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Seminário O Estatuto da Cidade - Parte I

IRIB, CAOHURB e SECOVI-SP discutem Estatuto da Cidade com juristas e especialistas em seminário que reuniu 400 pessoas


Três meses após a renovação do convênio em que o Irib e o Ministério Público de São Paulo estabeleceram um intercâmbio para a interpretação e aplicação dos dispositivos legais referentes às questões registrárias na área de habitação e urbanismo, as duas entidades e o Sevovi-SP promoveram o primeiro evento para a discussão da recém-editada Lei 10.257, de 10/7/2001, que trata do Estatuto da Cidade.

O Seminário Estatuto da Cidade, realizado no Maksoud Plaza Hotel, em São Paulo-SP, nos dias 31/10 e 1/11 pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil em parceria com o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Estado de São Paulo e pelo Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo - SecoviSP foi prestigiado pela presença de autoridades dos poderes judiciário, legislativo e executivo e pelo comparecimento maciço de promotores de justiça, registradores imobiliários de todo o Brasil e empresários da construção e comercialização de imóveis.

O coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo - Caohurb, Dr. José Carlos de Freitas, chamou para a composição da mesa de trabalhos: o Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, Dr. José Geraldo Brito Filomeno; o presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo, Secovi-SP, Dr. Romeu Chap Chap e o presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - Irib, Dr. Lincoln Bueno Alves.
 



Discurso de Abertura
Dr. JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO
Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo


"Todos têm o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações".

Mais do que um conceito de cidade sustentável, contido na primeira das várias diretrizes do art. 2º do Estatuto da Cidade, o enunciado consagra um dos pilares de sustentação do grande projeto de cidades planejadas, que visa proporcionar qualidade de vida, segurança e bem-estar aos citadinos.

Planejamento responsável, respeito à função social da propriedade e gestão democrática da cidade compõem as fundações sobre as quais se assenta a Lei nº 10.257/2001, para a construção de uma ordem urbanística mais justa, solidária e humana.

O recente diploma legal sinaliza que a cidade não é apenas um ambiente de negócios e que não deve ser um projeto de ambição política pessoal, nem laboratório de experiências que nos transforme em cobaias de planos copiados de povos sem identidade com nossa gente.

Na cidade construímos nossas casas para moradia. Por ela circulamos para atingirmos nosso local de trabalho e a escola de nossos filhos. Ela é o sítio onde, após a labuta diária e semanal, exercemos nosso lazer, recompomos nossas energias, realimentamos o espírito e molduramos nosso corpo. É o palco de oportunidades econômicas e culturais.

Mas é também um cenário de conflitos de interesses que reclamam soluções ousadas e criativas.

A população brasileira registra mais de 85% dos seus habitantes residindo nas áreas urbanas. Vivemos num contexto de urbanização desordenada, de cidades despreparadas para absorver as demandas de um contingente que, por opção ou necessidade, migrou para os espaços urbanos nos últimos 50 anos.

Essa ocupação desenfreada reflete hoje o caos das grandes e médias cidades, de que são exemplos os congestionamentos diários no trânsito, o colapso do transporte público, as inundações periódicas e previsíveis, as pichações e o maltrato da paisagem urbana, a má distribuição das atividades e serviços, o desrespeito ao zoneamento e às posturas edilícias.

A cidade ideal está longe das aspirações de grande parcela de nosso povo, que ocupa áreas de risco, habita cortiços, invade áreas públicas, mora em loteamentos clandestinos, nas áreas de proteção ambiental e aloja-se em casas edificadas num regime de auto-construção.

Enquanto isso, boa parte das terras urbanas subutilizadas fica estocada à espera de valorização, fomentando a chamada especulação imobiliária, cujos dias parecem estar contados, desde que os planos diretores sejam elaborados por pessoas sérias e comprometidas com o interesse social e público.

Nossas cidades têm abrigado contrastes e variadas formas de segregação social:

- a segregação do mercado formal que, privilegiando os espaços melhor servidos com infra-estrutura urbana, contempla quem pode pagar pelo conforto, enquanto a grande massa se dispersa na periferia esquecida pelos investimentos públicos;

- a segregação de moradores que se escondem em guetos, atrás de muros, cancelas e guaritas, fechando ruas e áreas de uso comum do povo, impedindo o acesso dos demais cidadãos; o mesmo argumento da criminalidade e da violência urbanas que os anima a se encastelarem nos modernos feudos, também alimenta a milionária indústria da segurança privada.

São estes e muitos outros os desafios que o Estatuto da Cidade pretende enfrentar. Para tanto, ele prestigia a formação de parcerias entre Poder Público e a iniciativa privada (de que são exemplos as operações consorciadas e a outorga onerosa do direito de construir, estabelece regras para o planejamento municipal, enaltece o controle social mediante participação da população e de associações representativas, na formulação de políticas públicas urbanísticas.

Também é um desafio da sociedade e de seu principal interlocutor, o Ministério Público, a quem o Estatuto da Cidade atribuiu a árdua missão de tutelar a ordem urbanística, conceito necessariamente vago para colher as mutações das relações sociais e econômicas que gravitam em torno do urbanismo, que é dinâmico.

