BE1471

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Estatização de registros e notas
Uma visão do parlamento


O Sr. Nelson Marquezelli (PTB-SP) pronunciou o seguinte discurso em plenário:

“Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o que anteriormente parecia ser apenas uma idéia fadada ao fracasso hoje toma aspectos perigosos, uma vez que já há proposta em tramitação nessa Casa que visa, simplesmente, a estatização de todos os serviços notariais e de registro.

Refiro-me a PEC nº 304 de 2004 e a outras proposições que estão circulando na Casa em busca de apoiamento. Ora, se alguma proposta com essa intenção for aprovada, a estatização levará a sociedade brasileira ao caos, já que os serviços públicos passarão a ser desempenhados diretamente por funcionários, vinculados a órgãos públicos de municípios, estados e Distrito Federal.

É do conhecimento de todos a baixa qualidade desse serviço quando desempenhado por estados ou municípios. Em contrapartida, as atividades notariais e de registro, quando exercidas por particulares com delegação do poder público, apresentam crescente modernização da gestão, com realização de investimentos em tecnologia e capacitação.

O modelo do notariado latino já está consagrado em mais de 70 países do mundo e é adotado no Brasil, com exceção da Bahia. Recentemente, Portugal passou a adotar também esse modelo, delegando a particulares, mediante concurso público, o exercício de serviços notariais, com o objetivo de proporcionar serviços mais eficientes, modernos e sem burocracia.

Uma mudança dessa magnitude levaria o nosso País a rumar na contramão das experiências internacionais. Por este motivo, quero chamar a atenção de todos os meus colegas parlamentares que apoiaram a PEC nº 304/2004 e que estão assinando outras tentativas que tramita na Casa para o perigoso caminho do retrocesso em uma atividade nobre, vital e que vem sendo desempenhada com eficiência. Atestam isso países como a China, a Bulgária e Andorra, que nos últimos meses, aderiram ao sistema latino.

Muito obrigado.

Deputado Nelson Marquezelli    




Eu poderia fazer tanta coisa...
FRA *


Poderia sair e ver um filme fosse lá bom ou ruim, poderia tocar guitarra para os amigos fosse lá músico ou não, sair com esses mesmos amigos e tomar um porre, sentar na soleira da porta e ver a chuva cair. Fazer um curso na Europa. Ficar quieto. Poderia ficar quieto e imóvel. Quieto, imóvel e de olhos fechados. Quieto, imóvel e de olhos fechados durante uma hora inteira. O dia todo. Não, a semana toda. Mas, às vezes, eles tossem à noite. Não, um tosse e a outra chora.

Outra vezes é ele que tem pesadelo e ela acorda com o choro. Muita coisa para deixar só a cargo da mãe. E não é só durante a noite. Basta pensar em sair para o trabalho e vem uma vozinha: “Volta logo...”

Poderia visitar Istambul, descobrir Constantinopla, desvendar os mistérios do Oriente, mas teria que esquecer que sou o herói que põe o mundo em harmonia, o pégaso que ganha as estrelas com dois cavaleirinhos na garupa, “upa, upa, cavalinho”, a ponte que flutua sobre o nada apenas para ser atravessado por pezinhos que afundam na minha barriga e provocam risadinhas intermináveis nos seus pequenos donos.

Poderia estudar a fundo a história dos povos da Mesopotâmia: babilônios, caldeus, sumérios e assírios. O código de Hamurabi, a arte e cultura dos mesopotâmicos, tudo isso é muito importante, mas teria que dizer não a criaturinhas que pensam que sou o céu sem limites. Teria que ignorar a sedução daqueles olhares e sorrisos, teria que resistir bravamente ao aperto urgente daquelas mãozinhas minúsculas, “vamos brincar?”.

Bem, eu poderia fechar a porta e ouvir Schoenberg ou Mahler, assim não ouviria ainda que eles batessem muito. Talvez pudesse sair de cavalete e tintas em punho para pintar umas aquarelas. Puxa, eles iam gostar dos pincéis! Não, não, esse seria o meu momento, esqueci de que não estariam comigo. Também poderia visitar amigos e sentar calmamente para conversar sem ter que interromper o pensamento a cada minuto com “não mexe aí” e “cuidado, você vai cair”. Tenho até um amigo cujo jardim eles adoram. É, mas desta vez não brincariam no balanço porque não estariam lá, seria o meu momento. Tudo bem, entendo que começaria tendo que reaprender a pensar sem topar com as artimanhas daquelas carinhas cândidas a cada vacilo do cérebro. Não sei como fazem isso, são tão pequenos para dominar um metro e noventa de treinado autocontrole! Não tenho a menor idéia de como conseguem, sendo tão pequenos, mas parecem posseiros instalados em posse legítima – eu – ainda que ninguém lhes tenha outorgado qualquer título.

Poderia andar de bicicleta, descer novamente a ladeira em desabalada carreira, sentir o vento e a liberdade. Mas teria que me desprender daqueles bracinhos ao redor do pescoço, daqueles risos no pensamento, daquele calor no coração. E na volta, então? Na volta seria o diabo, teria que encarar um par de olhões azuis: “V. disse que ia voltar logo.” Pior e direto no alvo: “Eu não gosto de você.”

Eu poderia fazer tanta coisa...

... se eles já me não tivessem aliciado com engenhosos planos de amor a longo prazo e eterno querer bem. Como fizeram isso? Eu estava lá e não sei como se desvencilharam dos meus projetos mais secretos, como invadiram o recôndito dos meus pensamentos, como dominaram os meus quereres mais íntimos. E, mesmo um pouco envergonhado, devo confessar: as únicas armas que usaram foram uns passinhos miúdos e incertos vindo em minha direção, alguns poucos centímetros de perninhas bambas atravessando o meu caminho e aqueles bracinhos abertos para mim.

a) Um pai.

* FRA é escritora e contista. Além disso, amiga certa nas horas incertas.



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