BE356
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Estatuto da Cidade
A regulamentação dos novos instrumentos urbanísticos: edificação, parcelamento e utilização compulsórios
Maria Conceição Maranhão Pfeiffer*
1. Introdução
Neste trabalho serão abordadas as medidas de parcelamento, edificação e utilização compulsórios no direito brasileiro, seu âmbito de aplicação, de acordo com as determinações legais atualmente existentes e a sua relação com o direito de propriedade.
A regulamentação infra-constitucional da obrigação de edificar ou parcelar é recente. Somente em julho deste ano foi editada a Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001, que visa disciplinar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal. Desse modo, será feita a análise dos artigos da citada lei, que regula os institutos do parcelamento e edificação compulsórios, bem como o instituto da utilização compulsória, mencionado pela primeira vez pela Lei n° 10.257, de 2001.
Por fim, para melhor delinear os contornos jurídicos dos institutos, bem como os resultados práticos nos países que já os adotam, cabe recorrer ao estudo do direito comparado. Assim, será feita a análise do Direito Espanhol, onde o instituto da edificação forçada foi amplamente regulamentado; do Direito Italiano, que previu a obrigação de construir; do Direito Francês, onde o instituto da denúncia de mora equivale à obrigação de construir para o denunciado; e do Direito Alemão, que regulamentou o direito de compra especial para ente público específico, o que implica obrigação de construir para o proprietário.
2. Natureza Jurídica
A ordenação urbanística do solo visa adequá-lo ao exercício das funções elementares do urbanismo que são habitar, trabalhar, circular e recrear - funções sociais da cidade - como define José Afonso da Silva . [1]
As operações jurídicas de ordenação urbanística do solo podem se dar de duas formas: por medidas voluntárias, ou por medidas compulsórias.
A primeira categoria é composta por medidas de iniciativa dos paticulares, assim como por medidas concernentes ao "urbanismo concertado", ou seja, o acordo entre particulares e o Poder Público para fins de urbanização ou urbanificação de áreas específicas da cidade.
Já as medidas compulsórias são impostas coativamente por determinação legal e dão ensejo à aplicação de instrumentos de intervenção urbanística.
O parcelamento, edificação e utilização compulsórios, objeto do presente trabalho, são instrumentos de intervenção urbanística decorrentes de medidas desta segunda categoria, pois derivam de lei, sendo obrigatória sua aplicação.
3. Previsão constitucional
No Brasil, o parcelamento e a edificação compulsórios encontram-se previstos no artigo 182, § 4º, da Constituição Federal de 1988.
O parcelamento ou a edificação compulsórios são a primeira das hipóteses de sanção ao proprietário urbano descumpridor da função social, pois o mesmo artigo que a prevê enumera de modo sucessivo mais duas consequências: a) a incidência de imposto sobre a propriedade territorial urbana progressivo no tempo; b) a desapropriação do imóvel com pagamento mediante títulos da dívida pública.
Daí, afirmar Celso Ribeiro Bastos, quando do estudo de tal preceito legal "o que ora se faculta ao Poder Público é uma seriação de medidas de cunho, inequivocadamente, coercitivo, que desembocam na possibilidade de uma desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública".[2]
Vale lembrar que a desapropriação, consequência do descumprimento de tais medidas , não é a desapropriação comum, determinada por necessidade ou utilidade publica, ou por interesse social. Esta encontra-se prevista no artigo 5º, caput, e no artigo 182, § 3º da Constituição Federal. Já a desapropriação contemplada no § 4º deste último artigo, é hipótese diferente destas, como afirma o professor José Afonso da Silva, ao denominá-la "desapropriação-sanção", por decorrer do não cumprimento de obrigação ou de ônus urbanístico imposto ao proprietário urbano.[3]
4. A criação do instituto da utilização compulsória
A Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatudo da Cidade, acrescentou mais uma modalidade de obrigação para o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado: a utilização compulsória.
Assim, o proprietário que não edificar, subutilizar ou não utilizar seu imóvel de acordo com área específicada no Plano Diretor, poderá ser compelido não só a edificá-lo, parcelá-lo, mas também a utilizá-lo, de acordo com a função social para ele designada no Plano Diretor.
Esta é uma novidade trazida por esta Lei, visto que se trata de medida urbanística compulsória, que não estava prevista expressamente no §4º do artigo 182 da Constituição Federal.
