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1ª VRP de São Paulo – Dr. Venício Antonio de Paula Salles. - Separação de bens convencional – alienação - vênia conjugal. Novo código civil - NCC


Ementa não oficial: O Novo código civil não perpetuou a necessidade do consentimento do cônjuge na alienação de bens incomunicáveis. As alienações nos termos da nova lei poderão prescindir de tal formalidade.

Processo nº:  000.04.028316-0

Vistos, etc...

Cuida-se de procedimento administrativo de dúvida suscitado pelo Oficial do 13° Registro de Imóveis da Capital, nos termos do art. 198, da Lei de Registros Públicos, figurando como suscitado MM e ZDM. O oficial relatou que recebeu para registro escritura de venda e compra, figurando, entre outros, RTS, que compareceu ao ato sem a anuência de sua esposa, com quem tem casamento submetido às regras da separação de bens, ocorrido em 12/85, havendo pacto antenupcial. Que o imóvel objeto da matricula 11.687, conforme formal de partilha expedido em 1993, foi partilhado ao viúvo IMS e 1/4 para cada um dos herdeiros entre eles, RTS, casado com IOMCS. A qualificação negativa decorreu da inexistência de vênia conjugal na escritura, posto que aplicáveis ao caso as regras do código superado e também por não se tratar de casamento vinculado ao regime da separação absoluta de bens. Juntou documentos e pugnou pelo processamento.

O suscitado apresentou impugnação destacando que conforme escritura de pacto antinupcial o regime matrimonial de bens foi o da absoluta separação dos bens presentes e futuros. Destacou que o bem conquistado por herança não se comunicou.

O Ministério Público se pronunciou e posicionou pela improcedência da dúvida.

É o relatório.

DECIDO:

A dúvida foi deduzida com muito cuidado, e extremo detalhamento, que denotam o zelo e o cuidado do Oficial suscitante e denuncia o seu permanente estudo no aprimoramento do trato com as questões registrais. Entretanto, em que pese a extrema profundidade e detalhamento como o tema foi apresentado na peça inaugural, o posicionamento da serventia, neste caso, não comporta acolhimento.

A dúvida foi instaurada, para que o suscitado viesse a providenciar nova escritura pública de re-ratificação da original de venda e compra, para colher a vênia conjugal, de forma a acertar e melhor aparelhar contrato de transmissão imobiliária. A questão decorreu do fato do suscitado ser casado sob o regime da separação de bens, e entender que frente ao novo Estatuto Civil, está dispensado de tal formalidade nos termos do art. 1.647.

A controvérsia envolve a aplicação de regras do direito intertemporal, necessário para se aquilatar se tal disposição (art. 1.647), poderia ser aplicada imediatamente aos matrimônios celebrados anteriormente à vigência do novo Código, ou se a legislação superada mantém eficácia vinculativa em tais situações, por força do art. 2.039 encartado nas Disposições Transitórias. Ademais, a discussão envolve a exata compreensão sobre a extensão e o âmbito das garantias que atuam a favor da perenização do ato jurídico perfeito.

Como anotado pelo Oficial, o atual Estatuto Civil, em seu art. 1647, introduziu regra nova, franqueando, por vias indiretas, a alienação de bens imóveis sem a vênia conjugal, desde que o regime de bens seja o da separação absoluta de bens.

No caso sub examine, o regime de bens do casal RTS e IOMC é o da separação de bens, e nos termos do pacto juntado aos autos em via original, a separação se estende “não somente com relação aos bens presentes como para os futuros”. Portanto, o regime consolidado e pactuado livremente entre os nubentes em 1985 foi o da separação absoluta de bens, na medida em que estabeleceu o padrão da separação dos aqüestos, em relação ao patrimônio existente quando do matrimônio e também em relação aos bens conquistados na constância da convivência.

O pacto antenupcial, portanto, respondeu negativamente à aplicação do entendimento jurisprudencial consagrado pela Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (“No regime da separação de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”), não deixando em branco ou no silêncio a previsão de repartição de bens futuros.

Ademais, o imóvel objeto da alienação, ingressou no acervo patrimonial do suscitado, pela via da sucessão hereditária, o que reforça a incomunicabilidade deste bem. Neste ponto cumpre reproduzir a lição trazida com a formulação vestibular, de autoria do prof. Silvio Rodrigues que anota que “embora os nubentes hajam declarado, no pacto antenupcial, que escolhem o regime da separação de bens, na realidade estarão se casando pelo regime da comunhão parcial, a menos que reiterem que também os adquiridos não se comunicam. Portanto, na escolha do regime da separação absoluta se faz mister duas declarações: que os nubentes escolhem o regime da separação de bens e que os bens aqüestos também não se comunicarão” (Direito Civil – Saraiva – SP/2002 – 27ª Edição, vol. 06, pág. 186).

No caso, como destacado, o regime eleito foi o da separação absoluta de bens, não permitindo a comunicação destes, quer tenha sido conquistados anteriormente, quer posteriormente ao matrimônio. Mesmo se assim não fosse, ou seja, mesmo se o regime não fosse o da separação absoluta, o que poderia provocar a transmudação fática do regime escolhido, para o regime da separação parcial, os bens havidos pelo canal da sucessão hereditária, não se prestam à comunhão, permanecendo como bens reservados.

