BE1007
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MATRÍCULA - FUSÃO. IMISSÃO - POSSE - REGISTRO. FAVELAS - REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. PROPRIEDADE - FUNÇÃO SOCIAL - PLANO DIRETOR. PARCELAMENTO DO SOLO URBANO DE INTERESSE SOCIAL. BENS PÚBLICOS - AFETAÇÃO E DESAFETAÇÃO. POSSE PÚBLICA. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO. ARRUAMENTO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.
Seleção, Ademar Fioranelli
O apossamento administrativo é circunstância suficiente para a transferência do bem imóvel para o domínio público. Aprovado o arruamento para a urbanização de terrenos particulares (loteamentos), as áreas destinadas às vias e logradouros públicos passam automaticamente para o domínio do Município, independentemente de título aquisitivo e transcrição.
O efeito jurídico do arruamento é o de transformar o domínio particular em domínio público, para uso comum do povo. O arruamento ou a abertura de vias e sua disponibilização ao uso comum deflagra a passagem automática do bem privado para o domínio público, restando ao particular a via indenizatória, - desapropriação indireta.
É a destinação que marca a irreversibilidade do patrimônio, que afeta o bem ao domínio público. A passagem de um imóvel para o domínio público, em razão de desapropriação, não se perfaz temporalmente com o registro da Carta de Adjudicação que é expedido após o pagamento do valor dos precatórios, mas com a destinação irreversível que é dada ao imóvel.
Tratando-se de imissão provisória na posse, nos termos ds Lei 9.785/99, a fusão de matrículas pode se dar. O registro tratado no item 36, do art. 167, da lei de Registros Públicos, quando acompanhado de Certificação Municipal de que o empreendimento se encontra implantado de fato no local, acompanhado a comprovação da comunicação ao juízo onde tramita a expropriação, autoriza a sua efetivação em nome do Poder Público e não mais em nome de seus anteriores titulares do domínio.
1. Postulação da Prefeitura
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
SECRETARIA DA HABITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO URBANO
Gabinete do Secretário
Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Primeira Vara de Registros Públicos
O Município de São Paulo, pessoa jurídica de Direito Público Interno, inscrito no CGC/MF sob o nº 46.392.130/0001-18, neste ato representado pelo Sr. Secretário da Habitação e Desenvolvimento Urbano, Luiz Paulo Teixeira Ferreira, estabelecido na Rua São Bento, nº 405, 22º andar, nesta Capital, na qualidade de legal possuidor dos imóveis matriculados sob nº 164.077 e nº 168.133 do 18º Serviço de Registro de Imóveis desta Capital, vem respectivamente à presença de Vossa Excelência requerer fusão dos lotes em referência.
1 – Do imóvel matriculado sob o nº 164.077
O imóvel em questão possui 7.126,93 m², está situado no Jardim do Lago, Bairro Rio Pequeno e matriculado no 18º Serviço de Registro de Imóveis.
Os proprietários do lote são: ½ ideal: Terezinha Ana Magalhães Bringel; 1/6 parte ideal cada um: Wilson Magalhães Bringel; Hilda Magalhães Bringel; Willian Magalhães Bringel.
Através do Decreto nº 30.025 de 16 de agosto de 1991, a área foi declarada de interesse social para implantação de programa habitacional.
Em 1992, esta Municipalidade ingressou com ação de desapropriação, tendo por objeto o imóvel em tela.
Esta ação tramite perante a 5ª Vara da Fazenda Pública, sob o nº 0001/92.
Em 10 de janeiro de 1992 esta Municipalidade foi imitida na posse no imóvel.
Finalmente, em 27 de março de 2002, foi procedido o registro do auto de imissão provisória na posse, dando origem a matrícula em apreço.
2 – Do imóvel matriculado sob o nº 168.133
Este imóvel possui 6.167,00 m², está localizado na rua Antonio Ramiro da Silva, no 13º Subdistrito, no Bairro do Butantã e matriculado junto ao 18º Serviço de Registro de Imóveis.
Os proprietários dos lotes são: 84% de Intibello Carlos Chimazzo e sua mulher Vânia Maria Pirondi Chimazzo; 14% de Roberto Ricardo Chimazzo e sua mulher Geny Pinheiro Chimazzo; e 2% de Jesus Garcia Quintas e sua mulher Maria Dinair Rosa da Silva Quintas.
Através do Decreto nº 29.178 de 18 de outubro de 1990, a área foi declarada de interesse social para implantação de programa habitacional.
Em 1991, esta Municipalidade ingressou com ação de desapropriação, tendo por objeto o imóvel em tela.
Esta ação tramita perante a 2ª Vara da Fazenda Pública sob o nº 042/91.
Finalmente, esta Municipalidade foi imitida na posse do imóvel em 26 de setembro de 1991.
Em 12 de dezembro de 2002 foi procedido o registro do auto de imissão provisória na posse, dando origem à matrícula em apreço.
3 – Uso atual do espaço livre
Em 1994 foi erigido de forma contígua sobre as áreas acima um empreendimento habitacional denominado “Jardim do Lago”.
Este empreendimento é integrante de um programa denominado “Programa de Verticalização de Favelas – PROVER”, também conhecido como “Cingapura”.
