BE1003
Compartilhe:
Imóvel no Brasil - contrato celebrado no exterior - Marcelo Terra [i]*
Em tempos de globalização e de circulação internacional de capitais, cada vez mais os Registradores brasileiros se defrontarão com títulos celebrados no Exterior e que objetivam imóveis no Brasil.
Trago, assim, algumas singelas considerações a respeito deste tema.
Primeiramente, há de ser examinado o artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil que determina:
“Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
§ 1.º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2.º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.”
Clóvis Bevilacqua, ao comentar o Código Civil Brasileiro ([ii]1), salienta, a respeito do art. 9º da LICC, a necessidade de se distinguirem dois momentos: o da criação do vínculo obrigacional e o da transferência do direito real, com normas jurídicas diversas em cada um dos momentos. Confira-se:
“A obrigação resulta de um contrato ou de uma declaração unilateral da vontade, e obedece a um certo número de normas particulares, que formam uma das grandes divisões do direito civil, o direito das obrigações. O ato constitutivo ou translativo do direito real, a transcrição no registro de imóveis, obedece a outras regras, que são as do direito das coisas”.
A partir desta observação, esse mesmo autor conclui que “em direito internacional privado, a obrigação de alienar entra na regra locus regit actum. A tradição e a transcrição, porém, necessárias à transferência do direito real, operam-se no lugar da situação do bem, e segundo a lei que aí domina - locus rei sitae”. ([iii]2)
Seguindo o mesmo raciocínio, Afrânio de Carvalho ensina que “embora o lugar para onde se encaminham os direitos registráveis seja o da situação do imóvel (art.169 da Lei de Registros Públicos), o contrato sobre o qual versam pode ser celebrado em outro diverso, do país ou do estrangeiro. A diversidade entre o lugar de contrato e o da inscrição do imóvel importa em diferenças (...)”. ([iv]3)
Para ele, “a regra locus regit actum prevalece (...). Como se sabe, a transmissão de imóveis acima de certo valor impõe entre nós a escritura pública, mas não se pode dizer que no estrangeiro o mesmo ocorra em todos os países.”
Explica, ainda, que se a obrigação for efetuada no estrangeiro para concretizar-se no Brasil, existem duas modalidades, a saber:
a) - a escritura pública lavrada no consulado brasileiro, onde houver; e
b) - o instrumento corrente no país onde for passado para obter a finalidade visada na nossa escritura pública.
Nesta última hipótese, que é a do caso em análise ([v]4), a “passagem de escrito autêntico será evidentemente dificultada pela necessidade de serem esses requisitos previamente obtidos e transladados pelo comprador ou vendedor para o fim de sua explicitação no documento a ser redigido e testemunhado por alienígena.”
Assim, a transferência do direito real, mencionada por Clóvis Bevilacqua, opera-se no local da situação do imóvel, mas nada impede que o sítio da constituição da obrigação seja outro.
Irineu Strenger ressalva a interpretação do art. 9º da LICC feita por Vicente Rao, que alega que ao impor a observância da lei brasileira, quando por ela se exige para validade da obrigação forma essencial, “não se atentou, entretanto, a que tal seja o sistema legal estrangeiro, certa e determinada forma não se possa praticar; nem se prescreveu, como melhor conviria, a necessidade de se exigir o respeito aos requisitos substanciais do contrato, segundo a lei brasileira.” ([vi]5)
A obrigação de venda e compra do imóvel situado no Brasil pode ser contraída no Exterior, não havendo qualquer objeção a tal fato.
Todavia, a transmissão da propriedade deve obedecer o direito das coisas, e, assim, o direito da situação do imóvel, que é, no caso, o brasileiro.
Em síntese: ao se permitir o nascimento da obrigação no estrangeiro, deve ser aceita sua forma de acordo com a lei alienígena, seguindo-se os ditames da lei brasileira no que se refere à transmissão da propriedade, ou seja, a obrigatoriedade do registro no Ofício Imobiliário do contrato no local onde se encontra o bem. Vale dizer, há de ser registrado na Serventia Predial brasileira o contrato, ainda que por instrumento particular, de transmissão dominial de imóvel, sito no Brasil, se esta forma particular for acolhida no local em que manifestada e formatada a vontade das partes.
