BE352
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Condomínio adquirindo bem imóvel?
Falta de personalidade jurídica não impede
A Primeira Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo sempre foi referência para os registradores prediais, notários e demais profissionais que atuam na área imobiliária. As decisões desta vara especializada têm a virtude de irradiar-se como índice e pauta de discussões que empolgam os juristas especializados.
Confirmando a tradição, seu atual Juiz Titular - Magistrado Venício Antônio de Paula Salles - tem enfrentado os temas mais delicados e polêmicos. Emprestando sua contribuição pessoal em decisões arrojadas, trazendo o desafio da transformação e arejando conceitos estabelecidos, o Magistrado Paula Salles diz a que veio.
Apreciando um caso de dúvida suscitada pelo 3 Registro de Imóveis da Capital de SP., decidiu pela admissibilidade de aquisição de bens imóveis por condomínios.
A decisão é inovadora. Sua fundamentação é tecnicamente articulada. Confronta e contrasta a jurisprudência, descerra sentidos inesperados na norma, reconhece e traduz a expectativa social que se expressa em fenômenos de caráter coletivo. Identifica e valoriza a aglutinação de quereres individuais em organismos sociais que o ordenamento vem de reconhecer legitimidade - justamente para fazer valer interesses singulares dessas pequenas comunidades.
Mas há mais do que simples interesses que devam ser defendidos. Sendo um tertius genus no permeio de uma mera comunidade de bens e entes autônomos, não se pode ignorar que os condomínios têm uma função cada vez mais relevante nos grandes centros urbanos. Seria um exagerado rigorismo formal negar-lhes a possibilidade de contratar serviços, adquirir bens móveis de valor muitas vezes superior aos imobiliários e figurar, enfim, como sujeitos ativos e passivos de direito no tráfico jurídico negocial.
O direito é dinâmico e a jurisprudência joga um papel fundamental na vitalização da norma. O debate está posto, portanto. Que os estudiosos do Direito possam dar sua contribuição para enriquecer as discussões e fomentar os estudos especializados. (SJ)
_____________________________
Vistos, etc...
Cuida-se de procedimento de dúvida suscitada pelo 3º CRI em face do CONDOMÍNIO EDIFÍCIO BARRO BRANCO. Destaca que é um condomínio constituído na forma da Lei 4.591/64, e nesta condição ajuizou ação de cobrança de débitos condominiais contra Wagner da Cruz e Rosana Freitas da Cruz. Na fase de execução, o requerente arrematou o imóvel arrestado, sendo expedida a carta de sentença, tendo o C.R.I. se recusado a proceder ao registro da arrematação, anotando que o Condomínio não tem personalidade jurídica para adquirir bens imóveis. Argumenta o Condomínio que não é pessoa física, que se encontra muito próximo das jurídicas, sendo admitido a postular em juízo, registrar empregados, que possui CNPJ, conta bancária e propriedades comuns, de forma que não pode ser impedido de exercer os demais atos da vida civil. Ao final, pugna pela improcedência, para efeito de ser acolhida a pretensão, determinando o registro da Carta de Arrematação.
Juntou os documentos de fls. 14/76.
Ao se pronunciar o Oficial do 3º CRI informou que adotando entendimento jurisprudencial pacífico, entende que o CONDOMÍNIO não tem personalidade jurídica, e como tal, não pode conquistar patrimônio imobiliário. Juntou a ficha da matrícula imobiliária.
O Ministério Público se posicionou pela improcedência da dúvida suscitada destacando que CONDOMÍNIO é uma realidade fática e jurídica.
Foi promovida a juntada de novo instrumento de mandato.
É o relatório.
DECIDO:
Trata-se de procedimento de dúvida, levantada em face da recusa de registro da CARTA DE ARREMATAÇÃO conquistada pelo CONDOMÍNIO suscitado. O registrador, adotando entendimento jurisprudencial pacífico, negou registro à CARTA JUDICIAL, observando que CONDOMÍNIO não tem "personalidade jurídica" para inscrever em seu nome patrimônio IMOBILIÁRIO.