4.1. Análise da constitucionalidade da criação de sanção urbanística por lei ordinária
É possível a criação por lei ordinária de medida compulsória urbanística, de caráter sancionatório, aos proprietários dos imóveis urbanos descumpridores da função social, que não se encontra entre as sanções enumeradas nos incisos do § 4º do artigo 182 da Constituição Federal?
Os preceitos constitucionais que estabelecem limitações aos direitos subjetivos devem ser interpretados restritivamente, a meu ver. Contudo, mesmo adotando-se o entendimento de que as limitações ao direito de propriedade do imóvel urbano impostas pelo Estado devem ser somente aquelas enumeradas taxativamente no § 4º, não se pode olvidar que a utilização compulsória é medida menos invasiva ao caráter pleno da propriedade que as demais medidas previstas no citado parágrafo, que determinam o parcelamento ou edificação compulsórios, o pagamento do IPTU progressivo e a medida mais violenta de todas: a perda da propriedade pela desapropriação.
Há que se considerar que a obrigação da utilização da propriedade nos termos do Plano Diretor é mais um instrumento de satisfação da função social da propriedade (prevista no artigo 170, III, como um dos princípios constitucionais da ordem econômica), que se adequa perfeitamente ao preceito do § 2º do mesmo artigo 182 da Constituição, que determina "a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor".
Assim, entendo que o regulamento do instituto da utilização compulsória por lei ordinária não fere a Constituição Federal, por ser esta uma medida implicitamente prevista no § 4º do artigo 182, bem como consonante com a determinação geral de cumprimento da função social da propriedade urbana contemplada no §2º do mesmo artigo.
5. Sujeitos
O sujeito ativo para a imposição da obrigação de parcelar , edificar ou utilizar a propriedade nos termos do Plano Diretor, é o Município. Apesar de ser o único legitimado para tanto, não pode, todavia, atuar de modo autônomo e discricionário. Deve ater-se aos termos da lei federal que definirá os parâmetros gerais de tais institutos.
O sujeito passivo é o proprietário do imóvel urbano não edificado, não utilizado ou subutilizado, assim considerado nos termos da lei, que, apesar de intimado pela Administração Pública, não promoveu o seu adequado aproveitamento.
6. Âmbito de incidência
Incide a obrigação de edificar, parcelar, ou utilizar sobre o solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, assim considerado por desobediência de seu proprietário a preceito de lei específica para a área incluída no plano diretor, onde esteja situado o imóvel, que, intimado, não promoveu o seu adequado aproveitamento. Tal sanção será aplicada, nos termos da lei federal.
7. Requisitos
Assim, tendo em vista o âmbito de incidência da obrigação de edificar, parcelar ou utilizar de acordo com o Plano Diretor, pode-se enumerar como seus requisitos:
1) a existência de lei federal que defina os parâmetros gerais para a aplicação das medidas[4];
2) a existência de lei municipal específica, que defina a área onde se dará a aplicação das medidas;
3) a existência de procedimento formal que especifique qual o ato necessário para cientificar o proprietário das medidas coativas a que se encontra sujeito, no caso de descumprimento da função social a que se destina a sua propriedade;
4) que ocorra a não edificação, subutilização ou não edificação do imóvel, assim determinada, nos termos da lei. Ou seja, que haja o descumprimento da função social da propriedade urbana, função esta consubstanciada no Plano Diretor da cidade. Ou ainda, nas palavras de Celso Ribeiro Bastos, "que o imóvel esteja em desacordo com as exigências fundamentais de ordenação das cidades expressas no plano diretor".[5]
8. Aplicação dos institutos
O procedimento administrativo de imposição das obrigações de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios é o previsto na lei federal regula artigo 182 da Constituição Federal.
Nos termos da Lei n° 10.257, de 2001, a aplicação dos institutos deve obedecer o seguinte procedimento: a notificação deve ser averbada no Cartório de Registros de imóveis,[6] e ser efetuada por funcionário do órgão municipal competente, ou, em último caso, por edital.[7] Há duas espécies de prazos para o cumprimento da obrigação: prazo para a protocolização do projeto no órgão municipal competente (um ano) e prazo para o início das obras do empreendimento (dois anos).[8]
De grande utilidade para a celeridade do procedimento de notificação é a possibilidade de notificação por edital, quando frustrada por três vezes a tentativa de notificação por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal.