O regime de bens eleito e formalizado pelo suscitado, se afeiçoa, portanto, ao previsto e exigido pelo art. 1.647, do novo Código Civil, de forma que a sua alienação poderia ser efetivada sem a reclamada outorga uxória.

A questão remanescente, diz respeito à aplicação deste art. 1.647 ao caso concreto, em razão do enunciado estampado no art. 2.039 das Disposições Transitórias e também em virtude da preservação do ato jurídico perfeito.

O artigo em foco possui a seguinte redação:

Art. 2.039. – O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil Anterior, Lei n° 3.071/16, é o por ele estabelecido.

A disposição, cumprindo os desígnios constitucionais, vem prestigiar o ato jurídico perfeito e acabado, mantendo os efeitos integrais do regime matrimonial adotado nas uniões ocorridas antes de 2003, sem a interferência das alterações introduzidas pela nova ordem normativa.

O art. 6°, da lei de Introdução ao Código Civil, considera ato jurídico perfeito “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetivou”. Evidentemente que se trata de uma proteção extremamente necessária, mormente para as relações contratuais, que constituídas com base em regimento superado, não podem experimentar mutações em suas bases estruturais determinadas por novas regras, novos comandos normativos. O que foi pactuado livremente pelas partes, deve valer integralmente independentemente das mutações legislativas. Contudo esta regra não é absoluta, pois a jurisprudência já identificou focos relevantes de questões que interferem dos atos concluídos, como por exemplo, as alterações monetárias, que tem a aptidão de ingressar e modificar todas as relações pendentes. Assim, preservação do ato jurídico perfeito, não é absoluta, e se torna menos operativa se contrastada com normas de direito público ou normas impositivas.

Convém sublinhar que a doutrina debateu muito sobre a exata configuração da natureza jurídica do matrimônio, se representativo de “um contrato especial para Orlando Gomes; instituição para Washington de Barros Monteiro ou ato jurídico complexo e solene sem natureza contratual para Arnold Wald” (fls. 08), mas não deixou de revelar pontos em comum, denunciar que o matrimônio é um pacto que rege condutas e estabelece uma forma especial associativa, regedora da formação e disposição patrimonial. Seus efeitos não se materializam em um momento, mas se protraem no tempo.

Assim, contraído o matrimônio, os nubentes devem passar a se comportar em atenção aos padrões de conduta traçados, ligados à formação do núcleo familiar, que possui como um dos vetores a composição do acervo patrimonial.

Destarte, quando o art. 2039 alude à manutenção do regime de bens, está exigindo a preservação da exata participação patrimonial do casal na divisão dos bens, de sorte a manter a metade da totalidade do bolo patrimonial no caso do regime da comunhão universal de bens; ou que continue a representar a metade dos bens adquiridos na constância da vida em comum, no caso do regime da separação parcial, ou, ainda, que exista uma perfeita separação dos aqüestos, no regime da separação de bens (em princípio).

A previsão sobre a participação nos bens e as regras para a partilha destes, não pode ser alterada pelo novo Estatuto Civil, sendo imperiosa a sua manutenção em atenção e respeito ao ato jurídico perfeito, e à disposição do art. 2039, que prestigia igual posicionamento. Desta forma, tudo o tenha sido ajustado e pactuado em termos da participação do casal no acervo patrimonial sob os auspícios da lei superada, continua valendo enquanto perdurar o matrimônio.

É certo que o antigo Código exigia, em seu art. 235, o expresso consentimento da mulher para alienação de bens imóveis, qualquer que fosse o regime de bens matrimonial. Entretanto, tal previsão não representava ou representa, qualquer mutação ou interferência ao REGIME DE BENS.

Os bens incomunicáveis, se mantinham como tal mesmo em face da regra do art. 235, posto que a vênia conjugal atuava não como uma forma de proteger “bem pessoal” do cônjuge, mas sim para viabilizar uma proteção à instituição da “família”.

O consentimento da esposa ou do marido, nos termos dos artigos 235 e 242, não afetava ou atingia o REGIME DE BENS, que se mantinha com sua estrutura normal. Como anotado, tal formalidade representava um contundente meio de proteção à família, à sua manutenção e eventualmente, à prole.

Assim, mantendo o REGIME DE BENS anterior, o art. 2.039, não perpetuou a necessidade do consentimento da esposa na alienação de bens incomunicáveis, de forma que todas as operações de venda a serem realizadas nos termos da nova lei, poderão prescindir de tal formalidade. Os limites da disposição transitórios em comento são mais restritos do que aquela concebida pelo Oficial Registrador.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida. Expeça-se mandado para cumprimento.Cumpra-se o disposto no art. 203 da Lei de Registros Públicos.

P.R.I.C.

São Paulo, 16 de abril de 2004.

Venício Antonio de Paula Salles

Juiz de Direito Titular



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