Examinando os precedentes jurisprudenciais, constata-se que os Julgados do E. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo se mostram unânimes em declarar e reconhecer a ausência de personificação dos CONDOMÍNIOS de que trata a Lei 4.591/64, concluindo que em face de tal carência jurídica, não se encontram os CONDOMÍNIOS credenciados para a aquisição de imóveis.
As decisões que se debruçaram sobre o tema, apresentam argumentos consistentes e coerentes, destacando que a FACULDADE que confere aos CONDOMÍNIOS atributos postulatórios em juízo, não é suficiente ou capaz de lhes outorgar PERSONALIDADE JURÍDICA. Ademais, os Julgados destacam que a previsão do art. 63, da Lei 4.591/64 que estabelece a possibilidade do CONDOMÍNIO incorporador ADJUDICAR imóvel de adquirente inadimplente, igualmente não confere a este, a condição de pessoa jurídica, observando que tal dispositivo, representaria uma mera "exceção" à regra geral, e como tal apenas se prestando para confirmar o conteúdo e alcance da própria REGRA. A decisão abaixo transcrita bem espelha o entendimento dominante:
Ementa: A capacidade do condomínio limita-se à postulação em juízo, não lhe é atribuída capacidade aquisitiva. Ausência do princípio da continuidade. Obrigatoriedade de o título ser original. Exegese do art. 221 da Lei 6.015/73. ITBI obrigatório em razão da transmissão imobiliária. IPTU devido a partir do auto de adjudicação. Apelação improvida.
ApCiv 70.660-0/9 - Conselho Superior da Magistratura de São Paulo - j. 04.05.2000 - rel. e Corregedor-Geral da Justiça Luís de Macedo.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos de ApCiv 70.660-0/9, da Comarca de Guarujá em que é apelante Condomínio Edifício Simone e Betina e apelado o 1º Tabelião de Notas e Oficial de Registro de Imóveis da mesma Comarca.
"...."
Procede ainda o último óbice para o registro, considerando-se que os condomínios não possuem personalidade jurídica para aquisição imobiliária.
As disposições legais do art. 63 da Lei 4.591/64 aplicam-se às construções de edificações em condomínio. O legislador procurou criar mecanismos para que os condomínios em construção possam arrematar as unidades em débito, propiciando aos condôminos a possibilidade de continuação da obra e o levantamento de recursos financeiros com a venda dessa unidade adquirida. "o art. 63 da Lei 4.591/64 criou instituto rápido e eficiente de resolução do contrato nas construções chamadas de preço de custo, visando preservar a massa de condôminos e evitar que a conclusão do empreendimento sofra solução por insuficiência de recursos financeiros de um dos adquirentes" (rel. Des. Márcio Bonilha, ApCív 30.786-0/0-07.06.1996).
"..."
A capacidade processual do condomínio e o simples fato de possuir CGC/MF não lhe proporcionam poderes de aquisição. Sua figura possui como finalidade as relações e atribuições administrativas condominiais. Falta-lhe para possuir personalidade jurídica affectio societatis, segundo leciona Pontes de Miranda (Tratado de direito privado. São Paulo: RT. T. 12, p.1.311).
Não se confunde capacidade postulatória em juízo com capacidade aquisitiva especial do condomínio. A primeira é resultante do art. 12, IX, do CPC e a segunda dos casos de incorporação por construção a preço de custo.
O condomínio apelante não pode adquirir direito real e não há impedimento para que seus condôminos, se desejarem, constituam uma associação que, revestida de personalidade jurídica, poderá em seu nome possuir propriedade imobiliária.
"..."
