BE1746

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Incorporação Imobiliária e Patrimônio de Afetação
Cláudia Fonseca Tutikian *


Sumário : 1. Considerações iniciais . 2. O que é incorporação imobiliária e quem pode promovê-la . 3. O registro da incorporação imobiliária e da propriedade . 4. O que é e o que objetiva o patrimônio de afetação . 5. Como é instituído o patrimônio de afetação e depois como ficam as obrigações fiscais . 6. Comissão de representantes do patrimônio de afetação, o que é, quem integra e qual a finalidade . 7. Extinção do patrimônio de afetação . 8. Conclusão . 9. Bibliografia .

 1. Considerações iniciais.

É importante destacar que o instituto da incorporação imobiliária surgiu através dos condomínios edilícios, os quais foram criados a partir da necessidade de melhor aproveitamento do solo, em razão do desenfreado crescimento populacional e escassez de terrenos para construção de moradias para demanda habitacional.

Assim, a incorporação imobiliária, em sentido lato, surgiu para submeter a propriedade imóvel a um regime de condomínio especial ou relativo.

Ocorre que para viabilizar a alienação destas unidades autônomas em construção se faz necessário o registro da incorporação imobiliária. Destarte, o registro da incorporação, nesta hipótese de venda de unidades que ainda não existem física e juridicamente, torna-se obrigatório  (1) , trazendo ao empreendimento uma carga de segurança jurídica e tranqüilidade à sociedade.

Para dar maior segurança aos empreendimentos, surgiu a alternativa do patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias. Primeiramente, foi instituído através da Medida Provisória de nº 2221, de 04 de setembro de 2001, e recentemente pela Lei Federal nº 10.931/04, publicada no dia 03 de agosto de 2004, alterando a lei de incorporações imobiliárias (Lei Federal nº 4.591/64), Decreto-Lei n  o  911/69, Lei Federal nº 4.728/65 e Lei Federal nº 10.406/02.

Evidenciado está que tal modificação na lei das incorporações imobiliárias é reflexo direto dos últimos acontecimentos de grande impacto e comoção social, como, por exemplo, o caso da falência da incorporadora ENCOL, que acarretou inúmeros prejuízos sociais e econômicos. Certamente que o caso ENCOL não é isolado, há muitas construtoras com situação incerta similar, no entanto, houve maior visibilidade no caso da ENCOL, certamente, que pela magnitude das suas transações imobiliárias.

Outrossim, este episódio foi o estopim para que a sociedade clamasse por maior segurança nas relações imobiliárias, entendendo que o atendimento das inúmeras exigências da lei de incorporações imobiliárias por si só não bastariam, não dariam, isoladas, a necessária segurança jurídica para a aquisição de imóveis na planta ou em fase de construção.

Tal conjuntura, no primeiro momento, fez com que os Tribunais do país solucionassem os casos individuais que chegavam ao Poder Judiciário, cada vez em número mais elevado devido a massa de adquirentes de imóveis destas empresas em fase de bancarrota, através de decisões eficazes e imediatas ao problema do consumidor, visto que concediam a adjudicação compulsória dos imóveis livres de todos os ônus, inclusive do garantia de hipoteca dos agentes financeiros  (2) .

Não obstante a grandiosidade deste tipo de decisão, a qual atende aos anseios dos adquirentes que não receberam seus imóveis em razão da falência, trazendo de volta a paz social, a longo prazo era, como ainda o é, demasiadamente prejudicial ao desenvolvimento econômico. Mais crítica ainda fica a situação se considerarmos que o credor hipotecário, que possui direito real sobre o bem dado em garantia, tem o seu direito simplesmente desconsiderado, tendo uma corrente minoritária com este entendimento  (3) .

Seguramente que na mesma proporção em que os Tribunais favorecem aos adquirentes em detrimento do agente financeiro, que é quem, em última análise, amarga o prejuízo, este se torna ainda mais rígido nos seus critérios de financiamento da atividade imobiliária, seja em relação à incorporadora como também quanto aos compradores e futuros mutuários.

