BE1626
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O Registro de Imóveis e a Mata Atlântica.
Marcelo Augusto Santana de Melo *
“Os arvoredos são muitos e grandes, e de infinitas espécies... entre esse arvoredo que é tanto e tamanho e tão basto e de tanta qualidade de folhagem que não se pode calcular” (Carta de Pero Vaz de Caminha).
© Dan Briški, in the forest
Na elaboração do trabalho apresentado no Congresso de Registradores em Maceió em 2004, afastamos o estudo dos grandes ecossistemas ou biomas brasileiros (art. 225, § 4º, CF) em razão da dificuldade em localizar elementos que pudessem permitir a utilização do Registro de Imóveis de forma direta. Não obstante, a presença no encontro do ambientalista Mário Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica, de certa forma nos inspirou para tentar identificar algum ponto em comum entre Registro de Imóveis e a floreta de Mata Atlântica.
Antes, interessante e oportuno conhecer melhor a Mata Atlântica, que está presente tanto na região litorânea, como nos planaltos e serras do interior, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Ao longo de toda a costa brasileira a sua largura varia entre pequenas faixas e grandes extensões, atingindo em média 200 km de largura.
“O explorador alemão Alexander von Humbolt a descrevia como uma ‘floresta sobre uma floresta’. As copas das altas árvores formam o dossel e chegam a atingir de 30, 35 e até 60 metros de altura. As copas das árvores mais altas tocam-se umas nas outras, formando uma massa de folhas e galhos que barra a passagem do sol. Numa parte mais baixa, nascem e crescem arbustos e pequenas árvores, que são os bambus, as samambaias gigantes, líquens que toleram menos luz, formando os chamados sub-bosques. Tanto nas árvores mais altas como nas mais baixas encontram-se várias outras espécies, como diversos tipos de cipós, bromélias, orquídeas e gavinhas. O piso da floresta é coberto pelas forrações. Esse chão é protegido pelas folhas e outros vegetais que caem das árvores ao longo do ano, que servem de alimento para muitos insetos, outros animais e principalmente aos fungos, que são os principais responsáveis pelo processo de decomposição da floresta. Assim, a floresta se alimenta dela mesma” ( [i] ).
Não é novidade para ninguém que as florestas da mata atlântica estão ameaçadas. O resultado atual é a perda quase total das florestas originais intactas e a contínua devastação e fragmentação dos remanescentes florestais existentes, o que coloca a Mata Atlântica em péssima posição de destaque, como um dos conjuntos de ecossistemas mais ameaçados de extinção do mundo. De uma área original superior a 1,3 milhão de km² distribuída ao longo de 17 estados brasileiros, resta hoje apenas 7,3% desse total.
A Constituição Federal, no artigo 225, § 4º, declara que a Mata Atlântica é patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
O Decreto Federal n. 750, de 10 de fevereiro de 1993 proibiu o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica (art. 1º), sendo que a supressão e a exploração de vegetação secundária, em estágio inicial de regeneração, seria regulamentada pelo IBAMA. As definições técnicas de vegetações primária e secundária encontram-se na Resolução Conama n. 07, de 23 de julho de 1996.
Através de resoluções conjuntas entre o IBAMA e as secretarias de meio ambiente dos Estados-membros que possuem florestas de Mata Atlântica, o art. 4º do Decreto Federal n. 750/93 foi regulamentado, respeitando-se a características de cada região.
No Estado de São Paulo é a resolução conjunta SMA/IBAMA n. 02, de 12 de maio de 1994, alterada pela resolução 05, de 04 de novembro de 1996, que trata do corte, exploração e supressão de vegetação secundária no estágio inicial de regeneração. A resolução trata das áreas verdes de loteamentos e desmembramentos localizados em áreas de floresta de Mata Atlântica, áreas essas que são especializadas e definidas no próprio projeto e integram o domínio do Município nos termos do artigo 22 da Lei 6.766/79, porém, a novidade está no artigo 7º da resolução, in verbis :
“Artigo 7° A autorização para corte, supressão ou exploração de vegetação nativa secundária no estágio inicial de regeneração, em lotes ou terrenos, quando necessárias a edificações ou obras para fins urbanos, será de competência do órgão estadual e só serão admitidos quando em conformidade com plano diretor aprovado, conforme artigo 182, parágrafo 1° da Constituição Federal e/ou demais legislações municipais e ambientais e se dará da seguinte forma:
§ 1° Para lotes ou terrenos maiores que 1.000 m2, a supressão somente poderá ser autorizada mediante averbação de área verde a margem da matricula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis, cuja extensão nunca deverá ser inferior a 20% da área do lote ou terreno e cujo local deverá ser aprovado pelo órgão competente, além de obedecer se o disposto no artigo 2° dessa Resolução”.
