BE329
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Bem de família. Impenhorabilidade. Imóvel alugado.
O único imóvel destinado à moradia da família, cujo aluguel provê a residência em outra cidade devido à transferência por necessidade de emprego, não pode ser penhorado. O entendimento unânime é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a decisão do Tribunal de Alçada do Paraná garantindo ao advogado Augusto Luiz Filipini e sua família a impenhorabilidade de sua casa.
Augusto Luiz Filipini entrou com um processo de embargos à execução (mecanismo de defesa do devedor para evitar a execução ou a penhora de um bem) por estar respondendo na Justiça a uma ação de execução movida por Alfredo Floriano Castilho, que busca receber R$ 72.760,00, uma dívida vencida em 1995. O advogado mudou-se com a família de Cascavel (PR) para Caxias do Sul (RS), onde alugou um apartamento. Com a sua transferência para outra cidade, alugou sua casa e com o dinheiro obtido paga o aluguel da atual residência, o que, segundo alega, prova que o imóvel de moradia de Cascavel continuou mantendo a sua destinação de bem de família, posto que sempre manteve esta característica de prover a sua moradia e de sua família. Filipini perdeu na primeira instância, mas a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Paraná considerou que ele tinha razão. Com a sua vitória, Castilho recorreu ao STJ.
Para o credor, o intuito da Lei 8009 foi proteger o instituto da família para que ela não ficasse desabrigada, mas isso pressupõe que resida no imóvel. "Ora, a impenhorabilidade do bem de família se impõe quando não existem outros bens", afirma, cabendo ao devedor provar que é o único bem e que é destinado à residência familiar, que a seu ver não é o caso. Ele argumenta, ainda, que o domicílio de Augusto é em Flores da Cunha (RS) ou Caxias (RS), é lá que reside sua família, é lá o seu trabalho, jamais em Cascavel. "Ele se mudou para obter vencimento maior ao que tinha em Cascavel, o qual não era pequeno, pois alega ter amealhado outros bens em 15 anos, bens que deixou de citar, podendo ter outras residências".
O relator do recurso no STJ, ministro Ruy Rosado de Aguiar, entende que o imóvel destinado à residência da família que se desloca para outra cidade em razão do serviço do seu titular não perde a imunidade assegurada por lei. A propriedade desse bem é a garantia da casa própria, que não desaparece pela circunstancial transferência de domicílio em busca de novas oportunidades de trabalho. "Enquanto permanecer a locação da nova residência, até eventual aquisição de nova propriedade com a venda do primeiro imóvel, não me parece que este, embora alugado, tenha perdido a característica de bem de família", afirma. Com esse entendimento, a Turma manteve a decisão do tribunal paranaense. Processo: Resp 314142 (Notícias do STJ, 25/6/01. STJ garante impenhorabilidade de bem de família que se encontra alugado)
O Estatuto da Cidade
Raquel Rolnik*
Mais que documento técnico, o plano é um espaço de debate por uma estratégia de intervenção no território.
Acaba de ser aprovado por unanimidade pelo Senado o Estatuto da Cidade, lei que regulamenta o capítulo de política urbana da Constituição Federal de 1988 (artigos 182 e 183). Essa lei, que vinha tramitando no Congresso havia mais de dez anos, delega aos municípios e aos seus planos diretores a tarefa de definir, no âmbito de cada cidade, as condições de cumprimento da função social da propriedade e da própria cidade. Disponibiliza para o planejamento municipal novos instrumentos de controle do solo urbano e introduz novas estratégias de gestão municipal.
A partir de agora, áreas vazias ou subutilizadas situadas em áreas dotadas de infra-estrutura estão sujeitas ao pagamento de IPTU progressivo no tempo, de acordo com as diretrizes de uso e de ocupação da terra previstas para a região pelo plano diretor. A adoção desse instrumento pode representar uma luz no fim do túnel para as cidades que, em vão, tentam enfrentar a expansão horizontal ilimitada, avançando vorazmente sobre áreas frágeis ou de preservação ambiental.
Que cidade média ou grande de nosso país não tem uma ocupação precocemente estendida, levando os governos a uma necessidade absurda de investimentos em ampliação de redes de infra-estrutura (pavimentação, saneamento, iluminação, transporte) e, principalmente, condenando partes consideráveis da população a viver em situação de permanente precariedade? Que cidade média ou grande de nosso país não é obrigada a transportar, cotidianamente, a maior parte da população para os locais em que se concentram os empregos e as oportunidades de consumo e de desenvolvimento humano, desperdiçando inutilmente energia e tempo?
