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IRIB participa de Encontro sobre o combate à grilagem de terras no Piauí


Conforme noticiado no Boletim Eletrônico 793, de 25 de agosto de 2003, o Irib foi convidado pelo Secretário de Reforma Agrária do Ministério do Desenvolvimento Agrário, doutor Helio Roberto Novoa da Costa para participar do Encontro de Juízes, Promotores e Tabeliães do Cerrado Piauiense realizado no Estado do Piauí nos dias 30 e 31 de outubro passado.

O evento que teve como tema O combate à grilagem do Cerrado Piauiense foi promovido em parceria pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, MDA, Secretaria da Reforma Agrária, SDT, Incra, Tribunal de Justiça e Corregedoria-Geral de Justiça do Piauí, Governo do Estado do Piauí e Instituto de Terras do Piauí, Interpi.

Palestra proferida pelo Presidente do Irib versou sobre grilagem de terras

O presidente Sérgio Jacomino proferiu palestra sobre a grilagem de terras sob a ótica dos cartórios de Registros de Imóveis. O Chefe da Procuradoria do Incra no Estado da Paraíba, doutor Ridalvo Machado de Arruda, falou sobre as alterações trazidas pela lei 10.267/01. Veja, a seguir, a transcrição da primeira das palestras.

A seguir, nas próximas edições, estaremos divulgando a palestra do presidente do Irib, Sérgio Jacomino e a entrevista concedida pela Dra. Fernanda Almeida Moita, presidente do Instituto de Terras do Piauí – Interpi, autarquia vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural, responsável pela gestão do patrimônio público fundiário do Estado do Piauí.

Palestra: Comentários à lei 10.267, de 28 de agosto de 2001 e ao decreto 4.449, de 30 de outubro de 2002

Ridalvo Machado de Arruda

I – O Registro de Imóveis no Brasil

Considera-se marco inicial da história registrária imobiliária o advento da Lei Orçamentária no 317, em 21/10/1843, que tinha por finalidade inscrever hipotecas, a qual, posteriormente, foi transformada em “Registro Geral” pela lei 1.237, de 24/9/1864, regulamentada pelo decreto 3.453, de 26/4/1865. Esta lei trouxe significativos avanços, pois veio, entre outras coisas, instituir o registro de imóveis por ato inter vivos e a constituição dos ônus reais (art.7o); declarar que a transmissão não se operava a respeito de terceiros, senão pela transcrição e desde a sua data, e que esta não induziria a prova de domínio; passou a exigir a escritura pública como da substância do contrato e sua inscrição no registro, para valer contra terceiros; também instituiu a prenotação e enumerou, taxativamente, os ônus reais, sujeitando-os à transcrição.

Ridalvo Machado de Arruda

A lei 1.237, de 1864, foi substituída pelo decreto 169-A, de 19 de janeiro de 1890, regulamentado, por sua vez, pelo decreto 370, de 2 de maio de 1890. Não houve mudanças significativas, mantendo-se praticamente os termos da Lei anterior. É de se destacar, no entanto, que foi suprimido o Livro destinado à transcrição do penhor de escravos (Livro no 6), inclusive com a determinação expressa de incinerá-lo; o penhor agrícola passou a ser reconhecido como ônus real (art. 238, §1o).

Em 31/5/1890, foi instituído o Registro Torrens, pelo decreto 451-B, que foi regulamentado pelo decreto 955-A, de 5/11/1890. O decreto 451-B, no artigo 75, já mencionava a matrícula, cuja denominação a lei 6.015/73 adotou para o assentamento do imóvel com suas características e identificação. O Registro Torrens é um sistema registrário especial da propriedade imóvel rural, originário da Austrália, criação do irlandês Sir Robert Richard Torrens (ano de 1858). Esse sistema foi introduzido no Brasil por Rui Barbosa, o qual apresentou projeto adaptado à realidade brasileira. Embora atualmente seja de pouco uso — e quase total inaceitação —, esse sistema facultativo de registro imobiliário ainda está em vigor entre nós, por força do artigos 1.218, IV, do Código de Processo Civil, e 277 a 288 da lei 6.015/73.

Com o advento do Código Civil Brasileiro, em 1916, o registro público transformou-se numa instituição pública com a função de operar a transmissão do domínio, por ser considerado um dos meios aquisitivos da propriedade. A Seção VI do Capítulo XI do Título III do Livro II — Do Direito das Coisas — foi dedicada ao Registro de Imóveis (artigos 856 a 862). O novo Código Civil (lei 10.406, de 10/1/2002) tratou do tema nos artigos 1.245 a 1.247.

Seguiram-se ao Código Civil o decreto 12.342, de 3/1/1917, instruindo sobre a execução dos atos dos Registros, a lei 4.827, de 7/2/1924 e o decreto 18.527, de 10/12/1928. Em 9 de novembro de 1939 foi editado o decreto 4.857, modificado pelo decreto 5.318, de 26/2/1940, que dispôs sobre a execução dos serviços concernentes aos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil, que vigorou até o advento da lei 6.015/73.

Não se poderia deixar de mencionar a publicação do decreto – lei 1.000, de 21 de outubro de 1969, com a finalidade de substituir o decreto 4.857/39. Entretanto, não chegou a vigorar em razão dos vários pedidos de adiamento de sua execução pelos oficiais de registro, por causa das várias contradições em seu texto, que tornaram impraticáveis os atos registrais, até que, finalmente foi revogado e substituído pela lei 6.015/73, atualmente em vigor.

