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REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE - PROJETO MORE LEGAL II - Julio Cesar Weschenfelder
"Desarmem-se os homens, porque um novo mundo está por vir, talvez seja este o espírito maior que deva nortear o operador do Direito ao enfrentar e decidir questões que dizem com o parcelamento do solo urbano, à luz do Provimento nº 17/99-CGJ, de 22.11.99, e que se seguiu, historicamente, ao Provimento nº 39/95-CGJ." Palavras da Desa. Eliane Harzeim Macedo, 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, in Correição Parcial n° 70001369230
i. O fracionamento do solo no Brasil
O fracionamento do solo iniciou-se ao tempo do Império, período em que a instabilidade nas relações jurídicas preponderava. Não havia um direito de propriedade instituído e a terra era fracionada pela tomada de posse dos indivíduos.
Com a criação do "Registro Geral", por meio da Lei n° 1.237, de 1864, regulamentada pelo Decreto n° 3.453, de 1865, possibilitou-se um maior controle no fracionamento das terras, eis que a "transcrição" das aquisições imobiliárias passou a ser obrigatória, substituindo a antiga forma de transmissão pela "tradição".
Em 1917, com a entrada em vigor do Código Civil, substituiu-se o "Registro Geral" pelo "Registro de Imóveis", ficando o controle da segregação imobiliária sacramentado pela necessidade de transcrição do título hábil, no registro imobiliário da situação do imóvel, para a aquisição da propriedade imóvel (arts. 530, I e 861).
Ao regulamentar inúmeras formas de transação imobiliária e impor o seu registro para transferência do domínio, o Código Civil foi um dos marcos iniciais geradores do fracionamento do solo.
A partir de então, surgiram inúmeros regulamentos sobre parcelamento do solo.
O Decreto-lei n° 58, de 10 de dezembro de 1937, regulamentado pelo Decreto n° 3.079, de 15 de setembro de 1938, disciplinou os loteamentos urbanos e rurais.
Sobreveio a Lei n° 4.504, de 30 de novembro de 1964 - Estatuto da Terra -, regulamentada pelos Decretos nºs 59.428, de 27 de outubro de 1966 e 59.566, de 14 de novembro de 1966, contendo dispositivos sobre o loteamento rural.
Ainda em 1964, entra em vigor a Lei n° 4.591, que dispôs sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.
Em 28 de fevereiro de 1967 entra em vigor o Decreto-lei n° 271 e, somente em 19 de dezembro de 1979, passa a vigorar a Lei n° 6.766, que, revogando grande parte dos dispositivos do Decreto n° 271/67, rege atualmente o parcelamento do solo urbano no país.
Finalmente em 22 de dezembro de 1980, por meio da Instrução n° 17-B, o INCRA dispõe sobre as regras para aprovação do loteamento de imóvel rural.
Estes são, portanto, os regramentos mais específicos que dizem com o fracionamento do solo.
Dentre as formas mais comuns de fracionamento podemos citar a alienação, a partilha causa mortis, o condomínio, a divisão geodésica, o loteamento, o loteamento fechado, o desmembramento, o desdobro, o condomínio especial, o condomínio fechado e, mais contemporaneamente, o condomínio de lotes.
Destacamos aqui que inúmeras formas de fracionamento geram repercussão mais imediata no âmbito dos direitos possessórios, eis que juridicamente a indivisibilidade da propriedade resulta de convenção entre as partes ou da lei, sendo, todavia, inequívoco o fracionamento de fato do solo.
ii. Projeto More Legal II
O Projeto More Legal tem origem no Prov. 39/95-CGJ, da lavra do então Corregedor-Geral de Justiça Des. Décio Antônio Erpen, vindo a ser apenas reprisado no Prov. 01/98-CGJ - Consolidação Normativa Notarial e Registral.
Atualmente vigora em sua segunda edição como PROJETO MORE LEGAL II, editado por meio do Prov. 17/99-CGJ, que em sua nova ordenação, não introduziu alterações substanciais, mantendo os dispositivos do anterior atinentes à espécie do presente feito, inserindo apenas elementos que o conformam com a Lei n° 9.785/99, introdutora de alterações à Lei n° 6.766/79 - Lei do Parcelamento do Solo Urbano.