Outra novidade da mencionada Lei é a possibilidade de lei municipal específica prever a conclusão por etapas, no caso de empreendimentos de grande porte.[9]
A conclusão por etapas é uma boa novidade para a aplicação dos institutos na prática, o que demonstra que os legisladores procuraram aproximar-se da realidade de cada obra, tornando mais factível o cumprimento das medidas urbanísticas.
9. A transmissão das obrigações de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.
A lei federal que regula os artigos 182 e 183 da Constituição Federal é o diploma legal adequado para determinar a forma de transmissão das obrigações em comento.
A Lei n° 10.257, de 2001 determina em seu artigo 6º que as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios são transmissíveis por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, sem interrupção de quaisquer prazos.
Neste ponto andou bem o legislador, pois permite que os sucessores do titular do domínio dêem continuação à obra, sem prejuízo dos prazos que já se encontrem em andamento, o que evita que a transmissão do bem seja mais uma desculpa para o descumprimento da obrigação de edificar, parcelar ou utilizar o imóvel.
10. A alternativa entre parcelamento, edificação ou utilização compulsórios
Celso Ribeito Bastos, debruçando-se sobre o tema da alternatividade entre o parcelamento e a edificação compulsórios autorizada pela Constituição suscitou a seguinte pergunta: a quem cabe optar, ao Poder Público ou ao proprietário?
A resposta encontrada por citado autor, valendo-se dos princïpios mais amplos que prestigiam o instituto do dominio, foi a de que a escolha caberia ao titular do domínio, contanto que a área de situação do imóvel comporte tanto o parcelamento como a edificação.[10]
Tal entendimento foi o mesmo encontrado por Pinto Ferreira .[11]
Esperava-se que a dúvida entre a legitimidade para a opção entre ambos os institutos, e agora também entre o instituto da utilização compulsória, fosse dirimida pelos próprios legisladores quando da regulamentação da edificação ou parcelamento compulsórios. Porém, tal não foi o que ocorreu com a Lei n° 10.257, de 2001, como se vê do artigo 5º, caput, que define os institutos:
"Lei municipal específica para área incluída no Plano Diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação"
Esta é uma grande falha na referida lei, pois caberia a previsão da escolha à lei federal, que determina a disciplina geral de aplicação dos institutos, e não à lei específica municipal, que, necessariamente, deve enfocar o caso concreto, especificando quais as possibilidades da área onde situa-se o imóvel urbano, nos termos do Plano Diretor.
Na falta de uma previsão de possibilidade de escolha pelo particular na lei federal que determina o regulamento geral dos institutos, há o risco de que cada lei municipal discipline o assunto de forma diferente, dadas as peculiaridades do plano urbanístico de cada cidade.
Porém, se o texto que venha a ser convertido em lei permanecer omisso quanto a este ponto, restará então, à lei municipal específica determinar a quem cabe a escolha entre parcelamento, edificação ou utilização compulsória.
Espera-se que a opção seja dada ao titular do domínio, quando a natureza da área em que se encontra situado o imóvel comportar a opção entre os institutos do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, filiando-me aqui à concepção de Celso Ribeiro Bastos, por entender que o que interessa ao Poder Público é que o uso do solo urbano seja conforme a função social para ele designada no Plano Diretor, não importando qual a modalidade de uso tenha sido escolhida pelo particular, contanto que a destinação prevista na lei urbanística seja cumprida.
11. Consequências da aplicação dos institutos para o direito de propriedade
A obrigação de edificar, parcelar e utilizar são institutos administrativos que servem para conformar o uso da propriedade urbana à função social delimitada no plano diretor.
A Lei n° 10.257, de 2001, em seu artigo 4º, V, "i", insere o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios entre os institutos jurídicos e políticos que serão utilizados como instrumentos da política urbana.
A aplicação desses institutos foi prevista no § 4º do artigo 182 da Constituição Federal como sanção ao proprietário urbano descumpridor da função social. Por sua vez, outra sanção é gerada pelo desatendimento da obrigação de edificar ou parcelar: a aplicação do IPTU progressivo. E, no descumprimento desta, a perda do direito de propriedade pela desapropriação.