Em 31 de dezembro de 1973 foi publicada a lei 6.015, republicada com as alterações das leis 6.140, de 28/11/1974, e 6.216, de 30/6/1975, que entrou em vigor em 1o de janeiro de 1976. O Título V, dessa lei, trata especificamente do Registro de Imóveis. Posteriormente, a lei 6.015/73 sofreu outras modificações em seu texto como, por exemplo, as decorrentes das edições das leis 9.785, de 29/1/99 (acrescenta o item 36 ao inciso do art.167), 9.955, de 6/1/2000 (acrescenta o parágrafo único ao art. 4o), 10.215, de 6/4/2001 (dá nova redação ao art. 46), 10.257, de 10/7/2001 (dá nova redação ao item 28 do inciso II do art. 167, como também acrescenta a esse mesmo inciso os itens 37 e 39 e veta o 38).

No Direito brasileiro, o negócio jurídico, por si só, não transfere o domínio do bem imóvel, sendo, por isso, imprescindível o registro do ato translativo de propriedade no cartório da circunscrição imobiliária competente. Entretanto, diferentemente do sistema germânico, o sistema registral brasileiro tem presunção juris tantum, estando sujeito a nulidades por provas em contrário, que demonstrem a venda a non domino em que se baseou o registro, salvo a inscrição no Registro Torrens.

O registro dos bens imóveis e de direitos a eles relativos tem por finalidade garantir a autenticidade, segurança e eficácia dos assentos de atos jurídicos inter vivos ou mortis causa, constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais, preservando-lhes a confiabilidade, bem como a simples validade em relação a terceiros, ou a sua mera disponibilidade (art.172, lei 6.015/73). O profissional do direito, dotado de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade de registro, cujo ingresso no serviço registral se dá mediante concurso público de provas e títulos, denomina-se oficial de registro, ou registrador. O notário ou tabelião é a pessoa que exerce as atividades notariais, que compreendem a lavratura de escrituras e procurações públicas, testamentos, reconhecimentos de firmas, autenticação de cópias, etc. As suas atribuições não se confundem. Para o desempenho de suas funções, tanto o notário como o registrador pode contratar escreventes, que os poderão auxiliar nos atos que lhes forem autorizados a praticar. De acordo com a lei 8.935, de 21/11/1994, o local onde se concentram os atos próprios dos tabeliães e oficiais do registro é denominado de serviço notarial e serviço registral.

II – Principais diferenças entre o sistema de registro de imóveis anterior (decreto 4.857, de 9/11/1939) e o atual (lei 6.015/73)

O decreto 4.857, de 9 de novembro de 1939, que dispunha sobre a execução dos serviços concernentes aos registros públicos, sistematizou o registro imobiliário preconizado no então recente Código Civil de 1916, introduzindo os termos transcrição, para os atos de transmissão da propriedade imóvel, e inscrição para os atos constitutivos de ônus reais.

Esse decreto determinava a manutenção de oito livros no cartório, com suas respectivas finalidades, a saber:

–  Livro no 1 — Protocolo, designado como a chave do registro geral; prestava-se para apontamento de todos os títulos apresentados diariamente para serem registrados.

–  Livro no 2 — Inscrição hipotecária, destinado à inscrição de hipotecas de qualquer espécie.

– Livro no 3 — Transcrição das transmissões, servia para transcrever, por extrato, os títulos transmissivos da propriedade imóvel.

– Livro no 4 — Registros diversos, no qual se registravam, além da promessa de compra e venda, todos os demais atos, não atribuídos especificamente a outros livros.

– Livro no 5 — Emissão de debêntures, onde eram inscritas as emissões desses títulos.

– Livro no 6 — Indicador real, repositório de todos os imóveis que, direta ou indiretamente, figurarem nos livros ns. 2, 3, 4 e 8.

– Livro no 7 — Indicador pessoal, índice nominal de todas as pessoas que, ativa ou passivamente, individual ou coletivamente, figurarem nos livros de registro.

– Livro no 8 – Registro Especial, destinava-se à inscrição da propriedade loteada, para a venda de lotes a prazo em prestações sucessivas e periódicas.

Além desses livros, havia o livro-talão, para lançamento resumido de todos os atos do registro, e um livro Auxiliar, onde se fazia o registro dos atos expressamente previstos em lei, ou a requerimento da parte, independentemente do que coubesse em outros livros.

Atualmente, de acordo com a lei 6.015/73, são os seguintes os livros obrigatórios no serviço registral imobiliário:

– Livro no 1 (Protocolo), destinado ao apontamento de todos os títulos apresentados diariamente, salvo aqueles apresentados apenas para exame e cálculos dos respectivos emolumentos.

– Livro no 2 ou Registro Geral, é o livro da matrícula dos imóveis e do registro ou averbação dos atos relacionados no artigo 167 e não atribuídos ao livro no 3.

– Livro no 3, ou Registro Auxiliar destina-se ao registro dos atos que, sendo atribuídos ao Registro de Imóveis por disposição legal, não digam respeito diretamente ao imóvel matriculado. O artigo 178, da lei 6.015/73, enumera, não taxativamente, os atos registráveis no livro 3, a saber: a emissão de debêntures, as cédulas de crédito rural e industrial, convenções de condomínio, penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria, convenções antenupciais, contrato de penhor rural, e qualquer outro título que o interessado requeira a sua transcrição de inteiro teor.