Mas não reside apenas na regulamentação desse instrumento a importância do Estatuto da Cidade. Na verdade, pela primeira vez em nossa história temos uma regulação federal para a política urbana que se pratica no país, definindo uma concepção de intervenção no território. Isso se afasta da ficção tecnocrática dos velhos planos diretores de desenvolvimento integrado, que tudo prometiam, mas não possuíam instrumentos para realizar o modelo idealizado proposto. De acordo com as diretrizes expressas no estatuto, os planos diretores devem contar, necessariamente, com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos econômicos e sociais não apenas durante o processo de elaboração e votação, mas, sobretudo, na implementação e na gestão das decisões do plano.
Assim, mais do que um documento técnico, normalmente hermético ou genérico e distante dos conflitos reais que caracterizam a cidade, o plano é um espaço de debate dos cidadãos e de definição de opções, conscientes e negociadas, por uma estratégia de intervenção no território.
Ainda no campo da ampliação do espaço da cidadania no processo de tomada de decisões sobre o destino urbanístico da cidade, o Estatuto da Cidade prevê o "estudo do impacto de vizinhança" para empreendimentos que a lei municipal considere como promotores de mudanças significativas no perfil da região onde se instalar. Inclui a obrigatoriedade de controle direto, por representação da sociedade civil, das operações urbanas.
Operações urbanas, de acordo com a lei, são definições específicas para uma certa área da cidade que se quer transformar. Prevêem um uso e uma ocupação distintos das regras gerais que incidem sobre a cidade e que podem ser implantadas com a participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores privados. O Estatuto da Cidade admite a possibilidade de que essas operações ocorram, mas exige que cada lei municipal que aprovar uma operação como essa deva incluir, obrigatoriamente, o programa e o projeto básicos para a área, o programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação e o estudo de impacto de vizinhança.
Com essas medidas, procura-se evitar que as operações sejam somente "liberações" de índices construtivos para atender a interesses particulares ou a simples operações de valorização imobiliária que impliquem a expulsão de moradores de baixa renda.
O estatuto, por meio da institucionalização do direito de superfície e da outorga onerosa do direito de construir, consagra a idéia do solo criado. A idéia é muito simples: se as potencialidades dos diferentes terrenos urbanos devem ser distintas em função da política urbana (áreas que, por causa da infra-estrutura instalada, devem ser adensadas, ou áreas que não podem ser intensamente ocupadas por apresentarem alto potencial de risco de desabamento ou alagamento, por exemplo), não é justo que os proprietários sejam penalizados ou beneficiados individualmente por essa condição, que independeu totalmente de sua ação sobre o terreno.
Assim separa-se um direito básico, que todos lotes urbanos devem possuir, dos potenciais definidos pela política urbana.
Muitas cidades no Brasil não esperaram o estatuto para aplicar com êxito essas inovações. Um movimento nacional pela reforma urbana, que desde a Constituinte vem lutando pela aprovação do estatuto, tem também atuado em nível local para romper o cinismo dominante na política urbana que se pratica no país, a qual reitera nos planos e nas leis uma regulação urbanística excludente.
O estatuto - esperamos que possa ser o mais brevemente possível sancionado pelo presidente e assumido pelos planos diretores nos municípios - abre uma oportunidade nova e desafiante para os cidadãos e os administradores locais: a oportunidade de intervir concretamente sobre o território, na perspectiva de construir cidades mais justas e belas. (Folha de São Paulo, 25/6/2001)
* Raquel Rolnik, 44, urbanista, é professora e coordenadora do mestrado de urbanismo da PUC de Campinas e pesquisadora do Instituto Polis. Foi diretora de Planejamento na administração municipal de Luiza Erundina (89-92).
A FRAÇÃO IDEAL DE TERRENO E SUA FORMA DE CÁLCULO
Eng. Paulo Andres Costa*
Em artigo anterior - DIVISÃO DE ÁREAS NO CONDOMÍNIO ESPECIAL - afirmei que tanto a Lei 4.591/64 quanto a NBR 12.721 ignoraram solenemente o problema do cálculo da fração ideal de terreno na questão do condomínio especial. A Lei faz referência à fração, obriga o incorporador a declará-la no momento do registro de incorporação, dá a ela a atribuição de ser, na ausência de determinação diferente em convenção, o referencial de peso nas decisões da vida comunitária, mas não a define. Esperava a Lei que a Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT - tomasse para si esta responsabilidade? Se sim, tal não ocorreu: a NBR 12.721 sequer menciona o que é fração ideal de terreno.