Um dos pilares do “Programa de Verticalização de Favelas – PROVER”, consistia na manutenção da população no próprio local onde estava instalada, evitando remoções para outras áreas da cidade. Assim sendo, havia a prerrogativa de considerar as favelas existentes, urbanizando-as através da implantação de conjuntos habitacionais verticalizados. O reconhecimento das favelas implica também no reconhecimento das questões fundiárias que elas apresentavam.
O empreendimento em questão possui 280 unidades habitacionais, distribuídas em sete blocos de cinco pavimentos (156 unidades), e cinco blocos de sete pavimentos (124 unidades).
Todas as unidades habitacionais em questão já se encontram habitadas à título precário, e portanto sem a segurança jurídica necessária, resultando daí a urgência pela regularização fundiária da área.
4 – Do Direito
Em fevereiro p.p., esta Municipalidade ingressou com pedido de fusão das matrículas 168.133 e 164.077 junto ao 18º Serviços de Registro de Imóveis desta Capital.
A fusão pretendida resultaria em um lote de 13.293,93 m², resultado da soma de 6.167,00 m² (matrícula 168.133) e 7.126,93 m² (matrícula 164.077).
Em 17 de março de 2003, o título foi devolvido (cópia em anexo) sob a alegação da impossibilidade de fundir as duas matrículas, haja vista que os titulares de domínio dos dois lotes são distintos, colidindo assim com o disposto no artº 234 da Lei Federal 6015/73.
Deveras, a fusão de lotes na circunstância ora apresentada, qual seja, titulares de domínio diversos e ambos com registro de auto de imissão na posse sob a titularidade do mesmo ente público, é fato juridicamente inédito, e portanto, não causa estranheza que a estrita exegese literal da legislação incidente aparentemente não tenha o condão de amparar o pleito desta Municipalidade.
O caso sob análise, sem dúvida, exige que se proceda a uma interpretação sistemática das normas pertinentes.
Primeiramente, deve-se consignar que a lei de Registros Públicos, originalmente fora elaborada sem a previsão do registro da posse, tal como se figura o registro do auto de imissão provisória, surgido este por força da Lei 9785/99, que veio há quase três décadas da edição da Lei 6015/73 introduzir este novo dispositivo.
Não se trata de simples alteração de redação da lei, mas sobretudo, de revisão de centrais conceitos norteadores da tabula registraria, qual seja, a introdução do registro da posse com efeitos de domínio.
Os efeitos de domínio do registro do auto de imissão provisória na posse, inovadoramente, se configura ao prever o registro de parcelamento do solo sobre a posse registrada, e mais, prevê ainda a transmissão da posse, através de instrumentos previstos em lei, inclusive com o registro dos mesmos.
Os objetivos destes novos dispositivos legais, são claros e incontestes: permitir a regularização de empreendimentos habitacionais de interesse social promovidos por pessoas de direito público interno, tal como a implantação de novos empreendimentos habitacionais, cujos processos expropriatórios de aquisição de áreas ainda estejam em curso.
Brilhantemente, previu a lei a impossibilidade da utilização da área para outras finalidades que não sejam para habitação popular, bem como a retrocessão.
Com efeito, estes novos dispositivos surgem como corolário da função social da propriedade prevista em nossa Lei Maior.
De viés, podemos extrair que ao ampliar de tal modo o manejo legal de áreas sob processo de desapropriação em curso para fins habitacionais, a figura do titular de domínio, se desloca da centralidade registraria para a discussão do preço na demanda de desapropriação.
Por outro turno, o enfoque registrário se transfere para a posse registrada em si mesma considerada, vez que deste ato, se desdobrarão importantes atos jurídicos, como o registro do parcelamento, e conseqüentes subdivisões, concretizados através das inúmeras matrículas que surgirão.
Ousamos inferir que o registro do auto de imissão na posse, fragmenta os elementos clássicos inerentes à propriedade, quais sejam: o uso, o gozo e a disposição; transferindo ao titular legal da posse, o uso, o gozo, e ineditamente, o poder dispor da posse legal; restando deste modo, ao titular de domínio apenas a disposição da nua propriedade.
E não poderia ser de outro modo, vez que o titular de domínio será justamente indenizado pela posse e propriedade tolhida pela desapropriação, inclusive com cálculos próprios, que consideram a época da perda de cada uma delas.
Feitas estas ponderações, é de rigor que o titular das posses devidamente registradas possa a vir a fundi-las, senão vejamos:
Primeiramente, porque é a única forma de originar um título hábil para registro do parcelamento do solo, uma vez que o empreendimento se encontra implantado sobre as duas áreas de forma indistinta. Significando que o registro do empreendimento é impossível, sem que antes seja procedida a fusão.
Nesta esteira, eventual argüição de potencialidade de prejudicialidade futura do titular de domínio não deve prosperar.
Primeiro, por que a lei veda a retrocessão; segundo, porque incabível a desistência do processo de desapropriação pela Municipalidade, visto que já pago parte do preço pelas áreas.
Terceiro, que mesmo que assim não fosse, efetivamente já existe implantado um conjunto habitacional na área (vide foto aérea anexa), razão que por si só demonstra a impossibilidade jurídica de desistência da desapropriação, bem como de eventual utilização para outra finalidade, senão habitação de interesse social.
