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O Mito da Zona Rural - Edésio Fernandes*


Muitos têm sido os avanços dos Municípios na ultima década na busca do pleno reconhecimento de seu lugar no contexto da federação brasileira.

De fato, a Constituição Federal de 1988 definiu de maneira explícita a autonomia municipal em termos políticos, legais e financeiros; posteriormente, as Leis Orgânicas Municipais consolidaram tal quadro. O fato é que, em que pesem as restrições do quadro nacional mais amplo e a herança pesada dos regimes anteriores, os Municípios brasileiros nunca foram tão ricos e politicamente fortalecidos.

Contudo, uma última barreira parece persistir: a noção - equivocada - de que o Município não tem competência para agir dentro das suas próprias zonas rurais. Em outras palavras, existe por todo lado um entendimento de que os Municípios não teriam jurisdição sobre a parte do território municipal reservada para atividades rurais, as quais seriam campo exclusivo da ação da União Federal, notadamente no que toca a disciplina do uso do solo.

Tal noção errônea tem gerado todo tipo de aberrações - da falta de concessão de alvarás de construção e de licenciamento de atividades na área rural a proliferação de assentamentos ilegais tais como muitos dos chamados "loteamentos fechados", "granjeamentos" e "condomínios horizontais", reconhecidamente para fins urbanos, além da freqüente localização de equipamentos institucionais do Estado e da União sem qualquer consulta aos Municípios.

Tentando evitar tais problemas e de forma a exercer maior controle sobre seus territórios, muitos Municípios têm optado por abolir totalmente as zonas rurais, abrindo a ocupação urbana - e a especulação imobiliária - mesmo àquelas áreas onde há genuína atividade agropecuária e/ou vocação rural. Além de afetar diretamente a produção rural, tais medidas têm também implicado, dentre outras coisas, em um maior comprometimento das áreas de preservação de mananciais e da cobertura vegetal existentes nas zonas rurais.

A grande ironia, contudo, e que cabe ao próprio Município delimitar tais zonas rurais (juntamente com as áreas urbanas e de expansão urbana) por lei municipal. Ora, um princípio básico do regime jurídico é o de que quem pode mais, pode menos: como, então, justificar a falta de competência municipal para agir sobre aquelas zonas criadas por lei municipal?

Na verdade, são duas as principais restrições do quadro legal vigente na ação dos Municípios nas zonas rurais: a determinação do tamanho mínimo do lote rural e a cobrança do imposto territorial rural (de cuja arrecadação o Município participa). No mais, toda e qualquer atividade que implique uso e ocupação do solo rural deve ser submetida a aprovação dos Municípios, com o que se faz necessária, além da formulação de uma política rural municipal, também a aprovação de diretrizes e critérios de uso e ocupação do solo.

O "mito da zona rural" tem origem na história de centralismo e autoritarismo do país e precisa ser corrigido com urgência. Ao invés de entregar seus territórios a ação ineficaz e incompetente do distante INCRA, transformando as zonas rurais em verdadeiras terras-de-ninguém; ao invés de ignorar a necessidade de enfrentar as questões rural e ambiental, facilitando a especulação imobiliária; ao invés de abolir as zonas rurais, os Municípios deveriam talvez acabar com as "Secretarias Municipais de Desenvolvimento Urbano", tal como elas existem, de forma a que elas se transformem em agências modernas de planejamento e promoção do desenvolvimento municipal integrado e sustentável.

* Edesio Fernandes é Advogado, Planejador Urbano, Pesquisador há 10 anos radicado na Inglaterra, onde conta com mestrado e doutorado pela Universidade de Warwick. Atualmente é Research Fellow da Universidade de Londres, onde trabalha com planejamento, políticas, legislação urbana e ambiental em países em desenvolvimento, inclusive Brasil. Trabalhou no PLAMBEL – Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, na Assembléia Constituinte. Outros artigos: "Law and Urban Change in Brazil" (Avebury, 1995), "Illegal Cities" (Zed Books, 1998), "Direito Urbanístico" (Del Rey, 1998) e "Enviromental Strategies for Sustainable Development in Urban Areas" (Ashgate, 1998)



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