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CURSO DE INTRODUÇÃO AO DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO - Princípio de inscrição - Luiz Egon Richter


XXXI ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL
MACEIÓ 2004

18 a 22 de outubro de 2004

Realização: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB

20 de agosto – quarta-feira

9h30

Curso de Introdução ao Direito Registral Imobiliário
Coordenador: Dr. Ricardo Dip, Professor de Filosofia do Direito e Direito Penal e Juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo

Aula 3 – Princípio de Inscrição

Prof. Luiz Egon Richter

CURSO DE INTRODUÇÃO AO DIREITO REGISTRAL IMOBILIÁRIO

Princípio de inscrição
Luiz Egon Richter  *

Inscrever – do latim – inscrebere – escrever, insculpir, entalhar ou gravar.

Inscrição – ato ou efeito de inscrever.

Na acepção jurídico-registral – publicização de certos atos ou fatos jurídicos (direito de propriedade, hipoteca, usufruto, penhoras, doações, partilhas, usucapião, pacto antenupcial, averbação de edificação, etc.

Logo, efetuar a inscrição é igual a assentar em registro, com a finalidade de atribuir autenticidade, segurança e eficácia jurídica.

Sob o ponto de vista gnoseológico, princípio pode ser definido como uma proposição abstrata, que pode ser inferida da realidade ou da idealidade – ser ou dever ser –, capaz de conferir coerência e unidade sistemática a um conjunto de conhecimentos com status científico.

Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.  [1]

Para o mesmo autor, a violação de um princípio acaba violando todo o sistema, ao ensinar que:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Há, no Direito positivo brasileiro – lei que dispõe a respeito da improbidade administrativa – um forte indicativo da necessidade de observação dos princípios, ao dispor que caracteriza improbidade administrativa, a não observância dos princípios que informam o exercício da boa administração pública.

A despeito da atividade registral imobiliária não ser atividade de administração pública, a observância da principiologia que informa e conforma o sistema, se impõe, sob pena de violação de todo o sistema, o que com certeza contribuirá para a insegurança.

O princípio de inscrição é supranormativo ou endonormativo? Penso que pode ser considerado como supranormativo, considerando que não há o que se falar de registro de imóveis, assim como de registros públicos em geral, se não contemplarem a inscrição como o seu objeto principal.

Nesse sentido, penso que o princípio da inscrição é um princípio fundante do próprio sistema registral imobiliário.

Por outro lado, pode também ser considerado como endonormativo pelo fato de que apresenta forte densificação quanto ao seu conteúdo e seus efeitos.

Exemplificativamente, podemos citar os seguintes artigos do nosso ordenamento jurídico.

Artigo 1227 do CC. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1245 a 1247), salvo os casos expressos neste Código.

Artigo 1245 do CC. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

Artigo 1438 CC. Constitui-se o penhor rural mediante instrumento público ou particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que estiverem situadas as coisas empenhadas.

Artigo 1448 do CC. Constitui-se o penhor industrial, ou o mercantil, mediante instrumento público ou particular, registrado no Cartório de registro de Imóveis da circunscrição onde estiverem situadas as coisas empenhadas.

Artigo 1492 do CC. As hipotecas serão registradas no cartório do lugar do imóvel, ou no de cada um deles, se o título se referir a mais de um.

Artigo 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I – o registro: II – a averbação.

Artigo 169 – Todos os atos enumerados no artigo 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no cartório da situação do imóvel, salvo:

Artigo 172 – No registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa , quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, para a sua disponibilidade.

Artigo 252 – O registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.

É natural que assim seja, pois o Registro de Imóveis é instituição com o fim de assegurar segurança jurídica, esta é a sua enteléquia, logo, não se justifica pela natureza mesma da coisa, ou pela contratualidade, mas pelo Direito (Dip). É o Direito fundado e orientado por uma principiologia própria, que dispõe a respeito, tanto no plano material como no formal.

Por meio do Direito procura-se racionalizar contingências da vida em sociedade.

Assim, a atuação do registrador público tem como paradigma o Direito. “É profissional do Direito”.

Toda vez que se utilizar de um código fora do Direito para praticar ato registral, estará corrompendo o código do Direito e o ato estará eivado de vício.

O princípio apresenta, de forma geral, variáveis em termos de eficácia, dependendo do sistema registral imobiliário adotado.

A doutrina apresenta, com algumas variantes, três sistemas registrais básicos. Para efeitos de exposição e compreensão do tema, trago dois autores, um brasileiro e um estrangeiro.

Para Afrânio de Carvalho,  [2] os sistemas são o privatista, o publicista e um eclético.

Sistema privatista ou francês – atribui à publicidade o efeito de aviso a terceiros de atos que se perfazem pelo só acordo de vontades e que, portanto, não dependem dela para ganhar existência.

Título = direito real

Sistema publicista ou alemão – confere à publicidade o efeito de constituir o direito que, antes dela, não se perfaz entre as partes, ainda que, em torno dele, haja acordo de vontades.

A publicidade é elemento formativo do direito real. Possui eficácia saneadora.