A despeito da suplantação da concepção privatística do direito de propriedade, ilustrada pelo absolutismo ilimitado previsto no famoso Código Napoleônico[12], a aplicação de medidas administrativas incidentes sobre o direito de propriedade - tais como as medidas urbanísticas em questão - não podem ser consideradas como mera conseqüência da adoção do princípio da função social da propriedade. [13]
Desse modo, os institutos do parcelamento, edificação consistem em limitações administrativas[14] ao direito de propriedade, instrumentos urbanísticos concebidos com o objetivo de auxiliar na utilização da propriedade urbana de acordo com a sua função social.
12. A experiência dos outros países que adotaram institutos similares ao parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.
A título de ilustração, cumpre observar como se deu a adoção de institutos similares ao parcelamento, edificação ou utilização compulsórios pela Espanha, França, Itália e Alemanha.
12.1 Direito Espanhol
O Direito Espanhol foi o que melhor tratou do tema, tendo sido contemplado com ampla regulamentação sobre a edificabilidade forçada.
A instituição da "obrigação de edificar" no Direito Espanhol deriva do preceito constitucional que determina: "a riqueza não poderá permanecer inativa". Daí a obrigação de edificar o terreno cuja destinação é a construção.
A instituição da edificação forçada de solares tendo a desapropriação como sanção é conhecida desde o antigo Direito Espanhol. Após, foi objeto da Lei de Ordenação de Solares de l945 e de seu regulamento de 1947.
A Lei do Solo de 1956 acolheu o disposto pela Lei de Solares quase em sua íntegra, com uma modificação importante, entretanto: a expropriação que é a sanção pelo descumprimento deixou de se dar pelos preços de mercado passando a ser imposta com base no valor urbanístico do imóvel.
Recentemente, grande parte da Lei de 1992, que regulava a matéria, foi declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional por meio da Sentença de 20 de março de 1997.
Em 1998, foi editada a Ley n° 6 sobre "Regimen de suelo y valoraciones", com o objetivo de adequar a legislação remanescente à sentença do Tribunal Constitucional.
Atualmente, o panorama legislativo a respeito da edificação forçada ainda não se assentou, após a edição da Ley n° 6 de 1998, tendo em vista a possibilidade de as entidades territoriais espanholas legislarem de forma diversa sobre o assunto.[15]
12.1.1. Aplicação do instituto da edificação forçada
A despeito da situação atual quanto à diversidade legislativa na aplicação do instituto da edificação forçada, para saber se, na prática, o instituto atingiu seus objetivos, cabe prosseguir na análise da legislação e doutrina da época em que foi adotado, integralmente, na Espanha.
O principal objetivo da instituição estava exposto no preâmbulo da Lei do Solo, de 1956, e de seu regulamento, de 1964: impedir a retenção indefinida de solares na espera de que a atividade urbanizadora e construtiva dos demais proprietários provoque a alta cotação dos mesmos.
Daí, face à sanção da expropriação, via-se forçado o proprietário a edificar o terreno. E, não o fazendo, seria obrigado a vender seu solar a um promotor de construções, ocasionando, assim, uma movimentação na venda dos solares, aumentando a oferta e reduzindo seu preço no mercado.
A instituição da edificação forçada visava também a renovação das cidades, ao equiparar as construções inadequadas ou envelhecidas aos solares.
A "carga de edificacion" do direito espanhol foi objeto de várias discussões a respeito de sua natureza jurídica. E tal se deu porque a Lei do Solo, de 1956, trazia a regulamentação do sistema de edificação forçada sob a epígrafe geral de "Fomento da Edificação". Grande parte da doutrina, entretando,discordou de tal qualificação jurídica para o instituto.
Garcia de Enterria e Parejo Alfonso[16] observaram que, para que tal instituto pertencesse à categoria de fomento, ou seja, para caracterizar-se como simples incentivo à construção, deveria pressupor a criação de incentivos e a ausência de sanções. O que entendiam não ocorrer. Também estaria excluído tal instituto da categoria de dever, de obrigação para a instituição da edificação compulsória. Para tanto, recorreram a Carnelutti, que se dedicou em sua doutrina a consolidar a diferença entre dever ou obrigação e encargo. Esta seria a seguinte: a obrigação pode ter sua execução forçada e, eventualmente, determinar sanções para seu descumprimento. Já o encargo não pode ser executado por força, nem ser sujeito a sanções. Trata-se este último de simples necessidade de adotar determinado comportamento para evitar um prejuízo. E, observam que, no caso da edificação compulsória, a desapropriação é prejuízo, e não sanção, como costuma ser chamada. Daí, ser a edificação forçada um munus, um encargo. No mesmo sentido posiciona-se Antonio Carceller Hernandes. Diz o autor : "En virtud de lo previsto en la LS la edificacion no llega a constituir propriamente una obligacion , porque no puede exigirse coactivamente, pero si es, in cambio , una carga "[17].