Assim, a situação que já era grave para o mercado imobiliário piorou sobremaneira, pois se antes os recursos já estavam escassos agravou após a avalanche de ações julgadas em desfavor dos agentes financeiros.

Diante deste quadro alarmante, era evidente que os governantes e parlamentares precisavam encontrar uma solução rápida e eficaz. Alerta-se, não bastava qualquer saída, era necessário encontrar uma solução que atendesse a todos interesses: das incorporadoras que são uma das alavancas do país, geradoras de empregos e desenvolvimento econômico; dos agentes financeiros que são os detentores do dinheiro, financiadores da atividade imobiliária; e dos consumidores, que precisam ter a segurança para aquisição das unidades imobiliárias.

Foi neste contexto que surgiu, primeiramente, a Medida Provisória de nº 2221/01 e agora, em agosto de 2004, a Lei Federal nº 10.931/04.

Esta lei do patrimônio de afetação, com alterações em questões do financiamento imobiliário, tem como principal escopo incentivar a construção civil, gerando, por conseguinte, desenvolvimento e progresso, não perdendo de vista a segurança jurídica dos adquirentes das unidades autônomas em construção. Ademais, mesmo que por vias transversas, o patrimônio de afetação acaba também favorecendo o financiador, o que imediatamente refletirá no mercado, pois irá reativar os financiamentos imobiliários para o setor da construção civil. 

 2. O que é incorporação imobiliária.

A incorporação imobiliária  (4) é o instituto que viabiliza a alienação das unidades autônomas da edificação que ainda estão pendentes de construção, podendo inclusive ser venda na “planta”.

No entanto, para que seja possível, legalmente, proceder a alienação destas unidades que ainda não existem fisicamente, é indispensável que se promova o registro da incorporação imobiliária.

Assim, só é necessário o registro da incorporação imobiliária quando o incorporador pretender alienar as unidades da edificação em construção, ou seja, é a promessa de compra e venda de coisa futura.

Conclui-se, então, que se o construtor decidir alienar estas unidades somente após a conclusão da obra  (5) não é preciso proceder o registro da incorporação imobiliária, bastando apenas a individuação.

Alerta-se que a lei das incorporações imobiliárias elenca hipóteses do incorporador incorrer em crime e em contravenção contra a economia popular, bastando para tal infringir as regras desta lei, dentro outras colocar à venda as unidades sem ter o registro da incorporação imobiliária registrado no competente Registro Imobiliário.

Importante ressaltar que somente o incorporador poderá promover a incorporação. Mais, a lei define as pessoas que podem ser consideradas incorporadoras, necessitando enquadrar-se no conceito legal da Lei Federal nº 4.591/64  (6) que contém um rol taxativo.

O incorporador pode ser pessoa física ou jurídica, desde que seja proprietário do terreno onde a incorporação imobiliária será erguida, o promitente comprador, cessionário ou promitente cessionário deste terreno, podendo ser, ainda, o construtor ou corretor de imóveis desta incorporação.

Entretanto, salienta-se que na hipótese do incorporador ser o promitente comprador, o cessionário dos direitos e obrigações e de promessa de cessão, em razão de não ser um contrato definitivo e por isso pode ser rescindido, é mister conter cláusula de irretratabilidade e irrevogabilidade e que já tenha sido imitido na posse do terreno, visando dar a idéia de definitividade.

Nesta senda, se o comprador for o construtor ou corretor de imóveis deverá portar, obrigatoriamente, mandato de instrumento público, de caráter irrevogável, outorgado pelo proprietário do terreno. 

 3. O registro da incorporação imobiliária.

Após minucioso estudo do empreendimento, o incorporador, para obter o registro da incorporação imobiliária, tem de elaborar o requerimento de incorporação, contendo todas as informações necessárias e documentos  (7) exigidos pela lei das incorporações imobiliárias e ingressar no Registro de Imóveis da circunscrição do imóvel.

