BE1503

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SEMINÁRIO IRIB/MPSP/CGJSP    

Regularização fundiária urbana
parcelamentos e condomínios edilícios


O Irib estará realizando, conjuntamente com o Ministério Público e a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, seminário sobre regularização fundiária urbana – parcelamentos e condomínios edilícios – evento que se realizará no próximo dia 8 de abril de 2005 na cidade de São Paulo, Capital.

A partir desta edição estaremos publicando os artigos, contribuições, questões, críticas relacionados com o tema que será objeto do seminário, procurando trazer subsídios para o enriquecimento do seminário.

Esclarecemos que as opiniões veiculadas neste espaço não expressam necessariamente a opinião do Irib nem das instituições que co-realizarão o evento.

Condomínio horizontal de lotes
Júlio Soares Neto *    

 Sumário: 1. Introdução ; 2. Legislação ; 3. Condomínio Especial ; 4. Condomínio de Lotes ; 5. Terminologia  .  

 1. Introdução

Trata-se de tema altamente controvertido na doutrina e na jurisprudência, a possibilidade da criação da figura jurídica do condomínio horizontal de lotes, já que na praxe prepondera o condomínio de unidades autônomas já construídas, onde se atribui a cada casa uma fração ideal do terreno, devendo o projeto de construção ter sido aprovado pela autoridade municipal, além disso, é mister que haja um memorial descritivo assinado por profissional habilitado. A doutrina mais tradicionalista não admite o condomínio de lotes, já que não existe legislação específica sobre o tema, porém corrente de vanguarda admite esta figura jurídica, que na realidade pode ser aplicada tanto para imóveis urbanos, quanto para os rurais, além disso, é possível enquadrar essa situação jurídica em nosso ordenamento jurídico, como veremos, legitimando esta forma lícita de agregação humana, que pode ser muito útil em municípios menos expressivos, desalijados de apoio governamental, mas que precisam impulsionar o crescimento urbano e rural de forma ordenada e segura, já que a cotização é a saída para a criação de infra-estrutura que deverá ser aprovada, sempre por órgão público, detentor de cadastro específico, além da tutela dinâmica do Registro Predial. 

 2. Legislação

A legislação a ser aplicada é a Lei 4.591/64, que a meu juízo não foi ab-rogada pelo novo Código Civil e sim revogada, permanecendo em vigor determinados dispositivos, dentre eles o artigo 8º, preceituando que: “Quando, em terreno onde não houver edificação , o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:”.

Este artigo deve ser interpretado em conjunto, com o artigo 68 da mesma lei, que contém a seguinte redação: “Os proprietários ou titulares de direito aquisitivo sobre terras rurais ou os terrenos onde pretendem construir ou mandar construir habitações isoladas para aliená-las antes de concluídas, mediante pagamento do preço a prazo, deverão, previamente, satisfazer às exigências constantes no artigo 32, ficando sujeitos ao regime instituído nesta Lei para os incorporadores, no que lhes for aplicável”.

Sem sombra de dúvida, as normas acima mencionadas estão vigendo, já que são marcadas pelo ineditismo, não tratando o novo código desta temática, perdendo o legislador a oportunidade de por fim à cizânia doutrinária. O artigo 8º trata, portanto, do condomínio especial, que pode comportar casas térreas ou assobradadas, bem como edifícios de dois ou mais pavimentos, desde que construídos no mesmo terreno. Mas como as alíneas devem ser interpretadas sistematicamente com o caput , entendo que também estão encetados na norma, os lotes sem acessão. Desejando o proprietário do terreno vender unidades autônomas em construção, bem como simplesmente lotes, deverá registrar o memorial de incorporação no Registro Predial, cercando o empreendimento das garantias exigidas por lei, dotando os negócios jurídicos subseqüentes de segurança jurídica, assegurando a infra-estrutura do empreendimento, v.g., sistema de esgoto, luz, calçamento, ou seja, tudo aquilo que foi avençado no memorial.

A publicidade registral, neste caso, é passiva, constitutiva e obrigatória, devendo o incorporador seguir os ditames do artigo 32, da Lei 4.591/64, item por item, cabendo também a criação de um patrimônio de afetação, mas tal hipótese não é obrigatória, conforme aduz o artigo 30-A, alterado pela Lei 10.931/2004, o incorporador a seu critério, poderá submeter a incorporação ao regime de afetação.

Um parêntese cabe aqui. O instituto da afetação vem sendo muito criticado pela doutrina, a uma, pela facultatividade, tornando sua aplicação remota, e a duas, caso os adquirentes tenham que assumir a obra, por motivo de insolvência do incorporador, a Lei 4.591/64, no artigo 30-C do parágrafo 3º, cria expressamente uma solidariedade entre os adquirentes e o incorporador, o que certamente tornará na prática este mecanismo de afetação patrimonial de pouca valia. 

