BE2325

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PL 3.057/2000 em discussão

O Valor do registro - I  
Sérgio Jacomino*


Em virtude de erros de digitação e edição, o artigo publicado no BE #2323, de 3/3/2003, não reproduziu precisamente a parte que abaixo se republica.

Aceitando a sugestão de uma colega, reproduzi parte das reportagens recentemente publicadas sobre replicação homóloga de instituições encarregadas da publicidade registral nas favelas brasileiras.

O fenômeno retrata bem a existência de um pluralismo jurídico, como advertido pelo sociólogo Boaventura de Souza Santos, que em suasNotas sobre a história jurídico-social de Pasárgada, se debruçou sobre as estruturas internas de uma favela do Rio de Janeiro. No texto clássico, o autor descerrou a ocorrência de uma situação de pluralismo jurídico – que ocorre quando num mesmo espaço geopolítico vigoram (oficialmente ou não) mais de uma ordem jurídica.

O que se vê nas favelas do Rio de Janeiro e de São Paulo é justamente isso. Especificamente no que diz respeito aos Registros Públicos, ocorre um decalque dos modelos institucionais (estatais) criando, motivada por uma ilegalidade coletiva da habitação, um sistema paralelo de publicidade registral.

Um pequeno desvio nas discussões sobre o custo dos registros, portanto. Julguei que seria oportuno divulgar as matérias jornalísticas refletindo o problema.

Para se obter o texto na íntegra, acesse: http://www.irib.org.br/notas_noti/boletimel2323.asp

O registro do compromisso é caro? Quanto custa tudo isso?

Antes de declarar que haverá um golpe na economia dos sujeitos vulneráveis (ou “ultra vulneráveis”, na expressão do crítico) é preciso responder categoricamente à seguinte questão: os benefícios que a sociedade como um todo obterá com o registro obrigatório – aí considerados os vários estratos socioeconômicos – é maior ou menor que o comprometimento a que individualmente incorrerão os adquirentes?

A discussão somente se manterá em bases aceitáveis de racionalidade se pudermos mensurar e comparar o quanto representa tanto o estado de clandestinidade jurídica a que se acham sujeitos os adquirentes de imóveis parcelados e incorporados, quanto a situação inversa, com a efetivação dos registros de promessas tal como aqui propugnado. Sem que se possa responder criteriosamente a essa pergunta, corre-se o risco de resvalar o preconceito.

De nossa parte, sabemos que na esmagadora maioria dos casos – as cifras chegam a ser superiores a 90% – os contratos de promessa jamais chegam ao registro, inaugurando,a latere do registro público, cadeias clandestinas de sub-adquirentes, aprofundando a complexidade dos processos de regularização e onerando insuportavelmente o consumidor e adquirente desses imóveis.

Como decorrência da patologia jurídica, o não-registro leva inexoravelmente à necessidade de se intentar ações de adjudicação compulsória – quando isso seja possível, pois na maioria das vezes, transcorrido muito tempo desde a celebração do contrato, a empresa alienante já não existe, ou os parceladores são falecidos, com a necessidade de localizar, identificar e citar herdeiros. No pior dos cenários, nem mesmo a adjudicação é possível, somente restando ao adquirente a via da usucapião.

Quanto custa tudo isso? Os críticos seriam capazes de responder quanto vale um imóvel irregular nessas condições, comparados os preços de um imóvel regularizado na mesma região? Qual o deságio? Esse é um tributo cruel que a desídia e a leniência legam ao adquirente de boa-fé – pois haverá quem lucre, e muito, com a opacidade que estamos intentando atacar.

Os cartórios brasileiros podem oferecer facilmente os dados que comprovam a afirmativa. Limitando-nos tão-somente à experiência do Quinto Registro de São Paulo, os imóveis do chamado “centro velho”, consistentes de unidades autônomas oriundas de prédios construídos nas décadas de 1950 e 1960, acham-se, até hoje, em sua grande maioria, registrados em nome dos antigos proprietários. Estes, para incorporar e construir o prédio, prometeram vender o imóvel a uma incorporadora que, por seu turno, cedeu ou prometeu ceder os direitos a terceiros por meio de instrumentos particulares que jamais chegaram ao registro. Quanto custa esse estado de informalidade? Que direitos ostentam os adquirentes que se apóiam em contratos de gaveta?