No Registro de Imóveis haverá a análise do requerimento juntamente com a documentação. Segundo Mário Pazutti Mezzari, in Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis “O exame dos documentos tem o prazo de 15 dias (parágrafo 6º do art. 32), findo o qual, se exigências existirem, o oficial deverá indicá-las ao incorporador. Há quem julgue que este prazo foi dilatado para 30 dias, pela regra geral contida no art. 188 da Lei de Registros Públicos. No Rio Grande do Sul, todos os títulos têm 15 dias para serem examinados e deduzidas as exigências, se houver (item 10.2.1 da Consolidação Normativa)”.

Frise-se que o registrador tem o prazo de quinze dias, a contar do ingresso do requerimento no Registro de Imóveis, para apresentar, por escrito e se necessário fundamentada, a impugnação com todas as suas exigências para efetivar o arquivamento ou registro da incorporação, tanto em matéria de informações como de documentação.

Neste caso, após satisfeitas tais exigências por parte do incorporador, o registrador tem o prazo de 15 dias para fornecer a certidão do registro da incorporação, base legal é o artigo 32, § 6º da lei 4.591/64  (8) , estando, nesta ocasião, efetivado o registro da incorporação imobiliária, podendo, agora, alienar legalmente as futuras unidades autônomas.

Ressalta-se que após o incorporador cumprir todas as exigências legais para ter registrada a incorporação imobiliária, abre-se a possibilidade dos futuros adquirentes das unidades, ou simplesmente interessados, em conhecer todos os dados relativos ao empreendimento e às unidades, além de ter um panorama da situação técnica, fiscal, financeira, jurídica e etc da empresa, através da documentação obrigatória anexada.

Após a averbação do término da construção, através do documento de habite-se e outros exigidos por lei, o incorporador apresentará o requerimento de individuação que igualmente sofrerá análise pelo Registro de Imóveis e estando correto fará o desmembramento da matrícula “mãe”, originando as novas matrículas, em tantas quanto forem o número de unidades autônomas discriminadas, nas quais estará registrada a individuação e a convenção do condomínio. 

 4. O que é e o que objetiva o patrimônio de afetação.

O patrimônio de afetação é constituído do patrimônio próprio de cada empreendimento imobiliário, não se confundindo com o restante do patrimônio da empresa. Assim, o patrimônio de cada empreendimento imobiliário é contabilmente apartado do patrimônio total da empresa responsável pela construção e/ou incorporação do imóvel.

O patrimônio de afetação de cada empreendimento objetiva evitar que o incorporador utilize recursos de um empreendimento em outros, visando resguardar o regular andamento do empreendimento em questão. Logo, os valores desembolsados pelo adquirente do imóvel na planta ou fase de construção de determinado empreendimento ficam obrigatoriamente vinculado apenas à própria edificação, não havendo possibilidade de desvio destes recursos para outras obras ou despesas do incorporador.

Ressalvando que os recursos financeiros que excederem a importância necessária à conclusão da obra e o valor referente ao preço de alienação da fração ideal de terreno de cada unidade vendida, no caso de incorporação em que a construção seja contratada sob o regime por empreitada ou por administração, não integram o patrimônio de afetação.

Os bens e direitos integrantes do patrimônio de afetação somente poderão ser objeto de garantia real se o benefício se reverter integralmente em prol do respectivo empreendimento.

Os recursos necessários à execução do empreendimento objeto do patrimônio de afetação deverão ser mantidos em conta de depósito, a ser aberta especificamente para este empreendimento.

Além das demais obrigações do incorporador referente a incorporação imobiliária, o incorporador ainda tem a obrigação referente ao patrimônio de afetação de promover os atos necessários à boa administração e preservação do patrimônio de afetação; de manter apartados os bens e direitos objeto de cada incorporação; diligenciar a captação dos recursos necessários à incorporação e aplicá-los no empreendimento; entregar à comissão de representantes, no mínimo a cada três meses, demonstrativo da obra referente ao prazo de conclusão e os recursos financeiros disponíveis que integrem o patrimônio de afetação; eventuais modificações que o incorporador desejar fazer deverão ser aprovadas pela comissão de representantes; depositar, em conta especial para tal finalidade, os recursos financeiros do patrimônio de afetação; entregar à comissão de representantes balancetes do trimestre civil, relativos a cada patrimônio de afetação; assegurar à comissão de representação livre acesso à obra, livros, contratos, extrato da conta especial e quaisquer documentos relativos ao patrimônio de afetação; manter escrituração contábil. 