- São Paulo, 04 de maio de 2000 - (a) Luís de Macedo, Corregedor-Geral da Justiça e relator (DOE de 06.06.2000) -
A despeito da profundidade como o tema tem sido tratado, e a forma reiterada como este entendimento vem sendo declinado nos diversos julgados da Corte Paulista, necessário, - em função das alterações sociais e econômicas que alteraram sobremaneira as relações jurídicas envolvendo a chamada "vida" condominial - que seja feita uma revisão ou uma certa reavaliação dos conceitos e da interpretação sobre o tema.
É certo que as relações individuais vêm, gradativamente, cedendo espaço para a participação de entidades ou grupos aglutinados de pessoas, reunidas em função da comunhão de interesses ou de propósitos. Várias associações e organismos estão sendo criadas para a defesa de interesses gerais ou para cumprimento de desideratos comuns. Neste contexto, também os condomínios tradicionais conquistaram maior espaço e mais relevo, fatores que devem ser considerados e respeitados em qualquer análise interpretativa.
A análise destas alterações ou mutações sociais ocorridas ao longo dos anos, deve inspirar uma reapreciação ou um reexame da legislação de regência, para que o novo perfil e as novas atribuições sociais dos condomínios não resultem limitadas ou reduzidas em virtude de interpretações de consistência meramente formais.
Principalmente nas metrópoles e grandes centros urbanos, os condomínios especiais, como os demais, passaram a desempenhar funções múltiplas e cada vez mais amplas, se distanciando daquela antiga figura estática, instituída exclusivamente para cumprir tarefas ligadas à preservação e conservação física e estética dos prédios.
Destaque-se que atualmente os CONDOMÍNIOS especiais, além das funções corriqueiras, respondem perante terceiros, firmando contratos das mais diversas espécies e naturezas. Além disto, são EMPREGADORES diretos, de forma que são chamados pela JUSTIÇA OBREIRA em face das reclamações trabalhistas intentadas por seus funcionários. Esta própria relação funcional submete os CONDOMÍNIOS a obrigações de ordem FISCAL, conquanto são obrigados ao recolhimento do IMPOSTO DE RENDA como FONTE PAGADORA, e também previdenciária, perante o INSS.
Como destacado, celebram contratos para reforma, manutenção, e compra dos mais variados equipamentos ligados à conservação, conforto e principalmente à SEGURANÇA. Possuem, em razão da expansão de funções, sofisticados e valiosos equipamentos, veículos, e são protagonistas de contratos coletivos, como os relativos à canal de televisão a cabo, ligação da internet, etc.
Os condomínios administram valores expressivos, aplicando no mercado financeiro, mantendo movimentada conta corrente bancária. Além da responsabilidade trabalhista, previdenciária e fiscal, respondem civilmente pelos acidentes que eventualmente venham ocorrer em suas dependências.
Enfim, os CONDOMÍNIOS exercem funções que vão muito além da antiga missão de apenas arrecadar as taxas condominiais para fazer frente às despesas com a manutenção do prédio. Respondem por todos os interesses COLETIVOS dos condôminos.
O entendimento que considera que os condomínios especiais têm apenas CAPACIDADE POSTULATÓRIA ou capacidade para estar em juízo, mas não possuem PERSONALIDADE JURÍDICA, se antagoniza com esta realidade, e decorre de uma interpretação que visualiza em todos os dispositivos que permitem vida jurídica plena aos CONDOMÍNIOS, a condição de disposições excepcionais, que se prestam apenas para confirmar a regra da despersonalização ("Inclusione unius fit exclusio alterius. Qui de uno dicit, de altero negat. Qui de uno negat, de altero dicit").
Os fatos e o avanço social reclamam por um novo tratamento e uma nova abordagem, pois a intensidade da vida jurídica dos CONDOMÍNIOS determina uma inversão acentuada, para efeito de se considerar como "regra" e não como "exceção" tais disposições legais que admitem a personalização (art. 63). Contudo, a revisão enfrentará resistências, o que é natural neste segmento do direito.
