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Seminário de Regularização Fundiária de SP - Aspectos Registrais, Urbanísticos e Ambientais - 2º PAINEL


Respostas da Dra. Betânia Alfonsin 

Publicamos abaixo as respostas que foram encaminhadas da platéia à Dra. Betânia Alfonsin.  

PERGUNTA). Diminuído o risco de “expulsão” em função da democratização do país, do espírito da legislação recente (Constituição Federal, Estatuto da Cidade, etc) quais vantagens teria o morador da cidade irregular com a regularização? O que o levaria a apoiar essa ação? Atualmente vê-se grande adensamento dos assentamentos precários (construção de novas unidades em favelas e loteamentos existentes), com agravamento das condições urbanas e habitacionais; nestes locais os moradores parecem querer “distância” dos serviços de regularização (cadastro, vistoria, discussão de direitos e deveres, etc). (Laura Machado de Mello Bueno). 

RESPOSTA: A regularização fundiária aumenta a segurança da posse e a qualidade de vida da população. Ainda que a percepção de “segurança da posse” se ligue a uma série de fatores, a titulação do lote, com o registro em cartório de registro de imóveis, ainda é percebida como “a fonte” de segurança da posse. Além disso, a passagem do mercado clandestino para o mercado formal valoriza os imóveis. Embora essa valorização implique um risco para a sustentabilidade da intervenção, ainda é percebida como vantajosa pelos moradores de assentamentos irregulares.  

P: As concessões outorgadas em Porto Alegre foram registradas nos Cartórios de Registro de Imóveis? Foram registrados individualmente ou coletivamente? Se foram registrados, foram a requerimento de quem? Do concessionário? Ou da Municipalidade? (Maria Ângela, arquiteta - [email protected]).  

R: Em Porto Alegre, a municipalidade levou a registro todas as intervenções com concessão do direito real de uso, mas não logrou êxito nessas tentativas. Todas as concessões de direito real de uso estão sendo discutidas na Vara dos Registros Públicos, já que em todos os casos  foi suscitada a dúvida. Nas concessões realizadas até o ano de 2002 o contrato foi individual e o requerimento ao cartório de registro de imóveis foi feito pela municipalidade. 

P: Em Porto Alegre a Prefeitura fez a Concessão de Direito Real de Uso a moradores ocupantes de áreas públicas denominadas “Sistema de lazer”, “Sistema de recreio” e “Praças”?

Quando a Prefeitura teve que retirar moradores de áreas de risco (públicas), qual ou quais parâmetros foram utilizados para indenização dos moradores (outra moradia, terreno/material, etc)? (Jorge Manuel de Carvalho, Secretário da Câmara Municipal de Hortolândia/SP, [email protected]).

R: Sim, Porto Alegre já procedeu a contratos de concessão do direito real de uso após a desafetação das áreas. O Plano Diretor do município prevê um mecanismo de “compensação”, com a seguinte redação: Art. 77. As áreas caracterizadas como bens de uso comum do povo atingidas por AEIS I e II somente serão objeto de processo de desafetação se: I - o índice de área verde por habitante, na respectiva Região de Gestão do Planejamento, for e mantiver-se, após a desafetação, igual ou acima dos parâmetros desejados, conforme laudo técnico elaborado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e pela Secretaria do Planejamento Municipal;

II - a população da respectiva região for consultada e aprovar a medida. § 1º Se as condições locais não permitirem o cumprimento do disposto no inciso I, a desafetação somente poderá ocorrer após a desapropriação, ou imissão na posse, de gleba de igual área, situada na mesma região, com a mesma finalidade e destinação. § 2º Excluem-se do disposto neste artigo as áreas que nesta data integram o Programa de Regularização Fundiária. Além disso, o município tem um programa de áreas de risco. As comunidades moradoras de áreas de risco estão sendo reassentadas em locais com condições de habitabilidade e de acordo com um plano de reassentamento que trabalha com indicações do Orçamento Participativo (por regiões) e com critérios técnicos que indicam as situações mais urgentes.  

P: Gostaria de saber se em Porto Alegre existem áreas de preservação ambiental ocupadas (sem a presença de loteador) e qual o tratamento que vem sendo dado pelo Município a essas áreas?(Liliane Garcia Ferreira, Promotora de Justiça do Meio Ambiente e Urbanismo de Cubatão). 

R: Como em todos os municípios brasileiros, há, em Porto Alegre, áreas de preservação ocupadas. O município somente acata para fins de regularização fundiária os assentamentos que já têm um longo tempo de posse (em que as famílias já são titulares de direitos de usucapião, por exemplo) e quando já não há mais bens ambientais a tutelar, ou seja, o gravame de preservação ambiental só existe no papel, pois a área já está totalmente urbanizada.  