 5. Como é instituído o patrimônio de afetação.

De acordo com o art. 54 da lei nº 10.931/04 que alterou o art. 31 da lei de incorporações imobiliárias, lei nº 4.591/64, a instituição do patrimônio de afetação da incorporação imobiliária tem caráter opcional e irretratável, à critério do incorporador, e apenas perdurará enquanto persistir os direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação.

Na hipótese de haver a cessão de direitos creditórios oriundos da comercialização das unidades imobiliárias, o produto da cessão também passará a integrar o patrimônio de afetação.

O patrimônio de afetação será constituído, a qualquer tempo, mediante a averbação na matrícula do imóvel no Registro de Imóveis, com validade erga omnes , através de termo firmado pelo incorporador e, na hipótese de haver titular com direito real de aquisição sobre o terreno, pelos titulares também. Ressaltando que o incorporador poderá fazer constar a opção pelo patrimônio de afetação diretamente na ocasião do registro da incorporação imobiliária  (9) .

Frise-se que quando se tratar de conjuntos de edificações poderá ser constituído patrimônios de afetação separados em tantos quantos forem os subconjuntos de casas desde que com a mesma data de previsão de conclusão e edifícios de dois ou mais pavimentos. Neste caso, é necessário fazer constar a declaração expressa da constituição do patrimônio de afetação separado no memorial de incorporação ou no requerimento.

Salienta-se que a existência de ônus reais sobre o imóvel objeto da incorporação, seja para garantir o pagamento do preço de sua aquisição, para cumprimento de obrigação de construir o empreendimento ou por outra razão, não é óbice para a averbação do patrimônio de afetação.

O incorporador, após instituir o patrimônio de afetação, pode optar pelo regime especial de tributação enquanto perdurar os direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação, bastando apenas entregar o termo de opção na Receita Federal, consoante art. 2º da lei nº 10.931/04.

Após a opção por este regime especial, os bens e direitos relativos ao empreendimento imobiliário não responderão por dívidas tributárias da incorporadora relativas ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS e à Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP, salvo as que se referirem ao próprio empreendimento. Contudo, em sentido oposto, a incorporadora responderá, com todo o seu patrimônio, exceto outros patrimônios afetados, pelas dívidas tributárias deste empreendimento afetado.

Para que fique clara esta divisão de obrigações tributárias, o incorporador tem de manter a escrituração contábil segregada para cada empreendimento submetido ao regime especial de tributação.

Enfim, conclui-se, que o patrimônio de afetação responde somente pelas obrigações do empreendimento ao qual está vinculado, jamais por outras obrigações, desde que esteja regularizado e com a escrituração contábil apartada do restante das contas do incorporador. A insolvência do incorporador não atingirá o patrimônio de afetação, salvo as unidades autônomas não alienadas. Considerando, ainda, que o incorporador responde pelos prejuízos que causar ao patrimônio de afetação. 

 6. Comissão de representantes do patrimônio de afetação, o que é, quem integra e qual a finalidade.

A comissão de representantes é formada por, pelo menos, três adquirentes de unidades autônomas do mesmo empreendimento, podendo ser designados por contrato ou por eleição em assembléia. A assembléia geral poderá, pela maioria absoluta dos adquirentes, alterar a composição da comissão e revogar suas decisões.

A comissão de representantes, assim como a instituição financeira, poderá nomear, às suas expensas, alguém para fiscalizar o bom andamento das obras do empreendimento imobiliário.

Entretanto, a principal função da comissão de representantes é em caso de falência do incorporador ou de paralisação das obras por mais de 30 dias, sem justa causa, assumir a administração do empreendimento, convocando uma assembléia, em 60 (sessenta) dias, com quorum de 2/3 (dois terços), para deliberar pela continuidade da obra ou pela liquidação do patrimônio de afetação.