A este respeito é de se relembrar a forma tímida como a PROPRIEDADE compartida ou condominial foi admitida em nossa legislação. A este propósito, recorde-se que o Código Civil Brasileiro veio a contemplar a "compropriedade", permitindo o exercício pleno do DIREITO DA PROPRIEDADE consagrado e previsto CONSTITUCIONALMENTE, admitindo a possibilidade de VÁRIOS DONOS exercerem concomitantemente o direito dominial sobre um e o mesmo imóvel.
A previsão criou o condomínio ou co-propriedade em que cada "dono" exerce o seu direito sobre uma PARTE IDEAL.
No dizer do saudoso Professor Hely Lopes Meirelles, "condomínio é o direito de propriedade de duas ou mais pessoas sobre partes ideais de uma mesma coisa (pro indiviso)", ou como diz Clóvis, "é uma forma anormal de propriedade, em que o sujeito do direito não é um indivíduo que o exerça com exclusão dos outros; são dois ou mais sujeitos, que exercem o direito simultaneamente" (in Direito de Construir, 4a. ed. RT - p. 3).
Esta natural previsão da legislação material na época de sua edição, portanto, já era digerida com dificuldade pelos antigos mestres, que a entendiam como um exercício anômalo do direito de propriedade.
A propriedade era tida como um direito tão absoluto que o seu exercício por diversos titulares, causava dúvidas e resistências daqueles que vislumbravam que a fruição da propriedade por mais de um TITULAR significava ou representava redução deste direito.
Assim, mesmo o instituto do "condomínio em partes ideais", que sabemos que representa uma forma completa e plena de fruição do direito de propriedade, conquanto reflete a exata VONTADE de seus TITULARES, gerou, em um primeiro momento, suspeitas de que poderia estar aviltando a forma soberana de exercício da propriedade.
A "livre disposição" ou a liberdade no exercício deste direito, que é um dos pressupostos do exercício do DIREITO DE PROPRIEDADE representava e representa a vontade do titular direto, que pode exercer seu direito de forma individual ou compartilhada, nunca poderia ser visto como uma "forma anômala do exercício da propriedade".
Esta situação bem espelha as resistências que ocorrem quando a discussão envereda sobre a extensão do DIREITO DE PROPRIEDADE. Fatalmente as primeiras análises da Lei 4.591/64, também foram orientadas por esta ótica conservadora do direito, conquanto esta lei veio alargar e inovar conceitos, passando, por exemplo, a prever que as unidades autônomas tocam aos condôminos e as áreas e edificações comuns devem ser REGISTRADAS em nome do CONDOMÍNIO (letra "a", § 3º, do art. 9 da Lei), e que o exercício dos direitos sobre tais áreas comuns deixou de ser realizado pela unanimidade de condôminos (co-propriedade), para ser exercido pela maioria (assembléia). Esta significativa mudança, nada mais fez do que por em prática o que os fatos já indicavam.
Portanto, a reanalise deve ser consistente e segura em seus desideratos, para que a simples forma sem conteúdo fático, não continue a determinar o tamanho e a extensão das atribuições dos condomínios especiais.
CAPACIDADE POSTULATÓRIA
Entende-se que os CONDOMÍNIOS dispõem apenas de capacidade postulatória e não de "personalidade jurídica". A este propósito, é de se enfatizar que capacidade postulatória é a simples aptidão jurídica para estar em juízo. No dizer do prof. Arruda Alvim, "tem capacidade para estar em juízo toda a pessoa que se acha no exercício de seus direitos (art. 7º). Assim, aquele que pelo Direito Civil tem capacidade de gozo e de exercício de direitos, tem capacidade para estar em juízo. Lembremos que muitas vezes, há capacidade de estar em juízo mesmo quando a entidade ou o organismo não dispõe de personalidade jurídica mas apenas personalidade judiciária. "Todas as pessoas têm capacidade de gozo de direitos, mas nem sempre de exercício. (in Manual de Direito Processual Civil/79 - volume I - pag. 295).
