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Seminário de Regularização Fundiária Urbana, Parcelamentos e Condomínios Edilícios
Parceria Irib-MPSP-CGJESP


Aspectos registrários do Provimento 10/2004 da Corregedoria-Geral da Justiça 
Marcelo Augusto Santana de Melo


Leia mais uma palestra do  Seminário de Regularização Fundiária Urbana, Parcelamentos e Condomínios Edilícios , que debateu o tema da regularização fundiária urbana, em especial os parcelamentos e condomínios edilícios, na sede do Ministério Público do Estado de São Paulo, no último dia 8 de abril de 2005.

Aspectos registrários do Provimento 10/2004 da Corregedoria-Geral da Justiça  
Marcelo Augusto Santana de Melo  *

Antes de analisar os aspectos registrários do provimento 10/04, interessante e oportuno estudar a nova função do registrador imobiliário de fiscalizar o parcelamento irregular do solo.

Foram várias as perguntas enviadas sobre a necessidade de um procedimento mais objetivo para auxiliar e tranqüilizar alguns registradores sobre a forma correta de proceder a fiscalização.

É preciso consignar, outrossim, que a função criada no Rio Grande do Sul e desenvolvida no estado de São Paulo é exemplo a ser seguido nos demais estados-membros, porque afasta do Registro de Imóveis títulos que instrumentalizam negócios jurídicos nulos em razão do desrespeito à norma de ordem pública.

O registro de imóveis como fiscal de parcelamentos irregulares

- Apelação cível 72.365-0/7 – 15/2/2001 – Atibaia – Conselho Superior da Magistratura

- Situação registrária: área rural com 20.360 m 2 , cuja matrícula possuía quatorze alienações de frações ideais (7 mil m 2 ; 3 mil m 2 ; 700 m 2 ; 560,93 m 2 ; 354 m 2 ; 354 m 2 ; 354 m 2 ; 388 m 2 ; 560,93 m 2 ; 500 m 2 ; 500 m 2 ; 500 m 2 ; 2.300 m 2 ; 553,60 m 2 ).

A apelação cível 72.365-0/7 de 15/2/2001, Atibaia, SP, alterou o entendimento administrativo do Conselho Superior da Magistratura, que até então permitia o registro de partes ideais, se extraindo do corpo do acórdão, um alerta de que a “qualificação registrária não é um simples processo mecânico, chancelador dos atos já praticados”.

Observe que no caso julgado pelo conselho, tratava-se de matrícula de imóvel rural com 20.360,00 m 2 , com quatorze alienações de frações ideais, ou seja, flagrante burla à lei de parcelamento do solo e Estatuto da Terra.

Importante consignar que a utilização do Registro de Imóveis para fiscalização de parcelamento irregular foi medida que se tornou necessária em virtude da omissão do Estado-Administração que, como detentor do poder de polícia, deveria exercer a fiscalização preventiva com eficiência.

- Processo 2.588/2000 – 8/6/2001 – Corregedoria-geral da Justiça:

a) Ratifica entendimento constante da apelação cível 72.365-0/7

b) Necessidade de comunicação para o Ministério Público, Corregedoria-permanente e Prefeitura

Foi em 8 de junho de 2001 que a Corregedoria-geral da Justiça de São Paulo normatizou a fiscalização mediante a decisão do processo CG- 2.588/2000, ratificando o entendimento constante do acórdão.

Com relação à comunicação ao Ministério Público e demais órgãos – que os tabeliães e registradores devem fazer quando existirem indícios de burla à lei de parcelamento do solo – a questão não merece maiores cuidados porque a esses órgãos cabe a tomada de medidas para a constatação da veracidade.

Aliás, a comunicação tem-se mostrado importante e eficaz forma de combate a parcelamentos irregulares, procedimento digno de aplausos e que poderia se estender a outras questões envolvendo o direito ambiental como a necessidade de comunicação ao Ministério Público nos casos de desafetação de áreas públicas de loteamento, comum em vários municípios.

