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Imóvel no Brasil - contrato celebrado no exterior - Marcelo Terra [i]*

 


Em tempos de globalização e de circulação internacional de capitais, cada vez mais os Registradores brasileiros se defrontarão com títulos celebrados no Exterior e que objetivam imóveis no Brasil.

Trago, assim, algumas singelas considerações a respeito deste tema.

Primeiramente, há de ser examinado o artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil que determina:

“Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

§ 1.º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

§ 2.º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.”

Clóvis Bevilacqua, ao comentar o Código Civil Brasileiro ([ii]1), salienta, a respeito do art. 9º da LICC, a necessidade de se distinguirem dois momentos: o da criação do vínculo obrigacional e o da transferência do direito real, com normas jurídicas diversas em cada um dos momentos. Confira-se:

“A obrigação resulta de um contrato ou de uma declaração unilateral da vontade, e obedece a um certo número de normas particulares, que formam uma das grandes divisões do direito civil, o direito das obrigações. O ato constitutivo ou translativo do direito real, a transcrição no registro de imóveis, obedece a outras regras, que são as do direito das coisas”.

A partir desta observação, esse mesmo autor conclui que “em direito internacional privado, a obrigação de alienar entra na regra locus regit actum. A tradição e a transcrição, porém, necessárias à transferência do direito real, operam-se no lugar da situação do bem, e segundo a lei que aí domina - locus rei sitae”. ([iii]2)

Seguindo o mesmo raciocínio, Afrânio de Carvalho ensina que “embora o lugar para onde se encaminham os direitos registráveis seja o da situação do imóvel (art.169 da Lei de Registros Públicos), o contrato sobre o qual versam pode ser celebrado em outro diverso, do país ou do estrangeiro. A diversidade entre o lugar de contrato e o da inscrição do imóvel importa em diferenças (...)”. ([iv]3)

Para ele, “a regra locus regit actum prevalece (...). Como se sabe, a transmissão de imóveis acima de certo valor impõe entre nós a escritura pública, mas não se pode dizer que no estrangeiro o mesmo ocorra em todos os países.”

Explica, ainda, que se a obrigação for efetuada no estrangeiro para concretizar-se no Brasil, existem duas modalidades, a saber:

a) - a escritura pública lavrada no consulado brasileiro, onde houver; e

b) - o instrumento corrente no país onde for passado para obter a finalidade visada na nossa escritura pública.

Nesta última hipótese, que é a do caso em análise ([v]4), a “passagem de escrito autêntico será evidentemente dificultada pela necessidade de serem esses requisitos previamente obtidos e transladados pelo comprador ou vendedor para o fim de sua explicitação no documento a ser redigido e testemunhado por alienígena.”

Assim, a transferência do direito real, mencionada por Clóvis Bevilacqua, opera-se no local da situação do imóvel, mas nada impede que o sítio da constituição da obrigação seja outro.

Irineu Strenger ressalva a interpretação do art. 9º da LICC feita por Vicente Rao, que alega que ao impor a observância da lei brasileira, quando por ela se exige para validade da obrigação forma essencial, “não se atentou, entretanto, a que tal seja o sistema legal estrangeiro, certa e determinada forma não se possa praticar; nem se prescreveu, como melhor conviria, a necessidade de se exigir o respeito aos requisitos substanciais do contrato, segundo a lei brasileira.”  ([vi]5)

A obrigação de venda e compra do imóvel situado no Brasil pode ser contraída no Exterior, não havendo qualquer objeção a tal fato.

Todavia, a transmissão da propriedade deve obedecer o direito das coisas, e, assim, o direito da situação do imóvel, que é, no caso, o brasileiro.

Em síntese: ao se permitir o nascimento da obrigação no estrangeiro, deve ser aceita sua forma de acordo com a lei alienígena, seguindo-se os ditames da lei brasileira no que se refere à transmissão da propriedade, ou seja, a obrigatoriedade do registro no Ofício Imobiliário do contrato no local onde se encontra o bem. Vale dizer, há de ser registrado na Serventia Predial brasileira o contrato, ainda que por instrumento particular, de transmissão dominial de imóvel, sito no Brasil, se esta forma particular for acolhida no local em que manifestada e formatada a vontade das partes.

São Paulo, 26 de janeiro de 2004.



[i]* Marcelo Terra é advogado em São Paulo

[ii](1) BEVILACQUA, Clovis. Código Civil, vol. I, pág. 111, 10ª ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1953.

[iii](2) op. cit., pág. 111.

[iv](3) CARVALHO, Afrânio. Registro de Imóveis,  pág. 112, 4ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1997.

[v](4) op. cit., pág. 113.

[vi](5) Autonomia da Vontade em Direito Internacional Privado, pág. 205.



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