Ressalvando, ainda, que a continuidade das obras dependerá do pagamento das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da decretação da falência do incorporador, com prazo para pagamento de no máximo 1 (um) ano, a contar da deliberação da continuidade ou do habite-se, se em prazo inferior. Ficando os adquirentes responsáveis solidariamente com as obrigações, mas limitadas a sua fração ideal.

Outrossim, os adquirentes, se optarem em continuar as obras, ficarão sub-rogados nos direitos, obrigações e encargos relativos à incorporação, inclusive aqueles relativos ao contrato de financiamento da obra, se houver. Se outro critério não for deliberado em assembléia, cada adquirente será responsável pelo saldo porventura existente entre a receita do empreendimento e o custo da conclusão da incorporação na proporção do coeficiente de construção atribuível a sua unidade.

A comissão ainda tem a faculdade de vender, através de praça, as unidades imobiliárias remanescentes do empreendimento, objetivando pagar as despesas relacionadas às obrigações trabalhistas, previdenciárias e tributárias vinculadas ao empreendimento; reembolsar os adquirentes sobre as quantias que tenham adiantado para pagar estas obrigações; amortizar as parcelas do financiamento para construção; reembolsar os adquirentes sobre as quantias que tenham adiantado para pagar, em nome do incorporador, referente à execução das obras; pagar o proprietário do terreno, se ainda pender de pagamento.

Os saldos dos preços das frações ideais e acessões integrantes da incorporação que não tenham sido pagos ao incorporador, até a data da decretação da falência ou da insolvência civil, passarão a serem pagos à comissão, permanecendo estes recursos submetido à afetação, até o limite necessário à conclusão da incorporação. Para tanto, a comissão terá mandato legal, em caráter irrevogável, para, em nome do incorporador ou do condomínio, receber as parcelas do saldo do preço e dar quitação, bem como promover as medidas extrajudiciais ou judiciais necessárias a esse recebimento, devendo realizar a garantia e aplicar na incorporação todo o produto. Em havendo saldo credor, este deve ser repassado para massa falida.

Na hipótese do produto da venda dos imóveis remanescentes não ser suficiente, no que tange a diferença não reembolsada os adquirentes se tornarão credores privilegiados, sendo que os bens pessoais do incorporador respondem subsidiariamente.

Digno de registro, a comissão de representantes é investida de mandato irrevogável, com poderes para outorgar aos adquirentes, desde que já tenham cumprido integralmente suas obrigações, as escrituras públicas definitivas da transferência dos imóveis. Este mandato será válido mesmo após a conclusão da obra. Caso o adquirente tenha obrigações a cumprir, se provado estar adimplente, será celebrado contrato definitivo condicionado à constituição de garantia real sobre o imóvel.

Salienta-se que na hipótese de liquidação do patrimônio de afetação, quando houver igualdade de condições com terceiros, há direito de preferência para o proprietário do terreno se for pessoa distinta do incorporador, exercível 24 (vinte e quatro) horas após a data designada para a praça. Caso este não exerça o direito, o condomínio pode utilizar o direito de preferência desde que deliberada em assembléia geral, pelo voto da maioria simples dos presentes, exercível em 48 (quarenta e oito) após a data designada para praça. 

7. Extinção do patrimônio de afetação.  

O patrimônio de afetação será extinto se houver a averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento. Também será extinto pela revogação do patrimônio de afetação, através de denúncia da incorporação, após a restituição aos adquirentes das quantias pagas e pela liquidação do patrimônio deliberada pela assembléia geral. 

8. Conclusão.  

A lei das incorporações imobiliárias exige o arquivamento da incorporação como medida de segurança jurídica à sociedade, daí porque a imprescindibilidade do registro da incorporação imobiliária para viabilizar a comercialização das unidades autônomas pendentes de construção, ou seja, que ainda não existem fisicamente.

Conclui-se, portanto, que o patrimônio de afetação foi criado para dar maior segurança jurídica aos adquirentes de imóveis na planta ou ainda em construção, pois além do incorporador ter de atender todos os requisitos da lei 4.591/64 ainda tem, se houver a opção, de satisfazer as exigências da lei do patrimônio de afetação. 