A aplicação do instituto da edificação forçada deu-se sobre solares e fincas em que existam construções paralisadas, ruinosas, destruídas ou inadequadas ao lugar em que se situavam.[18]
Na teoria, quando descumprido o encargo de edificação dos solares, a parte do imóvel em desacordo com este era imediatamente submetida à venda forçada, sendo individualizada e inscrita pelo Ayuntamiento, de ofício ou a requerimento de qualquer pessoa, no Registro Municipal de Solares.[19] Já as fincas seriam incluídas no Registro, e só se submeteriam à venda forçada, escoado o prazo de dois anos sem que o proprietário atendesse ao previsto no Plano.
12.1.2. Crítica ao instituto da edificação forçada
Os objetivos do instituto da edificação forçada consistiam na movimentação na venda de solares, aumento de oferta dos móveis edificáveis e a conseqüente queda dos preços. Todavia, tais escopos não se configuraram na prática.
A desejada incrementação dessas construções e da renovação urbana não foi a principal conseqüência da aplicação do instituto
Observam Garcia de Enteria e Parejo Alfonso que o sistema adotado serviu, na realidade, para duas coisas:
a) desenvolver a semiprofissão de "primista", que é quem promove a inclusão das propriedades no Registro de Solares, a fim de obter um indenização decorrente de sua posição.
b) para que os proprietários de velhos imóveis arrendados procurem na qualificação destes como solares um modo de declarar extintos os arrendamentos que lhes sejam anti-econômicos para, assim, poder lograr os benefícios do valor acumulado do solar resultante da demolição.[20]
Daí, não defenderem citados autores a manutenção do instituto. Para estes, o uso de um instrumento tributário, como o atual imposto municipal autônomo sobre solares, melhor configurado tecnicamente do que hoje está, seria suficiente e mais eficaz que a edificação compulsória para impedir a retenção dos imóveis edificáveis com fins especulativos.
12.2 Direito Italiano
A edificação compulsória foi adotada na Itália, por meio da previsão do instituto no artigo 20 da Lei de 1942.
Nos termos do citado artigo ocorre a desapropriação da propriedade privada quando o proprietário não seguir as determinações do plano particularizado.
O plano urbanístico pode determinar a realização de construções específicas, reconstruções ou modificações no imóvel, que o proprietário urbano deve obedecer.
A execução das obras deverá ser feita dentro de um prazo imposto pela Prefeitura. Desobedecendo-se este prazo, novo prazo deverá ser previsto e, se ao final deste novo prazo, o proprietário não houver realizado os trabalhos determinados, terá vez a desapropriação.
12.2.3. Críticas ao instituto da edificação compulsória
Ocorreu uma dissidência doutrinária, na década de 70, sobre a constitucionalidade do artigo 20 da Lei de 1942, pois segundo grande parte da doutrina da época, o artigo 42 da Constituição italiana admitia a imposição de determinações negativas ao gozo dos bens, mas não o fazia quanto a determinações positivas, tais como as obrigações de fazer ou de atuar.[21]
Desse modo, para uma corrente doutrinária tal artigo foi considerado inconstitucional, por determinar a obrigação de fazer, qual seja a de edificar, ao proprietário urbano.
Houve, porém, aqueles que procuraram salvar o art 20 da citada lei, ainda que, concordando com o princípio constitucional que veda a imposição da obrigação de fazer. Entre estes, se posicionaram Predieri e Mazzarrolli.[22]
A construção doutrinária, para tanto, era a seguinte: o artigo 20 da Lei de 1942 determinava apenas uma previsão de expropriação que podería ser evitável pelo particular, caso este cumprisse as determinações da Autoridade Administrativa para aquela área.