P: Como tem sido “contornada” a questão ambiental e suas restrições nas áreas ocupadas em APP´s mais freqüentes em faixas de preservações de córregos? Se der para falar também sobre ocupações em faixas de domínio e non aedificandi de ferrovias e rodovias e linhas de transmissão, etc. (Rafael Lelo, [email protected]).  

R: O município observa a legislação do Código Florestal e não admite a regularização nas áreas non aedificandi. O dispositivo, no entanto, causa uma série de transtornos e consagra irregularidades, não somente em Porto Alegre, mas em todo o país. Há um debate em curso no CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente para a aprovação de uma regularização que flexibiliza a regulação das APPs para fins de regularização fundiária. O município aguarda esta resolução para proceder a regularização destas áreas.  

P: Tendo em vista a necessidade de reformular as normas da Corregedoria quanto ao registro das concessões, como ficou claro nesta manhã, favor comentar a respeito do Provimento “More Legal” do Rio Grande do Sul. (Mariana).  

R: No estado do Rio Grande do Sul, o município de Porto Alegre conseguiu uma aproximação da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para discutir o registro dos loteamentos aprovados, no âmbito administrativo, com a utilização do instrumento urbanístico das Áreas Especiais de Interesse Social. Como se sabe, nestes casos, são aplicados padrões diferenciados de urbanização, bem como um regime urbanístico especial é estabelecido em atenção ao projeto de regularização. Diante da resistência de alguns registradores em fazer o registro dos loteamentos, sob o argumento da excepcionalidade acarretada pelo regime da AEIS, a Prefeitura buscou interlocução com a Corregedoria e teve bons resultados. No depoimento do Procurador-Geral daquele município: “Para que a municipalidade, através de seus técnicos (arquitetos, urbanistas, sociólogos e procuradores) pudessem trabalhar de acordo com a legislação local, em particular com os polêmicos padrões diferenciados das AEIS, e sem que esta afrontasse a competência da União, foi necessário uma atuação junto ao Poder Judiciário, por parte da Procuradoria-Geral do Município, que num esforço coletivo resultou no Provimento nº 39/95 da Corregedoria-Geral de Justiça, o denominado projeto “MORE LEGAL”, de autoria do Desembargador Décio Antônio Erpen. Tal atuação se deu, também para flexibilizar sua aplicação, inclusive no setor cartorário. (...) Sensibilizada com a contribuição urbanística do instituto das AEIS e pautada por uma política de aproximação do Poder Judiciário às necessidades sociais, é que foi instituído o Provimento do projeto “MORE LEGAL”, com vários dispositivos orientadores de sua edição e importantes para a devida compreensão do novo ordenamento, mormente porque prevê que o registro de loteamento, desmembramento ou fracionamento obedecerá este provimento. [i]1”  (grifo meu.) 

A grande contribuição do provimento é que ele diminui significativamente as exigências documentais para aceitação do registro do parcelamento do solo, valorizando a opinião da municipalidade e levando em conta o gravame de AEIS. Além disto, a aceitação da flexibilização de padrões é determinada expressamente  pelos artigos 5º e 6º [ii]2 do provimento MORE LEGAL.  

O exemplo trazido do Rio Grande do Sul mostra que o diálogo com o Poder Judiciário é um caminho seguro para a atenuação das dificuldades encontradas pelo Poder Público para o registro das regularizações fundiárias que apoiou. Parece importante observar que o mérito da iniciativa da municipalidade de Porto Alegre está exatamente em não se conformar com a mera negativa dos serviços registrais em providenciar a finalização da regularização procedendo ao registro. A ação concreta de buscar interlocução com o “ator” que opunha o obstáculo frutificou e permitiu a resolução de muitos casos que se encontravam sem solução no município.  

P: Como a Corregedoria vem entendendo no RS, a necessidade de retificação prévia dos títulos de domínio para posterior registro de loteamentos. Há algum órgão de licenciamento Estadual de loteamentos, com condição para registro do mesmo? (Rosane Tierno, Cohab/SP, [email protected]). 

R: A Corregedoria emitiu um Provimento, o MORE LEGAL, que introduz algum grau de flexibilidade nos termos daquela normativa, inclusive no que diz com o título de propriedade (ver artigo 3º do provimento 17/99). Este provimento pode ser consultado pela Internet, no endereço http://www.mp.rs.gov.br/hmpage/homepage2.nsf/pages/curb_prov17. Não há órgão estadual licenciador do projeto de parcelamento do solo.  