Por fim, é fundamental notar que, se a lei prevê a possibilidade de registro do parcelamento do solo sobre a posse registrada, ato este de profundos reflexos na ordem registraria, não se pode admitir, mesmo que hipoteticamente, a impossibilidade da fusão dos autos de imissão na posse; mesmo porque, como acima desenvolvido, este ato se caracteriza como “ato meio” para o registro do parcelamento do solo.
Pelo exposto, pede e requer a fusão das matrículas 164.077 e 168.133 do 18º Serviço de Registro de Imóveis desta Capital, abrindo-se a competente matrícula resultante da fusão ora pleiteada.
Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, 14 de abril de 2003
Luiz Paulo Teixeira Ferreira
Secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano - SEHAB/PMSP
2. Parecer do Ministério Público
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Pedido de Providências (fusão de matrículas)
Autos nº 000.03.044447-0 (CP-318)
Comarca da Capital
1ª Vara de Registros Públicos
Requerente: Município de São Paulo
Meritíssimo Juiz.
Trata-se de pleito proposto pela Municipalidade de São Paulo, por seu Secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano – SEHAB/PMSP, no sentido de ver fundidas as matrículas 164.077 e 168.133, ambas do 18º Serviço de Registro de Imóveis da Capital, inaugurando-se nova matrícula resultante da fusão almejada.
Alicerça seu pleito, em apertada síntese, em dois pilares básicos: na irreversibilidade da desapropriação (até porque já há imóveis – projeto Cingapura – construídos na área); e na importância social de se regularizar a situação de fato já existente, propiciando segurança jurídica às pessoas que usufruem a habitação popular de inegável valor social.
Ainda, em resumo, a autora não nega que a titularidade do domínio das duas áreas pertence a pessoas diferentes, porém, pela atual sistemática, tais pessoas só poderiam “dispor” da nua propriedade, situação que autorizaria, como sustenta, que o titular da posse tenha condições de promover à fusão das áreas, até porque todos os demais requisitos previstos na Lei 9785/99, estariam satisfeitos na hipótese dos autos.
O pedido foi inicialmente endereçado administrativamente ao Cartório de Registro de Imóveis, que o negou sob a justificativa de que os titulares do domínio de ambas as matrículas são pessoas diferentes, o que inviabiliza a fusão pretendida, ex vi legis (fls. 09/12).
Manifestou-se o Sr. Oficial (fls. 27/28), sustentando o acerto da recusa inicial. Aduz que, a despeito de toda a argumentação deduzida pela requerente, cuja valia não foi substancialmente contestada, estaria impedido, pelas disposições contidas na LRP, de proceder à unificação desejada. Argumenta, também, que com o trânsito em julgado dos procedimentos expropriatórios, que certamente ocorrerão em datas diversas, as cartas de adjudicação serão apresentadas para registro, o que geraria alguma perplexidade já que as matrículas já teriam cedido lugar a uma terceira objeto da fusão.
Vieram aos autos informações acerca do atual estágio das ações de desapropriação.
É a síntese do mais importante.
A ação merece prosperar.
De antemão é importante que se consigne a correta postura adotada pelo Sr. Oficial de Registro. Por mais visão social da propriedade que se possa ter, não seria conveniente – nem lhe seria exigível agir de forma diversa – que se adotasse postura mais flexível quanto à exegese dos dispositivos legais sem a chancela do Poder Judiciário.
Feita essa ressalva, penso que o pedido merece deferimento.
É inegável que os atuais titulares do domínio das áreas cujas matrículas a Municipalidade pretende ver unificadas são pessoas diferentes, fato, aliás, assumido no próprio pedido.
Este, entretanto, é o único motivo a impedir a fusão. De outro lado, são vários os que a autorizam.
As áreas são contíguas. Fato não contestado ou impugnado por quem quer que seja (cf. fls. 15).
Nas ações de desapropriação discutem-se apenas e tão somente os valores da indenização (cf. fls. 43 e 53/166). Na primeira (fls. 43), inclusive, houve acordo entre as partes. Na segunda o teor da r. sentença nela proferida também não dá margem a interpretação diversa (cf. fls. 150: “A questão controvertida cinge-se tão-somente à fixação de um justo valor para o imóvel objeto da desapropriação”).
A irreversibilidade e também impossibilidade de desistência da desapropriação – forma original de aquisição do domínio – também são fatos juridicamente seguros. No caso dos autos, inclusive, a irreversibilidade decorre não só da sistemática jurídica que disciplina a questão mas, também, da situação de fato, já que prédios de habitação popular, de grande porte e inegável impacto na questão da moradia da população carente, já estão construídos no local (280 unidades, distribuídas em 7 blocos de cinco pavimentos mais 5 blocos de sete pavimentos – cf. fls. 04). Todos imóveis, inclusive, já ocupados, sem que seus ocupantes tenham a necessária tranqüilidade e segurança jurídica a respeito de seus direitos em relação ao imóvel que utilizam como senhores.
Deferir o pedido, portanto, significa antecipar o inevitável. Esta antecipação somente trará benefícios a todos os envolvidos e prejuízo a ninguém. Sequer os titulares do domínio podem ser apontados como eventuais prejudicados – basta ver os limites das ações de desapropriação.
Eventuais dificuldades que venham surgir por ocasião do trânsito em julgado de ditas ações expropriatórias serão, e com facilidade, superadas, não podendo servir de impedimento para a medida que agora se busca, de grande valor social na questão da moradia que, ao lado da segurança, é o maior desejo da população carente.