Para Predieri, o plano particularizado constitui uma declaração de utilidade pública de todas as obras nele previstas, valendo tanto para estabelecimentos públicos como privados. Assim, sendo uma declaração de utilidade pública submete, automaticamente, o imóvel à desapropriação. Pois bem, o artigo 20 dá ao proprietário a possibilidade de evitar tal desapropriação, substituindo o Poder Público em suas atividades, ou seja, cumprindo as determinações da Autoridade Administrativa competente, para a área em que se encontra o imóvel. Seria, portanto, uma norma perfeitamente constitucional, pois não importa em obrigação de fazer ao proprietário, mas em uma situação mais favorável a este, amenizando uma expropriação.
Spantigati critica a construção doutrinária de Predieri, pois observa que este não conseguiu modificar a essência da norma do artigo 20 que é o fato de que o particular se encontra obrigado a construir, pois se não o fizer, submete-se à desapropriação. Recorre, contudo, a outra explicação para filiar-se àqueles que defendem a constitucionalidade do citado artigo. Para ele, a expropriação se coloca frente ao direito do particular assim como o plano particularizado se coloca frente às convenções edilícias: é instrumento de pressão e coação da atividadade normal de aplicação da disciplina urbanística desenvolvida pelo particular.[23]
12.3. Direito Francês
A edificação compulsória foi adotada no Direito Francês como consequência da aplicação da denúncia de mora para construir.
O artigo 151 do Código de Urbanismo Francês previu a denúncia de mora para construir, restando como uma das consequências de sua aplicação a obrigação de construir para o proprietário denunciado.
Nos termos do citado artigo, ocorre a denúncia de mora no caso de descumprimento de acordo amistoso feito entre particulares e Estado, entidades locais ou organismos públicos qualificados.
12.3.1 Aplicação da denúncia de mora
Incide a denúncia de mora sobre os terrenos que podem merecer a qualificação de "edificáveis", seja por se situarem em uma via dotada de serviços púbicos, seja por se acharem sujeitos a projetos técnicos e financeiros aprovados pela autoridade competente.
Os denunciados são os proprietários dos terrenos edificáveis que descumpriram as determinações do acordo selado com o Estado, entidades locais ou organismos públicos qualificados. Os denunciantes são as entidades supracitadas.
A denúncia de mora seria feita pela entidade perante o Prefeito , após ter sido efetuada a prévia notificação motivada pelo Ministro da Habitação e Reconstrução.
Após efetuada a denúncia é fixado o prazo de 2 (dois) anos para que os proprietários realizem a edificação conforme as disposições do Plano de Ordenação. É também dada aos proprietários, a alternativa de ceder a parcela edificável do terreno a terceiros que se comprometam a edificá-las, dentro de um prazo de 6 (seis) meses.
Decorridos ambos os prazos sem que o proprietário tenha edificado ou cedido a parcela, pode-se requerer ao Tribunal Civil do lugar da situação do imóvel que a parcela seja posta à venda, em hasta pública.
O preço fixado será o proposto pelo proprietário e aceito pela Administração. Em caso de desacordo, será o estimado pela Comissão arbitral de valoração das expropriações.
Vale observar que a Entidade que procedeu à denúncia pode adquirir o imóvel do denunciado. Tal pode ocorrer quando o imóvel não for vendido em hasta pública por falta de compradores e o proprietário não demonstrar interesse em ter de volta o terreno edificável. Será, então, adjudicado referido imóvel à Entidade.
12. 4. Direito Alemão
Na Alemanha foi adotado o direito de compra especial, que foi contemplado na Lei do Solo, de 29 de junho de 1960, em seu artigo 25.
Tal direito pode ser exercido somente pelo Ayuntamiento [24], com a aprovação das autoridades superiores competentes.
Ocorre quando o comprador de um terreno edificável, qualificado como tal pela sua localização em uma região abrangida por um Plano de Edificação, não o edificar dentro de um prazo de 3 (três anos), contados a partir da efetivação da compra. No caso de existência, posterior à venda, do plano de edificação, tal prazo começará a correr a partir de quando for possível edificar sobre o terreno.
12.4.1. Aplicação do direito de compra especial
Pode tanto o Ayuntamiento exercer o próprio direito de compra especial, mediante o pagamento ao proprietário por ocasião da posse do terreno, como também pode reservá-lo, mediante aviso por escrito ao comprador do imóvel edificável.