Como instituição permanente na defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o Ministério Público de São Paulo, ora como guardião intransigente do Estatuto da Cidade, continuará dando sua contribuição, como já vinha fazendo a contento através dos denodados Promotores de Justiça da área de habitação e urbanismo.

Necessário consignar o importante papel dos registradores, porquanto o Estatuto da Cidade vem acentuar a função pública do registro imobiliário. O ofício predial, além de abrigar a tradicional atividade de informação sobre as transformações jurídico-objetivas da propriedade imobiliária, passa cada vez mais a exercer o controle jurídico-social da propriedade urbana, na medida em que a matrícula continuará recepcionando direitos reais como também, e cada vez mais, as limitações urbanísticas ao direito de propriedade.

Termino parabenizando o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo, o SECOVI e o IRIB pela feliz iniciativa na realização deste evento, por reunir algumas das melhores inteligências na área do Direito, do Urbanismo e da iniciativa privada.

Desejo a todos um profícuo seminário, onde certamente germinarão novas idéias para o planejamento das cidades sustentáveis deste novo milênio, em prol das presentes e futuras gerações.

Obrigado.
 



Discurso de Abertura
Dr. ROMEU CHAP CHAP
Presidente do SECOVI-SP


Sentimo-nos honrados com a oportunidade de compartilhar a realização deste oportuno seminário com o Ministério Público de São Paulo e o IRIB, Instituto de Registro Imobiliário do Brasil.

Aqui reunimos grandes personalidades de nossa sociedade, aptas e dispostas a contribuir com seus conhecimentos na discussão de tema que influenciará decisivamente a vida de todos nós: o Estatuto da Cidade.

Sancionada em 10 de julho, essa nova legislação, foi discutida por mais de dez anos no Congresso Nacional, e veio regulamentar o artigo 182 da Constituição, que trata da ordenação do desenvolvimento urbano, e o artigo 183, referente ao usucapião urbano.

Com virtudes e pontos questionáveis, a lei está em vigor e é fruto de grande expectativa social.

A ocupação urbana nas cidades esteve até hoje relegada a plano secundário, esperando-se que a questão seja agora priorizada, mediante um diploma legal moderno e eficaz.

É natural que seus efeitos não se produzam automaticamente. Há uma série de novos

instrumentos previstos, com ênfase à parceria entre poder público e iniciativa privada.

Importante lembrar que, em São Paulo, foram poucas as experiências e inovações baseadas no mecanismo das parcerias.

Mas os preconceitos e incompreensões comprometeram seu desenvolvimento.

Pior: as parcerias foram marcadas pela suspeição, em razão da grande insegurança jurídica ocasionada. Vide o que aconteceu com as Operações Interligadas, declaradas inconstitucionais, colocando sub judice mais de 200 edificações em construção ou já concluídas, consideradas irregulares após mais de dez anos de vigência de lei aprovada pela Câmara Municipal.

O Estatuto da Cidade abre caminho para o resgate dessa tão necessária sistemática, e exige total despojamento de qualquer resistência ou prevenção para que suas ferramentas possam criar algo de novo no universo urbanístico.

Da compreensão do Ministério Público e do Judiciário sobre a aplicação dos instrumentos

previstos pela nova legislação - como a outorga onerosa - será alcançada a indispensável

credibilidade.

A clareza de interpretação da nova lei também será vital para os prefeitos de todo o País, responsáveis diretos pela promoção da qualidade de vida em seus municípios - em essência, o objetivo maior do Estatuto da Cidade.

À luz das experiências do passado e da nova legislação, o Ministério Público tem em mãos a oportunidade de disciplinar e conferir segurança jurídica a um conjunto de mecanismos de parceria que poderão ser praticados pela atividade formal, colaborando eficazmente para a superação de vários de nossos problemas urbanos.

Além disso, com base em discussões como esta, Judiciário e Ministério Público poderão fixar posturas e esclarecer pontos questionáveis.

O IPTU progressivo para terrenos vazios, por exemplo, é questão bastante complexa, pois caberá diferenciar objetivamente quando se trata ou não de especulação.

Em cidades como São Paulo, onde há um Plano Diretor, a especulação praticamente inexiste. É uma prática antieconômica, pois o custo dessa opção é absurdo, principalmente em face da estabilidade da moeda. Com o controle da inflação, especular com imóveis tornou-se um péssimo negócio!

Assim, muitas vezes as pessoas têm terrenos vazios por contingências: litígios familiares devidos a herança ou outros problemas jurídicos, mercado sem condições de absorver novos produtos, em razão da ausência de tomadores ou de financiamentos, dentre outros motivos concretos - agora agravados pelas crises que provocam desaceleração da economia, elevação dos juros, etc.

Em casos como esses, seria injusto penalizar os proprietários com a progressividade do IPTU. Idem no que diz respeito à edificação compulsória. O cidadão pode até desejar construir, mas se não tiver meios receberá um duplo castigo.

