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PL nº 3.057 em debate

Publicidade Registral Imobiliária
Algumas considerações a respeito do Projeto de Lei nº 3.057/2000
Leonardo Brandelli*


A publicidade das situações jurídicas que afetem terceiros é instituto jurídico inserido no âmago do direito civil, embora nem tão percebido, nem tão explorado pelos civilistas pátrios.

A necessidade de se tornar cognoscíveis as relações jurídicas que produzam, ou devam produzir efeitos perante terceiros – sejam de caráter real, sejam de caráter pessoal – é uma realidade jurídica e que encontrou diferentes respostas ao longo da evolução do Direito.

A publicidade é o oposto da clandestinidade, e pode ser definida, nas precisas palavras de José Maria Chico y Ortiz, como “aquel requisito que, añadido a los que rodean a las situaciones jurídicas, asegura frente a todos la titularidad de los derechos y protege al adquirente que confia en sus pronunciamentos, facilitando de esta manera el crédito y protegiendo el tráfico jurídico”. (Estudios sobre derecho hipotecário. 4. ed. Madrid: Marcial Pons, 2000. T. I. p. 180)

Os direitos reais, somente serão efetivamente direitos reais, dotados da característica da oponibilidadeerga omnes, se o direito fornecer algum instrumento adequado de publicidade que permita à coletividade tomar conhecimento da existência de tal direito, sem o que não poderá afetar a terceiros de boa fé, sob pena de haver afronta ao princípio da segurança jurídica, da boa fé objetiva, e até mesmo da justiça.

Assim, sem um meio eficaz de publicidade, não se terá um efetivo direito real, oponível a terceiros, uma vez que estes o desconhecerão; poder-se-á chamar de direito real, mas em verdade não o será, ou não o será em sua plenitude, por encontrar sérias restrições jurídicas decorrentes da ignorância de sua existência por terceiros. O mesmo se diga a respeito dos direitos puramente obrigacionais que devam ser oponíveis em relação a terceiros, como certos direitos de preempção, por exemplo: se não forem publicizados, sua oponibilidade esvai-se.

La publicidad en materia de derechos reales, es la exteriorización de las situaciones jurídicas reales (referidas a cosas individualizadas), a los efectos de que, posibilitando su cognoscibilidad por los terceros interesados, puedan serles oponibles’. [...] Siendo oponibleserga omnes, no se concibe que el sujeto pasivo de la relación jurídica real esté obligado a respetarlos, si no se los conoce”. (VIVAR, Beatriz Areán de Díaz de.Tutela de los derechos reales y del interes de los terceros. Acciones reales y publicidad de los derechos reales. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1979. p. 99)

Mutatis mutandis, a lição de Vivar aplica-se também aos direitos obrigacionais que devam ter eficácia perante terceiros. Embora a relatividade do direito obrigacional seja uma de suas notas características, há direitos pessoais oponíveis a terceiros. Precisa, nesse ponto, a lição de João de Matos Antunes Varela: “Mas arelatividade essencial do direito de crédito não obsta:a) a que a lei considere excepcionalmente oponíveis a terceiros algumas relações que, na sua essência, são autênticasrelações obrigacionais; b) a que a relação de crédito, na suatitularidade, constitua um valorabsoluto, como tal oponível a terceiros”. (Das obrigações em geral. 9. ed. Coimbra: Almedina, 1996. V. I. p. 179-9).

É o que ocorre, por exemplo, com o direito de preempção do locatário de imóvel urbano. A tais direitos pessoais, para que sejam oponíveis a terceiros, há a necessidade de publicidade tal qual nos direitos reais.

Essa necessidade imperiosa de se achar meios eficazes de publicidade sempre foi compreendida ao longo da evolução histórica das ciências jurídicas, tendo-se oferecido em cada momento histórico o instrumento adequado para tanto.

No direito grego, as celebrações de negócios jurídicos em mercados, em praças públicas, ou na presença de três vizinhos, davam conta de fornecer a tais negócios a publicidade almejada, tornando os direitos ali adquiridos oponíveis a terceiros, na medida em que celebrados publicamente. (MONTES, Angel Cristóbal.Direito imobiliário registral.  Porto Alegre: safE, 2005. p. 45)

Também o Egito faraônico conheceu e reconheceu a necessidade da publicidade de certos direitos, em especial os imobiliários, exigindo a intervenção de autoridades públicas e de certos membros da comunidade com o intuito de atingir tal fim. (POZO, Luis Fernández Del.La propiedad inmueble y el registro de la propiedad en el Egipto faraónico. Madrid: Colegio de Registradores de la Propiedad y Mercantiles de España, [s.d.]. p. 121.

