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Firmas digitais, documentos eletrônicos e os serviços notariais e de registro
Apresentamos a seguir, como parte integrante dos eventos relacionados com o II Congresso Brasileiro de Direito Notarial e Registral, entrevista com o notário italiano Raimondo Zagami, em que avalia a absorção da informática pela atividade notarial, fala da experiência italiana e da legislação européia sobre a autenticação de documentos eletrônicos.
Raimondo Zagami, notário italiano especializado em temas relacionados à informática jurídica, concedeu esta entrevista a Sérgio Jacomino, para o ANOREG-SP Jornal, em maio/99. Doutor em direito de informática pela Universidade de Bolonha, Zagami titulou-se pesquisando o valor jurídico das firmas digitais. Atualmente é professor da Universidade de Catanzaro e colaborador da Universidade LUISS de Roma, escrevendo e publicando artigos científicos sobre as firmas digitais. (Tradução: Sérgio Jacomino e Renata Braz de Farias, registrador e substituta - 2º RI e Anexos/Franca). Participará do II Congresso Brasileiro como palestrante convidado.
P - Análise do impacto das novas tecnologias de informática sobre as atividades notariais.
R - Parcela significativa das atividades desenvolvidas num serviço notarial responde a procedimentos e critérios "algoritimizáveis" e, portanto, passíveis de serem executados por um computador. Por outro lado, a atividade intelectual que, por sua natureza, não é automatizável, pode, todavia, encontrar um auxílio indispensável no uso dos instrumentos informáticos e telemáticos (pense-se, por exemplo, nos bancos de dados jurídicos on-line e off-line).
Os notários, portanto, representam a categoria de profissionais italianos com o maior grau de informatização. A utilização plena de software na automatização de um serviço notarial proporciona eficiente gerenciamento do fluxo documental e execução automática das atividades mecânicas e repetitivas. Tudo isto leva a um evidente incremento da produtividade, permitindo ao profissional concentrar recursos e esforços sobre os aspectos mais qualificados e intelectuais do trabalho, ou seja, a interpretação e aplicação do direito.
Com a introdução das firmas digitais, penso que a função do notário não será diminuída, mas será exigida uma maior valorização profissional dessas atividades (função de interpretação e adequação da vontade das partes e controle da legalidade).
P - Aumentou ou diminuiu a segurança jurídica com a crescente utilização dos documentos eletrônicos?
R - Um documento pode ser definido como "seguro" quando for possível verificar a sua procedência e integridade. Em outras palavras, deve ser possível provar a autoria do documento e que o mesmo não tenha sofrido qualquer modificação de conteúdo desde o momento da sua assinatura. Nos documentos em papel, a segurança, como acima referida, deriva da aposição de uma assinatura e da materialidade do suporte do documento, em papel, que não permite alterações indeléveis.
O binômio subscrição e papel oferece uma segurança que se não pode definir absoluta, já que uma assinatura normalmente não é um elemento objetivamente reconhecível e está exposta, juntamente com o suporte em papel, a falsificações cada vez mais sofisticadas.
Para realizar uma documentação eletrônica, que reúna requisitos de segurança comparáveis aos documentos em papel, a única solução universalmente aceita atualmente é a que emprega a tecnologia das firmas digitais.
Um documento eletrônico com firma digital é, de fato, um documento "seguro", na medida em que fornece prova de sua proveniência e de sua integridade. Naturalmente, a segurança da firma digital não é absoluta. Porém, considerando-se que ela se baseia em complexos conceitos computacionais, uma eventual falsificação acarretaria custos superiores às vantagens que eventualmente se poderiam obter. Todavia, a aceitabilidade de um novo sistema requer um grau de segurança superior - nunca inferior - aos sistemas precedentes. Nesse sentido, parece que o sistema das firmas digitais provê uma segurança maior que a oferecida pelas subscrições em papel.
P - O senhor avalia que num breve espaço de tempo os documentos em papel serão substituídos pelo suporte eletrônico?
R - Pessoalmente, creio que será necessário certo tempo até que os operadores jurídicos e o próprio cidadão comum adquiram confiança nas garantias de autenticidade que pode oferecer um documento eletrônico com firma digital. Trata-se de mudança de hábitos culturais fundamente arraigados e consolidados ao longo de séculos, que requer desenvolvimento e ajustamento graduais. É difícil pensar que, em decorrência de reconhecido desenvolvimento econômico ou pessoal, seja possível, em curto espaço de tempo, renunciar completamente à redação de um documento original em papel. Pode-se, portanto, imaginar uma fase transitória na qual, paralelamente ao documento em papel, depositado e conservado por razões de segurança, circulem cópias eletrônicas deles com firmas digitais.