É preciso também conferir interpretações objetivas a outros aspectos, de forma a não comprometer seus propósitos finais. Há que se clarear a função social da propriedade e o direito de propriedade no âmbito do Estatuto da Cidade.

Igualmente, cumpre elucidar o direito de preempção, que afeta diretamente a liberdade de comercialização, pois obriga o proprietário que desejar vender seu imóvel a oferecê-lo primeiro a órgãos governamentais. A coletividade deve ser bem orientada.

Há outras questões tão ou mais relevantes que as apontadas, como impacto de vizinhança, transferência do direito de construir, direito de superfície, usucapião coletivo, enfim, um elenco de temas que o Ministério Público buscará abranger nestes dois dias de debates.

A sociedade espera que desse entendimento se possa recuperar o tempo perdido e se comece a operar novos modelos de desenvolvimento urbano.

Espera-se, ainda, que não mais se tente resistir à realidade. Embora a bomba da taxa do crescimento demográfico tenha sido desarmada, as cidades já abrigam quase 80% da população brasileira, e as soluções para isso continuam as mesmas de vinte anos atrás.

Precisamos inovar e dar uma resposta à altura da demanda dessa população: promover condições dignas de vida.

Temos convicção de que este seminário, por seus ilustres expositores, trará consistente contribuição a esses legítimos anseios da sociedade. A todos, nossos votos de máximo aproveitamento. Muito obrigado!
 



Discurso de Abertura
Dr. LINCOLN BUENO ALVES
Presidente do IRIB


É uma enorme satisfação para os registradores imobiliários de São Paulo, e para os registradores brasileiros aqui presentes, participar deste seminário sobre o Estatuto da Cidade, realizado em conjunto com o Ministério Público de São Paulo e com o Secovi-SP.

O tema é de suma importância para o registro de imóveis pela influência que traz às atividades registrais imobiliárias. O respeito à propriedade privada está diretamente ligado à segurança jurídica do Estado democrático e à ordem constitucional. O registro da propriedade garante a paz social e a prevenção de litígios. Os registradores brasileiros estão aptos a atender em seus cartórios todas as espécies de títulos, registros que são ali acessados.

A responsabilidade do registrador é enorme na recepção dos títulos que vão acessar o registro imobiliário. Por isso o convênio, estabelecido entre o Irib e o Ministério Publico de São Paulo, desde 1999, tem sido fundamental para a "a interação entre as atividades dos registradores e dos membros do Ministério Público, reconhecidamente convergentes (...) na tutela dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos afetos à habitação e ao urbanismo, notadamente ao uso, ocupação e parcelamento do solo urbano".

Um dos principais objetivos do convênio é justamente a promoção conjunta de congressos, cursos e seminários como este, destinados ao estudo de temas de interesse comum ao MP e aos registradores. Várias iniciativas tiveram a participação dos registradores e dos promotores de justiça do Ministério Público de S. Paulo durante estes últimos anos. Hoje estamos novamente reunidos para mais uma sessão de estudos e debates em torno da Lei 10.257, que certamente será de grande proveito para todos nós. Aproveito a oportunidade para agradecer a presença de todos os senhores e a imprescindível colaboração do CAOHURB e do Secovi para a realização deste evento.
 



Palestras: 31/10/01

1º Painel - Plano Diretor - Coordenadora: Aldaiza Sposati - Vereadora e Presidente da Comissão de Política Urbana Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara Municipal


Palavras da coordenadora do primeiro painel, Aldaiza Sposati:


Agradeço o convite e gostaria de dizer que esta possibilidade de uma discussão entre Secovi, Ministério Público, Irib e várias outras instituições sobre a questão urbana da cidade de São Paulo me parece altamente significativa.

Gostaria antes de fazer um pequeno comentário. Está em elaboração na cidade de São Paulo um novo plano diretor, hoje já no lastro de uma sociedade que alcança o estado de direito, muito diferente do primeiro plano diretor da cidade na década de 70, portanto de um corte muito mais tecnocrático. Este plano diretor se funde numa perspectiva de democracia, de cidadania e de redistribuição.

Pensar São Paulo hoje exige pensar não só na sua totalidade, mas na sua heterogeneidade e este é um imenso desafio. Estamos neste momento discutindo a aprovação das sub-prefeituras da cidade de São Paulo, proposta formulada no final da década de 60, pelo então prefeito Faria Lima, que até hoje não foi efetivada. Vamos ter que pensar na cidade, no seu todo, mas também na heterogeneidade das suas partes. Construir essa unidade será um desafio, hoje partilhado com vários grupos organizados. A cidade deverá contar com os conselhos de representantes, novos focos de decisão para a discussão de São Paulo.