Da mesma forma, o direito romano instituía certas formalidades aos negócios jurídicos que pretendessem criar, transmitir ou modificar certos direitos sobre determinados bens. Assim amancipatio - que consistia na transmissão da propriedade de certos bens mediante uma solenidade específica diante de pelo menos cinco testemunhas especialmente convocadas para o ato – e ain iure cessio – cuja publicidade do direito era alcançada mediante a intervenção judicial e reconhecimento pelo órgão judicante do direito transmitido. (KASER, Max.Direito privado romano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 64-8)

Nas sociedades mais priscas, a publicidade era alcançada de maneira mais simplificada – a como se vê pela celebração mediante formalidades ou em locais onde os membros da sociedade pudessem tomar conhecimento. Numa sociedade sem maiores complexidades, de proporções populacionais modestas como as que existiam na ocasião, a publicidade ancorada em uma publicidade da tradição ou em uma publicidade possessória, era mais do que suficiente. Vender um imóvel em uma praça pública grega era garantir que todos os demais tomariam ciência, direta ou indiretamente, do negócio celebrado. Ademais, a posse fazia presumir a propriedade ou algum outro direito real praticamente de maneira absoluta, diante da menor complexidade das relações jurídicas, em que a existência de um direito imobiliário oponível a terceiros implicava a transmissão possessória, a qual tornava público o direito. Todavia, com a evolução social e jurídica, tais instrumentos publicitários não mais se fizeram suficientes, permanecendo, contudo, e de maneira cada vez mais premente, a necessidade de se publicizar certas relações jurídicas.

O crescimento populacional e a formação de grandes metrópoles, marcadas pela impessoalidade, a industrialização da sociedade, a criação de novos institutos jurídicos que dão vazão às novas necessidades sociais (como a propriedade fiduciária em garantia, por exemplo), a complexidade, enfim, das relações jurídicas e sociais escancarada em uma sociedade de massas, teve o condão de rapidamente tornar obsoletas as tecnologias publicitárias existentes, reclamando a incoação de outras mais eficientes.

Nesse momento, surge a instituição registral, como fenômeno mais ou menos recente. Aparece como instituição específica e especializada a dar uma publicidade eficiente a determinadas situações jurídicas, sendo reconhecida, atualmente, em todo o mundo, como o mais eficaz instrumento de publicidade. E sua importância é sempre crescente, à medida que, cada vez mais, surgem novas situações jurídicas e faz-se presente a necessidade da publicidade registral em virtude de os direitos apresentarem a nota de potencialidade de atingir a esfera jurídica de terceiros.

Os direitos puramente privados einter partes são cada vez mais raros. As funções social e econômica dos direitos, aliadas ao interesse público que permeia muitos dos institutos jurídicos, fazem com que haja uma necessidade cada vez mais latente de publicidade, e a instituição registral é o meio hodierno eficaz e de primorosa tecnologia jurídica apta a conseguir tal desiderato.

Tal característica dos registros públicos é tão forte no direito atual, que alguns autores sequer admitem outra publicidade que não seja a registral, isto é, não admitem eficáciaerga omnes fora da instituição registral; outros, por seu turno, admitem publicidade exógena (decorrente da aparência ou da posse, por exemplo) para direitos de menor importância jurídica ou econômica, para os quais não haja obrigatoriedade de registro. (Ver CORNEJO, Américo Atílio.Curso de derechos reales. Parte general. Salta: Virtudes, 2005. p. 190-1)

O registro cria uma publicidade muito mais sólida e eficiente do que os institutos de publicidade até então existentes, como a tradição e a posse, por exemplo. Nesse sentido, alerta Pontes de Miranda que os “direitos, as pretensões, as ações e as exceções existem no mundo jurídico, porque sãoefeitos de fatos jurídicos, isto é, de fatos que entraram no mundo jurídico” e que lá “são notados, vistos (em sentido amplíssimo) pelaaparência deles [...]. Mas a aparência do fato e do efeito, ou só de efeito, pode ser falsa [...], às vezes há o ser que não aparece, e há o que aparece sem ser. A técnica jurídica tenta, com afinco, obviar a esse desajuste entre a realidade jurídica e a aparência”. E arremata mostrando que é a publicidade registral quem tem a nobre missão de conseguir tal intento. (Tratado de direito privado. 3.ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. T. XI. P. 232 e seguintes)

Como corolário da evolução jurídica, percebe-se a existência de um caminho natural de valorização cada vez maior da publicidade registral, como o meio eficaz de dar a conhecer certas situações jurídicas a terceiros alheios a ela.