 3. Condomínio Especial

O condomínio especial do artigo 8º tem um aspecto coercitivo, ou seja, sempre que mais de um lote ou unidade for construída no mesmo terreno, as formalidades da norma acima mencionada, devem ser observadas: 1) discriminação da parte do terreno ocupada pela edificação, bem como aquela de utilização exclusiva, estando incluídos jardim e quintal, sendo necessária estipulação da fração ideal do todo do terreno e de partes comuns; 2) em se tratando de prédios de dois ou mais pavimentos, é necessária discriminação de parte do terreno ocupada pela edificação, da área reservada como de utilização exclusiva, e da fração ideal do todo do terreno e de partes comuns; 3) as partes comuns que poderão ser utilizadas pelos condôminos também devem ser especializadas, juntamente com as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.

Essas minúcias devem ser seguidas pelo profissional, que elaborará o projeto a ser aprovado pela Prefeitura. Mas deve ficar claro que o registrador não poderá forçar o proprietário a constituir o condomínio especial, pois o titular do domínio pode optar pelo condomínio pro indiviso do Código Civil. A obrigatoriedade nasce com a pretensão de alienação das unidades autônomas separadamente, mas se a venda for de percentual do imóvel em sua inteireza, não será necessário estabelecer a especialização.

É comum nota de devolução (exigência) para que o proprietário institua condomínio especial das casas que recebeu em processo de inventário. É claro que o princípio da unitariedade da matrícula clama pela individualização do objeto registral, mas esta cisão tem o momento certo, mormente quando o proprietário necessitar de dispor dos prédios isoladamente. O registrador deverá sempre exigir a participação do órgão cadastral, ou seja, da Prefeitura, pois a meu sentir, não é correto o procedimento adotado por algumas serventias, que não exigem aprovação do projeto do condomínio, quando se trata de terreno de pequenas proporções, com a construção de duas ou três casas, aceitando apenas a averbação da construção das unidades. O cadastro deve estar integrado ao Registro de Imóveis, não importando o vulto da obra, mas sim a veracidade e precisão das informações, assim como ocorre na Alemanha, dotada de um sistema cadastral invejável, onde somente os direitos reais sobre coisa alheia e os de garantia não têm presunção absoluta de veracidade, pois a publicidade desses direitos fica a cargo do Registro Predial, aí sim atingindo presunção máxima de exatidão. 

 4. Condomínio de Lotes

O condomínio de lotes pode se situar tanto na área urbana, quanto na área rural, sendo o Incra, nesta segunda hipótese o cadastro natural. Não há óbice para constituição de condomínios rurais, sendo a legislação aplicável o Decreto-lei 58 de 10 de Dezembro de 1937, logo no artigo 1º, desde que haja integração cadastral, não podendo o Registro de Imóveis agir autonomamente, na constituição do condomínio, pois a falta de integração gerará problemas com o fisco. A questão tributária deve ser analisada com cuidado, pois em muitos casos a opção em relação ao condomínio rural se justifica, pelo fato da não incidência de IPTU, o que ocorreria se se tratasse de loteamento tutelado pela municipalidade, onde ocorre a municipalização do imóvel rural, dentro das normas previstas na instrução 17-B do Incra .

A temática da legalidade do condomínio de lotes rurais, que na realidade podem localizar-se tanto em área urbana como rural, pois o critério preponderante para se saber se um imóvel é rural não está diametralmente ligado à sua situação geográfica, mas sim relacionado ao fator produtivo. Um casarão situado no Centro da Cidade de Petrópolis, onde é realizado cultivo de cogumelos, haja vista existência de condições propícias como o fator da temperatura, da umidade contida em seus porões, é considerado como imóvel rural. Logicamente, como sói ser, existe uma segunda corrente que defende o critério da localização. Desta feita, não seria razoável a incidência de IPTU em condomínios rurais sem nenhum aporte estrutural do Município, nem coleta de lixo costuma haver.

Verificado que se trata de imóvel rural e desejando o proprietário constituir um condomínio de lotes para serem vendidos, entendo ser possível que o Incra anote em seu cadastro esta alteração fundiária, até mesmo porque o princípio da continuidade objetiva e subjetiva, também abarca a entidade autárquica e sem que haja esta anotação, torna-se impossível a negociação das unidades, pois é mister a apresentação do CCIR e do ITR para lavratura das escrituras.