Acho que estas considerações vêm ao debate sobre o Estatuto da Cidade, que se propõe a conceber cidades em todos os pedaços da cidade de São Paulo, de modo a terminar com as áreas de fronteira - de defesa do meio ambiente, de defesa dos mananciais, de defesa das reservas das águas da Cantareira - mas também áreas de fronteira em que há precariedade das condições de vida, ocupações irregulares, ou mesmo ausência de conjuntos de serviços que ao mesmo tempo preservem o meio ambiente e a vida das pessoas. Temos na cidade áreas de intensa violência junto a esses setores contíguos. Em São Paulo a violência está associada a seu crescimento demográfico em regiões periféricas, onde múltiplos conjuntos habitacionais são construídos pela Cohab. Essas áreas registraram, na última década, crescimento de 120% do assentamento populacional. Ao mesmo tempo, nas regiões centrais da cidade houve redução de até 25% dos habitantes.

Assinalo estas questões porque entendo que o novo plano diretor tem que dar conta de todo este movimento interno de cidade, além de toda a dimensão metropolitana deste imenso continente.

Devemos discutir a cidade de um modo muito pontual e na perspectiva de um plano diretor geral e de planos regionais. Que meta queremos atingir na cidade de São Paulo

do ponto de vista do convívio urbano com melhor qualidade de vida e melhor defesa ambiental? Primeira vez o plano diretor é efetivamente assentado num processo democrático e cidadão para todos.
 



Palestra 1 - 1º painel

ESTATUTO DA CIDADE - INSTRUMENTO PARA AS CIDADES QUE SONHAM CRESCER COM JUSTIÇA E BELEZA
Raquel Rolnik - Urbanista e Professora da PUC/Campinas-SP


(Trechos do trabalho escrito e da palestra)

            Depois de 11 anos de negociações e adiamentos, o Congresso Federal aprovou o Estatuto da Cidade, lei que regulamenta o capítulo de política urbana (artigos 182 e 183) da Constituição Federal de 1988. Encarregada pela constituição de definir o que significa cumprir a função social da cidade e da propriedade urbana, a nova lei delega esta tarefa para os municípios, oferecendo para as cidades um conjunto inovador de instrumentos de intervenção sobre seus territórios, além de uma nova concepção de planejamento e gestão urbanos.

As inovações contidas no Estatuto situam-se em três campos: um conjunto de novos instrumentos de natureza urbanística voltados para induzir - mais do que normatizar - as formas de uso ocupação do solo; uma nova estratégia de gestão que incorpora a idéia de participação direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade e a ampliação das possibilidades de regularização das posses urbanas, até hoje situadas na ambígua fronteira entre o legal e o ilegal.

No primeiro conjunto - dos novos instrumentos urbanísticos - a evidente interação entre regulação urbana e a lógica de formação de preços no mercado imobiliário é enfrentada através de dispositivos que procuram coibir a retenção especulativa de terrenos e de instrumentos que consagram a separação entre o direito de propriedade e potencial construtivo dos terrenos atribuído pela legislação urbana. A partir de agora, áreas vazias ou subutilizadas situadas em áreas dotadas de infra-estrutura estão sujeitas ao pagamento de IPTU progressivo no tempo e à edificação e parcelamento compulsórios, de acordo com a destinação prevista para a região pelo Plano Diretor. A adoção deste instrumento pode representar uma luz no fim do túnel para as cidades que em vão tentam enfrentar a expansão horizontal ilimitada, avançando vorazmente sobre áreas frágeis ou de preservação ambiental, que caracterizam nosso urbanismo selvagem e de alto risco. Que cidade média ou grande de nosso país não tem uma ocupação precocemente estendida, levando os governos a uma necessidade absurda de investimentos em ampliação de redes de infra-estrutura - pavimentação, saneamento, iluminação, transporte - e, principalmente, condenando partes consideráveis da população a viver em situação de permanente precariedade? Que cidade média ou grande de nosso país não é obrigada a transportar cotidianamente a maior parte da população para os locais aonde se concentram os empregos e as oportunidades de consumo e de desenvolvimento humano, desperdiçando inutilmente energia e tempo?

Ainda no campo dos instrumentos urbanísticos, o Estatuto consagra a idéia do Solo Criado, através da institucionalização do Direito de Superfície e da Outorga Onerosa do Direito de Construir. A idéia é muito simples: se as potencialidades dos diferentes terrenos urbanos devem ser distintas em função da política urbana (áreas que em função da infra-estrutura instalada devem ser adensadas, áreas que não podem ser intensamente ocupadas por apresentarem alto potencial de risco - de desabamento ou alagamento, por exemplo) , não é justo que os proprietários sejam penalizados - ou beneficiados - individualmente por esta condição, que independeu totalmente de sua ação sobre o terreno. Desta forma separa-se um direito básico, que todos lotes urbanos devem possuir, dos potenciais definidos pela política urbana.

