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Cartório é prebenda?


Recebi a carta abaixo e fiquei estarrecido. Não porque ignorasse a situação do subscritor e de centenas de oficiais que bem poderiam ter escrito a missiva que transcrevemos com a preservação da fonte.

O que nos choca, o que nos toca profundamente, é perceber que o drama humano experimentado pelo oficial missivista pode estar se multiplicando país afora. Há um nítido desmonte das atividades extrajudiciais, sob o argumento falacioso de racionalização administrativa, com a criação e multiplicação de serviços notariais e registrais sem que seja preservado o interesse econômico que viabiliza o serviço e que, afinal, acaba atraindo os melhores candidatos e os melhores profissionais.

São tantas as gratuidades que esses profissionais têm que suportar! Sem estipêndio, sem recomposição, muitas vezes se perpetra uma violenta desapropriação à margem da lei e ignorando os mais comezinhos princípios de Justiça.

Os cartórios, em sua grande maioria, são pequenas e modestas microempresas e são vistos como um privilégio generoso, sinecura, “uma prebenda”, como disse certa feita ilustre senador da República.

C. 5 de abril de 2004

Sr. Dr. Presidente do IRIB

Venho, por meio desta, contar a minha situação: Trabalho, ou melhor, sou Titular do Cartório Extra-Judicial do (...); tenho 4 filhos, 3 homens e uma menina; ganho por mês mais ou menos R$ 900,00, com firmas, procurações, certidões, autenticações etc.

Sou separada, meu marido me abandonou. Já faz 6 anos, ninguém sabe o paradeiro. Tenho um filho de 18 anos que faz faculdade e o curso é de Administração de Empresas (...) mora de favores em casa de parentes, mas eu ajudo, na alimentação, pago a faculdade, que é particular, (...) R$ 470,00 mensais, fora o dinheiro do ônibus e do lanche.

Tenho outro de 17 anos que me ajuda aqui no cartório, pois eu não tenho condições de pagar empregado, ou melhor: funcionário. Tenho outro filho de 15 anos, que tem problemas de febre reumática e sopro no coração, necessita de tratamento e, finalmente, colocaram uma prematura, que hoje tem 6 anos, em minha porta, e é a alegria de minha vida.

No ano passado, no mês de dezembro, recebi um ofício para comparecer em (...), para assistir a uma reunião sobre a Lei (...), onde o cartório, todos os meses, tem que recolher uma taxa para a (...), de todos os documentos que se tiver feito em cartório, além da taxa que se paga todos os meses. O pior, é que se tem de tirar das pessoas, que aqui vêm fazer os serviços; resumindo: sabe o que aconteceu? 50% das pessoas não querem fazer os serviços. Aí a situação piora. Sabe! estou necessitando de uma ajuda, dessa Associação, caso seja possível, é o caso do computador, se o Sr. Dr. poderia me vender um, para que eu lhe pague em parcelas fixas, porém, mais baratas do que as do mercado.

Fica difícil para mim também, porque não tenho contra-cheques, recebo do meu trabalho.

Estou a precisar porque o Tribunal quer que tudo seja feito através de computador. Sei que a situação está difícil para todo mundo, mas quem sabe, se alguns dos sócios também poderiam me ajudar. Peço-lhes desculpas, pois os Srs. não têm nenhuma obrigação comigo, mas estou redigindo esta cheia de vergonha, mas é o jeito.

Ficarei muito agradecida se pelo menos ela for lida, para mim já valeu muita coisa.

Agradecida por tudo, e me perdoe por qualquer erro cometido; desculpe-me, pois estou muito nervosa.

FLLC 



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