– Livro no 4 ou Indicador Real, serve para relacionar todos os imóveis que figurarem nos demais livros, contendo sua identificação, referência aos números de ordem dos outros livros e anotações necessárias. É uma espécie de índice geral de todos os imóveis existentes na circunscrição do cartório imobiliário.

– Livro no 5 ou Indicador Pessoal, é o repositório dos nomes de todas as pessoas que, individual ou coletivamente, ativa ou passivamente, direta ou indiretamente, figuram nos demais livros. É um índice geral com o nome de todas as pessoas que, de algum modo, sejam partes em transações envolvendo imóveis pertencentes à circunscrição do cartório imobiliário.

– E, ainda, o Livro Auxiliar, para cadastro especial de imóveis adquiridos por pessoas estrangeiras físicas e jurídicas previsto no artigo 10, da lei 5.709, de 7/10/1971 e artigo 15, do decreto 74.965, de 26/11/1974.

É obrigatória a existência no serviço imobiliário dos cinco livros previstos no artigo 173, da lei 6.015/73, mais o Livro Auxiliar, no decreto 74.965/74, devendo o oficial mantê-los em segurança permanente, respondendo pela ordem e conservação. Os livros de registros só sairão do cartório mediante autorização judicial. Podem ser substituídos por fichas ou folhas soltas, escrituradas mecanicamente (com exceção do livro no 1 - Protocolo).

Utilizando-se do sistema de fichas o oficial deverá redigir nelas todos os atos previstos para os Livros 2, 3, 4 ou 5, conforme o caso, em modelo previamente aprovado pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado. Cada ficha receberá numeração própria, de forma seqüencial, ad infinitum. Ao ser preenchida totalmente, abrir-se-á nova ficha, dando continuidade à numeração dos atos praticados na ficha anterior, relativa à matrícula do imóvel, anotando-se na ficha preenchida, no verso, a observação “continua na ficha nº ...”. Por exemplo, imóvel matriculado sob n. 345, na ficha nº 1; preenchida essa ficha em ambos os lados, abrir-se-á uma nova ficha sob nº 2, dando continuidade aos atos da matrícula 345, e assim por diante.

No Registro de Imóveis são feitos a Matrícula, o Registro e a Averbação de atos referentes a imóveis ou a direitos a eles relacionados. Na designação genérica de registro estão abrangidas a transcrição e a inscrição de que tratavam o Código Civil e o decreto 4.857/39, portanto, atualmente qualquer ato que venha a transferir domínio ou instituir ônus reais, será objeto de registro, e não mais de transcrição ou inscrição, respectivamente, como era no sistema anterior. O novo Código Civil (lei 10.406/2002), em seu artigo 1.245 e seguintes, corrigiu essa distorção terminológica.

A matrícula é um ato registral, realizado pelo Registro de Imóveis, que visa à identificação de um imóvel, caracterizando-o e confrontando-o, conferindo-lhe um número de ordem pelo qual será identificado, sem criar, conferir ou modificar direitos. É o certificado de ingresso do imóvel no mundo jurídico. É um ato de registro (em sentido lato), até por que "matrícula" significa uma inscrição inicial, ou seja, a matrícula será efetuada por ocasião do primeiro registro, mediante os elementos constantes do título apresentado e do registro anterior nele mencionado. Cada matrícula corresponde a um único imóvel e cada imóvel tem a sua própria matrícula (fólio real). No sistema registral anterior à lei 6.015/73 admitia-se a transcrição de título referente a mais de um imóvel sob o mesmo número de ordem.

Antes do advento da lei 10.267/2001 e do decreto 4.449/2002 em comento, os problemas atinentes à perfeita individualização do imóvel começavam justamente pela ausência da sua exata identificação, ou seja, da especialização do imóvel matriculado. Com efeito, como a matrícula deveria ser feita a partir dos elementos constantes do título que é levado a registro, comparado com os que constam do registro anterior, muitas falhas descritivas podiam passar despercebidas, até por que, estando de conformidade com essa única exigência, não estaria o registrador obrigado a questionar sobre a situação física do imóvel, muito menos indagar se a área do imóvel poderia ser localizada geograficamente (!). Some-se a isso que a jurisprudência registral administrativa tem entendido que as exigências para a matrícula devem ser mitigadas, se pela descrição constante do título e do registro anterior, ainda que pobre e imprecisa, possa identificar-se o imóvel. A situação fica ainda pior se levarmos em consideração que no sistema anterior, admitia-se a transcrição de mais de um imóvel sob o mesmo número de ordem, acarretando sérios problemas quanto às suas descrições.

De acordo com a lei 6.015/73 — antes da lei 10.267/2001 — para a lavratura da matrícula fazia-se necessário apenas uma descrição literária do imóvel, com indicações pouco precisas de suas divisas, nada mencionando quanto à necessidade de memoriais descritivos, plantas, georreferenciamento, etc, como será visto adiante. Essa situação ensejou uma infinidade de matrículas de imóveis rurais, sem qualquer amarração no solo, dificultando sua localização e, com isso, dando margem às famosas grilagens de terra, com vários imóveis rurais sobrepostos em até mais de três “andares”. Dessa forma, a constituição de um cadastro fundiário dos bens imóveis existentes no Brasil, tendo por base o Registro de Imóveis, encontra óbice na própria Lei de Registros Públicos. Aliás, devido a essa inexatidão de informações sobre imóveis rurais, transpostas para a matrícula, criou-se um Brasil de área monstruosa, não correspondente com a realidade fundiária. Com o advento da nova Lei, espera-se que essa situação mude, porque agora todos os imóveis rurais deverão estar perfeitamente identificados, tanto no tocante ao seu tamanho real, como à sua verdadeira localização no solo.