9. Bibliografia.  

1. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 10.ed. Rio de Janeiro : Forense, 2001.

2. CAMBLER, Everaldo Augusto. Incorporação Imobiliária – Ensaio de uma Teoria Geral. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1993.

3. SCHMIDT, Francisco Arnaldo. Incorporação imobiliária. Porto Alegre : Editora Gráfica Metrópole S/A, 1995.

4. MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio e incorporação no registro de Imóveis. Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora, 1996.

5. RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Código Civil Brasileiro interpretado pelos tribunais. São Paulo : Editora Oliveira Mendes, 1998.

6. CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. 15.ed.  São Paulo : Saraiva, 2002.

7. OLIVEIRA, Nelson Corrêa de. Aplicações do Direito na Prática Notarial e Registral. 2.ed.  Porto Alegre : Síntese, 2004.

8. FIUZA, César. Direito civil curso completo. 2.ed. Belo Horizonte : Editora Del Rey, 1999.

9. FIORANTI, Cláudio Rezende. A Prática nos Processos e Registros de Incorporação Imobiliária, Instituição de Condomínio e Loteamentos Urbanos. Campinas : Julex, 1987. 

Notas

*Cláudia Fonseca Tutikian - OAB/RS 50.531, especialista em direito processual civil e constituição pela UFRGS

1. Segundo Mário Pazutti Mezzari, in Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis “A desobediência a este mandamento legal constitui contravenção relativa à economia popular, conforme definido no art. 66 da Lei nº 4.591” .

2. A remansosa jurisprudência é nesse sentido:

Ação de adjudicação compulsória cumulada com pedido de tutela antecipatória e cancelamento de hipoteca. Pagamento do valor do imóvel à construtora que não repassou ao banco para a liberação da hipoteca em razão de dificuldades financeiras. Aplicabilidade do CDC. Ação procedente. Apelação desprovimento. (TJPR. ApCiv 0114805-6. 2ª C.Cív. Rel. Des. Ângelo Zattar. DJPR 11.03.2002).

ENCOL. Intimação do Ministério Público. Cláusula Abusiva. Desoneração do imóvel gravado por hipoteca e outorga da escritura de compra e venda. Pagamento do preço ajustado. I. Ao ser decretada a falência, deve o representante do Ministério Público ser intimado para intervir no feito. Não se tratando de ação proposta originalmente contra massa falida, a intervenção do parquet no segundo grau aperfeiçoa o feito, desde que não haja prejuízo à ordem pública. II. A cláusula do contrato de promessa de compra e venda que autorizava o gravame hipotecário é abusiva e não pode prevalecer por colocar o consumidor em desvantagem exagerada em relação à construtora, subordinando-a exclusivamente à sua vontade. III. Uma vez cumprida a contraprestação do promissário-comprador, traduzida, tão-somente, no pagamento do preço ajustado, deve o vendedor liberar o imóvel do gravame hipotecário e outorgar a escritura de compra e venda. (TJDF. APC 19990110129219. 3ª T.Cív. Relª Desª Sandra de Santis. DJU 11.06.2003).

Compra e venda. Incorporação. Lei nº 4.591/64. Massa falida da ENCOL S/A. Hipoteca. Violação aos direitos do consumidor. Art. 51 do CDC. Anuência para tal gravame. Após a averbação da incorporação e realizados os contratos de promessa de compra e venda com terceiros, é impossível onerar o imóvel como um todo, porque estar-se-ia violando o direito do consumidor adquirente, que pagou ou vem pagando a contento suas prestações. A penhora ou hipoteca só pode ser permitida com a expressa anuência dos promitentes-compradores, não bastando, para tal fim, cláusulas genéricas que prevêem a possibilidade de dar em garantia, para financiamento, os terrenos e as unidades construídas. (TJDF. APC 19990110142308. 3ª T.Cív. Rel. Des. Vasquez Cruxên. DJU 21.05.2003).