Além disso, a legislação relativa a imóveis rurais tem se tornado cada vez mais rígida, exigindo mudanças estruturais que nem o Incra consegue acompanhar. Hoje a nova legislação, incluindo a Instrução Normativa número 12, de 17 de Novembro de 2003 , exige que o Incra expeça uma certificação, nos termos do parágrafo 1º do artigo 9º do Decreto número 4.449/02, que regulamentou a Lei número 10.267/01, a ser protocolada juntamente com a documentação necessária para o registro, no serviço de registro de imóveis correspondente, no prazo máximo de 30 dias, após o que perderá sua validade.

Esta sistemática extremamente rígida, criada pelo legislador, ainda não está funcionando, como esperado, pois isso não acontece da noite para o dia. Só espero que a fiscalização em relação aos cartórios de notas não seja desarrazoada, pois se o próprio órgão cadastral não tem acompanhado as mutações, nós notários também precisamos de tempo, principalmente o tabelião do interior, que no mais das vezes é quem vai regularizar a situação toda para a parte, totalmente alheia às mudanças legislativas, valendo dizer que o parágrafo único do artigo 7º da Lei 8.935/94 legitima o notário para realizar gestões para efetivação do ato notarial. Se assim não fizer, com certeza não lavrará mais nenhuma escritura.

A Procuradoria Jurídica do Incra não se opõe à constituição de condomínios rurais de lotes, mas legalmente, só possui legislação relativa a parcelamento para fins agrícolas (Instrução 17-b).

Na jurisprudência, como já dito, o tema é controvertido, havendo duas importantes decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, uma no Processo CG 1.536/96 (776/96) , contendo a seguinte ementa:

“Registro de Imóveis. Matrícula. Bloqueio. Quebra ao princípio da especialidade. Condomínio de casas. Inexistência de efetivo atrelamento das construções ao terreno. Impossibilidade de constituição de condomínio especial de solo. Inteligência do artigo 8º da Lei 4.591/64. Fraude à Lei de Parcelamento do Solo. Condomínio deitado e loteamento fechado. Diferenças e requisitos”.

O julgado não admite o condomínio de lotes, pois não há previsão legal, além disso, estaria caracterizada fraude à Lei de Parcelamento do Solo Urbano. Cita o autor João Batista Lopes dizendo que: “Nos chamados loteamentos fechados, ocorre tão somente parcelamento do solo e alienação de lotes sem qualquer vínculo a edificações, sendo numerosos os loteamentos mal sucedidos em que os adquirentes não se interessam em construir e permanecerem na expectativa de futura valorização da área”.

Somado a esses argumentos, ainda alega que as construções podem ser desproporcionais às constantes do projeto aprovado, o que acarretaria alteração das frações ideais e que a instituição de condomínio só poderia ser registrada com o habite-se da última casa.

Em sentido contrário, temos a decisão do mesmo Tribunal, nos autos de Apelação Cível nº 149.638.4/3-00 , da Comarca de Indaiatuba, acatando o órgão julgador as seguintes teses: ausência de ilegalidade no empreendimento imobiliário, pois a Lei 4.591/64 não prevê área mínima de construção para o condomínio de casas; o interesse urbanístico do Município foi preservado em face do princípio da legalidade (Lei 4.591/64, artigo 32) e da autonomia municipal; inaplicabilidade da Lei 6.766/79, sendo a apelação admitida pela unanimidade de votos. Trata-se de julgado de vanguarda e de profunda acuidade jurídica. O condomínio de lotes, na realidade, ao ser aprovado, contém um projeto de construção das casas, que conforme a avença prevista na convenção de condomínio, poderá sofrer alterações, estando o Município de acordo, até mesmo porque só concederá o “habite-se” se não houver irregularidades urbanísticas. Este “habite-se” deverá ser objeto de averbação na matrícula mãe, bem como naquelas eventualmente abertas para cada unidade. A lei 4.591/64 não estipula a obrigatoriedade de observação de área mínima de construção para o condomínio de casas.

Cabe a lembrança da pena do ilustre Gilberto Valente da Silva, que vislumbrou no artigo 3º do Decreto-lei 271, de 28 de fevereiro de 1967, a efetiva equiparação do incorporador ao loteador, bem como dos compradores de lote aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da edificação. O artigo 3º preceitua que: “Aplica-se aos loteamentos a Lei 4.591/64, equiparando-se o loteador aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da edificação. Parágrafo 1º - O Poder Executivo, dentro de 180 dias, regulamentará este Decreto-lei, especialmente quanto à aplicação da Lei 4.591/64, aos loteamentos, fazendo inclusive as necessárias adaptações”. (Página 283 do Livro Condomínio e Incorporação de Mario Pazutti Mezzari, Editora Norton Livreiro, Porto Alegre – NE: Sobre o autor, vide artigo escrito em conjunto com Décio Antônio Erpen e João Pedro Lamana Paiva em http://www.irib.org.br/birib/birib309d.asp ).