Acordo constitutivo + inscrição = direito real

Sistema eclético – combina o título com o modo de adquirir – concedendo o duplo efeito de constituir o direito real e de anunciá-lo a terceiros.

Título (negócio jurídico obrigacional + acordo de transmissão) + inscrição = direito real.

Para Angel Cristóbal Montes,  [3] os sistemas básicos são:

Sistemas que atribuem à publicidade registral simples força negativa preclusiva (oponibilidade do inscrito) – A aquisição e constituição do domínio e demais direitos reais têm lugar com inteira independência do instituto registral, o qual se limita a publicar as titularidades formadas extra-registralmente, sem acrescentar-lhes nenhuma eficácia civil especial (francês, belga, italiano, português, holandês, etc.).

De forma geral inadmitem a oponibilidade de direitos adquiridos antes ou ao tempo em que foi adquirido o direito inscrito.

Título = direito real

Sistemas que atribuem à publicidade registral eficácia convalidante – o direito real nasce fora do registro. Porém, os efeitos da publicidade não se limitam a tornar oponíveis os atos registrados frente ao que podem prejudicar, mas legitimam o direito real, atribuindo, por um lado, presunção juris tantum de que aquilo que está registrado é exato e, por outro, convalida em favor do titular que contratou fundando-se na boa-fé registrária, os direitos inscritos, atribuindo efeito sanativo da titularidade do transmitente (espanhol).

Titulo = direito real + registro = legitimação e convalidação.

Sistemas que atribuem à publicidade registral efeitos constitutivos – o registro é elemento necessário para a constituição do direito real. Neles a constatação registral supõe um requisito necessário para a constituição e nascimento dos direitos reais, de maneira tal que nas formas de publicidade vão absorvidas as formas constitutivas das modificações reais nas aquisições por negócio jurídico.

A eficácia constitutiva pode ser maior ou menor, dependendo do que dispõe o ordenamento jurídico.

Nos sistemas em que a publicidade constitutiva depende de requisitos prévios (consentimento, título), a regra é a de que a legitimidade do registro está subordinada à legalidade dos requisitos procedimentais prévios, logo a eficácia constitutiva não é absoluta.

No sistema australiano – título real – a publicidade tem um valor constitutivo absoluto (inscrição substantiva), uma vez que tecnicamente, não há discordância entre a realidade jurídica e a fática. O registro é que estabelece a verdade!

Definição do princípio de inscrição:

A inscrição define-se como todo assento feito no livro de registro imobiliário, embora esse significado amplo coexista na lei com outro restrito, em que a palavra designa apenas a inscrição autônoma, pois a dependente, originalmente marginal, agora justaposta, é denominada de averbação. Toma-se o termo para indicar tanto o ato de inscrever como o escrito resultante desse ato. Esse escrito abrange direitos e fatos, isto é, direitos que recaem sobre os imóveis e fatos concernentes a estes, como a situação geográfica, a extensão, as construções, os modos de exploração, o preço.”  [4]

O mesmo autor ensina que “o princípio de inscrição significa que a constituição, transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam por atos inter vivos mediante sua inscrição no registro. (...) A mutação jurídico-real nasce com a inscrição e, por meio desta, se exterioriza a terceiros”  [5]

O princípio de inscrição informa os efeitos da publicidade registral, sob o ponto de vista material, que podem ser classificados em: constitutivos, declarativos e sanatório deixando claro que a inscrição constitutiva, pode, ao mesmo tempo, desconstituir direito ou direitos. É o que ocorre ordinariamente nas transmissões derivadas de direitos. A exceção são as aquisições originárias de direitos. A inscrição desconstitutiva pode também (re)constituir direitos, como por exemplo: o cancelamento de registro de transmissão de domínio, acaba reconstituindo o direito do outorgante. E a inscrição declarativa declara situação jurídica preexistente ou previne a respeito de riscos que possam eventualmente afetar direitos existentes.

Constitutivo – a publicidade inscricional constitui o próprio direito ou a sua oneração. “O efeito constitutivo adere inseparavelmente aos atos por força de disposição legal”.  [6]

Desconstitutivo – a publicidade inscricional desconstitui direito ou oneração preexistente, podendo também (re)constituir direitos.

A análise da produção de efeitos constitutivos e/ou desconstitutivos não apresenta apenas importância acadêmica, mas também de cunho prático, em especial, na disposição dos lançamentos dos atos inscritivos nas respectivas matrículas, que se diferenciam de acordo com a preordenação dos títulos apresentados para registro. Se a aquisição do direito é derivado, deve ser observado, entre outros, o princípio de continuidade. O mesmo não ocorre, quando a aquisição for originária.

Declarativa – declara o direito previamente constituído ou eventual ameaça que pesa ou possa vir a pesar sobre direito existente.

A inscrição declarativa apenas divulga direitos que ganharam existência antes dela ou riscos que pendam sobre direitos inscritos, ocupando no primeiro caso, os interstícios deixados no livro pela inscrição constitutiva, a fim de completar coerentemente a seqüência de titularidades, e apondo-se, no segundo, a inscrição preexistente no propósito de advertir sobre a pendência de pretensão a ela adversa.  [7]

Nesse sentido, de acordo com Carvalho,  [8] pode ser subdividida em: integrativa e preventiva.