Este silêncio sempre me trouxe um questionamento que é, no meu julgamento, ao mesmo tempo sério e pertinente: por que, em questão tão importante, silenciou o legislador?
Não poucos estudos fiz a respeito. Contudo, sempre encontrei o leit motiv: a Lei não disciplina o cálculo de tal fração. Diga-se em favor dos legisladores brasileiros que este não é um problema nacional; a legislação mexicana, no seu Código Civil Federal, Capítulo VI ("De la Copropiedad"), Art. 942, assim se pronuncia sobre o fracionamento:
El concurso de los partícipes, tanto em los beneficios como em las cargas será proporcional a sus respectivas porciones.
Se presumiran iguales, mientras no se prueba lo contrario, las porciones correspondiente a los partícipes em la comunidad.
Voltando ao âmbito nacional, a ausência de dispositivo legal sobre o tema não impede a constatação de que a definição é urgente e necessária. Na prática, as frações ideais de terreno, no registro de incorporação e na instituição de condomínio, são discriminadas como determina a Lei sem, no entanto, seguir uma uniformidade. Há critérios consagrados pelo uso ou, como diz Caio Mário Pereira da Silva, "a prática veio suprir a lacuna; o costume remediou a deficiência legal". (1)
A grande maioria das declarações de Fração Ideal de Terreno (FIT) feitas aos Cartórios de Registro de Imóveis e utilizadas para base da escritura de fracionamento do terreno toma como referência os coeficientes obtidos a partir das planilhas II ou IV do conjunto de cálculos proposto pela NBR 12.721. O ilustre advogado Marcelo Terra e o acadêmico de direito Rodrigo Cury Bicalho, em artigo publicado no Boletim do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB - (N° 162, novembro de 1990), dão a este critério a qualificação de objetivo, porque vindo de coeficiente dado pela relação entre a área de construção da unidade autônoma e a área de construção global. Marcelo Terra e Rodrigo Cury, no entanto, deixaram-se levar pela significação leiga, de senso comum, do termo "área de construção", desconhecendo que área de construção, para a norma da ABNT, não é sinônimo de área edificada ou real. Este conceito, na NBR 12.721, é relativo a uma área fictícia ajustada para representar em metros quadrados o custo de construção a partir do custo padronizado. A área de construção, segundo o normalizado, pode ser maior, igual ou menor que a área real edificada.
O critério obtido a partir dos coeficientes fornecidos pelos quadros de cálculos da NBR 12.721, portanto, é subjetivo e, por definição, origina-se da relação entre o custo da unidade autônoma e o custo global da edificação.
O autor do anteprojeto da Lei 4.591/64, Caio Mário Pereira da Silva, assim concebe a F. I. T.:
Para o cálculo da fração, vários critérios poderão ser usados, redutíveis, contudo, a dois: o da área e o do valor. Pelo nosso direito, o critério originariamente adotado era este último, uma vez que o Dec. N°. 5.481, ao referir-se à quota dos proprietários de apartamento, no custeio da conservação do edifício, alude explicitamente ao valor de sua propriedade. (2 )
Assim, além do entendimento doutrinário de Caio Mário, temos hoje, na prática, uma "terceira via" representada pelos coeficientes vindos dos quadros da NBR 12.721.
Chegamos, desta forma, a um número maior de possibilidades de definição da F. I. T. - todas legais e com justificativas técnicas cabíveis, conforme o argumento defendido.
A primeira e mais utilizada é tomar como fração ideal de terreno os coeficientes gerados nos quadros da NBR 12.721. Se esta relação é válida para as incorporações em condomínio a preço de custo ou por administração, é questionável seu uso para as incorporações a preço fechado e prazo certo. Nas incorporações em condomínio a preço de custo ou por administração supõe-se uma paridade do quantum investido na construção, sendo o custo tomado como principal aferidor. Já nas incorporações a preço fechado e prazo certo o valor investido independe do custo e, portanto, a relação entre o preço pago e o custo nem sempre é constante. O incorporador, via de regra, estipula preços diferentes para unidades de mesmo custo. Ou, ainda, o preço do metro quadrado de construção no mesmo edifício não é único; há diferenças significativas que não são geradas em função direta do custo, mas de critérios tomados a partir de elementos da avaliação predial.