Esse é um dos motivos pelo qual o Registro de Imóveis ainda não pode ser considerado um cadastro fundiário do País, embora possamos dizer que se trata de um cadastro jurídico. Não obstante, a exigência de descrição detalhada, tecnicamente aprimorada, dos imóveis submetidos a registro, com a elaboração de memoriais descritivos, mapas etc., de acordo com a nova Lei, a partir de agora poderá a vir a ser instituído um cadastro real nos serviços registrais

Com a publicação da lei 10.267, de 28 de agosto de 2001 e do decreto 4.449, 30 de outubro de 2002, a matrícula passará, paulatinamente, a se constituir um cadastro fundiário — pelo menos com relação aos imóveis rurais — e não apenas um cadastro jurídico, porquanto são requisitos da matrícula (art.176, §1o, I) o número de ordem ad infinitum; a data da matrícula; a identificação detalhada do imóvel, contendo o memorial descritivo da área, feito por profissional habilitado com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica — ART - cujas coordenadas deverão estar de acordo com o Sistema Geodésico Brasileiro, com precisão posicional de no máximo 0,50m (conforme fixado pela Portaria/INCRA/P/no 954, de 13/11/2002), além do código do imóvel no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – CNIR -; dados do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural expedido pelo INCRA, características, confrontações, localização, área e denominação; nome, domicílio e nacionalidade do proprietário, estado civil (se for casado, consignar o nome do cônjuge e o regime de bens), profissão, CPF e RG, se pessoa física ou sede social e CNPJ, se pessoa jurídica.

De qualquer modo, a criação de um cadastro que atenda à realidade fundiária do Brasil é inevitável e urgente. Temos observado no INCRA a grande distorção existente entre o que consta dos livros imobiliários e a realidade do campo. Em quase 100% dos levantamentos de área efetuados pelo INCRA a área registrada difere da área efetivamente medida. Essa distorção cria uma situação esdrúxula, atribuindo ao Brasil dimensões territoriais variadas, virtuais, entre as tantas entidades que lidam com questões imobiliárias, como os serviços registrais, o INCRA, e os demais órgãos relacionados à exploração da terra (Receita Federal, IBAMA, FUNAI, IBGE, órgãos estaduais de terra, etc.).

Discorrendo sobre as vantagens de um cadastro imobiliário, o saudoso Afrânio de Carvalho relacionou as seguintes: “(a) dá a posição física dos imóveis, evitando questões derivadas da incerteza das linhas que os configuram; b) cria uma base para a imposição tributária sobre os imóveis; c) facilita o loteamento dos latifúndios e a união dos minifúndios; d) favorece tanto a assistência financeira, mormente o crédito hipotecário, como a assistência técnica aos imóveis rurais; e) permite o planejamento da eletrificação rural pelo conhecimento prévio dos imóveis; f) indica o melhor traçado de estradas e a melhor localização de barragens hidrelétricas; g) auxilia o levantamento da carta geral do país", acrescente-se a tudo isso que a propriedade inscrita no Registro imobiliário, se este fosse organizado com base cadastral real, gozaria da presunção absoluta de domínio, bem como proporcionaria o planejamento racional da reforma agrária a partir das áreas já referidas nos títulos de domínio e inibiria, de uma vez por todas, a ação dos usurpadores de terras, os famigerados grileiros.

III – Inovações introduzidas pela Lei n° 10.267, de 28 de agosto de 2001 (DO 29-8-2001):

A lei 10.267, de 28 de agosto de 2001, foi publicada a partir de projeto do Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do INCRA em colaboração com a OAB, o Instituto de Registro imobiliário do Brasil — IRIB —, a Associação Nacional dos Órgãos Estaduais de Terras, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil — ANOREG — e o Ministério Público Federal. O objetivo da Lei, segundo as palavras do MDA, é “assegurar a justa propriedade de terras públicas e privadas e dar mais transparência aos registros cartoriais e imobiliários” (sic).

O projeto, inicialmente visando à criação de um cadastro único de terras rurais, foi ampliado a partir da constatação de diversas irregularidades nos serviços notariais e registrais, principalmente da região amazônica, quanto aos atos relativos à aquisição de imóveis rurais, quer sejam em razão de atos fraudulentos dos proprietários mesmos, quer por falha no sistema de Registro de Imóveis, que permite o registro de títulos obtidos fraudulentamente, desde que revestidos da aparência de legalidade. Em muitos casos, por exemplo, áreas que originalmente não ultrapassavam os mil hectares naquela região, foram ilegalmente elevadas para 400.000 hectares ou mais. Constatou-se que mediante simples requerimento ao oficial do registro de imóveis, a matrícula do imóvel era “retificada”, elevando sobremaneira a área original. Também houve casos em que, mediante escrituras de “re-ratificação”, a descrição e área do imóvel eram alterados irregularmente. Acrescente-se que ditas áreas sobrepunham-se, na maioria das vezes, a terras públicas, da União ou do Estado, ou a terras de terceiros. Essas matrículas, eivadas de nulidades absolutas, ensejaram vários provimentos das corregedorias estaduais determinando seus cancelamentos, com fundamento na Lei 6.739, de 1979.