Há uma tendência mundial de se concentrar no Registro Imobiliário todas as situações jurídicas que digam respeito aos imóveis e que devam ser oponíveis a terceiros, sem o que não poderá haver tal oponibilidade de maneira absoluta, mas somente diante de uma análise casuística que reclama a verificação acerca de ter havido, ou não, no caso concreto, conhecimento da situação jurídica por parte do terceiro.

Esta última situação tem sido reiteradamente abandonada por ser contrária à segurança jurídica, à segurança do tráfico, à boa fé objetiva que deve permear as relações jurídicas, à proteção dos adquirentes de direitos publicizáveis (em grande parte consumidores), etc. (Veja-se a respeito: ALPA, Guido, et. al.Istituzioni di diritto privato a cura di Mario Bessone. 10. ed. Torino: G. Giappichelli, 2003. p. 1217 e seguintes).

A complexidade do mundo moderno exige garantias cada vez maiores para seus protagonistas: o adquirente deseja contar com uma informação idônea acerca da titularidade do direito que lhe pretende transmitir o alienante, assim como os gravames ou limitações que podem afetá-lo; o credor hipotecário quer saber se o imóvel oferecido em garantia pertence ao constituinte da hipoteca ou se existem outros gravames que poderiam prejudicar a hipoteca; os credores em geral necessitam conhecer o estado patrimonial do devedor, com vistas a evitar os inconvenientes e prejuízos que lhes acarretaria a realização por este último de atos de disposição ocultos. Vemos então a enorme importância jurídica e econômica que adquire a publicidade na vida contemporânea, sendo, a todas luzes, evidente que ela não pode estar dada somente pela tradição [...] senão através dos registros imobiliários, convertidos hoje em verdadeiros baluartes da segurança do tráfico jurídico”. (VIVAR, Beatriz Areán de Díaz de. Op. Cit.  p. 100)

Outra não é a percepção de Roberto H. Brebbia: “La publicidad tiene por finalidad esencial lograr la oponibilidad del acto frente a terceros, tiende a la protección de los terceros. En este siglo, la publicidad registral ha logrado un desarrollo notorio [...]. La doctrina recomienda y la legislación ordena frecuentemente el registro de variados actos jurídicos”. (Hechos y actos jurídicos. Buenos Aires: Astrea, 1995. p. 392)

Inegável a tendência civilista e registral mundial de se levar ao registro imobiliário todos as situações jurídicas imobiliárias, reais e pessoais, que tenham o condão de atingir terceiros. Sem o registro, os terceiros de boa fé não podem ser atingidos porque não se lhes pode exigir o conhecimento da situação jurídica sobre a qual não há cognoscibilidade (a não ser que se prove que tivesse conhecimento do fato por outro meio).

Também José Luis Pérez Lasala alerta para o fato de que hoje os efeitoserga omnes se produzem em virtude da inscrição no registro da propriedade. “Si los actos inscribibles son derechos reales, coincidirán los efectoserga omnes que les concede el derecho civil con la oponibilidad que les otorga la inscripción. Si los actos inscribibles son derechos de crédito, la inscripción les concederá oponibilidaderga omnes ”. (Derechos reales y derechos de crédito. Buenos Aires: Depalma, 1967. p. 38)

A publicidade registral, publicidade jurídica que é, não é despida de efeitos jurídicos; ao contrário, sempre carregará consigo efeitos jurídicos em relação ao direito registrado. O efeito jurídico mínimo gerado pelo registro imobiliário é a oponibilidade do direito a terceiros. Há ordenamentos que vão mesmo além, agregando ao registro o efeito constitutivo de certos direitos (além da oponibilidade que continua sendo gerada), como ocorre com os direitos reais no Brasil, e outros que vão mais além ainda, agregando a característica da fé pública, como Espanha e Alemanha, por exemplo, a proteger de modo absoluto o terceiro adquirente de boa fé que confia na informação registral.