O Superior Tribunal de Justiça ratificou a obrigação do Registro de Imóveis observar, quando do registro dos títulos, se existem indícios de parcelamento irregular ( Recurso Ordinário em MS 9.876, São Paulo, j. em 17/8/1999, DJ de 18/10/1999, relator ministro Ari Pargendler, Terceira Turma do STJ)

Note-se que a tendência da jurisprudência administrativa do estado de São Paulo é reduzir, sempre mais, a chance de ingressarem no fólio real títulos que mascarem e tentem burlar a Lei de Parcelamento do Solo.

Confesso que não imaginava a dificuldade dessa análise, mesmo com a qualidade das decisões administrativas. Existem situações em que a qualificação registrária desses títulos é de acentuada dificuldade porque os elementos devem ser registrários, contudo, longe estão de ser objetivos.   E como deve o registrador se posicionar? Negar o acesso de qualquer título que instrumentalize alienação de parte ideal? Creio não ser a melhor solução, uma vez que essa conduta não seria compatível com a seriedade e confiabilidade do Registro de Imóveis.

Assim, torna-se necessária a criação de critérios mais sólidos e objetivos para a identificação dessas irregularidades. É certo que a presença do casuísmo é grande, mas não afasta a possibilidade da tentativa de buscarmos pontos em comum para a criação de uma análise objetiva.

O filtro purificador do Registro de Imóveis deve apenas conter casos de cristalino e flagrante desrespeito à lei de parcelamento, mesmo porque a generalização de tratamento pode acarretar injustiças e ferir os direitos constitucionais da isonomia e inocência, servindo para aumentar os processos judiciais e administrativos no poder Judiciário.

Portanto, faz-se necessário conciliar a necessidade de fiscalização dos parcelamentos irregulares com o direito de propriedade garantido pela Constituição federal, de forma que o critério utilizado para a denegação do registro de títulos de partes ideais de imóveis rurais e urbanos seja discutido e revisto, para que o instituto milenar do condomínio (art. 1.314 do Código Civil) não se torne expressão sinônima de burla ou fraude à lei.

Dessa forma, apresenta-se para reflexão e estudo o seguinte procedimento a ser observado quando da apresentação desses títulos ao Registro de Imóveis.

Guia prático para registradores: procedimento a ser observado quando da apresentação dos títulos

- Diversas vendas de pequenas frações ideais do imóvel, feitas para pessoas que não aparentem ter vínculos de parentesco ou outros vínculos especiais.

- Disparidade entre a área fracionada e a do todo maior.

- Imóvel rural cuja área não suporte fracionamento de acordo com o módulo de exploração ( Estatuto da Terra ).

- Forma do pagamento do preço em prestações e critérios de rescisão contratual.

- A indicação de área para a fração ideal comprada pelo adquirente.

- Coincidindo o primeiro item com qualquer outro, o título deve ser devolvido e procedidas as comunicações.

- A restrição somente deverá atingir as transmissões voluntárias.

- Entende-se por alienações sucessivas somente a partir da terceira transmissão, exceto quando a disparidade entre a área fracionada e a área maior for inferior a 10% da área originária.

Outra dica para a identificação de parcelamentos irregulares em imóveis rurais é observar se o CCIR e ITR estão sendo pagos sobre as partes ideais, observando-se que a legislação tributária exige que a área seja tributada no todo em caso de condomínio.

Provimento 10/04 – CGJ: aspectos registrários

Atos registrários (lato senso)

- Averbações das construções e arquivamento das certidões do INSS.

- Registro (livro 2) da instituição de condomínio (regularização) que deverá discriminar as unidades autônomas e áreas comuns.

- Registro da convenção de condomínio (livro 3) ou arquivamento da minuta?

