BE2199
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Inclusão Social ou Inclusão Capital?
Uma visão socioambiental sobre o direito de propriedade
Armando Antonio de Brito Neto ( [email protected] )
Veja abaixo os efeitos benéficos para a Economia o simples fato de haver plena regularização fundiária. O terceiro mundo poderia agregar 1 trilhão de dólares ao seu PIB anual com esta simples medida. O fracasso de parte das ações de Reforma Agrária passa pela falta de titulação das terras distribuídas.
Artigo 17 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
I) Todo o homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
II) Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Uma das mais importantes e conseqüentes críticas feitas aos ambientalistas pelos empresários refere-se à omissão do movimento ecológico quanto aos danos causados ao meio ambiente pela miséria, especialmente quando se trata de denunciar o desmatamento e a ocupação irregular de terras por posseiros para a instalação de favelas. De fato, esta é uma questão recorrente e que parece esquecida por toda a sociedade, que é absolutamente tolerante com o crescimento desordenado das construções irregulares, desde que feitas pelos pobres.
Para analisar este assunto devemos nos reportar aos estudos pioneiros do economista indiano Amartya Sen, Prêmio Nobel de 1998, que foi o responsável pelas idéias que deram forma ao método de cálculo do IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, que hoje é considerado como uma conquista da sociedade civil mundial. Na sua investigação sobre as relações entre a Ética e a Economia ele foi além da visão limitada, até então predominante, que encarava a pobreza como mera insuficiência de renda. Para Amartya Sen, a pobreza e a exclusão social estão relacionadas com o grau de generalização e acesso aos direitos civis e políticos; com o acesso ao crédito e a terra; com as condições sociais de saúde e educação e com o nível e o tipo de emprego.
Seguindo a linha de Amartya Sen, o economista peruano Hernando de Soto voltou-se para o exame das conexões entre propriedade e capital. Seu interesse era verificar por que o capitalismo funciona nos países desenvolvidos enquanto fracassa no resto do mundo.
Por meio de sua investigação original, Hernando de Soto dedicou-se a tentar compreender a incapacidade que os países pobres têm de produzir capital. Em suas palavras de Soto esclarece que ele e seus pesquisadores "fecharam seus livros e abriram seus olhos", ou seja, saíram para as ruas e para os campos de quatro continentes para fazer a conta de quanto os mais pobres setores da sociedade tinham poupado. Verificaram que a quantia era enorme. Mas que, infelizmente, a maior parte era de capital improdutivo.
De Soto demonstra que na Ásia, na África, no Oriente Médio e na América Latina a maioria das pessoas já possui os ativos necessários para transformar o capitalismo em sucesso. O valor de suas economias é quarenta vezes o valor de toda a ajuda externa recebida, desde 1945. Contudo, estes ativos podem ser chamados de "capital morto".
Suas casas estão construídas em terras cujos direitos de propriedade não estão adequadamente registrados, suas empresas apresentam-se sem constituição legal e sem obrigações definidas, sua indústria e pequeno comércio estão localizados onde financistas e investidores não podem analisar seus registros legais de existência, constituem ativos que não podem se transformar de pronto em capital. Porque os direitos de propriedade não são adequadamente documentados, não podem ser trocados fora dos estreitos círculos locais onde as pessoas se conhecem e confiam uma nas outras, nem servir de garantia a empréstimos e participação em investimentos.
Ao contrário, nos países desenvolvidos do Ocidente, toda parcela de terra, toda construção, todo equipamento ou estoque é representado em um documento de propriedade, que é um sinal visível de um vasto processo oculto, que conecta todos esses ativos ao restante da economia.
Graças a esse processo de representação formal os ativos podem ser usados como garantia na obtenção de crédito. A primeira e mais importante fonte de fundos das empresas iniciantes norte-americanas é a hipoteca da casa do empresário.
Esses ativos servem ainda como elo com a história financeira de seus donos, proporcionam um endereço verificável e responsável para a coleta de dívidas e taxas, fornecem a base para a criação de serviços públicos confiáveis e universais e facilitam a criação de valores que podem ser descontados e vendidos em mercados secundários. Por meio desse processo o Ocidente injeta vida em seus ativos, fazendo-os gerar capital.
Para Hernando de Soto são vários os efeitos positivos da propriedade:
1. O valor potencial aprisionado em uma casa ou terreno pode ser revelado e transformado em capital ativo da mesma forma que a energia potencial de um rio pode ser transformado em energia elétrica real por uma barragem hidroelétrica. A propriedade não é a casa ou o terreno em si, mas o conceito econômico sobre a casa ou o terreno expresso em um registro formal, que representa qualidades invisíveis, como o potencial de produzir valor e qualidade econômica socialmente significativa.