Se o indeferimento da fusão pretendida a ninguém aproveita, não há motivo, quiçá apego ao Direito Registrário, para nega-la. O processo serve tão só para instrumentalizar o bom direito que, no caso, leva ao abrandamento dos rigores registrários em prol da solução da questão que atinge grande número de famílias carentes.
A importância social da obra descrita na inicial justifica e recomenda o abrandamento dos rigores registrários. São 280 famílias que serão diretamente beneficiadas pela medida desejada. Com a unificação mais unidades poderão ser entregues à população carente, já com a devida segurança jurídica. Nada mais poderá alegar a Municipalidade a impedi-la de erguer novos empreendimentos na área, já que, pelas fotos (fls. 15), após a fusão, é possível afirmar que há espaço para outra construção do mesmo porte e até maior.
Estando presentes, portanto, tantos motivos a autorizar a antecipação do que certamente se verificará no futuro, antecipação essa que propiciará ganhos sociais de grande monta, todos aqueles que atuam na questão deverão pender, na busca da solução do problema, para o lado que represente, justamente, o ganho social almejado; quedando-se barreiras impostas pela legislação de então, quando a visão social da propriedade ainda não possuía contornos de direito assegurado na Magna Carta.
A questão da titularidade do domínio, anterior à imissão da posse, não é intransponível como pode parecer em uma primeira análise. Deve ceder à irreversibilidade da situação, à impossibilidade de prejuízo a seus titulares e, principalmente, à importância social da medida que se busca.
Se a situação é irreversível e não se vislumbra, repita-se, a mais remota possibilidade de se causar prejuízo a quem quer que seja, sequer aos titulares do domínio, não há porque se esperar mais. Nossa população carente já esperou por tempo demais.
É importante que se consigne que a postura de abrandamento dos rigores registrários seja adotada exclusivamente na presença de interesse social que a justifique. Questões que envolvam interesses de particulares não autorizam o abrandamento agora proposto, até porque a própria segurança jurídica aqui almejada decorre, justamente, de tal rigor. É esse rigor, aliás, que se busca através do presente procedimento, só que a favor daqueles que nunca puderam tê-lo ao seu lado, mas sempre contra seus interesses. O que se pretende conceder à população carente é, justamente, o rigor registrário do qual apenas pequena parcela da população se beneficia. Em suma, a segurança jurídica repetida por várias vezes na inicial, decorre do rigor registrário, que, agora, poderá socorrer, também, a população carente.
Ante o exposto e o mais que dos autos consta, sou pela PROCEDÊNCIA do pedido, autorizando-se a fusão pretendida.
São Paulo 24 de outubro de 2003
Ivan Francisco Pereira Agostinho
2º Promotor de Justiça de Registro Públicos
PODER JUDICIÁRIO
SÃO PAULO
3. Decisão da VRPSP
1ª Vara de Registros Públicos
Proc. nº 000.03.044447-0
Vistos, etc...
Cuida-se de procedimento administrativo que tramita como pedido de FUSÃO DE LOTES, aforado pela MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, que pretende a Municipalidade obter a fusão dos imóveis caracterizados nas matrículas 164.077 e 168.133, ambas com assento junto ao 18º Registro de Imóveis da Capital. Destacou que a primeira área possui 7.126,93 m² sendo de propriedade de Terezinha Ana Magalhães Bringel e Wilson Magalhães Bringel, Hilda Magalhães Bringel e Willian Magalhães Bringel. Esta área foi declarada de interesse social pelo Decreto 30.025/91, sendo que em 1992, a PMSP foi imitida na posse do imóvel gerando a matrícula 164.077. O segundo imóvel, matrícula 168.133 possui 6.167,00 metros quadrados, de titularidade de Intibello Carlos Chimazzo e outros, que também foi decretado de interesse social e desapropriado (2º VFP), tendo sido imitida na posse em 26.09.91. No local foi erigido um empreendimento denominado Jardim do Lago, integrante do programa conhecido como Cingapura. A edificação contemplou 280 unidades habitacionais que se encontram habitadas. A fusão foi recusada em a existência de titulares distintos para as glebas. Destacou a necessidade de reinterpretação da legislação a partir da Lei 9785/99, e ao final pugnou pela procedência do pedido com a unificação ou fusão das matrículas envolvidas. Juntou documentos e pugnou pelo processamento.
Instado a se pronunciar o Oficial do 18º SRI destacou que a Lei 9.785/99 criou uma nova figura jurídica a ser implantada nos Registros de Imóveis, contudo não há expressa previsão legal para a unificação e fusão de assentos registrais em existindo diversidade de titulares. Destaca ser necessário o implemento das decisões definitivas nos procedimentos expropriatórios. Destacou a irreversibilidade da unificação.
O Ministério Público em seu parecer opinou pelo acolhimento da postulação, destacando o caráter social do empreendimento.
É o relatório
DECIDO:
Pretende a MUNICIPALIDADE de São Paulo, utilizando suas prerrogativas legais, mormente as enunciadas nas Leis 6.766/79 e 9.785/99, obter autorização para a FUSÃO das matrículas nºs 168.133 e 164.077, ambas com assento junto ao 18º Registro de Imóveis da Capital. No local, conforme relata e comprova documentalmente, foi implantado empreendimento social, decorrente do Programa de Verticalização de Favelas – PROVER, conhecido como CINGAPURA, sendo de rigor a unificação das matrículas para a devida regularização de todo o empreendimento social.