Em primeira análise poderíamos chegar à conclusão que está sendo criada a figura da unidade autônoma de terreno pelo provimento. O procedimento criado pela Egrégia Corregedoria-geral da Justiça somente outorga aos parcelamentos irregulares o tratamento de condomínio edilício previsto na lei 4.591/64. Aliás, essa é a conclusão que se observa dos dois precedentes do provimento: Condomínio Swiss Park, em São Bernardo do Campo, e Condomínio Vinhas de João Paulo II, em São Roque.

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Com relação às casas não construídas, ficou consignado nos procedimentos que seriam apresentados projetos de construção correspondentes (e vinculados) a cada uma das unidades (futuras), aprovados pela prefeitura municipal, criando uma mescla de condomínio edilício e incorporação imobiliária.

Os primeiros atos a serem praticados serão as averbações das construções efetuadas com os respectivos arquivamentos das certidões do INSS. Posteriormente, será feito o registro da regularização de condomínio que deverá, a princípio, discriminar as unidades autônomas e áreas comuns, além dos demais dados identificadores das acessões.

No livro 3 será feito o registro da convenção do condomínio. No empreendimento existem duas situações distintas, casas ou prédios concluídos e instituído parcialmente o condomínio; e unidades autônomas em construção. Assim, entendo que se deve promover o registro da convenção que disciplinará o condomínio, valendo essa como minuta para as unidades ainda não acabadas, a exemplo do que ocorre com a instituição parcial de condomínio em blocos.

Provimento 10/04 – CGJ: aspectos registrários

- Registros das atribuições (espécie de divisão) para a transformação de parte ideal (condomínio comum) em unidade autônoma (condomínio especial).

- Divergência entre a fração ideal da matrícula originária com a fração da unidade autônoma?

Considerando que existem frações ideais registradas, será necessário proceder à atribuição (espécie de divisão) para a transformação em unidade autônoma, também, para fins de identificação. Dessa forma, a atribuição é de rigor para a transformação pretendida, procedendo à abertura das matrículas diretamente em nome dos adquirentes de partes ideais.

Com certeza irá ocorrer diferença entre a parte ideal do co-proprietário e a fração da unidade autônoma. Não devemos esquecer que o objetivo do procedimento é a regularização do empreendimento e quanto mais obstáculos, mais distante estará a resolução do problema. De sorte que uma vez que todos os proprietários de partes ideais anuíram com o procedimento ou foram notificados para se manifestar, o registro deverá ser feito normalmente, pois se trata de espécie de retificação, que se estará trazendo para o Registro de Imóveis a realidade do mundo fenomênico, na lição de Afrânio de Carvalho.

Algumas questões

- Unidades autônomas não concluídas e frações ideais registradas? Atribuição de unidade em construção?

- Unidades autônomas não concluídas e sem fração ideal registrada?

- Escrituras de partes ideais não registradas? Necessidade de retificação.

Para as unidades autônomas ainda não concluídas, mas que já possuam co-proprietários, podem ser abertas fichas complementares a exemplo do que ocorre com as incorporações imobiliárias, nos termos do item 213.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Ocorre, que também será imprescindível que a atribuição fosse realizada neste momento para adequar e vincular a unidade autônoma em construção à fração ideal, criando-se, assim, um precedente administrativo da possibilidade de atribuição de unidades autônomas em construção .

A atribuição das unidades autônomas em construção é de rigor para não tumultuar e acabar confundindo a matrícula do empreendimento. Lembremos que o tratamento da unidade autônoma em construção prevista no item das normas configura uma “situação embrionária semelhante à incorporação imobiliária” e se for procedida a atribuição e conseqüente abertura da ficha complementar, facilitará a compreensão e averbação da conclusão das acessões.  

As unidades autônomas que originariamente não haviam sido alienadas ou que mesmo transmitidas através de parte ideal, não foram registradas, devem aguardar o registro dos respectivos títulos, sem eventual destaque da matrícula originária, lembrando da necessidade de averbação da construção na matrícula do terreno.

No caso dos títulos de partes ideais não registrados, creio ser impossível o seu registro como unidades autônomas, sem a retificação, porque trata de hipótese de exceção e já que o título não foi registrado, nada mais natural que se corrija o problema que ainda não maculou o registro, mesmo porque não consta da escritura a existência ou vinculação da acessão.