A "personalidade judiciária" como é conhecida a personalidade limitada ao exercício ad causam, afeta certas entidades especificamente enumeradas no art. 12 da Lei Processual. A estas entidades é conferida prerrogativas limitadas à DEFESA JUDICIAL de seus INTERESSES. Exemplo disto é o que ocorre com a MASSA FALIDA, bem como com o ESPÓLIO ou com a Câmara Municipal.
Relevante é a comparação da situação dos condomínios com estes exemplos que normalmente são apresentados pela doutrina, para efeito de se patentear que não há qualquer semelhança.
Primeiramente, quanto a massa falida, estabelece a legislação adjetiva, que a defesa dos interesses da coletividade de CREDORES deve ser feita por seu síndico. Neste intento lhe é franqueada a possibilidade de toda e qualquer intervenção judicial para a cobrança de créditos pendentes ou para promover a defesa da MASSA. Trata-se de prerrogativas nitidamente tendentes à finalização de uma atividade ou ao esgotamento da gestão e dos negócios da sociedade falida.
Da mesma forma, o ESPÓLIO possui a peculiar possibilidade de defesa de seus interesses, enquanto o acervo patrimonial não é rateado entre os herdeiros. Também no caso do ESPÓLIO a tarefa é tendente a finalizar ou encerrar uma "gestão patrimonial".
A situação da Câmara é ainda mais peculiar, nascendo a sua legitimidade ad causam de motivos políticos, decorrentes da incompatibilidade de interesses entre a Edilidade e a entidade que normalmente promove a defesa e tutela de seus interesses.
A simples apresentação das situações encaradas como semelhantes revelam que, ao reverso, não há pontos de contato entre a MASSA FALIDA, o ESPÓLIO e os CONDOMÍNIOS ESPECIAIS. A despersonalização daquelas se justificam, pois não são entidades com vida jurídica, mas apenas com uma certa "sobre-vida" jurídica. São situações necessárias para o encerramento de uma gestão ou de uma administração, ao passo que os condomínios projetam suas ações para o futuro, inovam, criam e geram obrigações e deveres, de forma que não podem ser assemelhados àquelas, existindo uma nítida diferença.
Continuando com a análise comparativa com as entidades despersonalizadas, é significativo o fato do art. 12 do C.P.C. ter tratado em incisos DISTINTOS, de uma lado as entidades "sem personalidade jurídica" (inciso VII) e de outro os condomínios (inciso IX). Trata-se de mais um apoio para o reconhecimento da personalidade jurídica para os prédios condominiais.
A propósito, é de se frisar que "a idéia de personalidade está intimamente ligada à de pessoa, pois exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações" (in Instituição de Direito Civil prof. Caio Mário da Silva Pereira - 8ª ed. - vol. I - pag. 153).
Ao realizarem atos da vida civil, assumindo obrigações e possuindo responsabilidades, os condomínios assumem a condição de PESSOA. Além do mais, o pressuposto formal do registro, tal como exigido no art. 18 do C.C., também pode ser considerado cumprido. Os condomínios possuem registro público de seus atos constitutivos, os quais são lançados frente ao cartório imobiliário. As convenções e regulamentos são seus atos constitutivos, e estes cumprem as exigência do dispositivo em referência, bem como de seu subsequente. Frise-se que o registro exigido pelo Código Civil para a existência da PESSOA, não se constitui apenas nos assentos da Junta Comercial, ou nos lançamentos dos Cartórios de Títulos e Documentos. Pelo contrário, todo e qualquer assento PÚBLICO que confira efeitos erga omnes ao ato deve ser considerado como um "registro" para efeito de conferir status de PESSOA à entidade considerada.
Também por este prisma, seriam os "condomínios registrados", PESSOAS DE DIREITO PRIVADO, e como tal, dotados de personalidade jurídica.