Conforme Termo de Intenções firmado em 11 de novembro de 1999, integram o Projeto o Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, o Colégio Registral do Estado do Rio Grande do Sul, ficando assentada a necessidade de busca de apoio da FAMURS e da UVERGS, para implementação plena do Projeto.
O regramento tem em seu bojo o propósito de estabelecer regras simplificadas para regularização de loteamentos, desmembramentos ou fracionamentos de imóveis urbanos ou urbanizados, mesmo localizados em zona rural, com conseqüente legalização do exercício da posse através de registro imobiliário, nos casos consolidados.
Não obstante fundar-se na posse - em virtude da exigência de situação consolidada e irreversível - a situação dominial deverá ser comprovada, o que aliás figura como requisito para implemento da medida (art. 2º, I, Prov. 17/99-CGJ).
Através dele é possível a realização de inúmeros atos destinados à regularização plena da propriedade, dentre eles: a retificação da área para a sua especialização (art. 10 do Prov. 17/99-CGJ), a localização de áreas em condomínio (art. 7º do Prov. 17/99-CGJ), a regularização do parcelamento, urbano ou urbanizável (art. 9º do Prov. 17/99-CGJ) e, finalmente, o usucapião (art. 13 do Prov. 17/99-CGJ).
O alcance social da medida é inequívoco. A democratização e socialização da terra e o espírito e amplitude almejados pela Constituição Federal de 1988, asseguram ao cidadão, não apenas a posse do bem imóvel, mas também a propriedade, especialmente naquelas situações consolidadas pelo tempo.
Presente, igualmente, o interesse dos próprios municípios na regularização da ocupação de áreas no perímetro urbano mediante o pronto retorno em tributos a seus cofres.
Além disso, objetiva a geração de segurança jurídica e valorização da dignidade humana, alcançada através do direito à propriedade plena, que aliás, pode-se afirmar, é uma das pilastras da sociedade organizada.
Nas palavras do Eminente Des. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO, MD. Corregedor-Geral da Justiça, firmatário do Prov. 17/99, "o Projeto MORE LEGAL II, visa, precipuamente, além de qualificar e agilizar a prestação jurisdicional, garantir o efetivo exercício da cidadania, colaborando na implementação da justiça social, princípios institucionais fundamentais do Estado Democrático de Direito."
Destaque-se a opinião de GIOVANNI CONTI, MM. Juiz-Corregedor firmatário do parecer acatado pelo Desembargador citado, que em suas razões postulou pela edição do Provimento em tela referindo: "conforme salientado em reiteradas oportunidades por esse órgão correicional, a construção do estado democrático de direito, com garantia da plenitude do exercício da cidadania, transita, necessariamente, por vias retas, desobstruídas e bem sinalizadas, garantindo a segurança do usuário e, num sentido amplo, da própria paz e justiça social. A carta magna assegura ao cidadão, não apenas a posse do bem imóvel, mas também a propriedade, especialmente naquelas situações consolidadas pelo tempo, cujos reflexos jurídicos beneficiarão os municípios do estado. Além do objetivo imediato de regularizar aquelas ocupações clandestinas, os municípios, num segundo momento, arrecadarão a contraprestação fiscal, tão necessária para investimentos nas áreas sociais, como saúde, educação, saneamento básico e habitação."
Finalmente, na dicção de DÉCIO ANTONIO ERPEN e JOÃO PEDRO LAMANA PAIVA: "Este projeto visa solucionar um problema social".
Notadamente, o foco de atuação do Projeto está na dignidade da pessoa humana, não no favorecimento ao parcelador faltoso, naqueles casos de irreversibilidade da situação que encontra-se consolidada.
iii. A jurisprudência diante do Projeto More Legal II
Embora editado no ano de 1995, o Provimento Nº 39/95, que instituiu o Projeto "More Legal", idealizado pelo então Corregedor-Geral da Justiça, Des. Décio Antônio Erpen, era demasiadamente avançado para seu tempo.
Em razão disso, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG promoveu a ADIn nº 1383-1, cujo relator foi Ministro Moreira Alves, buscando a inconstitucionalidade de alguns de seus dispositivos, medida que não foi conhecida pelo Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, em 14.03.1996.
Seguiram-se reiterados julgados ratificando a constitucionalidade do provimento.