Assim, visando coibir esses atos e aperfeiçoar o Registro de Imóveis, surgiu a Lei ora comentada, a qual trouxe significativas mudanças no sistema de registro de imóveis, inclusive no âmbito do Sistema Nacional de Cadastro Rural. Mas, poderíamos dizer que a mais importante, pelo menos para a atingir o objetivo do MDA, é a criação do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais — CNIR —, pelo qual serão monitorados todos os imóveis rurais existentes no Brasil, em vários níveis da Administração Pública.

A seguir, serão feitos breves comentários às inovações trazidas pela lei 10.267/2001, nos aspecto mais significativos.

1. Alterações na lei 4.947, de 6 de abril de 1966

A lei 4.947/66 estabelece normas de Direito Agrário e de ordenamento, disciplinação, fiscalização e controle dos atos e fatos administrativos relativos ao planejamento e a implantação da Reforma Agrária, na forma do que dispõe o Estatuto da Terra (lei  4.504/64).

Essa norma definiu a competência privativa do INCRA (antigo IBRA) para promover a seleção e desapropriação de imóveis rurais nas áreas prioritárias fixadas em decreto do Poder Executivo, bem como para a administração das terras pertencentes à União, que fossem objeto de foro, arrendamento ou estivessem na posse de terceiros, inclusive para promover a discriminação das terras devolutas existentes na faixa de 150 quilômetros ao longo das fronteiras do País.

1.1- apresentação do CCIR com a prova de quitação do ITR

O artigo 22 da lei 4.947/66 dispõe, in verbis: “A partir de 1o de janeiro de 1967, somente mediante apresentação do Certificado de Cadastro, expedido pelo IBRA e previsto na lei  4.504, de 30 de novembro de 1964, poderá o proprietário de qualquer imóvel rural pleitear as facilidades proporcionadas pelos órgãos federais de administração centralizada ou descentralizada, ou por empresas de economia de que a União possua a maioria das ações, bem assim, obter inscrição, aprovação e registro de projetos de colonização particular, no IBRA ou no INDA, ou aprovação de projetos de loteamento”.

Assim, ficou vedada a realização de negócios imobiliários, tais como, desmembramentos, arrendamento, hipotecas, vendas ou promessa de vendas de imóveis rurais, inclusive a homologação de partilhas em inventários, sem a apresentação do Certificado de Cadastro, sob pena de nulidade do respectivo ato (art. 22, §§ 1o e 2o, lei 4.947/66).

A redação introduzida pela nova lei ao parágrafo 3o, do artigo 22, ao atrelar a apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural à comprovação do pagamento do ITR relativo aos cinco últimos exercícios, apenas reiterou o comando do artigo 21, da lei 9.393, de 19 de dezembro de 1996, in verbis: “É obrigatória a comprovação do pagamento do ITR, referente aos cinco últimos exercícios, para serem praticados quaisquer dos atos previstos nos artigos 167 e 168 da lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos), observada a ressalva prevista no caput do artigo anterior, in fine” . A ressalva refere-se aos casos em que a exigibilidade do imposto esteja suspensa, ou em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, bem como à concessão de financiamento ao amparo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF.

Nesse aspecto, o Decreto 4.449/2002 corretamente ampliou os casos de dispensa de comprovação do ITR para fins de alienação a qualquer título ao enumerar as seguintes hipóteses em seu artigo 1o: imunidade, extinção e exclusão do crédito tributário. Os casos de imunidade estão previstos na lei 9.393/96, no seu artigo 3o. Assim, o ITR não incide sobre pequenas glebas rurais, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel rural. A extinção do crédito tributário, por sua vez, ocorre nas diversas situações previstas no artigo 156 do Código Tributário Nacional: pagamento, compensação, transação, remissão, prescrição e decadência, conversão de depósito em renda, pagamento antecipado e homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150 e seus §§ 1º e 4º (do CTN), a consignação em pagamento (§2o do art.164, CTN), decisão administrativa irreformável, decisão judicial transitada em julgado e dação em pagamento em bens imóveis na forma e condições estabelecidas em lei. A esse rol, acrescentam-se a decadência do direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário e a prescrição da cobrança desse crédito (artigos 173 e 174, CTN).

No tocante à exclusão, gênero do qual a isenção e a anistia são espécies, sua ocorrência está disciplinada no Código Tributário Nacional, nos artigos 175 e seguintes, lembrando que é isento de ITR o imóvel rural compreendido em programa oficial de reforma agrária, nos termos do artigo 3o, incisos e alíneas, da lei 9.393/96.

A exigência de comprovação do pagamento do ITR já vinha sendo cumprida pelos notários e registradores, por força do artigo 21, da lei 9.393/96. É evidente que a intenção do legislador é evitar a sonegação de impostos, pois a simples certidão negativa de ônus fornecida pela Receita Federal não é instrumento de certeza quanto a possíveis débitos em atraso, ainda não inscritos na dívida ativa.

Não se pode esquecer, entretanto, que existirão casos em que o imóvel, embora caracterizado como rural, esteja localizado na zona urbana, não incidindo sobre ele o imposto territorial rural. É que o fato gerador do ITR é o prédio rústico não localizado na zona urbana do município (art.1o, caput, lei 9.393/96), ou localizado fora da zona rural do município (§2o, art.1o, lei 9.393/96). Significa dizer que a Lei do ITR adotou o critério da localização do imóvel para fins de tributação. Nesses casos, creio estar implícito na norma que, se o imóvel estiver localizado na zona urbana e mesmo que ainda apresente destinação agropecuária, conforme disposto no artigo 4o, da lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, deve ser apresentado juntamente com o CCIR, quando da lavratura de qualquer ato notarial ou registral, a quitação do Imposto Predial e Territorial Urbano — IPTU, com a certidão da Prefeitura Municipal de que o imóvel se encontra localizado no perímetro urbano do município, uma vez que o proprietário estará impossibilitado de apresentar comprovante de recolhimento do ITR.