Já na instituição de condomínio, quando o imóvel já edificado submete-se ao regime da Lei 4.591/64, o critério normativo é o menos indicado. Estando as unidades prontas, o custo de construção já não apresenta significação nas relações que terão a F. I. T. como base.
Referidos por Caio Mário Pereira da Silva, os dois outros critérios são: o da área edificada e o do valor. A proporcionalidade obtida pela simples relação entre a área da unidade autônoma e a área global edificada apresenta-se como um critério deficiente, pois é necessária uma homogeneidade das áreas construídas para que este cálculo seja representativo. Em casos - os mais comuns - de áreas de diversos usos e tipos, este critério gerará frações no mínimo discutíveis.
Resta, assim, o critério que eleva o valor da unidade a fator principal dentro da relação de proporcionalidade nos direitos às áreas de uso comum, terreno e demais instalações e equipamentos comuns. É um critério que se pode dizer perfeito, tanto no aspecto técnico quanto no campo jurídico. Ou como reforça J. Nascimento Franco e Nisske Gondo:
"(...) o critério mais justo, preconizado pela legislação moderna, é o do valor venal de cada uma das unidades autônomas em relação ao valor global do edifício, apurando-se desta forma a participação proporcional de cada uma delas no terreno, coisas e áreas de uso comum." (3)
Pelo aqui exposto conclui-se que, embora ainda se mantenha em uso aferir a Fração Ideal de Terreno a partir da área de construção ou do custo da construção, é na proporcionalidade dos valores das unidades autônomas em relação ao todo do edifício que são encontrados os fundamentos mais sólidos e justos para o cálculo da F.I.T. Enquanto área edificada e custo da construção não se mostram aferidores adequados a todas as situações, o valor das unidades autônomas apresenta a qualidade de servir até nos casos mais heterogêneos de construção.
A Lei 4.591/64 que tantas inovações trouxe à construção civil brasileira ainda aguarda sua complementação a respeito da Fração Ideal de Terreno. Um elemento de tamanha importância nas relações condominiais não pode ficar ao sabor de interpretações particulares... presumindo-se ser possível identificar, em cada caso, a interpretação utilizada.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. Editora Forense. 9a Ed., Rio de Janeiro, 1995. P. 102
2. __________ P. 97
3. FRANCO, J. Nascimento & GONDO, Nisske; Incorporações Imobiliárias. Editora Revista dos Tribunais, 3a Ed., São Paulo, 1991. P. 56
Nota: Demais fontes citadas no corpo do artigo.
DATA REF.: 24/06/01
*O Eng. Paulo Andres Costa ([email protected]) é engenheiro civil formado pela Universidade Federal de Santa Maria, em 08/08/1988. Consultor do SINDUSCON-OESTE de Santa Catarina (Economia e Estatística). Membro da Comissão de Estudos de Custo Unitário e Orçamento de Construção Civil -NBR 12.721/1999 - COBRACON - ABNT. Árbitro Permanente da Câmara de Mediação e Arbitragem (Incorporações Imobiliárias) de Chapecó - SC.
Construtora. Financiamento para construção de unidades habitacionais. Execução. Penhora sobre o bem hipotecado. Embargos de terceiros. Impenhorabilidade. Lei n° 8009/90.
Recurso especial. Processual civil. Dissídio jurisprudencial. Comprovação. Prequestionamento. Súmula 211 do STJ. Fundamentação deficiente. Súmula 284 do STF. Construtora. Financiamento. Terceiro adquirente. Execução de crédito hipotecário. Lei nº 8.009/90.
I - Não se conhece o recurso especial pela divergência se inexiste a confrontação analítica exigida nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC. e 255, §2°, do RISTJ.
II- Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo (Súmula 211 do STJ).
III - "É necessária a interposição de embargos de declaração para se obter o prequestionamento, possibilitando a abertura de via especial, mesmo que a questão federal tenha surgido somente no julgamento perante a Corte de origem."
IV - Não se conhece o recurso especial que deixa de apontar, expressamente, os dispositivos legais tidos por violados, incidindo na espécie a inteligência da súmula 284 do STF.