Lúcido acórdão proferido em data de 13 de novembro de 1997, pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível n° 597118710, cujo relator foi Eminente Des. Tael João Selistre, deixou assentado: "...providência tomada com base no provimento n° 39/95-cgj, que não viola as leis federais relacionadas com o parcelamento e o registro e nem padece de qualquer inconstitucionalidade, já que não se sobrepõe a elas. Apenas permite, atendendo as peculiaridades do caso, em face da situação fática consolidada, adequar o registro à realidade e assegurar o direito de propriedade às unidades desmembradas."
O relator do acórdão citado, Des. Tael João Selistre, em seu voto salientou: "Embora não atendidos os requisitos urbanísticos previstos na lei nº 6.766/79 ou em outros diplomas legais, não tem o sentido entendido, qual seja o de negar vigência à lei federal ou de padecer do vício da inconstitucionalidade, mas o de adequar a realidade, em face de situações consolidadas, ao registro imobiliário, conferindo às unidades desmembradas autonomia jurídica. Aliás, a propria lei do parcelamento, em seu art. 1º, parágrafo único, admite que os estados, o distrito federal e os municípios estabeleçam normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o nela previsto às peculiaridades regionais e locais."
Arremata o douto julgador afirmando:
"Esse o sentido do provimento, como se constata pelos seus considerandos, visando resguardar o direito de propriedade, consagrado na constituição, e procurando dar, em virtude das situações fáticas consolidadas, assim entendidas aquelas que indicam irreversibilidade das frações devidamente individualizadas, quando para a sua aferição serão valorizados os documentos provenientes do poder público, em especial do município, às unidades desmembradas autonomia jurídica e destinação social compatível."
Mais contemporaneamente, no julgado proferido em data de 12 de dezembro de 2000, pela 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Correição Parcial n° 70001369230, o entendimento esposado restou ratificado nas palavras da relatora Desa. Eliane Harzeim Macedo, que referiu: "Desarmem-se os homens, porque um novo mundo está por vir, talvez seja este o espírito maior que deva nortear o operador do direito ao enfrentar e decidir questões que dizem com o parcelamento do solo urbano, à luz do provimento nº 17/99-cgj, de 22.11.99, e que se seguiu, historicamente, ao provimento nº 39/95-cgj. Por certo que as providências e procedimentos previstos nos preditos regulamentos não têm e nem tiveram o escopo de beneficiar ou tutelar o loteador inescrupuloso ou descumpridor das regras legais. Visam, isso sim, tutelar o cidadão, vítima maior de parcelamentos irregulares, mas que, segundo a constituição, tão vilipendiada, tem direito à propriedade, em igualdade de condições, a qual terá, ainda, garantida a sua função social, até porque é fim do estado, nos termos do art. 3º, da carta magna, construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e a marginalização, mediante a redução das desigualdades sociais e regionais. Não é, porém, o que vinha acontecendo com os dispositivos da lei nº 6.766/79, que, numa verdadeira negativa de vigência do art. 5º, da lei de introdução ao código civil, passou a penalizar se não exclusiva, pelo menos preponderantemente o cidadão, o hipossuficiente, aquele que com prejuízo, muitas vezes do próprio sustento familiar, jogava seus parcos recursos no pagamento do lote adquirido, nas mais das vezes através de longo parcelamento. E, frente a esse quadro, o poder executivo, o poder judiciário e o ministério público mostrando-se inoperantes para fazer valer as disposições sofisticadas estabelecidas pelo poder legislativo em texto normativo de formatação que até em países de primeiro mundo causaria impacto, inviabilizando, em inúmeros momentos, o adequado cumprimento das respectivas disposições, face à nossa sofrida realidade social, econômica e cultural.
Pretender, pois, aplicar as regras da lei nº 6.766/79 na regularização de loteamentos tidos como situação consolidada, é voltar ao passado e negar vigência - não tanto ao provimento da corregedoria, mas ao art. 5º da licc e, o que é pior, à própria constituição, sob cuja luz deve ser revista a legislação que lhe é anterior.