1.2 - exigência de apresentação do CCIR para as glebas destacadas do patrimônio público

Dispõe o novo parágrafo do artigo 22, da lei 4.947/66, que dos títulos de domínio destacados do patrimônio público constará obrigatoriamente o número de inscrição do CCIR.

Obviamente que a norma se refere a áreas localizadas na zona rural ou com destinação agropecuária, pertencente ao patrimônio público federal, estadual ou municipal. A nova exigência se coaduna com o disposto na lei 5.868, de 12 de dezembro de 1972, que criou o Sistema Nacional de Cadastro Rural — SNCR. Nessa Lei, está expressamente previsto o Cadastro de Terras Públicas (art.1o, IV). Entretanto, constata-se que as terras públicas, em maior parte, não estão cadastradas no Incra, dando ensejo, na grande maioria das vezes, a aquisições irregulares ou mesmo a usurpação de áreas do domínio público; além do mais, a ausência de cadastramento dessas terras dificulta o monitoramento de sua extensão.

Ao exigir o número de inscrição do CCIR a norma obriga ao ente público a cadastrar previamente no Incra as terras de seu domínio. Note-se que o Decreto corrigiu a terminologia ao dispor que o número que deve ser exigido é o de inscrição no SNCR. A forma como isso será feito ainda depende de regulamentação (art.2o, §2o). Espera-se que do título conste o código do imóvel no Incra, referente a sua área total. Caso se trate de desmembramento, o adquirente, de posse de seu título de domínio, deverá providenciar o cadastramento de sua área no SNCR.

1.3 - cadastramento do imóvel rural objeto de usucapião, mediante ciência da sentença pelo Incra

Com a edição da lei 10.267/2001, passou-se a exigir que a identificação do imóvel rural usucapido nos autos da ação, assim como nas matrículas imobiliárias, seja feita a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica — ART —, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites, georreferenciados ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional que não deverá ultrapassar o valor de 0,50m, conforme estabelecido na Portaria/INCRA/P/no 954, de 13/11/2002 (art.225, §3o, lei 6.015/73 – Nova Redação).

O §5o, do artigo 22, da lei 4.947/66, acrescentado pela lei ora comentada, determina ao juiz a intimação do Incra de todo o teor da sentença, para fins de cadastramento do imóvel rural usucapido. Tal providência proporcionará ao Incra a atualização de seu cadastro de imóveis rurais, pois, na maioria das vezes, o imóvel usucapido, só após muitos anos, quando o proprietário eventualmente necessita realizar algum tipo de transação imobiliária, é que ingressa no SNCR. Por outro lado, uma vez que o Incra tenha ciência da sentença, poderá promover, como terceiro prejudicado, as medidas judiciais cabíveis, se a terra usucapida for de interesse da União, ou encaminhar cópia da sentença para os órgãos de terra estaduais ou municipais, quando for o caso, para a adoção das providências cabíveis.

Tanto o mandado intimando o INCRA para conhecimento da sentença, como o destinado ao oficial do registro de imóvel, para registro da sentença, deverão conter a identificação do imóvel rural na forma prevista no artigo 225, parágrafo 3o, da lei 6.015/73, com a nova redação, a teor do que dispõe o artigo 226, da mesma lei, e ainda por força do parágrafo 3o do artigo 3o do decreto 4.449/2002.

1.4- obrigatoriedade de transcrição dos dados constantes do CCIR nas escrituras públicas

A lei 7.433, de 18 de dezembro de 1985, e o seu regulamento, o decreto 93.240, de 9 de setembro de 1986, estabelecem os requisitos para a lavratura de escrituras públicas. Assim, para a lavratura de atos notariais, relativos a imóveis, são indispensáveis os seguintes documentos e certidões: os documentos de identificação das partes e das demais pessoas que comparecerem ao ato; o comprovante do pagamento do imposto de transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos — ITBI —; certidão negativa de tributos municipais, para imóvel urbano; o CCIR, acompanhado da prova de quitação do ITR relativo aos cinco últimos exercícios, quando se tratar de imóvel rural; certidões de ações reais e pessoais reipersecutórias e a de ônus reais, expedidas pelo registro de imóveis competente; e demais documentos e certidões, cuja apresentação seja exigida por lei.

As informações constantes do CCIR — às vezes transcritas nas escrituras — eram insuficientes para a identificação do imóvel perante o Incra, ficando a critério do tabelião a escolha de quais dados deveriam ser consignados, posto que o Decreto 93.240/86 determina apenas que seja mencionada a apresentação do CCIR. Alguns notários limitavam-se a consignar a fração mínima de parcelamento e o número de módulos fiscais do imóvel. Assim, o parágrafo 6o do artigo 22 da lei 4.947/66, acrescentado pela lei 10.267/2001, pôs fim a essa situação, exigindo, expressamente, que fossem transportadas paras as escrituras públicas os seguintes dados do CCIR: o código do imóvel; o nome e a nacionalidade do detentor (proprietário); a denominação e a localização do imóvel. Não há menção à área do imóvel cadastrada no Incra, omitida, inexplicavelmente, pelo legislador, o que facilitaria o confronto de dados entre o cadastrado do Incra e o Registro de Imóveis.