V - Reconhece-se a impenhorabilidade a que alude o art. 1°, da Lei n° 8.009/90, na hipótese de embargos de terceiro opostos por quem adquiriu de construtora imóvel para moradia da entidade familiar e que foi posteriormente penhorado em ação de execução de crédito hipotecário proposta contra a construtora pela instituição de crédito que financiou a construção e em favor da qual foi instituída a hipoteca sobre o imóvel adquirido pelo terceiro.
Decisão. Cuida-se de recurso especial interposto pela Caixa Econômica Federal - CEF, com fundamento no art. 105, III, letras "a" e "c" da Constituição federal, contra acórdão proferido em embargos de terceiros, em que se pretende a desconstituição da penhora decretada em ação de execução de crédito hipotecário proposta pela ora recorrente contra a Merc Incorporações Ltda. Os embargantes, ora recorridos, possuem o imóvel objeto da constrição judicial por força do contrato de promessa de compra e venda firmado com a mencionada incorporadora.
A sentença, que julgou improcedente o pedido formulado na petição inicial foi reformada pelo acórdão recorrido, o qual restou assim ementado:
"Civil. Processo civil. Contrato de financiamento para construção de unidades habitacionais. Execução. Penhora incidente sobre o bem hipotecado. Embargos de terceiros. Impenhorabilidade. Lei n° 8009/90.
1. A impenhorabilidade prevista no art. 1°, da Lei n° 8.009/90 aplica-se aos processos de execução embasados em crédito garantido por hipoteca, salvo quando esta for constituída pelo casal ou entidade familiar. Intelecção do art. 3°, V, da referida Lei;
2. A execução contida no art. 3°, ll, da Lei n° 8.009/90, apenas se aplica às hipóteses em que a entidade familiar haja contraído o financiamento para construção ou aquisição do imóvel, não se aplicando aos casos em que é mera responsável (por força do gravame hipotecário) sem débito;
3. Impossibilidade de, judicialmente, dar-se baixa na hipoteca em face da imprestabilidade dos presentes Embargos para o deslinde de tal questão;
4. Apelação provida.
Suscita a recorrente as seguintes questões federais: a) "o pedido, qual seja, ser declarado impenhorável os bens, objeto da constrição judicial, por serem de família, nos termos da Lei 8009/90, não constam nos autos nem foram argüidos pela parte oportune tempore; incorreu, de forma incontestável, o v. acórdão em julgamento extra petita"; b) violação ao art. 811, do CC - não observou o acórdão recorrido que "a hipoteca foi constituída sobre o terreno de propriedade da Construtora Almeida Guerra e incluída, expressamente, na cláusula 13ª do contrato de mútuo celebrado entre esta empresa e a Caixa, o prédio que seria nele incluído"; b) violação ao art. 3°, ll e V, da Lei n° 8.009/90 - ao declarar o bem constrito impenhorável afastou o Tribunal a quo a incidência da referida norma, deixando de considerar as exceções à impenhorabilidade nesta previstas. Alega, ainda, a existência de divergência jurisprudencial.
A divergência jurisprudencial não está comprovada, vez que a recorrente não procedeu à confrontação analítica dos julgados, exigida nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §2°, do RISTJ.
Com relação ao alegado julgamento extra petita, verifica-se que o Recurso Especial encontra-se deficientemente fundamentado, impedindo a perfeita compreensão da controvérsia. A recorrente não apontou, com a exatidão exigida, qual o dispositivo legal tido por violado ou que teve negada sua aplicação. Assim, é manifestamente inadmissível o recurso, nos termos do precedente assim ementado:
"Processual civil. Recurso especial. Deficiência da fundamentação. Súmula 284-STF. Não conhecimento.
Considera-se deficiente a fundamentação deduzida no recurso especial, se não indicado, com precisão o dispositivo de lei federal que teria sido desafeiçoado, incidindo, na espécie, a Súmula 284 do pretório excelso. Recurso de que se não conhece. Decisão unânime." (Resp nº 77.285/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ 18/3/96).
Ademais, a questão suscitada não foi enfrentada pelo acórdão recorrido, pelo que inexiste o prequestionamento viabilizador da via especial, incidindo o óbice do enunciado da Súmula 211 do STJ: "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo."
Ressalte-se que esta col. Corte de Justiça exige o prequestionamento da questão federal suscitada, ainda que esta tenha surgido por ocasião do julgamento no Tribunal a quo, conforme o seguinte precedente:
"Processual civil. Recurso especial. Prequestionamento. Necessidade. Questão federal.