Neste último caso, o direito só valerá mediante sua inscrição no Registro da Propriedade. Será também este exercido, somente após o transcurso de prazo de 3 (três) anos sem que o novo proprietário tenha efetuado os correspondentes trabalhos de edificação do terreno. Se, porém, este já houver iniciado tais construções, não se pode exigir a venda em favor do Ayuntamiento.
O prazo para o exercício do direito de compra especial pode ser prorrogado pela autoridade superior, caso o proprietário apresente prova de motivos independentes de sua vontade, que tornam impossível a edificação dentro do prazo previsto.
Há a possiblidade de a Câmara Municipal vender a pessoas dispostas a edificar imediatamente aqueles imóveis que, segundo o plano de edificação, no estuvieren destinados a construcciones de utilidad común, al tráfico, al aprovisonmiento o a zonas verdes, como observa Antônio Carceller Hernandes.[25]
Essa venda se dará dentro dos três anos seguintes à opção de compra.
Interessante frisar que, neste tipo de venda, é dada a preferência de compra àqueles que não sejam ainda proprietários de terreno edificável.
O direito especial de compra, regulado pelo artigo 25 da Lei do Solo, deve aplicar-se sempre que o bem estar da comunidade o exija, a exemplo do disposto para o direito geral de opção, previsto no artigo 24 da citada lei.
Deste entendimento é que decorre a proibição de sua incidência, nos caso de venda a esposa ou a parente em linha reta, ou colateral, até o 3º grau. Só poderá ser tal direito aventado, após um mês do recebimento da notificação da venda efetuada.
Conclusões
Os institutos do parcelamento ou edificação compulsórios, previstos no artigo 182, § 4º, da Constituição Federal e o instituto da utilização compulsória, regulado pela Lei n° 10.257, de 2001, implicam ônus para o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado nos termos do plano diretor, servindo de instrumento de conformação da propriedade à sua função social.
A criação do instituto da utilização compulsória por lei ordinária não fere a Constituição Federal, por ser esta uma medida implicitamente prevista no § 4º do artigo 182, que se adequa perfeitamente ao princípio geral da atividade econômica da função social da propriedade, determinado no artigo 170, III, sendo este adequado à propriedade urbana, nos termos do §2º do artigo 182. Ademais, andou bem o legislador ordinário ao contemplar na referida lei a hipótese da utilização compulsória, menos invasiva ao direito de propriedade que as demais, e mais genérica, devendo ser, provavelmente, a hipótese de maior aplicação pela municipalidade.
Caberia à lei federal disciplinadora dos institutos em análise, estabelecer a quem cabe a escolha entre os institutos, e não à lei específica municipal, em virtude do risco de os diversos Municípios disciplinarem o assunto de forma distinta, dadas as peculiaridades do plano urbanístico de cada cidade. Neste ponto, a Lei n° 10.257, de 2001, comete grande falha, ao silenciar quanto ao tema.
A possibilidade de lei municipal específica prever a conclusão por etapas, no caso de empreendimentos de grande porte, e a possibilidade de notificação por edital, após a frustação da notificação pessoal são boas novidades da citada lei, que visam tornar mais factível, simples e rápida, a aplicação dos institutos para a conformação da propriedade urbana com a sua função social.
Por fim, cabe identificar alguns elementos comuns na legislação espanhola, francesa, italiana e alemã, que adotaram institutos similares ao parcelamento, edificação e utilização compulsórios, e no Brasil, que acaba de regulamentar os institutos previstos no artigo 182, § 4º da Constituição Federal. Em todos, o fundamento da aplicação dos institutos é a conformação do uso do solo à destinação prevista nos planos urbanísticos. Doutra parte, em todos, sem exceção, a conseqüência da desobediência na aplicação dos institutos é a perda da propriedade. Vê-se, portanto, por meio de exemplos da legislação estrangeira, que o objetivo dos institutos é a submissão do proprietário ao cumprimento da função social, cuja desobediência justifica, em último caso, a própria desapropriação.
Espera-se que a aplicação dos institutos em estudo, com sua recente regulamentação federal, sirva para atingir o objetivo previsto constitucionalmente: a conformação da propriedade urbana à sua função social.