1.5 - integração entre os serviços de registro de imóveis e o Incra

Os parágrafos 7o e 8o, do artigo 22, da lei 4.947/66, criou um sistema de integração entre o Incra e os serviços de registro de imóveis. De acordo com esses parágrafos, sempre que houver alguma modificação na matrícula do imóvel rural, decorrente de mudança de titularidade, parcelamento, desmembramento, loteamento, remembramento, retificação de área, instituição de reserva legal e particular do patrimônio natural e outras limitações de caráter ambiental, o oficial do registro de imóvel, até o trigésimo dia do mês subseqüente à prática do ato, informará essas circunstâncias ao Incra, para fins de atualização cadastral. O Incra, por sua vez, quando for o caso de inclusão de novo imóvel no cadastro, informará o código do novo imóvel ao registrador competente, para que este proceda, de ofício, a averbação na matrícula respectiva.

O rol de modificações na matrícula previstas nessa norma não pode ser considerado como taxativo, uma vez que o objetivo dessa integração entre o cadastro do Incra e o serviço de registro de imóveis é o gerenciamento das modificações ocorridas nas matrículas dos imóveis rurais e seu reflexo no Sistema Nacional de Cadastro Rural. Assim, quaisquer alterações que venham a ocorrer no imóvel, como por exemplo, instituição de servidão, desapropriação parcial ou total por utilidade pública, acessão, abertura de estradas, etc., devem ser comunicadas ao Incra para fins de atualização de seu cadastro rural.

O Incra editou a resolução no 38, de 23/10/2002, aprovada pela Portaria/ INCRA/P/no 955, de 13/11/2002, que estabeleceu um roteiro para a troca de informações entre os Serviços de Registros de Imóveis e o Incra.

2. Alterações na lei 5.868, de 12 de dezembro de 1972:

A lei 5.868/72 instituiu o Sistema Nacional de Cadastro Rural — SNCR, compreendendo o Cadastro de Imóveis Rurais, o Cadastro de proprietários e Detentores de Imóveis Rurais; o Cadastro de Arrendatários e Parceiros Rurais; e o Cadastro de Terras Públicas. Por essa Lei, ficaram obrigados a prestar declaração de cadastro todos os proprietários, titulares de domínio útil ou possuidores a qualquer título de imóveis rurais que sejam ou possam ser destinados à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial. Definiu também a fração mínima de parcelamento e a obrigação de respeitá-la nos casos de transmissão de imóveis a qualquer título.

2.1 o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais — CNIR

A lei 10.267, de 28 de agosto de 2001, ao introduzir os parágrafos 2o, 3o e 4o ao artigo 1o da lei 5.868/72, instituiu o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais — CNIR —, que ficou conhecido como o “Sistema Público de Registro de Terras”, com a finalidade de disponibilizar dados relativos às várias instituições públicas produtoras e usuárias de informações sobre o meio rural brasileiro. O banco de dados que integrará o CNIR será gerenciado conjuntamente pelo Incra e pela Receita Federal.

A idéia básica do CNIR é reunir o maior número possível de informações sobre imóveis rurais, tais como, área, localização georrefenciada, uso do solo, modos de proteção ambiental, tributação, etc., em um único banco de dados. A partir daí, o imóvel, uma vez cadastrado, receberá um código numérico que tornará possível o acesso ao sistema para que as diversas instituições relacionadas às questões fundiárias possam obter as informações desejadas sobre a situação física do imóvel. Obviamente, tal Cadastro não substituirá o Registro de Imóveis, pois este continuará a ser o cadastro jurídico dos imóveis, urbanos ou rurais. Mas, aperfeiçoará indiretamente aquele sistema de registro, uma vez que o CNIR concentrará informações especiais sobre as áreas rurais, quer particulares ou públicas, atribuindo um código ao imóvel que será levado à matrícula, facilitando, com isso, a sua perfeita identificação.

O CNIR ainda depende de regulamentação para sua implantação. Ao contrário do Sistema Nacional de Cadastro Rural — SNCR —, cujos dados são obtidos a partir da declaração dos proprietários ou detentores do imóvel, espera-se que o Cadastro seja alimentado com informações confiáveis e de rigor técnico bastante para impedir a manipulação dos dados, exigindo-se plantas e memoriais descritivos em padrão a ser definido na regulamentação da lei, talvez as mesmas exigências para a matrícula do imóvel, conforme disposto nos artigos 176, parágrafo 3o e 225, parágrafo 3o, da lei 6.015/73 (com a nova redação), bem como a análise da cadeia dominial do imóvel até o momento em que houve o destaque do patrimônio público para o privado, ou até que, por outro meio, esteja consolidada definitivamente ao patrimônio particular. Caso assim seja gerenciado o Cadastro, então poderia se falar em certificação da propriedade rural, a qual, uma vez inscrita no CNIR, seria considerada expurgada de qualquer vício inerente ao domínio e às suas características físicas. Mas, para que isso ocorra de fato, devem as informações que alimentarão o CNIR se harmonizarem com as dos serviços registrais imobiliários, especialmente no tocante à descrição do imóvel e a origem do seu domínio.