O obstáculo registral decorreu da circunstância das MATRÍCULAS objeto do pedido de unificação e fusão, estarem lançadas em nome de titulares diferentes. A ausência de COINCIDÊNCIA na titularidade dominial determinou a incidência da regra impeditiva, prevista no art. 235, inciso II, da lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), que exige para a efetivação de FUSÃO MATRICIAL que os imóveis considerados, estejam inscritos imobiliariamente em nome do mesmo ou dos mesmos titulares.
O Registrador, portanto, em razão do impedimento legal, adotou postura coerente e sustentável do ponto de vista registral. O parquet, em lúcido parecer, se manifestou pelo acolhimento do pedido, com a FUSÃO das matrículas, considerando que situação, em função das leis de regência, pois possuem conteúdo e consistência social.
Em que pese a clareza e a objetividade do texto legal em referência empregado pelo Oficial Registrador (art.235, II), que inibe a “fusão” de áreas pertencentes a titulares diferentes, a hipótese dos autos envolve, como bem observou o Dr. Promotor, situação como contornos e conteúdo algo mais abrangente, que exige uma apreciação e um estudo cuidadoso e minucioso. O contexto “normativo” é formado e estruturado a partir de leis voltadas ao atendimento de questões sociais, que deflagram a incidência de “princípios” de índole administrativa e de “ordem pública”, voltados à exata disciplina e regramento de situações que envolvem interesses coletivos, que exigem um novo enfoque para o devido enquadramento registrário, mormente em face da existência de interesses e bens públicos.
Cumpre inicialmente enfatizar e apenas esclarecer que termos genéricos e de conteúdo impreciso, como “fator social”, “critérios socais”, “importância social”, “função social”, ou qualquer outro termo atrelado a questões SOCIAIS, não determinam, por si só, o rompimento ou o distanciamento de critérios jurídicos estritos. Tais indicações não têm o condão de produzir privilégios invertidos (aos não privilegiados), benesses implícitas, ou qualquer outra forma de exceção jurídica. Pelo contrário, as questões sociais, por participarem do contexto do Direito Público, devem necessariamente ser enunciadas de forma objetiva e expressa em comandos específicos.
Portanto, os termos “fator social” ou “função social”, lançados isoladamente como componentes necessários para influir nas interpretações legais, pode encerrar e determinar graves ERROS, sérios descaminhos e até, em certa medida, podem se prestar a autorizar a edição de atos arbitrários, em afronta às coes básicas de Estado de Direito.
FUNÇÃO SOCIAL do ponto de vista jurídico não envolve toda ação ou atitude voltada a beneficiar ou prestigiar os menos favorecidos, integrantes da camada populacional considerada de “baixa renda” por hipossuficiência econômica e até mesmo cultural. Em que pese a nobreza de condutas voltadas ao amparo de tais populações, sob a ótica jurídica, tais atitudes somente poderão ser ungidas a condição de medidas realizadoras da função social, quando contempladas expressa e diretamente pelo direito posto.
Juridicamente função social da propriedade possui conteúdo único e restrito, às situações e hipóteses desenhadas e descritas pela legislação pertinente.
O art. 182, caput, e seu § 1º, da Carta Política Federal, elegeu dois diplomas normativos como aptos a determinar o conteúdo e a abrangência da função social da propriedade. Tal desiderato ficou sob a incumbência de LEI de abrangência NACIONAL, com consistência de “norma geral”, necessária para a fixação das diretrizes básicas da política urbana, e além desta, o texto maior reservou ao PLANO DIRETOR Municipal, a tarefa de delimitar o exato conteúdo da função social, em atenção às peculiaridades regionais ou locais, fixando e estabelecendo os padrões e seu formato final.
No caso a norma geral, cognominada de ESTATUTO DA CIDADE, veio disponibilizar uma série de mecanismos para a realização da POLÍTICA URBANA, permitindo que os grandes centros e as metrópoles, por seus PLANOS, implementassem, na prática, tais instrumentos. Portanto, além da “norma geral” de edição Nacional, é o PLANO DIRETOR municipal o único instrumento apto e capaz de dar o exato e o único conteúdo jurídico do termo “função social”.
Não resta dúvida, que o conteúdo da função social da propriedade se encontra contido nas disposições das LEIS MUNICIPAIS que estruturam o plano diretor local, não sendo algo que possa ser sacado ou extraído de qualquer ato de benemerência social.
A Constituição trouxe padrões, diretrizes e vertentes que sinalizam para a importância de atitudes sociais, voltadas à obtenção de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna, dando ênfase à dignidade da pessoa humana. Entretanto, todos estes indicadores e programas, apontam muito mais para o legislador infraconstitucional (o qual deverá respeitar tais desígnios constitucionais), do que para o interprete ou para o aplicador do direito.
No caso dos autos a preocupação SOCIAL deve ser extraída do conteúdo das leis que regem a matéria, na medida em que tal “preocupação”, inequivocamente, participou do processo de elaboração legislativa, quando da edição da Lei 6.766/79 e Lei 9.785/99, em especial esta última, que permitiu, nos parcelamentos populares, declarados de INTERESSE SOCIAL, a expropriação de áreas, para implantação de programas habitacionais, ou para consolidação e REGULARIZAÇÃO destes parcelamentos.