P: A concessão de uso na A.E.I.S prevê ou limita a destinação do lote? A concessão de uso, no caso, não conflita com o direito pleno à propriedade, previsto na Constituição Federal? Cleusa – Fundação ITESP, [email protected] e [email protected]).  

R: A concessão do direito real de uso limita-se à utilização para fins de moradia, podendo admitir-se uso misto. A concessão não conflita com o direito à propriedade, pelo contrário, garante à propriedade pública uma função social (conforme artigo 5º, XXIII da Constituição Federal) e garante aos moradores o direito social à MORADIA, previsto no caput do artigo 6º da Constituição Federal. 

P: Como proceder a regularização registrária de um loteamento aprovado, registrado, com todos os lotes vendidos, mas que ao longo do tempo foi sendo implantado em desconformidade com o projeto aprovado? (ruas foram implantadas sobre lotes e vice-versa, o número de lotes demarcados (e com construção) não coincide com o indicado na planta e no registro etc.

Como “corrigir” os títulos dos adquirentes de lotes que foram contemplados na implantação e dos que, apesar de possuírem “título”, não conseguem “localizar” seus imóveis? ([email protected]). 

R: Uma primeira sugestão é a utilização do instrumento das áreas especiais de interesse social, para permitir trabalhar com a situação realmente existente. Além disto, em  Porto Alegre temos hoje o Provimento MORE LEGAL (Provimento nº 17/99) , que procura trabalhar com as “situações consolidadas”.  Este provimento flexibiliza o registro dos loteamentos aprovados, no âmbito administrativo municipal com a utilização do instrumento urbanístico das Áreas Especiais de Interesse Social. Como se sabe, nestes casos, são aplicados padrões diferenciados de urbanização, bem como um regime urbanístico especial é estabelecido em atenção ao projeto de regularização. Diante da resistência de alguns registradores em fazer o registro dos loteamentos, sob o argumento da excepcionalidade acarretada pelo regime da AEIS, a Prefeitura buscou interlocução com a Corregedoria e teve bons resultados.  

A grande contribuição do provimento é que ele diminui significativamente as exigências documentais para aceitação do registro do parcelamento do solo, valorizando a opinião da municipalidade e levando em conta o gravame de AEIS. Além disto, a aceitação da flexibilização de padrões é determinada expressamente pelos artigos 5º e 6º [iii]3 do provimento MORE LEGAL.  

P: O plano diretor de Porto Alegre, com certeza, prevê a ocupação de forma ordenada do solo urbano, e, para isso requer exigências regulamentares no intuito de privilegiar a melhoria da qualidade de vida, neste sentido pergunto: Como o governo de Porto Alegre concilia as questões básicas exigidas pela Lei 6.766/79, em seu art. 18, no que tange a regularização dos imóveis irregulares citados em sua belíssima explanação? (Walker Cardoso Prado – Paraguaçu/MG, [email protected]).  

R: Se bem entendi a pergunta, o município mantém um núcleo de regularização de loteamentos junto à Procuradoria-Geral do Município, paralelo ao programa de regularização fundiária (que se destina prioritariamente à regularização de assentamentos auto-produzidos).  

P: Na sua brilhante exposição V.Sa. citou vários instrumentos jurídicos utilizados na política de regularização fundiária do Rio Grande. Gostaria de saber se foi utilizado o direito de superfície como instrumento de regularização fundiária? (Cleomar Moura, registrador, [email protected]).  

R: Não, o direito de superfície nunca foi utilizado, até o presente momento, nos processos de regularização fundiária. Está sendo proposta a inclusão do direito de superfície no Plano Diretor para fins de permitir a transferência da moradia nos casos em que o município faz a concessão do direito real de uso do terreno, mas a moradia foi auto-construída. 

P: Como a Sra. entende a somatória da posse (tempo da posse) do requerente para a concessão de uso especial para fins de moradia, no caso da concessão individual, uma vez que na Medida Provisória 2220/01 apenas menciona a possibilidade da soma da posse do antecessor no caso da concessão coletiva? Como entende a situação do locatário morador de áreas objeto de concessão de uso especial para fins de moradia? (Maria Ângela, [email protected]). 

R: Penso que se aplica a soma da posse e que para todos os instrumentos de regularização fundiária incluídos no Estatuto da Cidade devemos aplicar uma hermenêutica de legitimação dos novos direitos. Quanto à locação em áreas públicas, penso que a prática da “grilagem” deve ser combatida e a concessão deve ser dada ao morador locatário.  

P: Gostaria de receber por e-mail o trabalho exposto no dia de hoje, para acrescer no acervo técnico da Municipalidade de Diadema. (Naílson Elias da Silva, [email protected]).  