Desta feita, de um certo modo há base legal para o condomínio horizontal de lotes, que é na realidade um misto de loteamento ou parcelamento do solo urbano, com o condomínio especial.

O loteamento, em sua essência, não mais atende às necessidades de segurança e privacidade exigidas no mundo moderno e violento de hoje, pois as áreas internas, como ruas e praças, são bens públicos de uso comum do povo, enquanto que no condomínio, as áreas internas são de uso privativo dos condôminos. Por outro lado, nos loteamentos há uma maior liberdade para a construção das casas, já que não existe convenção padronizando as unidades habitacionais. Os investimentos em equipamentos e na infra-estrutura são bem maiores no condomínio, através da cotização dos condôminos, não necessitando de subvenções públicas, que geralmente são pífias. O condomínio de lotes seria um meio termo entre loteamento e condomínio de casas, existindo maior liberdade para construção das futuras unidades autônomas, bem como maiores recursos para aplicação em segurança e lazer, o que não acontece com o loteamento, não havendo, enfim, desequilíbrio urbanístico, pois o poder de polícia na forma de controle sobre o direito de construir estará sempre presente, mesmo sendo o “habite-se” posterior à aprovação do projeto. 

 5. Terminologia

Para finalizar, o condomínio pode ser quanto à origem convencional, eventual ou legal. O condomínio convencional ou voluntário tem sua origem na vontade dos condôminos, o que acontece quando duas pessoas adquirem um bem. O eventual resulta da vontade de terceiros, como é o caso de uma doação ou de um testamento. O condomínio legal ou necessário resulta de disposição expressa de lei, sendo um exemplo a aquisição por três filhos de um imóvel em virtude de falecimento de seu pai. Quanto à forma, o condomínio pode ser pro diviso e pro indiviso que tem natureza transitória. Na primeira espécie há mera aparência de condomínio, pois cada condômino tem posição definida, podendo alienar sua quota livremente, sem alegação de direito de preferência. No segundo caso, não há localização em partes certas, tendendo essa situação jurídica a futura alteração.

O condomínio legal tem caráter perene. Quanto ao objeto o condomínio pode ser universal quando incide sobre a totalidade da coisa, enquanto que o singular, abrange coisa determinada.

Após verificar as espécies do instituto, podemos enquadrar o condomínio edilício como sendo voluntário, pois qualquer pessoa pode adquirir uma unidade autônoma, mas também tem uma carga de necessariedade, quando se vislumbra o condomínio de parede-meia e das coisas comuns. A questão terminológica é importante, na medida em que no condomínio de lotes há muita confusão no emprego da terminologia, principalmente no que pertine ao loteamento fechado e ao condomínio deitado, sendo esta última expressão utilizada pelo saudoso Elvino Silva Filho.

No loteamento fechado as ruas e praças são bens públicos, mas através de ato normativo municipal, que pode ser lei ou decreto, admite-se o fechamento desta área, por motivos de segurança e privacidade. Mas nem por isso o loteamento deixa de ser tutelado pela Lei 6.766/79, devendo o registrador examinar a documentação com base neste diploma legal. Na prática acho difícil a ocorrência desses atos normativos, autorizando o fechamento da área loteada. Loteamento não é condomínio, não há comunhão em propriedade. Marco Aurélio de S. Viana entende que o loteamento ou parcelamento do solo pode se tornar loteamento fechado, desde que haja desafetação dos bens públicos, como ruas e praças internas, através de lei específica. (Loteamento Fechado e Loteamento Horizontal, Editora Aide, página 129, Rio de Janeiro)

No condomínio deitado, que também pode ser chamado de condomínio fechado, tutelado pelo artigo 8º da Lei 4.591/64, as áreas internas são privativas dos condôminos, que devem utilizá-las em conformidade com a respectiva convenção de condomínio. O fechamento de ruas com cancelas e guaritas, com serviço de vigilância, não tem nada a ver com condomínio fechado, trata-se de mera autorização administrativa, em que pese haja obrigatoriedade do pagamento da cota condominial, tendo em vista a ocorrência do enriquecimento sem causa, já que todos usufruem do serviço. O condomínio especial não é só admitido em áreas de dimensões reduzidas, em que pese haver corrente neste sentido, já que não há nenhuma norma legal a respeito da matéria. 

Bibliografia

Boletim do Irib em revista, número 307 , de Dezembro de 2002.

Mezzari, Mario Pazutti. Condomínio e Incorporação no Registro de Imóveis, 2ª. Edição, Porto Alegre, Norton Editor, 2002.

* Júlio Soares Neto é Registrador   



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