BE2256

Compartilhe:


ENR – Escola Nacional de Registradores

Mónica Jardim apresenta o sistema registral português
Desenvolvimento histórico do registro e notas portugueses


No dia 17 de janeiro de 2006, nas dependências da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a professora Mónica Jardim, conhecida dos registradores brasileiros pela participação no Encontro do Cinder e das jornadas de direitos notarial e registral de Ouro Preto e Tiradentes, expôs, para uma platéia atenta e interessada de alunos brasileiros, o desenvolvimento do sistema registral português, com rápidas referências ao sistema notarial do país.

Mónica Jardim expõe com clareza e precisão os contornos do registro predial português

Começou por situar o registro português no contexto dos grandes sistemas europeus a partir dos efeitos que gera e pelo modo de aquisição dos direitos reais neste país.

Segundo ela, vigora em terras lusas o sistema do título. Os direitos reais se constituem, modificam e transmitem por só efeito do contrato, numa clara filiação aoCode Napoleón. Portanto, basta o contrato - que produz efeitos obrigacionais e reais; não hámodus, sendo suficiente o acordo de vontades. Vigora o princípio da causalidade, que conhecerá apenas algumas poucas exceções – penhor, a hipoteca, doação de coisas móveis, etc. No caso da hipoteca, é essencial o registro.

Até 1959 o registro da hipoteca era apenas condição de oponibilidade a terceiros. Ou seja, inter partes, a hipoteca, mesmo não registada, produzia efeitos. Respeitável doutrina, ainda hoje, sustenta que a hipoteca não registra da é apenas ineficaz em face de terceiros. Já na opinião de Mónica Jardim o registro da hipoteca constitui um verdadeiromodus. É requisito essencial para fazer surgir o direito. Se o direito não pode ser oposto em face da contraparte nem de terceiros, não é razoável que exista verdadeiramente um direito real.

Nos demais casos, o registro não é condição necessária para aquisição dos direitos reais; e, por maioria de razão, não é condição suficiente. Se se celebra uma compra e venda e esta padece de uma causa de inexistência ou de invalidade, o registro que eventualmente venha a ser lavrado não sana o vício e, consequentemente, não faz com que o titular registal adquira o direito. O registro não gera um efeito saneador de vícios.

O registro, em Portugal, vai desempenhar um papel de compensação do princípio de consensualidade. Como os terceiros não tomam conhecimento do fato jurídico aquisitivo de direitos que lhes são oponíveis para eles o registro surge como uma necessidade. Uma vez que, tal como nos restantes sistemas registais, o registro português torna cognoscíveis os factos jurídicos a ele sujeitos que efectivamente sejam registados.

Referências históricas sobre o desenvolvimento do registro.  

Até 1836, a legislação hipotecária era estranha à formalidade do registro. O fundamento das hipotecas repousava no direito canônico e romano. A Prioridade ocorria à margem do registro, existindo, por isso, multiplos conflitos e pleitos. Pelo decreto de 26/10/1836, criou-se o registro das hipotecas com uma clara influência do Código de Napoleão.

foto

Foi o Decreto de 26 de Outubro de 1836 que criou o Registro das Hipotecas. Mas este diploma não regulava exclusivamente o registro de imóveis e por ele não ficavam sujeitos todos os diferentes actos e contratos relativos a imóveis. O Diploma em causa visava o registro de embarcações e imóveis situados nas sedes dos julgados, mas somente nos casos em que estivessem: 1º- hipotecados por convenção, última vontade ou lei; 2º.- litigiosos por ação sobre o domínio, ou penhora; 3º.- doados, ou por qualquer outro contrato alienados com reserva do usufruto, enquanto este não acabasse.

O registro produzia efeito por dez anos. Exigia-se a renovação dos seus efeitos por um novo registro. Não assegurava a prioridade em toda a sua extensão, pois se admitia que uma hipoteca fosse registrada, decorridos 30 dias depois de celebrado o negócio. O registro retroagia seus efeitos à data da celebração da escritura.

Veio depois o decreto de 3 de Janeiro de 1837, que mandou pôr o registo em execução, constituindo um tabelião de registo em cada comarca a que pertencia um juiz de direito.