São Paulo, 26 de janeiro de 2004.
[i]* Marcelo Terra é advogado em São Paulo
[ii](1) BEVILACQUA, Clovis. Código Civil, vol. I, pág. 111, 10ª ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1953.
[iii](2) op. cit., pág. 111.
[iv](3) CARVALHO, Afrânio. Registro de Imóveis, pág. 112, 4ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1997.
[v](4) op. cit., pág. 113.
[vi](5) Autonomia da Vontade em Direito Internacional Privado, pág. 205.
Últimos boletins
-
BE 5773 - 21/02/2025
Confira nesta edição:
Você conhece a parceria IRIB e YK Editora? | “Raio-X dos Cartórios” aponta serviços terceirizados mais contratados pelas Serventias Extrajudiciais | Projeto de Lei Complementar busca recuperação de biomas brasileiros | MPSP, CNB-CF e CNB-SP iniciam modelo de integração para transmissão de escrituras públicas | EPM promoverá seminário sobre LGPD nos Cartórios | CENoR: 2º módulo do Curso de Pós-graduação em Direito Notarial e Registral – 2024/2025 | XVIII Congresso Notarial e Registral do Estado do Pará | A coisa pública em Otto Mayer e a PEC das praias – por Fabio Paulo Reis de Santana | Jurisprudência do TJPA | IRIB Responde.
-
BE 5772 - 20/02/2025
Confira nesta edição:
Acesse todas as edições das coleções Cadernos IRIB e IRIB Academia | Revista “Cartórios com Você”: confira a nova edição | Programa Lar Legal e Reurb-S beneficiam mais de seis mil famílias em MS | Programa Moradia Legal pernambucano é apresentado para representantes do Estado do Acre | EPM promoverá seminário sobre LGPD nos Cartórios | CENoR: 2º módulo do Curso de Pós-graduação em Direito Notarial e Registral – 2024/2025 | XVIII Congresso Notarial e Registral do Estado do Pará | A responsabilidade civil dos cartórios extrajudiciais por fraudes documentais – por Gabriel de Sousa Pires | Jurisprudência da CGJSP | IRIB Responde.
-
BE 5771 - 19/02/2025
Confira nesta edição:
IRIB promove nova edição da série RDI em Debate em live com articulistas | Estatuto do Pantanal poderá ter designação de Relator na Câmara dos Deputados | TJSC rescinde sentença de usucapião após descoberta de contrato de comodato | EPM promoverá seminário sobre LGPD nos Cartórios | CENoR: Poderes de Representação – A Procuração e Outros Instrumentos | XVIII Congresso Notarial e Registral do Estado do Pará | Multipropriedade imobiliária e registro de imóveis: Segurança e desafios – por Gabriel de Sousa Pires | Jurisprudência do TJAP | IRIB Responde.
Ver todas as edições
Notícias por categorias
- Georreferenciamento
- Regularização fundiária
- Registro eletrônico
- Alienação fiduciária
- Legislação e Provimento
- Artigos
- Imóveis rurais e urbanos
- Imóveis públicos
- Geral
- Eventos
- Concursos
- Condomínio e Loteamento
- Jurisprudência
- INCRA
- Usucapião Extrajudicial
- SIGEF
- Institucional
- IRIB Responde
- Biblioteca
- Cursos
- IRIB Memória
- Jurisprudência Comentada
- Jurisprudência Selecionada
- IRIB em Vídeo
- Teses e Dissertações
- Opinião
- FAQ - Tecnologia e Registro
Últimas Notícias
- MPSP, CNB-CF e CNB-SP iniciam modelo de integração para transmissão de escrituras públicas
- Projeto de Lei Complementar busca recuperação de biomas brasileiros
- “Raio-X dos Cartórios” aponta serviços terceirizados mais contratados pelas Serventias Extrajudiciais