Concluindo, destaque-se que não será apenas e tão somente com a invocação de questões sociais que se reverenciará o direito postulado nestes autos pela Municipalidade. A controvérsia se resolve com a precisa aplicação das normas que a situação envolve, em compasso com os princípios que instruem e vinculam a “política urbana”, que devem ser lidos em harmonia com aqueles que compõe o contexto registral.
A solução para a questão subexamine envolve, como destacado inicialmente, uma consideração sobre as modificações introduzidas pela Lei 9.785/99 às regras do parcelamento do solo urbano e uma noção específica sobre BENS PÚBLICOS, ou mais precisamente sobre a AFETAÇÃO destes ao domínio público. A pertinência desta discussão é revelada com a sempre atual observação de Rui Cirne Lima, que invariavelmente sublinhava que a noção de domínio público é mais extensa que a de propriedade.
I. – AFETAÇÃO E DESAFETAÇÃO DE BENS PÚBLICOS:
“A afetação é a preposição de um bem a um dado destino categorial de uso comum ou especial, assim como desafetação é sua retirada do referido destino” (in CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO – prof. Celso Antonio Bandeira de Mello – 14º edição – pág. 769 – grifo não constante do original).
O renomado mestre enfatiza a importância estrutural da DESTINAÇÃO, quando sublinha que a “desafetação de bem de uso especial, trespassando-o para classe dos dominicais, depende de lei ou de ato próprio Executivo, como por exemplo, ao transferir determinado serviço em dado prédio para outro prédio, ficando o primeiro imóvel desligado de qualquer destinação” (obra citada, pág. 770). Acrescento que o caráter de Bem Público é conferido pela condição de seu titular, conjugado com uma especial afetação, ou melhor, uma especial DESTINAÇÃO deste bem a seu uso coletivo ou especial.
Em outra passagem o prof. Celso Antonio Bandeira de Mello destaca que bens públicos são “bens prepostos a uma atividade pública são, “ipso facto”, bens comprometidos com interesses transcendentes, interesses que concernem a toda a coletividade, motivo pelo qual recebem um tratamento jurídico protetor, obstativo de que pretensões patrimoniais de terceiros, por mais bem fundadas que sejam, possam prevalecer sobre as conveniências do ato social. Por isto são bens públicos, nada importando quem lhes detenha a titularidade. Enquanto estiverem participando da atividade administrativa, submetidos ao influxo da relação de administração, desfrutam de um resguardo peculiar que não lhes é dado em consideração ao sujeito a que pertença, mas em consideração à atividade a que estão jungidos,...” (Parecer conferido à Emurb – 08.03.2001).
A posse no caso de BENS PÚBLICOS, ou mais precisamente a DESTINAÇÃO pública, possui conteúdo jurídico distinto e com reflexos ou efeitos absolutamente distintos da posse exercida pelos particulares. A posse pública afeta o imóvel e tem o sentido de titularidade.
Esta noção nos remete à conclusão de que a transferência ou o trespasse de um bem pertencente ao “domínio privado” para o DOMÍNIO PÚBLICO pode depender da conjugação de dois fatores independentes ou de apenas um deles. Aqui estamos aludindo ao fator FORMAL, que se materializa pelo “título” (que pode ser um contrato particular; uma ESCRITURA PÚBLICA – art. 25 do Estatuto da Cidade – aplicação do direito de preempção; ou uma CARTA DE SENTENÇA ou de ADJUDICAÇÃO expedida em processo expropriatório ou de execução), e um fator fático ou concreto, que se expressa pela AFETAÇÃO, que é sempre necessária, sendo o fator que mais fornece informações para a estruturação do direito à propriedade pública.
Assim, o “título” agregado à “destinação pública” confere a condição de “bem público” a um imóvel, assim como, apenas a destinação possui força e efeitos jurídicos suficientes para o trespasse do bem ao DOMÍNIO PÚBLICO.
O PODER PÚBLICO por sua especial afetação, por seu exercício incomum da POSSE, não conquista patrimônio imobiliário pelo USUCAPIÃO, justamente porque a destinação pública é instantânea e irreversível.
A mais Alta Corte de Justiça do país, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, proclamou este entendimento de forma categórica em diversos julgados, conferindo ao APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO a condição de circunstância suficiente para a transferência do bem para o domínio público. Tal proclamação aparece enunciada no RE 84.327-SP, anotado abaixo:
Aprovado o arruamento para a urbanização de terrenos particulares (loteamentos), as áreas destinadas às vias e logradouros públicos passam automaticamente para o domínio do Município, independentemente de título aquisitivo e transcrição, visto que o efeito jurídico do arruamento é, exatamente, o de transformar o domínio particular em domínio público, para uso comum do povo. A doutrina moderna considera que não é o título de aquisição civil nem a transcrição imobiliária, que confere ao bem o caráter público, é a destinação administrativa, possibilitando o uso comum de todos, que afeta o bem de domicialidade pública.