"É necessária a interposição de embargos de declaração para se obter o prequestionamento, possibilitando a abertura de via especial, mesmo que a questão federal tenha surgido somente no julgamento perante a Corte de origem". (EREsp 8.285/RJ, Corte Especial, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 9/11/98).
O acórdão recorrido - entendendo que a hipoteca abrangeu as construções realizadas no terreno- interpretou o art. 811, do CC, no mesmo sentido do esposado pela recorrente, carecendo esta de interesse recursal para suscitar tal questão federal.
No que diz respeito ao art. 3º, II e V, da Lei nº 8.009/90, verifica-se que a irresignação da recorrente vai de encontro ao entendimento firmado nos termos do precedente assim ementado:
"Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Hipoteca. Efeito sobre o mutuário. Bem de família. Embargos de terceiro.
- A Lei nº 8.009/90 impede a execução de imóvel adquirido pelo mutuário, no SFH, destinado à moradia da família, estando o bem imune à hipoteca instituída pela construtora em favor do financiador.
Recurso conhecido e provido." (Resp 171.421/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 29/3/1999)
Forte em tais razões, nego seguimento ao recurso especial, com fundamento no art. 557, do CPC.
Brasília 29/11/2000. Relator: Ministra Nancy Andrighi. (Recurso Especial nº 248.619/AL; DJU 12/12/2000; pg. 457)
Compromisso de c/v. Inadimplência. Perda parcial das parcelas pagas.
Recurso especial. Processual civil. Dissídio jurisprudencial. Comprovação. Matéria constitucional. Súmula 7 do STJ.
I- Não se conhece o recurso especial pela divergência se inexiste a confrontação analítica exigida nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, § 2º, do RISTJ.
II- Em sede de recurso especial não é possível verificar eventual violação a dispositivo constitucional, matéria esta reservada à apreciação do Supremo Tribunal Federal.
III- Não é possível, na via especial, a incursão no campo fático-probatório, face ao óbice do enunciado da súmula 7 do STJ.
Decisão.
Cuida-se de recurso especial interposto por Admo Construtora e Administradora de obra Ltda., com fundamento no art. 105, III, letras "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido em ação de conhecimento e que restou ementado nos seguintes termos:
"Compromisso de compra e venda. Resolução. Possibilidade. Inadimplência incontroversa do devedor. Imediata a imissão na posse.
Código de Defesa do Consumidor. Compromisso de compra e venda. Cláusula penal prevista no contrato. Perda parcial das prestações pagas. Validade. Ausência de afronta ao artigo 53 da Lei nº 8.078/90. Indenização por prejuízos suportados. Cláusula que funciona como prefixação das perdas e danos. Resolução do montante aplicada pela r. sentença em atendimento ao disposto no artigo 924 do Código Civil. Decisão mantida. Recurso improvido.
Indenização. Falta de firme convicção acerca da natureza das benfeitorias. Réu que, ademais, perdeu a condição de possuidor de boa-fé. Indenização indevida. Inteligência do artigo 516 do Código Civil.
Honorários Advocatícios. Partes vencidas e vendedoras. Ônus sucumbenciais recíprocos em consonância ao artigo 21 do Código de Processo Civil."
O acórdão que julgou os embargos de declaração opostos por ambas as partes está assim ementado:
"Embargos de declaração. Erro material. Uma vez evidenciado o erro material do acórdão, impõe-se o recebimento de embargos declaratórios, como poderia a correção ser feita pelo relator ex officio. Embargos do réu recebidos e da autora rejeitados."
Sustenta o recorrente violação ao art. 5º, XXII e XXXVI, da CF, e ao art. 53, do CDC, assim como a existência de divergência jurisprudencial.
A divergência jurisprudencial não está comprovada, vez que o recorrente não procedeu à confrontação analítica dos julgados, exigida nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §2º, do RISTJ.
Em sede de recurso especial não é possível verificar eventual violação a dispositivo constitucional, matéria esta reservada à apreciação do Supremo Tribunal Federal.
Com relação à alegada violação ao art. 53, do CDC, verifica-se que o acórdão recorrido se manifestou:
"Com acerto, fundamentada na boa doutrina e dominante jurisprudência (JTJ 173/119, 165/52), a r. sentença aplica a regra do artigo 924 do Código Civil para reduzir a montantes mais eqüitativos os valores correspondentes à perda dos pagamentos realizados. Assim, mitigando o excesso de cláusula 10ª (décima) do contrato, que prevê o decaimento pelo comprador de 30% (trinta por cento) do preço total, determina que tal percentual se calcule sobre os pagamentos realizados.