Retomando a definição de personalidade jurídica (aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações), imperioso é reconhecer que atualmente os CONDOMÍNIOS não têm quaisquer restrições relativas à conquista de direitos ou mesmo pertinentes a assunção de obrigações. Possuem todos os requisitos para exercer em sua integralidade, a vida jurídica plena, posto que são dotados de todo instrumental jurídico para o desempenho dos mais diversos papeis nas relações rotineiras.
Possuem CNPJ (CGC), são empregadores, podem subscrever os mais variados contratos, aplicam recursos financeiros e tomam todas as decisões ligadas a seus interesses peculiares e próprios. Assim como uma empresa ou uma associação, são os condomínios limitados ao respectivo estatuto. No mais atuam com liberdade, inexistindo pacto ou contrato que, em princípio, não possa ser celebrado validamente pelo representante autorizado pelo órgão coletivo.
Este contexto, nos remete ao sempre atual alerta apresentado pelo prof. Rubens Requião apresentado em seu Curso de Direito Comercial, que abordando a questão da personalização das sociedades comerciais, aceita a afirmativa de Messineo, que considerou de somenos importância o problema sobre a REALIDADE ou FICÇÃO das pessoas jurídicas, satisfazendo-se com a circunstância de possuírem elas uma realidade NO e PARA o mundo jurídico (pag. 267). O mestre deixa claro com sua observação que o relevante para a PERSONALIZAÇÃO é a realidade, é o fato da entidade realizar os atos da vida jurídica sem restrições ou limitações.
No seu entender decorreria da aptidão da entidade de realizar atos da vida civil, da condição de titular de DIREITOS e OBRIGAÇÕES. Se a entidade realiza tais misteres no mundo fenomênico, dispõe, em conseqüência, de personalidade jurídica.
Aliás o Direito Tributário que invariavelmente promove alterações nos ramos paralelos e afins, considera CONTRIBUINTE do IR (art. 115 do RIR), o "condomínio de fato" que promove o parcelamento irregular ou clandestino do solo urbano. Ao reconhecer esta precária entidade como titular de direitos e deveres, aceitando a sua personalização, sinaliza esta legislação fiscal também pelo reconhecimento dos CONDOMÍNIOS regulares como entidades que ostentam o "status" jurídico de entidades personalizadas.
De outro lado, não se pode deixar de reconhecer na constituição dos CONDOMÍNIOS ESPECIAIS, a presença de peculiar afectio societatis, assim entendida como o "elo de colaboração ativa entre os sócios" (Thaller), ou simplesmente como "a vontade de colaboração ativa" (prof. Lagarde).
Mesmo não se tratando de requisito necessário para a personalização da entidade, mas apenas para revelar um caráter de natureza societário, forçoso é reconhecer que existe entre os condôminos este ELO DE COLABORAÇÃO ou elo de propósitos, sempre convergente para satisfação dos anseios comuns.
Assim, frente a mais este elemento, é de se concluir que todos os pressupostos necessários para o reconhecimento da PERSONALIDADE JURÍDICA para os condomínios se encontram presentes, nos termos do art. 18 do Código Civil.
Exigir que os CONDOMÍNIOS constituam uma ENTIDADE PARALELA ou uma ASSOCIAÇÃO ESPELHO apenas para conquistarem uma "estrutura formal" considerada indispensável para o registro imobiliário, não revela o melhor sentido ou a melhor dicção da legislação de regência, mormente porque o reconhecimento da personalidade jurídica para os condomínios, não afeta a órbita de interesse ou de direitos de terceiros.
Seguramente que esta questão admite mais de uma interpretação viável ou possível, e estes caminhos merecem uma eleição determinada pelo "bom senso jurídico", assim como, pela razoabilidade da situação, além de inspirado pelo sentido prático que contamina toda norma geral e abstrata.