Importa salientar, por se constituir indagação freqüente dos Municípios, a inaplicabilidade da reserva de 35% prevista para os loteamentos ordinários, conforme se observa em afirmação conclusiva da Eminente relatora, verbis: "No particular, é de se registrar que o descumprimento da reserva de 35% da área loteada não impede o registro do loteamento, à luz do disposto no art. 5º, do provimento nº 17/99-cgj, repetindo, aliás, orientação que já constava do provimento anterior, conforme art. 536, embora lhe dando abrangência maior. Tais descumprimentos." Conforme se observou, a medida é constitucional, não se aplicando as regras ordinárias dos loteamentos nessa modalidade de regularização, presente a situação consolidada aludida.
iv. Situação consolidada
Tratando-se de situação consolidada, o procedimento servirá para juridicizar o que já é irreversível.
A definição do que seja consolidada encontra-se textual nos §§ 1º e 2º do artigo 2° do Prov. 17/99-CGJ, verbis:
"Art. 2° ...
§ 1º. Considera-se situação consolidada aquela em que o prazo de ocupação da área, a natureza das edificações existentes, a localização das vias de circulação ou comunicação, os equipamentos públicos disponíveis, urbanos ou comunitários, dentre outras situações peculiares, indique a irreversibilidade da posse titulada que induza ao domínio.
§ 2º. Na aferição da situação jurídica consolidada, valorizar-se-ão quaisquer documentos provenientes do Poder Público, em especial do Município."
Aqui costuma-se perquirir sobre o que seja situação consolidada?!
O próprio texto do provimento a define, sendo certo que documentos provenientes do Poder Público e os contratos de venda ou promessa de venda das frações comprovam a irreversibilidade da posse.
v. O procedimento, as possibilidades e a definitivação
O procedimento é célere e regulado pelo art. 9° do Prov. 17/99-CGJ, sendo competente na capital a Vara de Registros Públicos e, no interior, a Direção do Foro:
"Art. 9º. O pedido de regularização do lote individualizado, de quarteirão ou da totalidade da área será apresentado perante o juízo competente que, autuado e registrado, ouvirá, no prazo de 10(dez) dias, o Oficial do Registro de Imóveis.
Parágrafo Primeiro. Em seguida, os autos serão remetidos ao Ministério Público para manifestação.
Parágrafo Segundo. Após, os autos serão conclusos ao Juiz de Direito que decidirá de plano, podendo, se assim entender, suspender o julgamento e determinar publicação de edital para ciência de terceiros.
Parágrafo Terceiro. Será competente, em Porto Alegre, a Vara dos Registros Públicos e, no interior, a Vara da Direção do Foro."
Os documentos necessários para a implementação via "More Legal II" estão previstos no artigo 2° do Prov. 17/99-CGJ, com a seguinte dicção:
"Art. 2º. Nas comarcas do Estado do Rio Grande do Sul, inclusive na capital, em situações consolidadas, poderá a autoridade judiciária competente autorizar ou determinar o registro acompanhado dos seguintes documentos:
I - título de propriedade do imóvel; ou, nas hipóteses dos §§ 3º e 4º, apenas a certidão da matrícula;
II - certidão negativa de ação real ou reipersecutória referente ao imóvel, expedida pelo ofício do Registro de Imóveis;
III - certidão de ônus reais relativos ao imóvel;
IV - planta do imóvel e respectiva descrição, emitidas ou aprovadas pela Prefeitura Municipal."
...
Parágrafo Terceiro. O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação."
Parágrafo Quarto. No caso de que trata o Parágrafo Terceiro, o pedido de registro do parcelamento, além do documento mencionado no art. 18, inciso V, da Lei Nº 6.766/79, será instruído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da Lei de criação e de seus atos constitutivos.
Parágrafo Quinto. Nas regularizações coletivas, poderá ser determinada a apresentação de memorial descritivo elaborado pela Prefeitura Municipal, ou por ela aprovado, abrangendo a divisão da totalidade da área ou a subdivisão de apenas uma ou mais quadras.
Aqui reside um dos problemas cruciais para a implementação da medidas asseguradas pelo Projeto More Legal II, a planta do imóvel e respectiva descrição deverão ser emitidas ou aprovadas pela Municipalidade.
Observa-se, com relativa freqüência, a resistência dos Municípios em proceder a aprovação ou emissão de tais instrumentos, ao argumento de que não estão conformes com a Lei.
No entanto, onde a situação é consolidada, a mesma é fundada na própria inércia no exercício do seu poder-dever de polícia, só restando o caminho da regularização, agora possibilitado por essa especial medida.