O critério encontra seguro respaldo no citado artigo 924 do Código Civil, e merece preservação, em particular por se tratar de imóvel não loteado.
O quantum percebido pela autora serve para compor os prejuízos suportados. "...neles compreendido até o período em que o réu se utilizou do imóvel sem nada pagar, uma vez que a cláusula penal nada mais é do que a prefixação de perdas e danos".
A solução não afronta o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que por sua vez, tampouco tem o alcance imaginado, quando considera nula de pleno direito a cláusula que estabelece a perda total das prestações pagas ao credor que pleiteia a resolução do contrato.
"Todavia, dessa restituição, poderão ser descontados as perdas e danos a que o consumidor tiver dado causa, (nessas perdas e danos, podem ser incluídos, não apenas a vantagem econômica auferida com a fruição, de que tratava o vetado §1º, o que corresponderia, v.g. à cobrança de aluguel pelo período que o consumidor usufruiu o imóvel, cuja compra e venda não veio a ser realmente implementada, mas também lucros cessantes, despesas gerais decorrentes do inadimplemento etc.)" (Arruda Alvim e outros, Código do Consumidor comentado, 2ª ed. Rev. Trib. 2ª Tiragem, pg. 262).
O dispositivo, na verdade, não vai a ponto de obstar o estabelecimento de cláusula penal, desde que isenta de abusividade e incapaz de romper o equilíbrio contratual e a boa-fé dos contratantes.(...)"
O acórdão recorrido interpretou o art. 53, do CDC, no mesmo sentido sustentado pelo recorrente, o qual alega que tal dispositivo "veda tão somente, a perda pura e simples dos valores pagos, mas não elide, a imposição ao inadimplente, de indenizar os prejuízos efetivamente sofridos pelo vendedor, inclusive lucros cessantes."
Não se verifica, assim, a alegada violação ao apontado dispositivo federal. Por outro lado, o recorrente não apontou como violado o art. 924, do CC, em que se fundamentou o acórdão recorrido para confirmar a sentença que, mitigando o excesso da cláusula que "prevê o decaimento pelo comprador de 30% (trinta por cento) do preço total, determina que tal percentual se calcule sobre os pagamentos realizados".
Ademais, a irresignação do recorrente quanto à incorporação do percentual a que foi reduzida a pena contratualmente avençada demanda, no caso, a incursão no campo fático-probatório, o que não é possível na via especial, face ao óbice do enunciado da Súmula 7 do STJ.
Forte em tais razões, nego seguimento ao recurso especial, com fundamento no art. 557 do CPC, por ser manifestamente inadmissível.
Brasília 28/11/2000. Relator: Ministra Nancy Andrighi. (Recurso Especial nº 220.329/SP; DJU 12/12/2000; pg. 455)
Protesto indevido. Cancelamento. Indenização. Pessoa jurídica. Danos morais. Competência.
Decisão.
1. Trata-se de conflito de competência instaurado entre o Juízo de Direito da Comarca de Trombudo Central, SC e o Juízo da 4ª Vara Cível de Jundiaí, SP, concernente à ação de indenização por danos morais e abalo de crédito proposta pela Panificadora e Confeitaria Klitzke Ltda. contra Emulzint Aditivos Alimentícios Indústria e Comércio Ltda. Alega a autora em sua inicial que, em virtude do protesto indevido, por parte da ré, de triplicatas por ela emitida, teve sua idoneidade financeira abalada, o que repercutiu negativamente no meio comercial onde atua.
2. Solvendo o conflito instaurado, penso que a competência na espécie em exame é do Juízo de Direito da Comarca de Trombudo Central, SC, o suscitado.
Com efeito, no caso dos autos incide a regra inscrita no art. 100, inc. V, alínea "a", do Código de Processo Civil, conforme, por sinal, já teve oportunidade de decidir esta Corte em hipóteses similares cujas ementas transcrevo:
"Processual Civil. Ação de cancelamento de protesto cumulada com indenização por perdas e danos. Competência. CPC, art. 100. V. "a". Lei nº 5.474/68, art.17.