Vozes críticas em relação a estes novos dispositivos tentaram , durante o longo o processo de tramitação , caracterizar estes instrumentos como "mais um imposto" ou "confisco de um direito privado". Este discurso procura inverter o que realmente ocorre em nossa cidades - a apropriação privada (e na mão de poucos) da valorização imobiliária decorrente dos investimentos públicos e coletivos, pagos pelos impostos de todos... Além de configurar um confisco, este mecanismo perverso é da tal forma alimentado pela desigualdade de condições urbanas que caracteriza as nossas cidades, que acaba sendo responsável também por instaurar um urbanismo condenado a um modelo excludente: as poucas áreas que concentram as qualidades de uma cidade bem desenhada e equipada são destinadas para os segmentos de maior renda. Para os mais pobres, em nosso país as maiorias, resta a ocupação das franjas, das áreas longínquas ou pouco aptas para urbanizar como as encostas de morros, as beiras de córrego, os mangues. Desta forma uma poderosa máquina de exclusão territorial é posta em operação, monstro que transforma urbanismo em produto imobiliário, negando à maior parte dos cidadãos o direito a um grau básico de urbanidade.

Mas não reside apenas na regulamentação deste conjunto de instrumentos a importância do Estatuto da Cidade. Na verdade, pela primeira vez em nossa história, temos uma regulação federal para a política urbana que se pratica no país, definindo uma concepção de intervenção no território que se afasta da ficção tecnocrática dos velhos Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado, que tudo prometiam (e nenhum instrumento possuíam para induzir a implementação do modelo idealizado proposto!).

(...)

É fundamental ampliar a participação direta do cidadão nos processos decisórios que vão afetar o futuro da sociedade. É muito importante ressaltarmos duas questões. Primeiro, não é por acaso que a maior parte dos instrumentos que estão contidos no estatuto estão vinculados ao plano diretor da cidade. Longe de ser uma estratégia protelatória, ao vincular a aplicação dos instrumentos ao plano diretor, o estatuto estabelece claramente duas questões: por um lado confere ao plano diretor uma nova concepção, uma nova forma de se colocar perante a gestão urbana e, por outro lado, reforça a idéia de que os instrumentos presentes no estatuto são instrumentos para atingir determinados fins, que devem ser estabelecidos nas situações concretas das cidades.

Por isso esse plano diretor é importante. Ele vai estabelecer os objetivos e a estratégia para atingi-los. Vai mobilizar os instrumentos do Estatuto da Cidade na direção da implantação desses objetivos e aí o conjunto de instrumentos. Sobretudo os instrumentos de natureza urbanística são instrumentos de indução da ação dos agentes que produzem e constróem as cidades, no sentido da construção da cidade desejada que queremos estabelecida no plano diretor.

Temos uma experiência de implementação de planejamento extremamente frustrante e é sobre ela que é necessário refletir. Temos cidades que têm plano diretor há 20 anos todas elas são marcadas pelo desequilíbrio social. Nenhuma conseguiu garantir um patamar básico de urbanidade e de equilíbrio, apesar dos planos definirem e determinarem claramente uma cidade equilibrada, desenhada nos seus mapas e papéis.

A grande discussão é como esses planos intervêm na produção concreta da cidade. Os instrumentos de que dispomos até agora, toda concepção e metodologia utilizada na nossa tradição tecnocrática de plano diretor, têm sido de estabelecer o modelo ideal de cidade, defini-lo no plano, a partir daí construir uma norma e a dinâmica real da cidade como se não estivéssemos em cidades marcadas pela desigualdade de renda, de acesso aos bens, benefícios etc. O resultado disso tem sido a produção de uma dualidade. Existe um pedaço muito pequeno da cidade com uma condição urbana básica onde estão concentrados os empregos, a renda, as oportunidades culturais, econômicas, de saúde etc. e um segundo espaço urbano, normalmente maior, distante do primeiro e bastante precário.

O plano diretor tem que ser absolutamente claro nos seus objetivos. E a cada objetivo do plano deve corresponder um instrumento de implementação: instrumento de redistribuição das oportunidades urbanas, de manejo do uso e ocupação de solo, de democratização do mercado, de garantia das condições básicas de urbanidade etc.

(...)
 



Palestra 2 - 1º painel

ASPECTOS JURÍDICOS DO PLANO DIRETOR
Adilson Abreu Dallari - Professor de Direito Urbanístico da PUC/SP


(Trecho do trabalho escrito)

I - INTRODUÇÃO

(...)

II - O ESTATUTO DA CIDADE

            A promulgação da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2.001, denominada oficialmente como Estatuto da Cidade, é um marco extremamente relevante para o desenvolvimento dos estudos de direito urbanístico, na medida em que representa o ponto de partida para uma futura sistematização normativa dessa matéria.

Até agora, as questões de Direito Urbanístico, as questões jurídicas ligadas ao uso conveniente dos espaços habitáveis, eram tratadas como um capítulo, um segmento do Direito Administrativo. O urbanismo era visto apenas como um setor de atuação da administração pública, sem uma identidade, sem um conjunto de princípios e regras próprias. Até agora, os instrumentos legais utilizados com o objetivo de ordenar convenientemente os espaços habitáveis correspondiam a uma parte do Direito Administrativo consistente no exercício do poder de polícia da administração pública em relação à propriedade urbana.