Destaca-se, dentre as possibilidades instituídas pelo Projeto:
1. a retificação da área para a sua especialização,
2. a localização de áreas em condomínio,
3. a regularização do parcelamento, e,
4. o usucapião.
A retificação de área tem assento no art. 10 do Prov. 17/99-CGJ:
"Art. 10. No caso da área parcelada não coincidir com a descrição constante do registro imobiliário, o Juiz determinará a retificação da descrição do imóvel com base na respectiva planta e no memorial descritivo."
A localização de áreas em condomínio recebe seu enquadramento no disposto no art. 7º do Prov. 17/99-CGJ:
"Art. 7º. Em imóveis situados nos perímetros urbanos, assim como nos locais urbanizados, ainda que situados na zona rural, em cujos assentos conste estado de comunhão, mas que, na realidade, se apresentam individualizados e em situação jurídica consolidada, nos termos do art. 2º, parágrafo primeiro, deste Provimento, o Juiz poderá autorizar ou determinar a averbação da identificação de uma ou de cada um das frações, observado o seguinte:
I - anuência dos confrontantes da fração do imóvel que se quer localizar, expressa em instrumento público ou particular, neste caso com as assinaturas reconhecidas;
II - a identificação da fração de acordo com o disposto nos arts. 176, inciso II, n.º 3, e 225 da Lei Nº 6.015/73, através de certidão atualizada expedida pelo Poder Público Municipal."
A regularização de parcelamento, por sua vez, tem amparo no art. 9º do Prov. 17/99-CGJ:
" Art. 9º. O pedido de regularização do lote individualizado, de quarteirão ou da totalidade da área será apresentado perante o juízo competente que, autuado e registrado, ouvirá, no prazo de 10(dez) dias, o Oficial do Registro de Imóveis.
Parágrafo Primeiro. Em seguida, os autos serão remetidos ao Ministério Público para manifestação.
Parágrafo Segundo. Após, os autos serão conclusos ao Juiz de Direito que decidirá de plano, podendo, se assim entender, suspender o julgamento e determinar publicação de edital para ciência de terceiros.
Parágrafo Terceiro. Será competente, em Porto Alegre, a Vara dos Registros Públicos e, no interior, a Vara da Direção do Foro.
Parágrafo Quarto. O procedimento será regido pelas normas que regulam a jurisdição voluntária, aplicando-se, no que couber, a Lei Nº 6.015/73, atendendo-se ao critério de conveniência ou oportunidade."
Aqui ressalva-se que os contratos deverão ser registrados, valendo como título para transmissão da propriedade quando acompanhados da devida prova de quitação e do recolhimento do imposto de transmissão de bens imóveis - ITBI respectivo. Tal registro poderá ser obtido mediante a comprovação idônea da existência do contrato, nos termos do art. 27 da Lei nº 6.766/79 (art. 6º do Prov. 17/99-CGJ).
Finalmente, o usucapião, encontra assento no art. 13 do Prov. 17/99-CGJ:
"Art. 13. Na eventual impossibilidade de regularização e registro de loteamento, desmembramento ou fracionamento de imóveis urbanos ou urbanizados, com fundamento no presente Provimento, recomenda-se o ajuizamento de ações de usucapião, individual ou coletivo, observando-se, conforme o caso, o disposto no art. 46 do Código de Processo Civil.
Parágrafo Único. As certidões necessárias à instrução do processo de usucapião, sendo o autor beneficiário da assistência judiciária, poderão ser requisitadas pelo Juiz gratuitamente."
Admite-se, ainda, a regularização pelo Poder Público, conforme disposto nos arts. 4º e 5º do Provimento citado.
O rol de documentos é bastante simplificado em se comparando com aquele constante no artigo 18 da Lei 6.766/79, pois trata-se de mera regularização de uma situação dominial pré-existente, restando inócua a apresentação de certidões referentes à situação jurídico-econômica do loteador para segurança do negócio realizado frente ao adquirente, já consolidado e irreversível.
Cumpridos os trâmites legais, o Juiz determinará o registro da regularização. O documento judicial não precisará ser necessariamente um mandado, nem mesmo uma ordem judicial específica, tendo em vista que a decisão proferida nos autos será suficiente para gerar o lançamento do registro.
