BE1477
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O desafio dos Planos Diretores Municipais
Edésio Fernandes *
Um enorme desafio dos novos Prefeitos, especialmente nos Municípios que têm população acima de 20.000 habitantes, será promover o processo de elaboração e aprovação, até 2006, dos Planos Diretores Municipais. Trata-se de obrigação estipulada pela Constituição Federal de 1988 e regulamentada pelo Estatuto da Cidade de 2001 - mas, até hoje pouquíssimos Municípios já o fizeram, ou começaram a debater a questão. Além das sérias conseqüências jurídicas do não-cumprimento dessa obrigação, para os Municípios e Prefeitos, também da perspectiva da sociedade é crucial que tais Planos Diretores sejam amplamente discutidos e aprovados, para materialização dos princípios, instrumentos, direitos e obrigações estabelecidos pelo Estatuto da Cidade.
Lei federal aclamada internacionalmente, o Estatuto da Cidade foi uma conquista social que abriu caminhos para o enfrentamento da profunda crise urbana e habitacional do pais. Dada a heterogeneidade de realidades locais, os princípios gerais da política urbana devem ser traduzidos em leis municipais - os Planos Diretores Municipais. Espera-se desses Planos Diretores que, em cada contexto local, promovam a materialização das quatro dimensões da lei federal, quais sejam: determinação de critérios para cumprimento da função socioambiental da propriedade (condição mesmo para o reconhecimento do direito de propriedade privada) na forma de uma proposta de ordenamento territorial e de uso, ocupação e desenvolvimento do solo que expresse um "projeto de cidade"; identificação dos instrumentos urbanísticos a serem utilizados para alcançar tal projeto de cidade; criação de mecanismos locais de regularização de assentamentos informais; e regulamentação dos processos municipais de gestão urbana participativa.
Esse debate começou de alguma forma esse debate nas grandes cidades (com alguns poucos Planos Diretores já tendo sido aprovados), mas nos pequenos e médios Municípios quase nada tem acontecido, embora também nesses Municípios o processo crescente de urbanização tem sido caracterizado pelos mesmos problemas de segregação socioespacial, degradação ambiental e informalidade urbana. Crise fiscal, crise urbana, crise ambiental, crise de moradia, violência: de formas diferentes, essa é a realidade de quase todos os Municípios. Em parte, a inação dos Municípios tem a ver com a limitada capacidade de gestão da enorme maioria deles, mas esse é um problema que pode ser enfrentado através de uma maior articulação com os governos estaduais e federal, que devem contribuir para os Planos Diretores com assistência técnica e financeira para o desenvolvimento institucional dos Municípios, formulação de cadastros, produção de mapas e informações necessárias para os Planos Diretores, etc. Parcerias entre os gestores municipais e o setor privado local também são necessárias, havendo um papel a ser cumprido pela sociedade organizada através da ação de profissionais e voluntários, especialmente juristas, arquitetos, engenheiros, geógrafos, etc. Um outro caminho importante para a superação das limitações municipais é a busca de soluções colegiadas, com Planos Diretores sendo formulados em conjuntos por Municípios, associações e consórcios, de forma a propiciar uma gestão mais eficiente e racional dos processos de uso e ocupação do solo, especialmente no contexto de aglomerações urbanas.
Dito isso, a alegação da falta de capacitação dos pequenos e médios Municípios para a formulação de Planos Diretores também tem a ver com uma leitura da lei federal que merece qualificação: a noção de que a lei é complicada, que os instrumentos urbanísticos são de difícil utilização, e de que houve uma burocratização da gestão urbana. Mesmo reconhecendo o "viés de cidade grande" que o Estatuto da Cidade tem, essa discussão precisa tomar outro rumo. Tem havido uma ênfase excessiva nos instrumentos - direitos de superfície e de construir, transferência do direito de construir, edificação/parcelamento compulsório, tributação progressiva, etc.-, mas esses são meros instrumentos que têm que estar a serviço de um amplo projeto de cidade: essa é a questão mais importante. Não há uma formula fixa, um conceito único ou uma metodologia técnica exclusiva. O Plano Diretor é a lei municipal que, ao expressar um projeto de ordenamento e desenvolvimento territorial para o Município, afirma a função social da propriedade, as condições de gestão do solo e de recursos naturais, e a qualidade política dos processo de planejamento e gestão municipal. A adequação do Estatuto da Cidade às realidades socioeconômicas, político-institucionais e administrativas locais deve se refletir na escolha dos instrumentos urbanísticos e na simplificação dos critérios legais. Ampla participação popular deve ser assegurada para a formulação desse projeto de cidade, através de processos de planejamento includente, gestão democrática e de direitos coletivos.
Os Municípios menores e médios têm mais chances de promover desenvolvimento sustentável do que as cidades grandes, que já estão pagando um preço altíssimo pela falta de planejamento territorial. O desafio dos Planos Diretores começará a ser vencido quando a questão for colocada, tarefa à qual os novos Prefeitos não poderão se furtar.
* Jurista e urbanista; professor da Universidade de Londres.
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