Foi criada, assim, a obrigação de averbação da área verde de mata atlântica (AVMA) em imóveis urbanos maiores de 1.000,00m² como pré-requisito para concessão de alvará para edificação ou qualquer outra obra que necessite de corte, supressão ou exploração nativa secundária no estágio inicial de regeneração.
A própria resolução define a área verde como sendo “aquelas com cobertura vegetal de porte arbustivo arbóreo, não impermeabilizáveis, visando a contribuir para a melhoria da qualidade de vida urbana, permitindo se seu uso para atividades de lazer” (art. 2º). Porém, é preciso primeiro definir sua natureza jurídica, já que influenciará no procedimento a ser adotado pelo Registro de Imóveis.
Trata-se indubitavelmente de espaço territorial especialmente protegido ( [ii] ), limitação administrativa à propriedade, já que a regra constante do art. 22 da Lei 6.766/79 não pode ser aplicada em razão de se referir tão-somente a loteamentos e desmembramentos, não sendo transferida, assim, a área ao domínio público.
A área deve ser especializada dentro do imóvel urbano, devendo existir compatibilidade com a descrição constante da matrícula de forma semelhante ao que ocorre com as reservas legais, necessitando aprovação prévia do órgão ambiental competente, no Estado de São Paulo, o DEPRN – Departamento de Proteção de Recursos Naturais, que subscreverá o termo de compromisso de preservação e formação da área verde.
Segundo Alexandre Augusto Arcaro, registrador imobiliário de Campos do Jordão-SP, a grande maioria das especializações de AVMA ocorre porque a Prefeitura do Município exige a averbação na matrícula do imóvel como condição para o alvará de construção, não existindo um controle direto do Registro de Imóveis. Aliás, compreensível a sistemática porque o Registro de Imóveis não pode se valer de elementos extra tabulares para motivar uma qualificação negativa e exigir a averbação.
Conforme sustentamos em Maceió, os atos registráveis (lato senso) não são taxativos, malgrado os direitos sejam em numerus clausus , aplicando-se o efeito da concentração para interpretar o artigo 246 da Lei 6.015/73, permitindo a averbação de qualquer ato que altere o registro, outorgando publicidade para casos não expressamente autorizados pela Lei 6.015/73; mas que de qualquer forma, mesmo reflexamente, possam limitar o direito de propriedade ou ainda de grande relevância para o direito inscrito.
O direito ambiental é prova inequívoca da não-taxatividade dos atos registráveis, porque Estados e Municípios também estão autorizados constitucionalmente a legislar sobre meio ambiente e, por conseguinte, criar materialmente institutos, inclusive utilizando-se da publicidade do Registro de Imóveis.
Por derradeiro, observa-se o quanto é abrangente e cativante o estudo do Registro de Imóveis que acaba por se interligar com todos os ramos do direito. A tendência natural do instituto, como observou o registrador João Pedro Lamana Paiva é de concentrar, sempre mais, informações relevantes da propriedade imobiliária. ( [iii] )
* Marcelo Augusto Santana de Melo é Registrador imobiliário em Araçatuba-SP e Diretor de Meio Ambiente do Irib.
[i] Site da Fundação SOS Mata Atlântica: www.sosmatatlantica.org.br .
[ii] “Espaços territoriais especialmente protegidos são áreas geográficas públicas ou privadas (porção do território nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime jurídico de interesse público que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e proteção da integridade de amostras de todas a diversidade de ecossistemas, a proteção ao processo evolutivo das espécies, a preservação e proteção dos recursos naturais” (JOSÉ AFONSO DA SILVA. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, págs. 160/161).
[iii] Revista de Direito Imobiliário n. 49, julho a dezembro de 2000 .
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