Neste exame, relevante é destacar que o reconhecimento da personalidade jurídica dos condomínios não causa danos, prejuízos ou dificuldades para terceiros, e mais do que isto, pode representar uma conquista para os CONDOMÍNIOS que melhor poderão operar suas cobranças e suas execuções. Não há porque se negar este caminho interpretativo, optando-se por entendimento que mitiga direitos e dificulta seu exercício. A JUSTIÇA possível é feita mediante a eleição da interpretação legal que melhor venha a se ajustar aos padrões sociais, morais e aos anseios coletivos de justiça.
O reconhecimento de PERSONALIDADE JURÍDICA para os condomínios não acarreta qualquer ameaça para os interesses dos condôminos, pois é a ASSEMBLÉIA CONDOMINIAL que, soberanamente, decide sobre a gestão, os destinos e a forma de proceder do CONDOMÍNIO autorizando ou negando a compra ou adjudicação de imóvel ou dando ou negando poderes para o síndico tomar decisão neste sentido.
Tendo personalidade jurídica o CONDOMÍNIO pode adquirir imóvel de devedor inadimplente, quando tal conduta atenda aos propósitos ligados a uma melhor e mais eficiente arrecadação. O condomínio, no entanto, não poderá se distanciar de seus objetivos, pois neste caso, estaria agindo contra legem.
A adjudicação ou arrematação de bem imóvel pelo condomínio em ação de cobrança da taxa interna, atende, evidentemente, os propósitos condominiais. Evidente que nestes casos pode nascer uma nova obrigação tributária determinada pelo eventual LUCRO IMOBILIÁRIO, o que não significa risco ou prejuízo para os condôminos. As unidades autônomas sempre estarão preservadas, pois não compõe o acervo coletivo ou condominial, assim como a parte comum (que mesmo estando registrada em nome do condomínio, representam frações que tocam a cada um dos condôminos).
Assim, não havendo riscos ou prejuízos para terceiros, não há "burla legal" ou qualquer outro desvio ou irregularidade. Lícita é a interpretação que reconhece aos CONDOMÍNIOS "personalidade jurídica" para atuarem nos limites de seus regimentos e regulamentos, atendendo sempre às determinações das assembléias.
Na insuperável obra sobre hermenêutica e aplicação do direito, o prof. Carlos Maximiliano ensina que "não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica; e esta não há de corresponder imutavelmente às regras formuladas pelo legislador. Se as normas positivas se não alteram à proporção que envolve a coletividade, consciente ou inconscientemente a magistratura adapta o texto preciso às condições emergentes, imprevistas. A jurisprudência constitui, ela própria, um fator do processo de desenvolvimento geral; por isso a Hermenêutica se não pode furtar à influência do MEIO no sentido estrito e na acepção lata; atendendo às conseqüências de determinada exegese: quando possível evita, se vai causar dano, econômico ou moral, à comunidade"...."Toda ciência que se limita aos textos de um livro e despreza as realidades, é ferida de esterilidade. Cumpre ao magistrado ter em mira um ideal superior de justiça, condicionado por todos os elementos que INFORMAM a vida do homem em comunidade"...."Não se pode conceber o Direito a não ser em seu momento dinâmico" (obra citada - pag.169/170). A dinâmica do Direito é a própria dinâmica social. Se os condomínios passaram a desempenhar funções algo mais amplas do que aquelas originalmente desempenhadas, este é fato ou fator que autoriza a reinterpretação ora apresentada.
EXERCÍCIO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
Quanto ao DIREITO DE PROPRIEDADE previsto em nossa CARTA POLÍTICA FEDERAL, este não encontra qualquer limitação ou restrição, a não ser as decorrentes da "FUNÇÃO SOCIAL" que o exercício da propriedade privada deve cumprir nos termos de Lei Federal e do Plano Diretor (quando exista norma com este conteúdo), ou ainda, em função de DESAPROPRIAÇÃO.
Assim, não havendo qualquer afronta ou descumprimento da função social prevista no PLANO DIRETOR MUNICIPAL, a propriedade privada comporta fruição plena e ilimitada, que somente pode ser obstada por DESAPROPRIAÇÃO.