Todavia, sendo concretamente verificada a confiabilidade e aceitabilidade social do novo sistema, imagino que se desencadeará um rapidíssimo processo de substituição dos antigos documentos pelos eletrônicos. A redução drástica da documentação lavrada em papel dependerá, além disso, da difusão dos instrumentos de uso das informações que tenham a mesma comodidade e praticidade da leitura de uma folha de papel, como, por exemplo, sutilíssimas telas de projeção de cristais líquidos transportáveis.
P - Já existem, completamente exeqüíveis, modelos teóricos e recursos técnicos para uma criptografia segura de documentos eletrônicos e firmas digitais?
R - Para a aposição de uma firma digital, as regras técnicas italianas prescrevem a adoção de um sistema cifrado de tipo assimétrico ou por chave pública, escolhidas alternativamente entre a RSA (Rivest - Shamer - Adleman algorithm) e o DSA (Digital Signature Algorithm).
P - Como se dá a autenticação de um documento eletrônico? Como se dá a subscrição de um documento eletrônico?
R - A tecnologia que hoje oferece as maiores garantias de segurança para os documentos eletrônicos, reconhecida universalmente, é a das firmas digitais baseadas em cifras assimétricas. Tal método de cifragem baseia-se em pares de chaves, formadas por uma chave privada e outra pública.
A firma digital é aposta aplicando-se a chave privada ao documento eletrônico, sucessivamente verificado com a aplicação da correspondente chave pública. Esta última deve ser previamente certificada por um terceiro imparcial, que possa garantir a sua imputação a uma determinada pessoa.
Segundo a normativa italiana, um documento eletrônico pode ser subscrito somente mediante a aposição de uma firma digital, baseada na cifragem assimétrica. A certificação das chaves pode ser realizada por sociedades por ações, devidamente inscritas no registro público próprio, preenchidos, previamente, alguns requisitos.
A firma digital é, depois, materialmente aposta mediante um dispositivo de assinatura que, provavelmente, será constituído de um smart card protegido por uma senha. A normativa italiana não prevê formas de autenticações e subscrições de documentos eletrônicos com tecnologias diversas daquela das firmas digitais. Diversamente, a proposta de diretiva da União Européia, em matéria datada de 13.3.1998, seguida por leis de outros países, é aberta também a tecnologias diversas, sendo tais recursos baseados antes numa definição funcional de "firma eletrônica".
A normativa italiana contrasta, também, com a proposta da referida diretiva pelo fato de que requer, necessariamente, o reconhecimento estatal dos agentes certificadores para a atribuição de pleno valor jurídico às firmas digitais, não consentindo livre exercício da função de certificador com pleno valor jurídico das firmas digitais assim certificadas.
P - Já existe legislação italiana específica que discipline a utilização de documentos eletrônicos e que se lhes assegure plena validade?
R - Na Itália, o art. 15, parágrafo 2º, da lei n. 59, de 15.3.1997, é a primeira norma que afirma, em termos amplos e gerais, seja do ponto de vista objetivo, seja do subjetivo, o princípio da plena validade e relevância da documentação eletrônica, igualando-se o seu valor ao dos documentos em papel. Na concretização dessa norma, inspirando-se em soluções estrangeiras e supranacionais, foi aprovado, em 10.11.1997, o Decreto n. 513, do Presidente da República, disciplinando os aspectos jurídicos da firma digital e determinando seus aspectos técnicos fundamentais. Sucessivamente, o Decreto do Presidente do Conselho dos Ministros, de 8.2.1999, fixou as regras técnicas detalhando o uso da firma digital.
Outra importante disciplina legal sobre documento eletrônico refere-se à regulamentação do arquivamento de documentos em suporte óptico, contida na Deliberação da Autoridade para Informática na Administração Pública n. 24, de 30.7.1998, (regras técnicas para o uso dos suportes ópticos), emanada na execução do art. 15, parágrafo 2º da Lei n.537, de 24.12.1993.
P - Os documentos eletrônicos podem constituir-se em provas válidas para os Tribunais? Qual é o valor jurídico de um documento eletrônico?
R - A normativa italiana contida no Regulamento de n. 513, de 10.11.1997, prevê diversos tipos de documentos eletrônicos, com diversos níveis de valor jurídico e de eficácia probatória, que se referem aos tipos de documentos em papel já previstos pelo Código Civil.