2.2 – a nulidade de pleno direito dos atos registrais relativos a imóvel rural com área inferior à fração mínima de parcelamento

A fixação do módulo rural leva em conta diversos fatores, tais como o tipo de exploração a que se destina o imóvel, a qualidade da terra, a proximidade do centro consumidor, além de outros que o Incra julgar necessário de acordo com o artigo 4o, III, do Estatuto da Terra e artigo 11, do decreto 55.891, de 31/3/65, variando a quantidade de hectares para a sua constituição de região para região, sendo praticamente impossível fixar um determinado número de hectares para o módulo rural que abranja uma generalidade de imóveis rurais. Com o advento da lei 5.868, de 12/12/72 e da lei 6.746, de 10/12/79, foram criados o módulo fiscal (MF) e a fração mínima de parcelamento (FMP).

O módulo fiscal (MF) é uma unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada município, levando-se em consideração praticamente os mesmos fatores exigidos para o módulo rural. Além de servir para a fixação do Imposto Territorial Rural (ITR), é parâmetro para a classificação do imóvel rural quanto ao tamanho, para fins de reforma agrária (ex vi art.4o da lei 8.629/93). A fração mínima de parcelamento (FMP) é a área mínima permitida por lei para desmembramento de um imóvel rural. Abaixo desse limite, somente nas hipóteses previstas em Lei. Daí alguns doutrinadores dizerem, até, que o MF e a FMP vieram substituir, na prática, o módulo rural. Para calcular o Módulo Fiscal de cada município, o Incra editou a Instrução Normativa no 11, de 4 de abril de 2003.,

A restrição ao desmembramento do imóvel rural em área inferior ao módulo é antiga. Com fundamento no artigo 147, da Constituição Federal de 1946, o art. 65, da lei 4.504, de 30/11/1964, dispôs que: “O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”. A finalidade dessa disposição é impedir a proliferação de minifúndios, que, juntamente com os latifúndios improdutivos, constituem uma exploração antieconômica da propriedade rural, sendo a extinção gradativa de ambos um dos objetivos da Reforma Agrária.

Entretanto, essa norma nenhuma sanção previa contra aquele que a descumprisse. Daí, a edição do decreto-lei 57, de 18/11/1966, prevendo a nulidade dos atos que infringisse o princípio da indivisibilidade do imóvel rural em área inferior à do módulo (art.11, §1o). Posteriormente, o artigo 11 e seus parágrafos, desse decreto-lei, foram revogados pela lei 5.868, de 12/12/1972, a qual, ampliando o artigo 65, da lei 4.504/64, introduziu a fração mínima de parcelamento e proibiu não só a divisão, mas também a transmissão a qualquer título de área do imóvel rural de tamanho inferior à do módulo ou da fração mínima de parcelamento.

Não obstante, o decreto 62.504/68, em seu artigo 2o, incisos I e II, previu algumas hipóteses em que são permitidos desmembramentos abaixo da fração mínima de parcelamento: “I - desmembramentos decorrentes da desapropriação por necessidade ou utilidade pública, na forma prevista no artigo 390, do Código Civil Brasileiro, e legislação complementar. II - desmembramentos de iniciativa particular que visem a atender interesses de ordem pública na zona rural, tais como: a) os destinados à instalação de estabelecimentos comerciais, quais sejam: 1 - postos de abastecimentos de combustível, oficinas mecânicas, garagens e similares; 2 - lojas, armazéns, restaurantes, hotéis e similares; 3 - silos, depósitos e similares; b) os destinados a fins industriais, quais sejam: 1 - barragens, represas ou açudes; 2 - oleodutos, aquedutos, estações elevatórias, estações de tratamento de água, instalações produtoras e de transmissão de energia elétrica, instalações transmissoras de rádio, de televisão e similares; 3 - extração de minerais metálicos ou não, e similares; 4 - instalação de indústria em geral. c) os destinados à instalação de serviços comunitários na zona rural, quais sejam: 1 - portos marítimos, fluviais ou lacustres, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias e similares; 2 - colégios, asilos, educandários, patronatos, centros de educação física e similares; 3 - centros culturais, sociais, recreativos, assistenciais e similares; 4 - postos de saúde, ambulatórios, sanatórios, hospitais, creches e similares; 5 - igrejas, templos, capelas de qualquer culto reconhecido, cemitério ou campo santos e similares; 6 - conventos, mosteiros ou organizações similares de ordens religiosas reconhecidas; 7 - áreas de recreação pública, cinemas, teatros e similares”. Em todas essas hipóteses, com exceção das do inciso I, indispensável é a prévia autorização do Incra (art.4o, do decreto 62.504/68).

Não há proibição nos casos em que a área desmembrada seja abaixo da fração mínima de parcelamento e sua alienação se destine comprovadamente à anexação ao prédio rústico confrontante, e a área remanescente permaneça igual ou acima da FMP (art.8o, §4o da lei 5.868/72). Na homepage www.incra.gov.br podemos encontrar os Indicadores Cadastrais/2001, onde constam os números de módulos fiscais e frações mínimas de parcelamento de todos os municípios brasileiros.

A nova redação do parágrafo 3o do artigo 8o da lei 5.868/72, dada pela lei 10.267/2001, apenas reforçou a norma anterior, considerando nulo e de nenhum efeito quaisquer atos transmissivos de domínio, ou de desmembramento e de divisão de imóvel rural, em área inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento. Tais atos não podem ser escriturados, nem os títulos registrados, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal dos notários e registradores, inclusive de seus prepostos.

3. Alterações na lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973
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