Dada a estrutura federativa do Estado brasileiro, dada a autonomia administrativa dos entes que integram a federação, o que existe em matéria de instrumentos de atuação urbanística da Administração Pública figura apenas em uma legislação esparsa, e não em um conjunto orgânico, articulado. Temos apenas legislações isoladas, pontuais, disciplinando assuntos específicos.

Não existe no Brasil um código de urbanismo como, por exemplo, o que existe na França, disciplinando a atuação, nessa matéria, do governo central, das regiões e províncias e das autoridades locais, estabelecendo toda uma cadeia de planos urbanísticos, fixando os processos de formulação dos diversos planos e cuidando das licenças urbanísticas. E não há possibilidade de existir entre nós um código nacional de urbanismo por causa da estrutura federativa do Brasil. A França é um país unitário, o que significa que o governo central, nacional, pode cuidar dos assuntos pertinentes ao urbanismo em todo o seu território. Lá, existe uma legislação articulada, um código completo de atuação governamental na área do urbanismo.

No Brasil, o Estado brasileiro tem uma estrutura federativa. Por força disso cada pessoa jurídica de capacidade política - a União, os Estados e Municípios - legisla para si na matéria administrativa, inclusive em relação à organização dos espaços habitáveis, conforme as competências recebidas diretamente da Constituição Federal. Por opção do legislador constituinte, o papel preponderante, em matéria de urbanismo, foi dado ao Município, provavelmente porque os assuntos urbanísticos afetam mais acentuadamente as populações locais. Portanto, a legislação de caráter administrativo versando urbanismo é basicamente ou principalmente uma legislação municipal.

Neste ponto, é preciso fazer um esclarecimento a respeito da convivência da lei municipal com as outras leis, editadas pelo Estado e pela União. É certo que o Brasil apresenta diferentes ordens jurídicas devido ao sistema federativo. Existem, convivendo, leis municipais, estaduais e federais, cada uma cuidando da atuação da sua respectiva máquina administrativa. Todavia é absolutamente necessário atentar para o fato de que o sistema federativo comporta, necessariamente, uma quarta espécie de lei, para a qual, nem a doutrina, nem a jurisprudência, dispensam a devida atenção, qual seja, a lei nacional.

O aparelho legislativo da União produz duas espécies de leis: as federais, que são dirigidas ao próprio aparelho administrativo da União, como, por exemplo, o estatuto dos funcionários públicos da União; e as leis nacionais, como, por exemplo o Código Tributário Nacional, que deve ser acatada por todos os jurisdicionados do Estado brasileiro. A União, os Estados e os Municípios são obrigados a cumprir esse código, que também deve ser observado por todos os cidadãos e por todas as pessoas jurídicas existentes no território nacional.

Este esclarecimento foi feito para que se possa perceber porque é muito significativo, do ponto de vista jurídico, que o Estatuto da Cidade, dispondo sobre normas gerais de Direito Urbanístico, tenha sido editado pela União na competência que lhe dá o artigo 24, inciso I da Constituição Federal, para editar normas gerais de Direito Urbanístico. A inferência imediata que se deve retirar disso é que o Estatuto da Cidade não é uma lei federal, no sentido de ser uma lei aplicável apenas ao aparelho administrativo da União: o Estatuto da Cidade é uma lei nacional, que estabelece normas gerais de observância obrigatória por todos os jurisdicionados do Estado brasileiro.

Seja permitido registrar, como exemplo, um paralelo: cada Município tem a sua legislação tributária e cobra seus tributos; cada Estado faz a mesma coisa e a União também cobra os tributos criados por leis federais. Mas todas essas legislações devem observar as normas gerais contidas no Código Tributário Nacional. Essa é a grande importância do Estatuto da Cidade: estabelecer normas gerais de Direito Urbanístico de observância obrigatória por todas as outras ordens legislativas existentes no Brasil.

III - A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Não é propósito deste estudo abordar todo o Estatuto da Cidade, que é riquíssimo e completo; seria impossível abordá-lo em toda a sua amplitude num simples artigo. O que aqui se pretende é destacar a importância do plano diretor, numa abordagem precipuamente jurídica.

Como ponto de partida, cabe lembrar que a Constituição Federal, ao cuidar dos direitos individuais, afirma o direito de propriedade, consagra o direito à propriedade privada, mas, ao mesmo tempo, diz que "a propriedade cumprirá sua função social". Portanto, a nossa propriedade não é uma propriedade qualquer, sem pautas ou condicionamentos; ao contrário, ela deve cumprir uma função social. Mas quando uma propriedade cumpre ou não sua função social? Aí é que entra a importância estratégica do plano diretor, pois o artigo 182, § 2º, diz, textualmente, que "a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor". Ou seja, quem vai dizer se a propriedade está ou não cumprindo a sua função social é o plano diretor.

Essa exigência de que a propriedade cumpra uma função social não é nova; já constava da Carta Constitucional de 1969. Sobre essa exigência e destacando exatamente a importância concreta dessa formulação constitucional já tivemos a oportunidade de dizer:

"De acordo com a formulação constitucional, o sistema jurídico brasileiro somente consagra, comporta e ampara o direito de propriedade enquanto e na medida em que ele estiver cumprindo uma função social.