A primeira é a integrativa de registro, isto é, destinada a completá-lo com elos da cadeia de titularidade, quando esta se obtém fora dele, na sucessão hereditária (julgados divisórios), ou com fatos novos concernentes ao objeto do direito (numeração, construção, reconstrução, demolição, desmembramento, anexação). A segunda é a preventiva, isto é, destinada a prevenir terceiros de ameaças à titularidade constante do registro, decorrentes de atos judiciais ou de negócios sob condição suspensiva, a fim de se inteirarem de riscos de negócio com os respectivos imóveis.

Saneador – esse efeito ocorre quando o sistema registral assegura o direito constituído ou declarado em favor do titular ou, ainda, em favor de terceiro, independentemente de eventual vício contido no título ou declaração de vontade perante o registrador público de imóveis. No Brasil eventual vício contido no título, contamina o registro, logo, não adotamos o efeito saneador.

Alguns pressupostos básicos para a inscrição válida:

Competência do registrador
– estar investido na função de registrador e não se encontrar impedido de praticar o ato. Deve atuar com autonomia funcional, no exercício da qualificação dos títulos, fazendo o juízo de admissibilidade do título, tendo como paradigma o Direito.

Livros – a escrituração dos atos de registro ou averbação é feita nos livros, e a validade da depende do lançamento nos livros competentes, para o respectivo ato. De acordo com o artigo 3.° da Lei dos Registros Públicos, a escrituração será feita em livros encadernados ou em folhas soltas, de acordo com os modelos e medidas estabelecidas. O título é recepcionado pelo Livro n.° 1, e após sofrer a devida qualificação, será inscrito no livro competente. Artigos 172 e seguintes da Lei dos Registros Públicos, dispõem a respeito.

Circunscrição – a regra é a de que a inscrição deve ser feita no Registro de Imóveis do lugar de situação do imóvel, salvo as exceções da própria lei. Artigo 169, incisos I, II e III da Lei dos Registros Públicos.

Todos os enumerados no artigo 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no cartório da situação do imóvel, salvo:

I – as averbações, que serão efetuadas na matrícula ou à margem do registro a que se referirem, ainda que o imóvel tenha passado a pertencer a outra circunscrição;

II – os registros relativos a imóveis situados em comarcas ou circunscrições limítrofes, que serão feitos em todas elas, devendo os Registros de Imóveis fazer constar dos registros tal ocorrência;

III – o registro previsto no n.°3 do inciso I do art. 167, e a averbação prevista no n./ 16 do inc. II do art. 167 serão efetuados no Cartório onde o imóvel esteja matriculado mediante a apresentação de qualquer das vias do contrato, assinado pelas partes e subscrito por duas testemunhas, bastando a coincidência entre o nome de um dos proprietários e o locador.

Título – o sistema registral imobiliário brasileiro adotou a fórmula que combina o título com o modo de adquirir. Título causal (negócio jurídico + acordo de transmissão) + inscrição = direito. Apenas os títulos admitidos em Direito é que podem ter ingresso no registro imobiliário, e nesse sentido, o artigo 221, da Lei dos Registros Públicos dispõe a respeito:

Somente são admitidos a registro:

I – escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros;

II – escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação;

III – atos autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento público, legalizados e traduzidos na forma da lei, e registrados no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, assim como sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação pelo Supremo Tribunal Federal.

Tempo – em regra, o direito material não impõe prazo para a apresentação do título para efeitos de inscrição. Por outro lado, a lei instrumental estabelece prazos para a materialização da inscrição após a prenotação. A regra está no artigo 188 da Lei dos Registros Públicos, prevendo que, protocolizado o título, proceder-se-á ao registro, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, salvo nos casos previstos nos artigos seguintes.

Exigências complementares – o registrador ao qualificar o título, deverá observar as exigências legais de natureza fiscal e tributária, sob pena de se tornar responsável solidário, sem esquecer das urbanísticas e ambientais, considerando que a propriedade no Brasil deve cumprir uma função sócio-ambiental, que acaba por repercutir no Registro de Imóveis.

Momento em que a inscrição gera efeitos – a partir da prenotação válida. Artigo 1246 do CC. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.

Cancelamento da inscrição – a regra no direito brasileiro é a de que o registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido, nos termos do artigo 252, da Lei dos Registros Públicos. O cancelamento da inscrição, em regra, depende de título, pelo que se depreende da leitura dos artigos 248, 250 e 251, da Lei dos Registros Públicos, podendo ser total ou parcial, conforme o artigo 249, da mesma Lei.

Notas

 [1] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004

 [2] CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis , 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.15

 [3] MONTES, Angel Cristóbal. Direito imobiliário registral , Trad. Francisco Tost, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 2004, pp.219-220

 [4] CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.141

 [5] Idem p.138

 [6] Idem p.143

 [7] Idem p.146

 [8] Idem p.149

 * Luiz Egon Richter é registrador substituto do Registro de Imóveis de Lajeado, RS.



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