Por paradoxal que possa parecer – e abstraindo-se o fato das políticas retributivas relacionadas com a remuneração dos delegatários dos serviços registrais – os benefícios sociais que advêm com a publicidade registral justificam plenamente que se imponha o ônus do registro. Os ganhos sociais são apreciáveis, comparados aos custos suportados pelos interessados no registro. Prova inequívoca desse fato são os milhões de contratos celebrados no âmbito do antigo BNH (Banco Nacional da Habitação) e, mais recentemente, pelo SFH e SFI, com garantias reais, em que os custos do registro (e outros, mais expressivos, como custas e impostos em cascata incidindo no preço do registro) são diluídos no prazo de financiamento, desonerando o adquirente de aporte imediato para cobrir esses custos.

Os registros homólogos  

A informalidade é multifacetada. Apresenta aspectos surpreendentes. Só para ficarmos no contexto de nossas discussões, verificamos que a falta do registro gera a necessidade de se criar modelos homólogos, para-estatais, de registros públicos.

Ora, o Registro é uma necessidade social. Quando o Estado não o provê, acabam vicejando mecanismos que,a latere do sistema oficial, proporcionam informações sobre a situação do imóvel.

Na Rocinha, favela do Rio de Janeiro, a comunidade, por efeito de homologação de modelos institucionais bem conhecidos, cria seus órgãos ambientais, urbanísticos e registrais. Diz a reportagem de O Globo: “Na Rocinha são dispensáveis licenças de obras, vistoria prévia do Corpo de Bombeiros para o habite-se e outros documentos exigidos de qualquer pessoa que queira fazer obra nos asfalto”. E continua a notícia dizendo que a associação de moradores União Pró-Melhoramentos da Rocinhaassume o papel de cartório de Registro Geral de Imóveis ”. (O Globo, edição de 22/9/2005, 16, em reportagem de Luiz Ernesto Magalhães intituladaIlegal. E daÍ? Vale tudo na Rocinha).

As respostas que a comunidade dá às exigências sociais do Registro são surpreendentes. Vejamos o depoimento de René Mello, diretor da Associação: “o proprietário chega aqui e informa que quer cadastrar uma nova residência. Nós realizamos uma vistoriapara confirmar que a casa é dele mesmo e fazemos o registro. Por dia atendemos de cinco a seis pessoas”. E mais adiante diz: “o registro custa R$ 40”. (loc. cit).

Considerando-se que os imóveis, segundo a reportagem, nos melhores pontos da favela são vendidos, em média, por 30 a 40 mil reais, chega-se à conclusão de que a clandestinidade, do ponto do vista da necessidade social do Registro, é muito cara, comparados os serviços da favela com o proporcionado pelo Estado por meio dos Registros de Imóveis.

Em São Paulo a situação não é muito diferente. Em reportagem do Estadão de 26/5/2005 (Caderno C-4, reportagem de Marc Tawil), vemos a Dona Helena, “dona de Paraisópolis”, atuando num dublê de corretora e notária, e ganhando muito bem para isso: “a intermediação funciona assim: Helena conversa com o dono do imóvel reúne comprador e proprietário e, após o acerto, firma um contrato de compra e venda. O cliente “adquire” a posse da casa em preços que variam de R$ 8 mil a R$ 120 mil, segundo a reportagem, que ainda noticia que para o serviço de intermediação e “notarização” do ato D. Helena ganha em termos de porcentagem algo em torno de 10% sobre o valor do negócio: “tem venda em que ganho R$50,00; outra em que eu ganho R$1.000,00. Não fiquei rica, mas chego lá”. (id. ibid).

*Sérgio Jacomino é registrador imobiliário e presidente do Irib – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil.



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