Sob grande influência da legislação espanhola surgiu, em 1 de Julho de 1863, a lei hipotecária básica para o sistema registral português.

Os administradores de concelho ficaram interinamente encarregados do registo hipotecário, mas ficou logo estabelecido que os lugares de conservadores privativos (então só em Lisboa e Porto) e de seus ajudantes seriam providos em bachareis formados;em direito,por meio de concurso. Ficava assim reconhecida a importância dos serviços do Registo, os quais até então estavam confiados a pessoas não diplomadas.

Pelo regulamento da Lei Hipotecária de 1864, datado de 4 de Agosto de 1964, foi consagrada a existência dos seguintes livros: A (apresentações), B (descrições e inscricões prediais),C(hipotecas),D (índice real)eE (índice pessoal).

A Lei hipotecária e respectivo Regulamento só viriam a entrar em vigor em 1 de Abril de 1967, visto que só o decreto de 13 de Fevereiro deste ano instalou o Registro de Hipotecas e Encargos Prediais.

Já por essa altura se consagravam os princípios da prioridade, da especialidade (fólio real), da legalidade, da continuidade (trato sucessivo: na modalidade da continuidade das inscrições). Contudo, permitia-se a inscrição do ônus sem que a propriedade estivesse inscrita, ou seja, não se consagrava o princípio do trato sucessivo na primeira modalidade, ou na modalidade da primeira inscrição.

Dos arts. 36 da Lei Hipotecária e 153.º do respectivo Regulamento, resultava ainda que o registro assumia carácter constitutivo.

Em 1/6/1867, surge o Código Seabra que revogando a lei hipotecária manteve, no entanto, em grande parte as suas disposições – porém consagra que o registro é condição unicamente para eficácia em face de terceiros, prestigiando o princípio da consensualidade (influência francesa). O registro não é condição para a existência e validade dos negócios jurídico-reais, nem condição de eficácia inter partes. Quem fizesse o registro a seu favor robustecia o seu direito em face de terceiros.

O registro atribuia a posse jurídica ao titular registal e a posse gerava a presunção do direito.

O regulamento de 1868 introduziu mais os livros G e F, respectivamente, para as transmissões operadas depois de 1 de Abril de 1867, e para todos os demais actos que não fossem hipotecas.

O Regulamento de 14/5/1868 consagrou o Princípio da instância.

Foi o Regulamento de 28/4/1870 que, pela primeira vez, atribuiu à inscrição o efeito de conceder ao respectivo titular a presunção da titularidade do direito.

Em 1898 foi publicado um novo Regulamento onde foram condensados quase todos os princípios registrais que caracterizam e moldam o actual sistema registral portugês. A infra-estrutura do sistema registral português estava já desenhada.

Em 1928 surge o Código de Registro de 29 de Setembro. Volta a impor o registro como condição para aquisição dos direitos reais. O efeito que gera é constitutivo, colidindo com o Código de Seabra. Porém, a 4 de julho de 1929, surge outro código e por ele o Registro haveria de continuar declarativo, mera condição de oponobilidade em face de terceiros.

Em 1951 surge o registro obrigatório, onde vigorasse o cadastro geodésico, sendo punida com determinadas sanções a falta de registo nos prazos legais. Tal ocorreu, sobretudo, no Alentejo, onde se encontram grandes herdades, já nas zonas de minifúndio tal praticamente não ocorreu.

Em 1959 ocorre nova reforma do Código de Registro Predial. Novidades: ampliação dos fatos sujeitos a registro. Registro passa a ser condição necessária de eficáciainter partes nos casos da hipotecas. Consagra-se o Princípio do trato sucessivo na 1ª modalidade, deixando de ser possível inscrever, por exemplo, uma hipoteca sem a inscrição prévia da propriedade. Criou-se a possibilidade de suprimento da falta de títulos pela justificação judicial, que teve por fonte a experiência colhida na aplicação do processo especial de justificação de domínio, criado pelo Decreto n.º 4619, de 13-7-1918, e que, depois de várias vicissitudes, passou a ser regulado sob a forma descrita no artigo 209.º do Código do Registo Predial de 4 de Julho de 1929, aprovado pelo decreto n.º 17 070.