Essa concepção do direito de propriedade abre imensas possibilidades para a administração pública no tocante a uma atuação eficiente em matéria de disciplina do uso e ocupação do solo urbano". (Adilson Abreu Dallari, "Desapropriação para fins urbanísticos", Forense, 1981, p. 37)

Não obstante as potencialidades abertas ao legislador ordinário pelo texto constitucional, o que se observou, na prática, é que o princípio da função social da propriedade produziu pouquíssimos frutos, talvez exatamente pela falta de um texto normativo que dissesse o que deveria ser entendido como sendo de interesse social, como correspondente ao cumprimento da função social da propriedade.

Novamente, para deixar esse assunto mais claro, é preciso recorrer a um exemplo paralelo: o que é interesse público? Será que o interesse público é qualquer coisa que um agente público entender como tal? será que interesse público é um conceito inteiramente vazio e sem conteúdo? Não é. À luz do sistema jurídico brasileiro, é a lei qualifica um interesse como público, é a lei quem diz o que é de interesse público. O administrador deve gerir a coisa pública no sentido da realização daquilo que a lei qualificou como de interesse público - e não daquilo que ele, administrador, possa entender como sendo de interesse público. E o mesmo vale para a propriedade urbana. Não fica a critério de cada agente público achar que ela cumpre ou não sua função social. Hoje, após o advento da Lei nº 10.257, de 10/07/01, existe um parâmetro para definição da função social que é exatamente o plano diretor.

Evidentemente, isso já estava contido no texto constitucional, expressamente. Mas, lamentavelmente, é preciso registrar que, no Brasil, ainda é largamente majoritária (especialmente na jurisprudência) a corrente que entende ser necessário que o legislador ordinário "discipline" o princípio constitucional para que este tenha eficácia. Conforme observação feita por um dos mais brilhantes integrantes do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Desembargador José Osório de Azevedo Júnior (que efetivamente aplica diretamente os princípios constitucionais em seus ilustrados votos), para alguns juizes a invocação, pela parte, de algum princípio constitucional é tomada como indicador seguro de que ela não tem o direito que postula, pois, se tivesse, teria indicado a lei que lhe daria fundamento.

Nessa perspectiva, é importante destacar que o Estatuto da Cidade veio, de certa forma, dar eficácia ao princípio constitucional, pois embora a função do plano diretor já estivesse prevista pela Constituição, a carência de uma lei federal dispondo expressamente sobre isso impedia que os Municípios dessem concreção ao princípio da função social da propriedade. O preceito constitucional consagrador da função social da propriedade já existia antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, que apenas reafirmou com maior ênfase esse princípio, mas era consideravelmente difícil implementá-lo. Agora, por força do Estatuto da Cidade, ficou mais viável a edição de legislação municipal destinada a dar eficácia concreta ao princípio da função social da propriedade.

O direito de propriedade hoje, no Brasil, é marcado pela afirmação de uma série de prerrogativas do proprietário, do detentor exclusivo de um determinado bem, que pode dispor, usar e alienar esse bem. Pela aplicação concreta do princípio da função social da propriedade será possível estabelecer os deveres do detentor da riqueza, daquele a quem a ordem jurídica reconhece o direito de ter uma propriedade. Agora esse alguém recebe da mesma ordem jurídica o dever de usar a sua propriedade imobiliária urbana em benefício da coletividade.

Isso, a rigor, não é uma novidade no campo do Direito: basta citar a legislação social, a legislação trabalhista. Do que cuida a legislação trabalhista? Do dever social do detentor do capital, do investidor, do empresário, em tomar uma série de atitudes em benefício do operário, do trabalhador, de quem trabalha para a empresa, para assim cumprir um papel social. Ou seja: o princípio da função social da propriedade já é aplicado com relação à propriedade de bens de capital, sem que isso cause qualquer espanto.

Hoje temos condições, a partir do Estatuto da Cidade, de estabelecer obrigações para o proprietário do solo urbano; passamos a ter instrumentos para evitar a detenção especulativa do solo.

IV - NATUREZA E CONTEÚDO DO PLANO DIRETOR

Assim como o princípio da função social não é novidade, também o pano diretor, ou, melhor dizendo a obrigatoriedade de elaboração de planos diretores também já esteve presente no direito positivo brasileiro, especialmente nas antigas leis orgânicas dos municípios, que eram, como regra geral, antes da promulgação da Constituição Federal vigente, elaboradas pelos Estados.

Durante muito tempo o plano diretor foi exaltado como instrumento destinado a dar maior racionalidade, economicidade e eficiência à administração local no tocante ao uso do solo urbano. Diversas dessas leis orgânicas municipais se referiam ao Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado - PDDI, como uma verdadeira panacéia, abrangendo todos os aspectos da administração municipal, indo, quanto ao conteúdo, muito além da simples ordenação física do espaço urbano, mas com escassa repercussão jurídica, no tocante ao direito de propriedade.