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[1] José Afonso da Silva, "Direito Urbanístico Brasileiro", São Paulo, 2ª ed., Ed. Malheiros, 1995, p 67
[2] "Comentários à Constituição do Brasil", 7º vol., Saraiva, 1990, p.222
_ftnref3
[3] "Curso de Direito Constitucional Positivo", 5ª ed, São Paulo, Ed. RT, 1989, p.684
[4] A lei n° 10.257, de 2001, no § 1º do artigo 5º, especifica o que seria a subutilização do imóvel: " Considera-se subutilizado o imóvel: I - cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no Plano Diretor ou em legislação dele decorrente; II- utilizado em desacordo com a legislação urbanística ou ambiental."
[5] Ob. cit., p.223
[6] § 2º, do artigo 5º, da Lei n° 10.257, de 2001.
_ftnref7
[7] "§ 3º: A notificação far-se-á: I - por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel, ou no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência-geral ou administração. II - por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I."
[8] "§ 4º: Os prazos a que se refere o caput deste artigo não poderão ser inferiores a: I - um ano, a partir da notificação , para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente; II- dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento."
_ftnref9
[9] §5º do artigo 5º.
[10] Ob. cit., p.224
[11] "Comentários à Constituição Brasileira", 6º vol, Saraiva, 1994, p.443
[12] O Código Civil Francês prevê a definição do direito de propriedade no artigo 544: " La proprieté est le droit de jouir et de disposer des choses de la manierère plus absolue, pourvu qu'on n'en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par les réglements."
[13] " A função social da propriedade não se confunde com os sistemas de limitação da propriedade. Estes dizem respeito ao exercício do direito ao proprietário; aquela, à estrutura do direito mesmo, à propriedade". José Afonso da Silva in "Curso de Direito Constitucional Positivo", 16ªed., São Paulo, Ed. Malheiros , 1999, p.284.
[14] Nesse sentido, o entendimento do saudoso civilista San Tiago Dantas, que já assim entendia, ao discorrer sobre as limitações de interesse público, entre elas, as incidentes sobre o direito de construir: "Quanto às limitações ao uso da propriedade, são elas as mais numerosas. Incidem sobre o direito de construir do proprietário, pois o seu direito está limitado por normas de interesse público, sobretudo nos grandes conglomerados humanos , onde se torna necessário estabelecer padrões estéticos e higiênicos. (...)" in "Programa de Direito Civil III", edição histórica, Editora Rio, 1979, p.190). Segundo a classificação de José Afonso da Silva, seriam estas medidas espécies de restrições, pertencente ao gênero limitações: "Limitações ao direito de propriedade consistem nos condicionamentos que atingem os caracteres tradicionais desse direito, pelo que era tido como direito absoluto, exclusivo e perpétuo."(...) "Importante, contudo, é observar as espécies de limitações, que são: restrições, servidões e desapropriação. As restrições limitam o caráter absoluto da propriedade; ..." in "Curso de Direito Constitucional Positivo", ob. cit., p.282.
[15] Artigo 137 c/c artigo 148, 1, 3ª, da Constituição Espanhola de 1978.
[16] "Lecciones de Derecho Urbanistico", Madrid, Civitas, p.621
[17] "Instituciones de Derecho Urbanistico", Madrid, Montecorvo, 1977, p.288
[18] São solares as superfícies de solo urbano aptas para a edificação que tenham os seguintes requisitos (art 82 da LS): a) que, dando de frente a uma via, contem com todos os serviços urbanísticos estabelecidos pelo plano;b) não existindo o plano, os que dêem de frente a uma via que proporcione acesso rodado, disponha de calçada pavimenteda, meio fio, sistemas de abastecimento e evacuação de águas, e energia elétrica [18]. Já fincas são propriedades, de um modo geral. Tanto que, somente aquelas que possuam construções nos estados acima previstos é que podem ser objeto de edificação forçada.
[19] O registro municipal de solares é um registro administrativo que visa tornar público os solares e fincas sujeitos à edificação forçada.
[20] Ob. cit. p. 601
[21] Frederico Spantigati, "Manual de Derecho Urbanistico", Montecorvo, 1973.
[22] Apud Frederico Spantigati, ob. cit., p.381
[23] Ob. cit., p.382
[24] Aqui será utilizada a terminologia adotada por Antonio Carceller Hernandes in "El Derecho y La Obliacion de Edificar", Montecorvo, 1965, p.244/6
[25] Antonio Carceler Hernandes, "El Derecho ...", cit, p.245
* A autora é Procuradora da Fazenda Nacional, Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo.
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