Prolatada a decisão, todo o processo será remetido ao Ofício de Registro de Imóveis, para que seja regularizada a propriedade, autuado e, posteriormente, arquivado, providenciando-se na abertura das matrículas respectivas.
vi. O Estatuto da Cidade dá novos contornos ao Projeto More Legal
Estabelece o Prov. 17/99-CGJ que são excetuadas da possibilidade de regularização as áreas de risco ambiental, conforme se observa:
"Art. 1º.
Parágrafo Único. Ficam excluídas as áreas de risco ambiental, áreas indígenas, de preservação natural e outros casos previstos em lei."
Ocorrre, todavia, que legislação recente, que lhe é superveniente, deu contornos outros a tal normatização.
O novel Estatuto da Cidade - Lei nº 10.257/2001 - estabeleceu regras básicas para o desenvolvimento da política urbana, e já no parágrafo único do art. 1º, deixou assentado:
"Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental."
Veja-se que as normas desta Lei são de ordem pública e interesse social, prevalecendo sobre outras normas que tratam do assunto.
Nessa esteira, seu art. 2º, passou a regular as diretrizes para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbano, senão vejamos:
"Art. 2o ...
I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;" (grifei)
Aqui vale dizer, na hierarquia dos direitos apregoados pelo Estatuto da Cidade, tem-se o direito à moradia em ordem prioritária.
A propósito da afirmativa, observe-se a lição de CARAMURU AFONSO FRANCISCO: "Diante da postura agora tomada pelo estatuto, vê-se que há, dentro da prioridade estabelecida, seja possível o sacrifício de parte do saneamento ambiental somente quando se busque a proteção da moradia, direito que possui maior grau de prioridade dentro de nosso ordenamento constitucional. (... ) Assim é que, somente após a moradia e o saneamento ambiental é que se apresenta como aspecto do direito a cidades sustentáveis o direito à infra-estrutura urbana."
O direito à moradia a que alude o Estatuto da Cidade sustenta o pedido de regularização com base no Projeto More Legal II e se sobrepõe à questão ambiental e de infra-estrutura, restando mitigada a vedação constante no parágrafo 1º do art. 1º do Prov. 17/99-CGJ, sendo viável que se processe a regularização mesmo em áreas desta espécie, salvo se houver absoluta impossibilidade técnica.
vii. Conclusão
Permito-me concluir, de todo o exposto, que:
O foco de atuação do Projeto está na dignidade da pessoa humana, não no favorecimento ao parcelador faltoso, quando está presente situação consolidada e irreversível.
A situação consolidada vem definida no próprio texto do provimento em referência, valendo como prova documentos provenientes do Poder Público e os contratos de venda ou promessa de venda das frações comprovam a irreversibilidade da posse.
Não obstante fundar-se na posse - em virtude da exigência de situação consolidada e irreversível - a situação dominial deverá ser comprovada, o que aliás figura como requisito para implemento da medida (art. 2º, I, Prov. 17/99-CGJ).
As medidas oriundas do Prov. 17/99-CGJ são constitucionais, não se aplicando as regras ordinárias dos loteamentos nessa modalidade de regularização, presente a situação consolidada aludida.
Por meio dele será possível a realização de inúmeros atos destinados à regularização plena da propriedade, dentre eles: a retificação da área para a sua especialização (art. 10 do Prov. 17/99-CGJ), a localização de áreas em condomínio (art. 7º do Prov. 17/99-CGJ), a regularização do parcelamento, urbano ou urbanizável (art. 9º do Prov. 17/99-CGJ) e, finalmente, o usucapião (art. 13 do Prov. 17/99-CGJ), nada impedindo sejam cumulados os pedidos de localização, retificação e regularização.
Será dever da municipalidade a aprovação das plantas apresentadas com fundamento no Prov. 17/99-CGJ, considerando-se a irreversibilidade da situação, fundada, no mais das vezes, na inércia do próprio Poder Público no exercício do seu poder-dever de polícia.
Por fim, a questão ambiental, de relevância fundamental, deve ser analisada levando-se em conta a amplitude do direito à moradia, sendo de se glosar tal regularização somente se houver absoluta impossibilidade técnica.
* Julio Cesar Weschenfelder é Registrador Público de Vera Cruz-RS
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