajudicial da garantia. Como já há uma transferência “ parcial ” da propriedade do imóvel para o credor até que o contrato seja inteiramente quitado, na ocorrência da inadimplência, a propriedade plena pode ser obtida por meio de um procedimento fora do Judiciário.

A execução extrajudicial é mais célere porque não está suscetível às principais discussões de uma ação judicial. Mesmo assim, há um rito a ser obedecido na retomada do imóvel e na efetivação da propriedade.

Depois de verificar o atraso no pagamento do financiamento, o credor, mesmo sem ser obrigado, costuma realizar avisos de cobranças para assegurar que o devedor tenha ciência do risco que está correndo. De acordo com Pedro Klumb, diretor da MSFI – Monitoramento e Serviços Financeiros, existe a tentativa de criar um ambiente de negociação. “Os bancos e as securitizadoras não têm interesse em retomar o imóvel, mas sim o fluxo de pagamentos, inclusive porque é isso que interessa também ao investidor de Certificados de Recebíveis Imobiliários ”.

Sem sucesso, para dar início aos procedimentos previstos em lei, o credor deverá pedir ao registro de imóveis para intimar o devedor a recolher a importância devida. A intimação prevê quinze dias para o pagamento a partir da data do recebimento do documento. Se não é feito o depósito, o registro de imóveis inicia o processo de consolidação de propriedade. O credor levanta e paga todos os débitos, recolhe o imposto de transmissão de propriedade, e solicita a consolidação da propriedade em seu nome.

Mesmo assim, ainda terá a obrigação de levar o imóvel a leilão: no primeiro, em até trinta dias, é obrigado a vender o bem pelo valor de avaliação original, previsto no contrato de financiamento. O objetivo do leilão é proteger o devedor, pois o arrecadado servirá para pagar o que foi gasto pelo credor, mais a dívida remanescente, o valor restante será devolvido ao devedor.

O credor só vai poder ficar com o imóvel se tentar vendê-lo novamente no segundo leilão e não conseguir um lance suficiente para cobrir ao menos obrigações. Ou seja, é preciso que alcance ao menos o valor da dívida. Se não houver sucesso nos dois leilões, o credor fica com o imóvel, mas é obrigado a extinguir a dívida do devedor e dar a quitação da dívida.

Antes, no processo de execução judicial nos casos de contratos que previam a hipoteca como garantia, havia uma demora muito maior para o desfecho do procedimento, mas, se a dívida não fosse coberta pelo valor obtido com o imóvel, o credor poderia perseguir a diferença em outro processo. O devedor não se via livre da dívida. Com a alienação fiduciária e a execução extrajudicial, há rapidez e mesmo se depois da execução o imóvel não for suficiente para cobrir a dívida, o devedor recebe a quitação.

Se depois deste procedimento, não houve a desocupação do imóvel, é preciso pedir em juízo a reintegração de posse. A Justiça normalmente dá um prazo de 60 dias para o devedor sair do imóvel. Pela experiência da MSFI, em 120 casos de execução de garantias em contratos com alienação fiduciária, o prazo médio para a efetiva retomada do imóvel e registro da propriedade pelo credor tem diminuído e ficou próximo a 290 dias, no ano de 2004. (A.H.)

Execução Extrajudicial

Fonte: MSFI

(BOVESPA, Espaço Jurídico, 23/02/2006)



Últimos boletins



Ver todas as edições