Ação de adjudicação compulsória. Compromisso de compra e venda. Registro imobiliário. Hipoteca. O direito a adjudicação, quando oposto entre os contratantes, não se condiciona ao registro do contrato no oficio imobiliário, sobretudo se o preço ajustado foi satisfeito. ainda que o imóvel esteja hipotecado, o compromissário-comprador tem direito a adjudicação compulsória. Honorários advocatícios. Arbitramento condizente com o caso concreto. Apelação desprovida. (apelação cível nº 599392008, 16ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Luciano Ademir José D'Ávila, J. 14/12/1999).

3. Adjudicação compulsória. Imóvel sobre o qual pesa hipoteca. Ausência da anuência do credor hipotecário. Pretensão de obter título sem ônus ou gravame. Impossibilidade. O compromissário comprador não pode pretender adjudicar imóvel sobre o qual pesa hipoteca sem a anuência do credor hipotecário, especialmente se, no pedido inicial, seu objetivo era obter título definitivo sem ônus ou gravame de qualquer espécie. Recurso provido, parcialmente, apenas para reduzir os honorários. (TAPR. AC 154444500. 4ª C.Cív. Rel. Juiz Ruy Cunha Sobrinho. DJPR 26.05.2000).

4. O conceito legal de incorporação imobiliária está no artigo 28, § único da Lei 4.591/64 “Para efeito dessa lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para a alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações composta de unidades autônomas”.   

5. Consoante Francisco Arnaldo Schmidt, in Incorporação Imobiliária “Tenha-se presente desde logo, portanto, que elemento essencial para definição da incorporação imobiliária é a promessa de venda ou construção de coisa futura, que está para ser iniciada ou já está em andamento. Venda de unidade autônoma em edifício pronto, não é incorporação, regendo-se pelo direito comum e não pela lei especial”.

6. O conceito legal de incorporador está no artigo 29 da Lei 4.591/64 “ Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante, ou não que, embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas”.

7. Art 32 da Lei 4.591/64 - o incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos:

a) título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel, não haja estipulações impeditivas de sua alienação em frações ideais e inclua consentimento para demolição e construção, devidamente registrado;

b) certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais e de ônus reais relativamente ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador;

c) histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos, acompanhado de certidão dos respectivos registros;

d) projeto de construção devidamente aprovado pelas autoridades competentes;

e) cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando, cada tipo de unidade a respectiva metragem de área construída;

f) certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sobre o terreno for responsável pela arrecadação das respectivas contribuições;

g) memorial descritivo das especificações da obra projetada, segundo modelo a que se refere o inciso IV, do art. 53, desta Lei;

h) avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, calculada de acordo com a norma do inciso III, do art. 53 com base nos custos unitários referidos no art. 54, discriminando-se, também, o custo de construção de cada unidade, devidamente autenticada pelo profissional responsável pela obra;

i) discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão;

j) minuta da futura Convenção de condomínio que regerá a edificação ou o conjunto de edificações;

l) declaração em que se defina a parcela do preço de que trata o inciso II, do art. 39;

m) certidão do instrumento público de mandato, referido no § 1º do artigo 31;

n) declaração expressa em que se fixe, se houver, o prazo de carência (art. 34);

o) atestado de idoneidade financeira, fornecido por estabelecimento de crédito que opere no País há mais de cinco anos.

8. Segundo Mário Pazutti Mezzari, in Condomínio e Incorporação Imobiliária no Registro de Imóveis, Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora, 1996, p. 107, “ O registro da incorporação imobiliária é ato complexo, que exige do registrador um exame acurado de toda a documentação e pressupõe uma análise de nuances que escapem ao primeiro enfoque”.

9. Segundo Walter Ceneviva, in Lei dos Registros Públicos Comentada, São Paulo : Saraiva, 2002, p. 549, “Nas hipóteses em que não seja exigível o arquivamento do memorial de incorporação (§1º), a afetação será definida, em qualquer fase da construção, em instrumento, público ou particular, de instituição de condomínio, nos termos e com as discriminações de que tratam os arts. 7º e 8º”.



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