Afora tais prerrogativas que tocam à Administração, é defeso a instituição ou criação de qualquer restrição ou impedimento ao livre exercício da propriedade. Toda entidade capaz de desempenhar os atos da vida civil, se encontra apta a exercer o direito de propriedade.
Assim, sob o ponto de vista constitucional, não há impedimento ou obstáculos para que CONDOMÍNIOS ESPECIAIS exerçam o direito de PROPRIEDADE, até porque já o exercem sobre bens móveis de grande valor.
PRECEDENTES
Países com tradição jurídica semelhante a nossa, passaram a reconhecer a personalização dos condomínios, primeiramente em razão do pronunciamento jurisprudencial e posteriormente pela consagração feita pelo direito positivo.
Na França a legislação que regia os condomínios residenciais datada de 1938 nada estabelecia a este respeito, contudo a Lei 60.577 de 10 de julho de 1965, em seu art. 14, reconheceu a personalidade jurídica dos CONDOMÍNIOS. Também na ARGENTINA a matéria experimentou igual evolução, tendo a Lei 13.512 consagrado a existência de personalidade jurídica para os condomínios (extraído dos "estudos e comentários" de J. Nascimento Franco - in Revista de Direito Imobiliário).
No Chile o desenvolvimento do Direito Imobiliário também resultou no reconhecimento da personalização dos condomínios, o que mais um impulso para a alteração interpretativa apresentada.
SITUAÇÃO FÁTICA
Por fim, é de se anotar que o requerente conquistou em juízo o reconhecimento de seu CRÉDITO decorrente do inadimplemento de taxas condominiais. Na satisfação deste seu "direito", logrou adjudicar o imóvel, faculdade que afeta a todos quantos se utilizam da EXECUÇÃO FORÇADA. Desta forma, o impedimento ou o obstáculo ao PLENO exercício deste direito, se constitui em limitação não prevista na norma processual. O direito que a todos afeta de buscarem JUDICIALMENTE a satisfação de seus direitos, não comporta a transversa limitação determinada pela negativa de registro da CARTA DE AJUDICAÇÃO, na medida em que tal impedimento estaria ferindo o integral PLENO EXERCÍCIO do DIREITO ao PROCESSO.
Acrescente-se, ainda, que o impedimento ao REGISTRO do título, significa o reconhecimento da ineficácia da CARTA DE ADJUDICAÇÃO JUDICIAL ou, o que é o mesmo, a ineficácia de uma DECISÃO JUDICIAL TRÂNSITADA EM JULGADO.
Também estes elementos sinalizam, autorizando a revisão da interpretação de regência, para que nova solução seja encontrada. A jurisprudência, embora tímida, já apresenta indícios de reavaliação:
CONDOMÍNIO - Legitimidade de parte - Ação proposta contra os condôminos em virtude da falta de segurança no edifício - Inadmissibilidade - Entidade jurídica distinta de cada um dos condôminos - Ilegitimidade passiva reconhecida - Recurso não provido Uma vez instituído esse condomínio constitui um ente jurídico que se distingue perfeitamente dos titulares de cada uma das entidades autônomas, da mesma forma pela qual se distingue da sociedade a pessoa de cada um dos sócios. Numa fase primitiva do sistema, poder-se-ia admitir que ao condomínio em edifícios faltasse personalidade jurídica. Mas a jurisprudência e a doutrina vêm evoluindo no sentido de lhe reconhecer ampla capacidade, e, com esta, plena. (Agravo de Instrumento n. 219.610-1 - São Paulo - 03.05.94)
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida levantada em nota devolutiva pelo Oficial do 3º CRI. Expeça-se mandado para o registro da carta de arrematação.
P.R.I.
São Paulo, 10 de Julho de 2001
VENICIO ANTONIO DE PAULA SALLES
Juiz de Direito.
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