2. A integração das informações dispersas em um único sistema transparente e confiável. Nos países do Terceiro Mundo ou do Leste Europeu, porque não podem inserir seus ativos no sistema legal de propriedade, as pessoas acabam por possuí-los extralegalmente. A razão do triunfo do capitalismo no Ocidente Desenvolvido é que a maior parte dos ativos das nações
desenvolvidas do ocidente foi integrada em um sistema de representação formal confiável e transparente. Este sistema legal e integrado de propriedade no Ocidente é um fenômeno, no máximo, dos últimos duzentos anos; esta integração, no Japão, se deu há pouco mais de cinqüenta anos.
3. A responsabilização das pessoas. A integração de todos os sistemas de propriedade sob uma lei formal de propriedade deslocou a legitimidade dos direitos dos proprietários do contexto politizado das comunidades locais para o contexto impessoal da lei. Libertando os proprietários dos arranjos restritivos locais e levando-os a um sistema legal mais integrado, favoreceu o estabelecimento de suas responsabilidades. A responsabilidade pessoal fica reforçada e desaparece o anonimato próprio da economia "invisível" ou informal.
4. As transformações de ativos em bens fungíveis. Diferentemente dos ativos físicos, as representações formais podem ser combinadas com facilidade, divididas, mobilizadas e usadas para estimular acordos de negócios.
Separando as características econômicas de um ativo de seu rígido estado físico, uma representação torna o ativo "fungível" - capaz de ser moldado para servir praticamente a qualquer transação.
5. A integração das pessoas. O processo formal de propriedade criou toda uma infra-estrutura de dispositivos de conexão que permitem aos ativos correrem com segurança entre as pessoas, melhorando o fluxo de comunicações sobre os ativos e seus usos potenciais.
6. A proteção das transações. O sistema formal de propriedade funciona como uma rede permitindo que todos os registros de propriedades sejam permanentemente rastreados e protegidos em suas viagens através do tempo e do espaço. É por esta razão que nos países do Terceiro Mundo as pessoas ainda estão levando seus porcos ao mercado, enquanto nos países
desenvolvidos comerciantes negociam através de representações que concedem mais informações sobre os porcos do que se pudessem examinar cada porco fisicamente.
De Soto demonstra inúmeras outras vantagens que um sistema formal de propriedade integrado, transparente, confiável e legal propicia ao bom funcionamento do sistema de economia de mercado e administração da Justiça.
A principal vantagem é a integração dos "pobres" ao sistema capitalista mediante o reconhecimento formal de seus direitos de propriedade sobre suas posses.
Em 500 anos de História, o Brasil é o único país de extensão continental, em todo o mundo, com estrutura fundiária semelhante à da sua fundação. Não obstante, o direito ao reconhecimento das posses dos pobres como propriedades é garantido em nosso sistema jurídico pelo instituto do usucapião, que foi recentemente revigorado pelo Estatuto da Cidade e pelo Novo Código Civil, através do Usucapião Especial Urbano, que garante o direito de propriedade a quem possui como sua, por 5 anos e sem oposição, uma área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados.
No caso do Brasil, um "choque de propriedade legal", na forma da implantação de programas públicos de assistência jurídica aos que podem desfrutar deste direito, permitiria transformar uma parte significativa e crescente da nossa economia invisível, informal, em economia formal, visível, legal e tributável.
A economia formal e legal no Brasil cresce, atualmente, a 3% ao ano, enquanto a economia informal cresce a 15% ao ano. Como a economia informal não paga impostos, mas usa todos os serviços públicos de educação, saúde, saneamento, transportes, segurança pública, iluminação pública etc. a economia formal passa a ter que pagar um ônus insuportável para custear os serviços que utiliza e mais os que são utilizados por uma maioria que não paga impostos e não dispõe de cidadania, tornando a carga fiscal insuportável para a parte formalizada da sociedade.
Um "choque de propriedade legal" representaria uma verdadeira revolução de desenvolvimento e um choque de cidadania para o Brasil. O que sugerimos é que ao invés da aplicação dos conceitos deinclusão social, que subentendem um acesso marginal - e concedido - dos pobres aos direitos da cidadania, a prática de umainclusão capital, que é a inclusão dos pobres na plenitude dos direitos da cidadania, entre os quais se destaca o direito de ter a propriedade de suas casas e de seus bens reconhecida pelo Estado na forma do artigo 17 da Declaração Universal os Direitos do Homem.