O “arruamento” de vias, ou a abertura destas e sua disponibilização ao uso comum, deflagra a passagem automática do bem privado para o DOMÍNIO PÚBLICO, restando ao particular a VIA INDENIZATÓRIA, viabilizada por meio de “desapropriação indireta”. É a destinação que marca a irreversibilidade do patrimônio, que afeta o bem ao domínio público.
Esta é a regra e estas são as formas de afetação de bem privado, transpassando-os para o DOMÍNIO PÚBLICO. Neste contexto, portanto a destinação do bem ocupa posição de relevo e destaque, mormente em face da irreversibilidade.
Assim, uma via particular, aberta em um parcelamento irregular, passa para o domínio público em razão de seu “uso público”, conferindo ao Poder Público prerrogativas para desfalcar a matrícula ou transcrição correspondente, considerando o que de efetivo foi IMPLANTADO no solo. Assim, não só o concurso voluntário provoca a transferência da via para o DOMÍNIO PÚBLICO, como a sua simples abertura e sua disponibilização para o uso coletivo.
II. – IMISSÃO NA POSSE:
Conhecido foi o trabalho dos Juízes das Varas das Fazendas Públicas de São Paulo, elaborado em face da edição da Constituição cidadã de 1988, quando passaram a exigir o depósito prévio do valor integral do imóvel, como condição indispensável e suficiente para a concessão da IMISSÃO PROVISÓRIA na POSSE nas ações expropriatórias. Diversos fatores e entendimentos concorreram para a deflagração de tal decisão, participando de forma contundente deste contexto, a IRREVERSIBILIDADE da POSSE PÚBLICA.
A imissão provisória, entenderam os Juízes das Varas das Fazendas, mascarava uma transmissão definitiva no momento em que o PODER PÚBLICO realizava a afetação, que se materializava com a DESTINAÇÃO. A par da questão imobiliária, o posicionamento dos Juízes das Varas das Fazendas de São Paulo, se estruturou e alicerçou com base nos padrões relativos à MORALIDADE ADMINISTRATIVA – na medida em que o “pagamento prévio” evitava a irresponsabilidade administrativa consistente na realização de OBRA com o repasse dos encargos e custos expropriatórios para as futuras gestões – e de justiça social – na medida em que evitava que o proprietário desfalcado ficasse a mercê da própria sorte, sem condições de recompor a sua situação patrimonial.
Tão forte e agudo foi este movimento, que alavancou uma valiosa e significativa inovação apresentada com o Novo Código Civil. O novel Estatuto Civil, a despeito de ter agregado em seu art. 1.275, a DESAPROPRIAÇÃO como uma das formas e causas de aquisição e perda da PROPRIEDADE, não a incluiu em seu parágrafo único, o qual fixa o momento do ATO REGISTRAL como a circunstância temporal que determina a transferência da propriedade imobiliária.
Portanto, o Código Civil, ao restringir a aplicação do parágrafo único do art. 1.275, aos casos de “alienação” e “renúncia”, excluindo expressamente a DESAPROPRIAÇÃO deste rol, evidenciou que a passagem de um imóvel para o domínio público em razão de desapropriação, não se perfaz temporalmente com o REGISTRO da Carta de Adjudicação que é expedido após o pagamento do valor dos precatórios.
O Estatuto Civil deixa destarte em aberto o “aspecto temporal” nesta hipótese de desapropriação, permitindo, em harmonia com a doutrina e jurisprudência, que tal transferência se materialize com a DESTINAÇÃO IRREVERSÍVEL que é dada ao imóvel.
III. – EFEITOS REGISTRAIS DA LEI 9.785/99:
Estabelece o § 4º e 5º, do art. 18, da Lei 6.766/79, na redação dada pela Lei 9.785/99, que o parcelamento de área declarada de UTILIZADE PÚBLICA para fins de implantação de projeto habitacional, e objeto de AÇÃO EXPROPRIATÓRIA, poderá lograr ingresso e acesso junto ao REGISTRO IMOBILIÁRIO, independe da apresentação do título de propriedade, bastanto a juntada da DECISÃO JUDICIAL que tenha conferido a IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE.
Evidente, como já se anotou que a IMISSÃO NA POSSE conferida na ação expropriatória, não possui aquela conotação ou aquele conteúdo da POSSE PRIVADA. A posse pública, como observado, é uma posse qualificada, munida de uma especial eficácia, que a credencia com pressuposto do domínio.
Assim o “registro” do auto de imissão na posse, quando ainda inexiste a DESTINAÇÃO PÚBLICA, se prenuncia como um direito cujo aperfeiçoamento fático pode gerar o DOMÍNIO IMOBILIÁRIO.
Não se trata de mero registro da POSSE, mas de registro de direito pertinente ao domínio.
A imissão, portanto, deve ser registrada no título dominial existente, mantendo-se o nome dos titulares expropriados. Contudo, no momento da consumação da AFETAÇÃO, com a destinação definitiva (que pode ocorrer em hipótese, (a) com o fracionamento da ÁREA aprovado pela própria MUNICIPALIDADE e implantado no solo, ou (b) com a realização do projeto habitacional com a efetivação das estruturas), o trespasse da PROPRIEDADE se consolida e se materializa, devendo gerar a inauguração de ASSENTO REGISTRAL novo, caso o domínio ainda esteja materializado por transcrição, ou determinar o descerramento de registro na matrícula existente, em nome do Poder Público expropriante.