Diante dessa tendência mundial de prestigio da publicidade registral imobiliária, ampla e robustamente justificada pelas necessidades sociais atuais e pelos enormes benefícios jurídicos e econômicos que traz, tornando-a um instrumento extremamente eficaz e de baixo custo em relação a tais benefícios, indisfarçável a pertinência das inovações trazidas pelo Projeto de Lei nº 3.057/2000 no que toca aos assuntos registrais imobiliários.

Todavia, criticam-se dispositivos do aludido projeto que exigem inscrição no registro imobiliário para que se possa opor a terceiros certos direitos, isto é, a informação não constante do registro não é oponível a terceiros que de boa fé adquiram algum direito imobiliário. Note-se que não se mexe no efeito constitutivo da publicidade registral imobiliária em relação aos direitos reais imobiliários, a qual continua intacta.

A crítica não procede e vai na contramão das tendências civis e registrais mundiais, como se viu acima.

Permitir que as situações jurídicas não publicizadas registralmente afetem a terceiros de boa-fé é contraproducente, fomenta o litígio, a insegurança jurídica e a informalidade que laceram este país há mais tempo do que se pode em sã consciência suportar.

Concentrar as informações a respeito dos imóveis no álbum registral imobiliário significa um passo enorme para a segurança do tráfico jurídico, que por sua vez significa tranqüilidade e redução de custos. Se o adquirente de algum direito imobiliário puder confiar nas informações contidas no registro de imóveis, terá uma possibilidade de celebrar de maneira segura o negócio jurídico, reduzindo custos de transação, a uma porque as informações estão concentradas e são confiáveis (diferente da situação de ser necessário buscar certidões de feitos ajuizados, que serão mais custosas e menos precisas, uma vez que pode haver alguma ação pessoal reipersecutória que vá afetar o comprador em qualquer lugar do território nacional), a duas porque haverá total segurança na aquisição do direito, o que tem o condão de fomentar os negócios imobiliários e a economia dom país.

Exigir a concentração das informações na matrícula do imóvel, inclusive em relação a ações judiciais que possam afetar aquele imóvel, significa proteger o autor da ação a ser registrada, uma vez que, se a informação não for publicizada e algum terceiro de boa fé adquirir o imóvel, haverá seguramente outro embate jurídico para discutir a questão, fato que será muitíssimo mais custoso e desgastante do que o registro da ação.

Alem disso, haverá um perdedor, o qual restará possivelmente prejudicado em seu direito já que o executado foi levado à insolvência e pouca possibilidade de indenização haverá, situação esta que poderia ser evitada facilmente com a obrigatoriedade do registro conforme prevê o projeto. O registro, neste caso, preveniria de maneira eficaz que terceiras pessoas fossem ludibriadas, protegendo também o autor da ação que restaria tranqüilo caso o seu direito fosse reconhecido judicialmente, garantindo a execução sobre aquele bem imóvel e prevenindo futuras e inevitáveis lides com terceiros adquirentes, reduzindo assim (e não aumentando) os custos de efetivação do direito das partes, além de gerar paz social, um dos motivos-fim da existência do direito.

Permitir que qualquer ação existente, que pode não ser conhecida pelo terceiro adquirente, afete este adquirente de boa fé, é fomentar a cultura da lide e aumentar os custos da realização do direito do autor. Ademais, há o risco para o autor da demanda de o direito do adquirente de boa fé ser reconhecido em juízo, esfacelando a realização do seu direito, o que seria também facilmente prevenido com o registro estipulado no projeto de lei. Não há que se falar aqui em ofensa ao direito constitucional de se buscar a tutela jurisdicional: primeiro porque o não-registro não afeta o direito do autor da ação na relação direta com o réu, mas somente em relação a terceiras pessoas que não conhecem a lideinter partes e nem tem o dever de conhecer, e cuja relação de direito material autor-réu, em princípio, não afeta; segundo, porque o direito do autor não é tolhido, mas, apenas se impõe um dever de diligência para que posteriormente possa executar certo bem se este bem tiver sido alienado a terceiro de boa fé; e terceiro, porque todas estas questões são passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário em consonância com o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