Mas o Código de 1959, além do processo de justificação judicial, inclui também a escritura de justificação notarial, que define como"a declaração feita em escritura pública pelo sujeito de direito constante da matriz, ou por quem o represente, e confirmado por mais três declarantes, que o notário reconheça idôneos, em que se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito de que se trata, especificando a causa da aquisição e as circunstâncias que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais" etc.

Em 1967 ocorrem novidades: extinguiram-se os livros indicadores pessoal e real, que passaram a ser feitos por fichários.

Em 1983 vem a lume um novo Código de Registro Predial que nunca chegaria a entrar em vigor.Tinha uma regulamentação bastante desenvolvida.

O Dec.-lei 224/1984 (que é praticamente cópia do de 1983, sem os seus problemas) produziu algumas alterações – destacadamente criou novas regras de oficiosamente praticar atos; introduziu alterações à provisoriedade por natureza (no brasil não existem os registos provisórios por natureza); Substituiu os livros pelas fichas (exceção do livro de apresentação) e firmou o princípio da legitimação, que para os portugueses pode ser traduzido como a impossibilidade de ser titulado um ato (seja um título notarial, judicial ou privado) em que se aliene ou onere um bem sem que o alienante tenha o registro em seu nome.

O Dec.-Lei n.º 273/2001, de 13 de Outubro operou a transferência de competências em processos de carácter eminentemente registral dos tribunais judiciais para os próprios conservadores de registo, passando, nomeadamente, o processo de justificação judicial para as conservatórias, com o objectivo de passar a ser o meio mais comum de justificação de direitos para o respectivo registo

Direção-Geral de Registros e Notariado  

A professora Dra. Mónica também discorreu sobre as funções administrativas da Direção-Geral dos Registros e Notariado - DGRN. Integrada no Ministério da Justiça, tem uma função coordenativa de supervisão e gestão. Os conservadores têm como superior hierárquico o Diretor-Geral, que está integrado no MJ.

O Diretor-Geral tem por atribuição controlar, gerir e dirigir os serviços notariais e registrais.

O registradores são Licenciados em direito e são considerados funcionários públicos, bem como os prepostos (escreventes). O procedimento de ingresso na carreira é regulado pelo Dec.-Lei n.º 206/97, de 12 de Agosto. Trata-se de um procedimento exigente e moroso que envolve as seguintes fases: provas de aptidão divididas entre provas de conhecimentos científicos e exame psicológico; curso de extensão universitária, com avaliação de conhecimentos no final; estágio profissionalizante com as respectivas provas finais.

O registrador sendo considerado funcionário público não está, entretanto, submetido ao dever de obediência aquando da qualificação. Pode dizer-se que organicamente é funcionário público, mas quando exerce a atividade registral, é livre, independente e imparcial, só devendo obediência à lei e à sua consciência.

Alunos brasileiros nas famosas escadarias da Faculdade de Direito de Coimbra

Grade curricular do Módulo III – Direitos Reais e Direito Registral Imobiliário

1. Direitos reais de garantia.
2. A posse.
3. O direito de propriedade.
4. A co-propriedade.
5. A propriedade horizontal.
6. O direito de usufruto.
7. O direito de uso e habitação.
8. O direito de superfície.
9. O direito de servidão.
10. O sistema registral em face dos demais sistemas registrais.
11. Modalidades de atos de registro em Portugal.
12. Os princípios fundamentais do Direito Registral português:
a) Princípio da instância;
b) Princípio da especialidade;
c) Princípio da legalidade;
d) Princípio do trato sucessivo ou da continuidade;
e) Princípio da inscrição;
f) Princípio da legitimidade registral;
g) Princípio da prioridade.
13. Presunções decorrentes do registro em Portugal.
14. Terceiros para efeitos do registro, no sistema registral português.
15. As finalidades do Direito Registral Imobiliário.

Organização:

Irib
Serjus
Puc Minas Virtual
Cenor
Universidade de Coimbra



Últimos boletins



Ver todas as edições