Evidentemente que a estrutura necessariamente FORMAL dos assentos imobiliários, exige a confecção de DOCUMENTO PÚBLICO para que a transferência opere efeitos registrais, e este pode ser materializado pela CERTIFICAÇÃO da MUNICIPALIDADE, informando a consolidação da DESTINAÇÃO PÚBLICA OU SOCIAL.
No caso sub examine, as duas áreas onde se encontra implantado o CONJUNTO HABITACIONAL, do projeto conhecido como CINGAPURA, carece apenas da apresentação da CERTIFICAÇÃO sobre a destinação, marcando a irreversibilidade do uso público.
A certificação Municipal para se mostrar apta aos efeitos pretendidos, deve atestar a AFETAÇÃO definitiva, em decorrência do início ou até conclusão das OBRAS, e a devida comunicação ao Juízo do feito Expropriatório. Tal documento, levado a REGISTRO, viabiliza a transferência das áreas para o Poder Público local, de forma definitiva, e permite a posterior FUSÃO, em face da coincidência de titulares.
A comunicação feita ao Juízo expropriatório impede que posteriormente, venha a ocorrer desistência da ação, pois a doutrina e a jurisprudência somente admitem tal hipótese, antes da afetação, pois após a consumação do USO PÚBLICO, a relação entre titular-expropriado e Poder Público-expropriante, se esgota e se perfaz com a indenização.
A este respeito a insigne professora Odete Medauar, em seu Direito Administrativo Moderno, sublinha que “a desistência unilateral (da desapropriação) independe de consentimento do expropriado”. Sublinha, no entanto, que uma condição básica é exigida para a viabilização processual da desistência, qual seja, a de que “o bem a ser devolvido é o mesmo bem objeto da expropriação; assim, tratando-se de bem edificado, será devolvido bem edificado; tratando-se de bem livre, não ocupado, será devolvido terreno livre, sem invasão ou ocupação (cf SFF, RE 99.528, julg. 29.09.1988, RDA 187/1992, p. 238)”. Não há qualquer hipótese de ser devolvido um imóvel modificado, alterado, pelo arruamento, pela edificação de prédios populares, etc.
Assim, à mingua de qualquer possibilidade de desistência, mormente após a comunicação da AFETAÇÃO frente ao processo expropriatório, não há como não se admitir a irreversibilidade capaz de agregar o imóvel ao domínio público.
Apenas para que não se perca de vista dos propósitos e a utilidade da Lei 9.785/99, é de se destacar que a “cessão” de posse de que trata o § 3º, 4º e 5º, do seu art. 21, somente terá cabimento enquanto o projeto de parcelamento ou conjunto habitacional não se efetivar, ou seja, antes da DESTINAÇÃO PÚBLICA, ou antes, da AFETAÇÃO PÚBLICA, enquanto se encontra sob a forma de projeto futuro.
O sistema registrário, insculpido sob mira da segurança jurídica, forjou princípios como o da continuidade e especialidade. Este desiderato não se antagonisa com a Lei 6.766/79, redigida em atenção à Lei 9.785/99, pois é mantido controle rígido sobre o Direito de Propriedade, desprezando questões de posse, salvo quando estas venham a representar, por peculiaridades intrínsecas, FATOR DE DOMÍNIO, que é justamente o caso do domínio público.
As normas programáticas de sentido e conteúdo social, estruturadas com base em vetores da solidariedade, fraternidade, e na missão voltada à mitigação das diferenças sociais, estruturaram a Lei 9.785/99, que deve realizar o seu desiderato social, voltado à regularização fundiária e urbanística, sem entraves formais desnecessários, mormente quando despidos de utilidade e operacionalidade. Portanto, não se trata de interpretar um FATO com base em preocupação social, mas sim a de aplicar a legislação que já elegeu tais fatores como geradores de direito, ajustando toda a estrutura principiológica, mediante uma interpretação que compatibilize os institutos manejados.
Para tanto, imprescindível que se reconheça que a DESTINAÇÃO PÚBLICA confere e materializa o trespasse do domínio, sendo de rigor que tal situação seja escriturada ou lançada no Registro Imobiliário. O registro tratado no item 36, do art. 167, da lei de Registros Públicos, quando acompanhado de CERTIFICAÇÃO Municipal de que o empreendimento se encontra implantado de FATO no local, acompanhado a comprovação da comunicação ao juízo onde tramita a expropriação, autoriza a sua efetivação em nome do PODER PÚBLICO e não mais em nome de seus anteriores titulares do domínio.
Por fim, e apenas para melhor sistematizar a questão, é de se observar que o item “34”, do art. 167, da Lei de Registros Públicos, não perde efeitos e aplicação em face do entendimento apresentado na presente decisão, posto que continuará a ser aplicado nos demais casos, em que a DESAPROPRIAÇÃO não se realiza com a IMISSÃO A POSSE, ou nos casos em que esta ocorre, mas que não se consuma a devida AFETAÇÃO.
Ante o exposto, acolho parcialmente o pedido da MUNICIPALIDADE, para que esta registre as áreas desenhadas e descritas nas matrículas nºs 164.077/18º SRI e168.133/18º SRI, em seu próprio nome mediante a apresentação de documento público certificando a AFETAÇÃO, acompanhado da comunicação ao juízo expropriatório. O regis
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