Em primeiro lugar, de acordo com o art. 5º, parágrafo 2º, o documento eletrônico não subscrito com uma firma digital tem a mesma eficácia limitada das reproduções mecânicas, previstas no art. 2712 do Código Civil. Volta à baila, portanto, a disciplina jurídica das reproduções fotográficas ou cinematográficas, registros fonográficos e, em geral, qualquer outra representação mecânica de fatos e de coisas. Tais representações produzem prova plena se aquele, contra quem foram produzidas, não repudia a conformidade dos fatos ou coisas às suas representações. Em definitivo, trata-se de uma eficácia probatória bastante limitada, subordinada ao imperfeito reconhecimento da contraparte.
Em segundo lugar, pelo art. 5º, parágrafo 1º, o documento eletrônico subscrito com uma firma digital, nos termos do referido regulamento, tem a mesma eficácia probatória do instrumento particular, prevista no art. 2702 do Código Civil. Instrumento particular é o documento subscrito pelas partes sem a interveniência de um oficial público (por exemplo, o notário) no exercício das suas funções. Segundo a disciplina do Código Civil, o instrumento particular, lavrado em papel, se apresentado em juízo, produz prova plena da proveniência das declarações de quem o firmou. Isto é, se a própria subscrição não é repudiada, ou se é judicialmente verificada em caso de rejeição, tendo havido o reconhecimento ou a verificação judicial, a eficácia de prova plena poderá ser contestada pelo incidente de falsidade.
Segundo a doutrina, esta disciplina do código, aplicada ao instrumento particular eletrônico com firma digital, necessita de algumas calibragens. Não se concebe, de fato, um repúdio da firma digital, pois esta é imediatamente verificável, porém poder-se-á, eventualmente, proceder diretamente à contradita de falsidade em face daquele que resulta ser o subscritor do certificado da chave pública.
Em terceiro lugar, segundo o art. 16, a firma digital pode ser autenticada por um notário, de modo análogo à autenticação de um documento ordinário. Nesse caso, segundo o art. 2703 do Código Civil, a subscrição é considerada legalmente reconhecida e não é admissível o seu repúdio, mas só diretamente a acusação de falsidade. Do ponto de vista processual, o instrumento particular eletrônico autenticado parece não se distinguir daquele não autenticado.
Todavia, as diferenças são substanciais e dizem respeito à função própria do notário que faz a autenticação, como se verificará na resposta seguinte. Os documentos eletrônicos com firma digital têm, portanto, na Itália, um valor jurídico exigido para o cumprimento dos atos importantes para os quais é exigida a forma escrita, sob pena de invalidade (por exemplo, alienação imobiliária). Além disso, se a firma digital é autenticada, os documentos eletrônicos podem constituir-se em título válido para efetuar mudanças nos registros de publicidade legal, como, por exemplo, Registros Imobiliários, Mercantis etc. Enfim, enquanto o ato público administrativo está previsto em forma eletrônica, é duvidoso que seja admissível um ato público notarial nessa forma. Sobre este ponto, veja a resposta seguinte.
P - Os técnicos afirmam que o problema fundamental da Criptografia e da firma digital é a sua autenticidade. Como este problema é enfrentado pelos notários italianos?
R - Como é notório, a verificação de uma firma digital, e de sua respectiva certificação, não fornece a verdadeira identidade do subscritor, mas certamente a identidade do sujeito que é responsável pela firma aposta. A firma digital, de fato, não é um dado somático que se liga indissoluvelmente à pessoa do subscritor. Uma firma digital, aposta por pessoa diversa do titular, é tecnicamente em tudo idêntica àquela que poderia apor o legítimo titular da chave. O problema é particularmente grave no caso de contratação entre pessoas não presentes (p. ex.: trâmite por e-mail ou www), quando as partes não podem reciprocamente certificar-se da identidade subjetiva real dos subscritores. O Regulamento n.513, de 10.11.1997, resolve este problema fundamental, consentindo a autenticação e reconhecimento notarial da aposição de uma firma digital. Segundo o art. 16, o notário, chamado para autenticar uma firma digital, deverá atestar que a firma digital foi aposta em sua presença pelo titular da chave privada, tendo verificado previamente a identidade pessoal, da validade da chave utilizada e do fato de que o documento subscrito corresponde à vontade das partes e não é contrário ao ordenamento jurídico. Para garantia da autenticação, o notário apõe a sua própria firma digital, assim como hoje colocaria na subscrição do documento em papel. Desse modo, a verificação da firma digital do notário autenticante certificará a real identidade do subscritor, a conformidade do conteúdo do ato subscrito com a Lei e a conformidade com a vontade da parte declarante. Assim, elimina-se, ou reduz-se, drasticamente, o risco de que uma firma digital tenha sido concretamente aposta por pessoa diversa do legítimo titular da chave utilizada.