I - Tratando-se de ação que visa o cancelamento do título protestado cumulada com indenização ao devedor pelos prejuízos decorrentes daquele ato, aplicável à espécie a regra do art. 100, V, letra "a", do Código de Ritos, que, na espécie, leva a coincidir, em termos práticos, com a mesma conversa fixada no art. 17 da Lei n. 5.474/68, fosse a demanda exclusivamente cingida à primeira parle do pedido.
II- Inaplicabilidade ao caso do art. 100, IV, letra "a", do CPC.
III- Recurso conhecido e provido. Exceção de incompetência julgada improcedente." (REsp 194.040-MG, relator Min. Aldir Passarinho Junior, in DJ de 18/09/2000).
"Competência. Foro do lugar do fato. Reparação de dano. Pessoa jurídica.
A ação de reparação de dano tem por fim o lugar onde ocorreu o ato ou o fato, ainda que a demandada seja pessoa jurídica com sede em outro lugar.
Prevalência da regra do art. 100, inc. V, letra "a" do CPC, sobre as dos artigos 94 e 100, inc. IV, "a", do mesmo diploma.
Recurso não conhecido." (REsp 89.642/SP, relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, in DJ de 26/8/1996)
No mesmo sentido, configuram-se ainda o REsp 112.424-SP, por mim relatado, o REsp 119.106-SP, de relatoria do Min. Costa Leite e o CC 17.886-RJ, rel. Min. Garcia Vieira.
3. Isto posto, nos termos do art. 120, parágrafo único, do CPC, introduzido pela Lei n° 9.756, de (7.12.98, conheço do conflito e declaro competente o suscitado - Juízo de Direito de Trombudo Central, SC.
Brasília, 29/11/2000. Relator: Ministro Barros Monteiro. (Conflito de Competência nº 30.759/SP; DJU 12/12/2000; pg. 202)
Duplicata. Protesto. Desfazimento da transação mercantil subjacente. Ciência do banco endossatário.
Divergência.
Decisão. Cuida-se de embargos de divergência opostos em face de v. acórdão da e. 4ª Turma, cuja ementa foi lavrada nos seguintes termos:
Comercial e processual civil. Duplicata. Protesto. Desfazimento da transação mercantil. Subjacente. Ciência do banco endossatário. Ausência. Exercício regular de direito. Art. 160, CC. Recurso provido.
I- O apontamento levado a efeito pelo endossatário é, por imperativo legal (art. 13, § 4º, da Lei 5.474/68), ato necessário à preservação do direito de regresso contra a emitente-endossante, pelo que tal procedimento, quando dirigido a esse fim específico, não deve ser tido como abusivo.
II- Sem ter o acórdão estadual afirmado a ciência do banco sobre o desfazimento do negócio subjacente, não pode ele, endossatário, ser responsabilizado apenas por haver levado a duplicata a protesto, já que o fez no exercício regular de seu direito (art. 160-I, CC).
III- A anulação do título sem lastro, por si só, não pode ensejar a responsabilidade da instituição bancária que o protestou na qualidade de endossatário e em obediência ao comando do art. 13, § 4º da Lei de Duplicatas. Em outras palavras, a responsabilidade do banco pelo protesto de títulos limita-se aos casos em que tenha tomado conhecimento da falta de lastro da duplicata e, mesmo assim, a tenha apontado para protesto.
Reza o art. 266 do RISTJ que:
Art. 266 - Das decisões da Turma, em recurso especial, poderão, em quinze dias, ser interpostos embargos de divergência, que serão julgados pela Seção competente, quando as Turmas divergirem entre si ou de decisão da mesma Seção. Se a divergência for entre Turmas de Seções diversas, ou entre Turma e outra Seção ou com a corte especial, competirá a esta o julgamento dos embargos.
§ 1º A divergência indicada deverá ser comprovada na forma do disposto no art. 255, §§ 1º e 2º, deste regimento. (Negritou-se).
Compulsando os autos, verifica-se que a embargante não transcreveu os trechos de acórdão paradigma, nem procedeu ao devido cotejo analítico, sendo certo que a divergência deve ser "entre as Turmas", significando que se extrai da expressão negritada.
Forte nestas razões, indefiro o processamento do recurso com espeque no art. 266, § 3º do RISTJ.
Brasília 4/12/2000. Relator: Ministra Nancy Andrighi. (Embargos de Divergência em RESP nº 264.079/SP; DJU 13/12/2000; pg. 174/175)
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