R: O trabalho está disponibilizado para o IRIB. solicita-se expressamente o respeito ao direito autoral).  

P: Como está sendo feita a regularização urbanística em outros assentamentos espontâneos? Existem experiências que tratam dos problemas dos espaços públicos (vias, etc) e privados (lotes, moradias) sem a reconstrução do assentamento, como aconteceu em Vila Planetário, mas mantendo a maior parte do ambiente já construído? (Regina Bienenstein, [email protected]). 

R: Sempre trabalhamos com o instrumento das áreas especiais de interesse social – AEIS, para proceder à regularização urbanística. Há muitos casos em que a regularização foi feita sem reconstrução do assentamento, com mera urbanização e qualificação do assentamento do ponto de vista espacial e urbanístico.  

P: O perímetro urbano de um Município foi julgado devoluto em ação discriminatória. Como conseqüência, os registros contidos nesta área foram cancelados. O Poder Público Municipal, titular do domínio, outorgou concessão de direito real de uso aos moradores. Tal instituto não funcionou, pois muitos não preenchiam os requisitos da concessão, já que caberia mais para população de baixa renda. Desta forma, a Prefeitura Municipal alienou aos ocupantes, por meio de Lei Municipal, seus imóveis. Qual a sua opinião a respeito do caso? ([email protected]). 

R: Não tenho elementos suficientes para dar a resposta. Seria necessário um detalhamento maior para que a situação ficasse mais clara. Sinto muito.  

P: Explique o papel do urbanizador social. Seria um incorporador, sem visar o lucro, ou ele teria algumas vantagens em outros lotes a serem urbanizados. ([email protected]).  

R: Bastante interessante, em sua concepção, a idéia deste instrumento – Urbanizador Social. É a de adotar uma nova estratégia para lidar com o problema da produção irregular e clandestina de lotes no município. A essência da proposta é de que, simplificando a legislação, flexibilizando padrões e agilizando a tramitação dos projetos, aqueles loteadores que hoje produzem seus loteamentos de forma clandestina e/ou irregular, possam passar a produzir seus empreendimentos legalmente. Em contrapartida por estes benefícios oferecidos pela municipalidade, o urbanizador social ofereceria lotes a preços compatíveis com a produção de Habitação de Interesse Social ou doaria parte dos lotes ao Governo. Alternativamente, ainda, o urbanizador poderá construir equipamentos urbanos, comunitários ou de geração de renda como contrapartida. Há ainda a possibilidade de dispensar a contrapartida do loteador nos casos em que empreendedor e município acordem um preço final de lote que inclua um “desconto” pelos benefícios dados pelo Poder Público ao loteador. Nesta última possibilidade, o município logra um aumento da oferta de lotes regulares para baixa renda no município pela via do mercado imobiliário.  

Trata-se, portanto, de uma parceria, na qual o urbanizador social cumpre com uma função pública, de forma subsidiária. Para atingir este objetivo, um grande processo de concertação do instrumento foi conduzido pela Prefeitura, que construiu diálogos com o Sinduscon, com pequenos loteadores, com cooperativas habitacionais e com a Câmara de Vereadores - além de toda a negociação interna ao Governo.



[i][1] Esta experiência é contada em detalhe por FAVRETO, Rogério e FUHRO, Vaneila Muller – Núcleo de Regularização de Loteamentos: a experiência de Porto Alegre in FERNANDES, Edésio & ALFONSIN, Betânia - A lei e a ilegalidade na produção do espaço urbano, Belo Horizonte, Del Rey, 2003, pg. 78 e ss. 

[ii][2] Art. 5º. Nas hipóteses de regularização previstas no presente Título, a autoridade judiciária poderá permitir o registro, embora não atendidos os requisitos urbanísticos previstos na Lei Nº 6.766/79 ou em outros diplomas legais.

Art. 6º. Registrado ou averbado o parcelamento (loteamento, desdobramento, fracionamento ou desdobre) do solo urbano, os adquirentes de lotes de terreno poderão requerer o registro dos seus contratos, padronizados ou não, apresentando o respectivo instrumento junto ao ofício do Registro de Imóveis.

[iii][3] Art. 5º. Nas hipóteses de regularização previstas no presente Título, a autoridade judiciária poderá permitir o registro, embora não atendidos os requisitos urbanísticos previstos na Lei Nº 6.766/79 ou em outros diplomas legais.

Art. 6º. Registrado ou averbado o parcelamento (loteamento, desdobramento, fracionamento ou desdobre) do solo urbano, os adquirentes de lotes de terreno poderão requerer o registro dos seus contratos, padronizados ou não, apresentando o respectivo instrumento junto ao ofício do Registro de Imóveis.



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