A obrigatoriedade do registro do compromisso de compra e venda de lote ou unidade autônoma, por exemplo, é medida que protege enormemente os adquirentes, evitando ou minimizando situações já vividas como a da Encol, por exemplo. O consumidor que adquire determinado lote ou unidade autônoma por contrato de compromisso de compra e venda, pretende obter um direito real de aquisição; porém, isso somente será direito real, oponívelerga omnes, após o registro. Antes, haverá apenas um direito obrigacional (de fazer) sujeito à execução específica, a qual levará à aquisição do imóvel se nenhum adquirente de boa fé tiver já registrado (e adquirido) um direito real sobre o imóvel; caso contrário, ao primeiro adquirente restará apenas direito à indenização por perdas e danos.

O simples registro, que em nada prejudica o consumidor (já que é obrigação do empreendedor segundo o projeto), protegerá de forma contundente o adquirente do lote ou unidade, por lhe conferir o direito real sobre aquilo que adquiriu, pondo a salvo seu direito, evitando futuras lides, que poderão se tornar um calvário na busca de seu direito (veja-se o caso Encol).

Mais uma vez, há segurança jurídica, redução de custos e paz social. Nem se levante a tese da oneração do consumidor, uma vez que, em São Paulo, este registro do compromisso não representará custo algum a mais, haja vista que a legislação emolumental determina a cobrança de apenas 30% do valor integral do registro da compra e venda quando do registro do simples compromisso, sendo os outros 70% cobrados por ocasião do registro de aquisição definitiva; ou seja, não registrar o contrato de compromisso dará ao comprador o mesmo custo registral e muito menos direitos: terá ele um mero e frágil direito pessoal, contra um direito real que poderia ter com o registro. E mesmo em Estados em que eventualmente o custo aumente, as vantagens de proteção do adquirente são tantas que justificam o custo, o que ainda significará redução de gastos em relação à insegurança e a iminência de lides futuras. Aliás, o argumento do “ganho dos donos de cartório” (que não procede conforme analisado) sequer deveria ser aventado por extravasar a discussão jurídica e ser frágil. O Código de Defesa do Consumidor,verbi gratia, inegavelmente foi um avanço jurídico importante, avanço esse com o qual muitos advogados ganharam honorários defendendo clientes que tiveram seus direitos consumeristas afrontados, e nem por isso se pensou em acabar com o CDC.

Enfim, a lei prestigiar a publicidade registral é proporcionar aos cidadãos segurança na aquisição dos seus direitos sobre imóveis (sem eliminar o direito daquele titular de direito pessoal não registrado, que pode buscar em ação própria indenização ao seu prejuízo, embora não possa afetar o terceiro que adquire de boa fé, por não se ter promovido a publicização de seu direito), diminuição dos custos de transação, diminuição significativa do número de lides envolvendo direitos imobiliários eis que as informações passarão a figurar no fólio registral (com isso diminuindo custos para os titulares de direitos, e não aumentando), e a geração da paz social. Numa visão macro, significa crescimento econômico formal e sustentável.

A publicidade registral imobiliária bem tratada, com o estabelecimento de sanções à não-publicidade, permite ainda um controle e um ataque mais seguro das situações de informalidade, que geralmente ofendem interesses supra-individuais.

Note-se ainda que, do ponto de vista econômico, a regularização formal do direito de propriedade imóvel pela publicidade registral tem íntima ligação com a renda das pessoas, conforme notou Maria Isabel de Toledo Andrade, ao analisar a renda e o direito de propriedade da comunidade do Caju, na cidade do Rio de Janeiro, em sua dissertação de mestrado defendida na UFRJ em 2004. Se informal a propriedade, menor a renda das pessoas, uma vez que tal propriedade não será apta a servir de garantia e pela sua situação terá uma menos valia.

Enfim, o Projeto de Lei nº 3.057/2000, no que toca à questão registral, é muito feliz ao acompanhar uma tendência mundial de valorização da publicidade registral em prol da sociedade, e, em algumas situações, nada mais faz do que explicitar e regrar de maneira segura situações já reconhecidas na doutrina e na jurisprudência, que já protegem o adquirente de boa fé com base em vários princípios jurídicos, porém sem a segurança e a paz social que a obrigatoriedade da publicidade registral gera.

*Leonardo Brandelli é Registrador Imobiliário, mestre e doutorando em direito civil pela Universidade de São Paulo.



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