Segundo o dicionário o adjetivo capital vem do latimcapitalis e refere-se a cabeça; que é como cabeça de algo; muito importante; fundamental; principal, essencial. Pois bem, no sistema capitalista nada é tão essencial quanto dispor de capital (aqui como substantivo, que é a riqueza apreendida como valor destinado a produzir outros valores). Inclusão Capital, portanto, em lugar da Inclusão Social: incluir no que é principal, ao invés de conceder participação no que é secundário.
O que isto tem a ver com o meio ambiente? Tudo! Todas as leis ambientais foram produzidas tendo como foco a economia formal. A lei de crimes ambientais, por exemplo, através de seus artigos 6°, 14 e 15 estabelece, em última análise, um regime de penas que é incompatível com a sua utilização como medida repressora da degradação ambiental provocada pela miséria, pois exatamente do mesmo modo que os traficantes se utilizam da inimputabilidade dos menores de idade para fazer deles justamente os criminosos de mais alta periculosidade nos seus bandos, incumbindo-o das tarefas mais pesadamente coibidas pela Lei, assim também agem os grileiros, escalando os mais desfavorecidos e mais inimputáveis - pela lei ambiental - em agentes de seus crimes.
Pode parecer sem importância que se faça mais uma defesa de um acesso mais democrático ao direito de propriedade. Mas as políticas que aparentemente defendem a inclusão social nos direitos de propriedade, mais dificuldades criam do que facilidades proporcionam.
São políticas que afastam os pobres da propriedade, como é o caso da nefasta legislação da reforma agrária, que condiciona a aquisição da propriedade ao exercício da posse produtiva da terra por 8 anos, o que não é apenas economicamente equivocado – quando comparado ao usucapião especial urbano, por exemplo – mas é também socialmente injusto.
A Reforma Agrária brasileira só concede a propriedade ao trabalhador rural depois dele ficar 8 anos à frente da terra. Se ele agüentar 8 anos vira proprietário; se não conseguir ficar 8 anos perde a terra. Se vender ou ceder a terra para outra pessoa, perde o direito a propriedade. Se comprar ou arrendar a terra de vizinho perde o direito à sua propriedade e à propriedade adquirida. Assim são igualmente punidos os fracassados e os bem sucedidos e premiados apenas os medíocres.
Vamos examinar o caso dos fracassados. Seja qual for o motivo, morreu o pai ou a mãe da família, não conseguiram se adaptar, não tiveram capacidade, tiveram preguiça. Fracassaram, enfim, por uma ou outra razão. Mas depois de ter a tenacidade de ficar alguns anos numa fila, e outros anos tentando arrancar da terra o suficiente para uma vida digna, estas pessoas merecem perder o tão pouco que adquiriram?
O Governo está investigando as famílias que fracassaram e venderam suas terras. Um Deputado do PT personificou o sentimento geral dos que patrocinam a caça às bruxas denunciando que terras foram trocadas por uma moto ou por um carro velho. Com certeza a indignação seria mais apropriada se voltada para denunciar que o governo distribuiu terras tão sem valor. Pensando bem, sonegar ao trabalhador fracassado o direito de vender a terra não seria equivalente a negar a um trabalhador a sua indenização, seu FGTS, depois de anos de serviços?
Na outra ponta do problema temos aquele pobrebem sucedido, que conseguiu se adaptar ao seu novo modo de vida e está produzindo, comprou a terra do vizinho e não está mais dependendo de dinheiro do governo (nosso dinheiro) para viver. Pois este também será processado.
Tais procedimentos são um péssimo modo de se gastar dinheiro público: perseguir os pobres que fracassaram e processar os que estão deixando de ser pobres, isentando de perseguição apenas os medíocres que conseguem "ficar no seu lugar". Não parece ser algo muito inteligente.
Ao oposto de negar a propriedade, nós deveríamos brigar para ter um país nivelado por cima, um país de proprietários e de pessoas incluídas na riqueza – não um aís nivelado por baixo, pela pobreza. Já está mais do que na hora de assumir a responsabilidade de denunciar, impiedosamente, estes aspectos atrasados da legislação brasileira.
Assim como está mais do que na hora dos ecologistas assumirem a vanguarda da discussão econômica´. Este papo de preservação, recheado de romantismo e regado por baldes de sentimentalismo barato e lágrimas de crocodilo, ainda causa algum impacto, é verdade, mas influencia cada vez menos a sociedade e, na verdade, contribui cada vez menos para o desenvolvimento sustentável.
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