Após o advento da Constituição Federal de 1988 essa concepção do Plano Diretor mudou radicalmente, diminuindo em abrangência (quanto aos assuntos ou setores que devem constar de seu conteúdo) mas ganhando enorme significado jurídico, trazendo substancial alteração ao conceito de propriedade imobiliária urbana.

Nelson Saule Júnior, em seu excelente estudo sobre as "Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do plano diretor" (Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997, p. 42) destaca algumas dessas alterações:

"Sobre a nova configuração do plano diretor como instrumento de política urbana nos termos do texto constitucional podemos concluir que:

1) O plano diretor ao ser instituído por norma constitucional configura natureza distinta dos antigos planos diretores de desenvolvimento integrado, em razão de:

a) ser o instrumento básico da política urbana municipal pelo qual se efetiva o planejamento urbanístico local,

b) ser requisito obrigatório para o Município promover ações e medidas para a propriedade urbana atender sua função social;

c) ter como requisito para a sua instituição e implementação a participação popular, que se tornou preceito obrigatório dos processos e instrumentos de planejamento;

2) O plano diretor, em decorrência da sua natureza de ser o instrumento básico da política urbana municipal, tem como pressupostos para a sua eficácia jurídica o planejamento, democrático e participativo com base no princípio da participação popular, como meio de garantia a apropriação e o reconhecimento institucional da realidade social e cultural local para a constituição de suas regras, procedimentos e instrumentos destinados a tornar efetivo o direito à cidade;

3) O fundamento do plano diretor como parte integrante do processo de formulação e implementação da política urbana ser destinado a criar mecanismos e instrumentos jurídicos que permitam ações e atividades no Município para tornar concreto e direito à cidade, de modo a ter eficácia jurídica, deve ser extraído do conjunto de normas do sistema constitucional".

O plano diretor não é mais panacéia; não se destina a encaminhar a solução de todos os problemas, nas áreas de saúde, educação, assistência social etc. Está centrado na organização conveniente dos espaços habitáveis, é o instrumento básico da política urbana municipal, deve ser elaborado de maneira participativa e deve servir como instrumento de realização da função social da propriedade.

O plano diretor, elaborado nos termos da Constituição Federal vigente, tem força de lei, dado que deve ser necessariamente aprovado por lei. Não é mais apenas um instrumento técnico de trabalho, mas sim, também, um instrumento jurídico de atuação do governo local.

Quem ressalta com clareza e precisão a natureza jurídica do plano diretor é o consagrado José Afonso da Silva:

"Os planos urbanísticos são aprovados por lei. É uma exigência do princípio da legalidade no sistema brasileiro, que não admite que se crie obrigação e se imponha constrangimento senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II). Quanto ao PD, é a própria Constituição Federal que exige sua aprovação pela Câmara Municipal, e as leis orgânicas dos Municípios, em geral, estatuem que ele deve ser aprovado pelo voto qualificado de dois terços dos membros daquela, o que lhe atribui certa rigidez. Assim, os elementos do plano ficam fazendo parte integrante dessa lei, transformando-se, pois, em normas jurídicas". (José Afonso da Silva, "Direito Urbanístico Brasileiro", 3ª ed., Malheiros, 2.000, p. 137.)

Na nova disciplina constitucional, o plano diretor deve cuidar precipuamente da organização dos espaços físicos do Município, mas isso não significa que ele deva ser elaborado apenas como uma exigência de ordem estética ou funcional. O plano diretor, ao organizar os espaços habitáveis, em toda a área do município (urbana e rural) deve ter, sim, uma preocupação social, de justiça social, de realização do mandamento constitucional (art. 3º, III) no sentido da erradicação da pobreza e da marginalidade e redução das desigualdades sociais e regionais.

Joaquim Castro Aguiar mostra que isso não significa um desvio no tocante aos propósitos urbanísticos; ao contrário, está necessariamente implícito na atuação urbanística:

"O plano diretor insere-se, fundamentalmente, no urbanismo. E como este considera a sociedade como um todo, emoldurando-se num quadro social e econômico, não se pode pretender que cuide apenas dos aspectos físicos de uma área, como se fosse possível tratar o espaço à margem da sociedade, sem interferência na estrutura social.

Não tem o plano diretor o objetivo estreito de cuidar, isoladamente, de obras, como se fosse instrumento de atuação da secretaria de obras. O plano diretor há de tratar o espaço como manifestação social. Não é um plano a nível de projetos de edificação, de habitação, de transporte, de zoneamento, sem assumir sua inerente e inafastável função social. Aliás, o urbanismo não é uma questão instrumental, técnica, mas uma questão social, e os planos urbanísticos não devem afastar-se dessa linha.

Enquanto os planos não contribuírem para a melhoria da qualidade de vida da população, constituirão peças técnicas sem préstimo algum.

O plano diretor envolve aspectos físicos, econômicos, sociais e institucionais, entrelaçados entre si, não sendo um fim em si mesmo e tendo por objetivo a melhoria da qualidade de vida da população.

No seu aspecto físico, o p



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