Pesquisa dos maiores problemas enfrentados para a aplicação do provimento:

- Comarcas de Araçatuba, Atibaia, Campos do Jordão e São Roque.

a) Necessidade de aprovação pelo Graprohab, já que a maioria dos empreendimentos possui mais de 15 mil m² ou está em espaço ambientalmente protegido, especialmente APP;

b) Falta de interesse e dificuldade de aprovação de projetos-padrão pela prefeitura para os lotes não edificados.

Realizei uma pesquisa em algumas comarcas ditas problemáticas no que se refere a condomínios irregulares e cheguei à conclusão de que existe uma certa resistência dos proprietários, prefeituras e demais órgãos licenciadores na aceitação do procedimento, principalmente na necessidade de vinculação de acessão ao terreno ou parte ideal e problemas decorrentes de ocupação de espaços territoriais ambientalmente protegidos, talvez depois do seminário a resistência seja superada.

Não podemos esquecer que se tratam de impedimentos estritamente ligados à legislação civil e ambiental, que a princípio não poderiam ser postergados administrativamente, lembrando uma frase do doutor Narciso Orlandi Neto: “ dificuldade não quer dizer impossibilidade ” e o provimento trouxe elementos facilitadores da resolução do problema de registro de partes ideais localizadas. O principal deles, no meu entendimento, é a notificação dos condôminos para suprirem a anuência que, pela lei 4.591/64, tem que atingir a unanimidade.

Possíveis soluções:

- A fração ideal vinculada somente ao terreno ou unidade autônoma de lote.

- Criação de mecanismos normativos ou legais de compensação de utilização de áreas de preservação permanente.

Não obstante, já existem entendimentos na doutrina de que o Código Civil de 2002 trouxe a possibilidade de se diferenciar fração ideal de terreno e área de terreno de uso exclusivo , permitindo-se, assim, a criação de unidade autônoma de terreno. (Vide  O novo Código Civil e o condomínio de casas: uso exclusivo em propriedade comum  do saudoso engenheiro civil e consultor Paulo Andres Costa, Boletim do Irib em revista jan.-fev./2004, n. 314). Assim, fração ideal representaria a parcela de co-propriedade no terreno e nas coisas comuns; e área de terreno de uso exclusivo é produto de atribuição.

O artigo 1.331 do Código Civil dispõe que “pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva , e partes que são propriedade comum dos condôminos”, diversamente do que disciplinava a lei 4.591/64, que se referida ao uso .

Não obstante, a alteração do parágrafo terceiro do referido artigo 1.331 pela lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, veio reforçar a idéia de desvinculação da área construída da fração ideal, in verbis :

“A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio”.

A antiga redação do parágrafo terceiro do artigo 1.331 do Código Civil exigia a vinculação com a edificação: “A fração ideal no solo e nas outras partes comuns é proporcional ao valor da unidade imobiliária, o qual se calcula em relação ao conjunto da edificação ” (grifo nosso).

Observa-se, assim, que não houve necessariamente vinculação da fração ideal à construção, observando que o Código Civil de 2002 derrogou a lei 4.591/64 na parte que lhe era contrária, possibilitando a instituição de condomínio de lotes ou terrenos.

Finalmente, é urgente a necessidade de criação de um instrumento para regularizar loteamentos e condomínios que estão ocupando áreas de preservação permanente, áreas de proteção a mananciais e outros espaços protegidos ambientalmente, principalmente na zona metropolitana de São Paulo. A compensação ambiental é a solução mais adequada para situações consolidadas há décadas, cuja remoção das acessões seria social e materialmente impossível. É preciso conciliar esse aparente conflito de interesses e o Estado deve ser sensível ao problema, que surgiu em razão de sua própria ineficiência fiscalizatória.

* Marcelo Augusto Santana de Melo é registrador imobiliário em Araçatuba, São Paulo.



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