P - Existe o risco de empresas privadas substituírem os serviços notariais na autenticação e validade dos documentos eletrônicos?
R - A normativa italiana sobre firma digital (art. 16, Regulamento n. 513, de 10.11.1997) atribui ao notário a competência para autenticar uma firma digital, de modo análogo ao reconhecimento da firma aposta no tradicional documento em papel. Esta atribuição, pela natureza do controle que vem efetuado, é reservada aos notários e não pode ser exercitada por empresas privadas.
De outra parte, somente sujeitos privados na forma de sociedade por ações, com requisitos particulares, e não somente os notários, podem exercitar a função de certificadores das chaves públicas (art.8, "d.p.r." n.513, 10.11.1997).
P - O reconhecimento de firmas digitais e a autenticação de documentos eletrônicos são atividades exclusivas do notário?
R - O Regulamento n.513, de 10.11.1997, não atribui aos notários e ao notariado qualquer atribuição na certificação das chaves públicas de cifratura, que é, de outra forma, efetuada por certificadores nomeados e reconhecidos pela "Autoritá per l'Informatica nella Pubblica Amministrazione" que funcionam na forma de sociedades por ações. Paralelamente à autenticação da tradicional firma aposta no documento em papel, o art. 16 do mesmo regulamento, determina ao notário o dever de autenticar a aposição da firma digital.
Entre os deveres dos notários no campo da firma digital, conforme o art. 7º do Regulamento n.513, de 10.11.1997, encontra-se a competência para receber em depósito, em forma secreta, de uma chave privada, aplicando ao procedimento as formalidades relacionadas com o testamento cerrado.
Igualmente importante é a autenticação e verificação da conformidade das cópias eletrônicas com os originais, que é atribuída ao notário pela criação de um disco óptico com valor legal, no sentido da "Deliberazione dell'Autoritá per l'Informatica nell Pubblica Amministrazione", n. 24, de 30.07.1998.
P -Qual a validade jurídica das autenticações dos documentos eletrônicos por empresas privadas?
R - As empresas privadas podem utilizar a documentação eletrônica e apor firmas digitais tendo o mesmo valor jurídico previsto em geral pelo setor privado, como exposto anteriormente.
P - O documento eletrônico, autenticado pelo notário, é reconhecido pela lei como verdadeiro, portanto dotado de fé pública?
R - Como já referido na questão anterior, o art. 16 do Regulamento n.513, de 10.11.1997, atribui ao notário a competência de autenticar uma subscrição digital, de modo análogo à autenticação da tradicional subscrição de um documento em papel. O documento eletrônico autenticado por um notário tem uma eficácia probatória privilegiada, pois que se não permite seu desconhecimento, mas somente a acusação de falsidade, assim como é previsto pelo art. 2703 do Código Civil. Além disso, tendo por base um documento autenticado por um notário é possível efetuar as mutações jurídicas nos registros de publicidade legal, como os Registros Imobiliários e os Registros Mercantis.
P - Em que medida as formalidades e solenidades que a lei prescreve para lavratura de atos notariais devem ser observadas pelos documentos eletrônicos?
R - O ordenamento italiano distingue dois documentos principais produzidos pela atividade notarial. O ato público é o documento que deve ser formado pelo notário, segundo as formalidades exigidas pela lei notarial, e representa o requisito formal indispensável para alguns atos mais importantes (v.g. doação), havendo um valor probatório maior; o instrumento particular autenticado é, ao contrário, como se disse, um documento subscrito pelas partes, na qual segue o reconhecimento de suas firmas pelo notário.
A normativa italiana, enquanto disciplina a autenticação notarial da firma digital, nada prevê expressamente sobre o ato público notarial. A pouca doutrina que existe sobre o assunto, portanto, ainda discute sobre a admissibilidade de um ato público notarial em forma eletrônica.
De uma perspectiva mais liberal não se identificam obstáculos insuperáveis à redação de um ato público notarial original em forma exclusivamente eletrônica. Parte da doutrina, mais restritivamente, argumenta com a falta de expressa previsão legal para deduzir uma intenção do legislador no sentido de excluir, mormente nessa primeira fase, o ato público notarial eletrônico. Encontra-se em aberto a questão da compatibilidade da lei notarial (lei n.89/1913) na sua forma atual, com a documentação eletrônica. Contudo, aceitando também a tese de que não seja admissível a redação de um ato público notarial original na forma exclusivamente eletrônica, consente-se que sejam produzidas cópias eletrônicas do ato público em papel; cópias que, se autenticadas pelos notários, terão o mesmo valor probante do original em papel (art. 6º do Regulamento n.513, de 10.11.1997).
P - Qual o impacto da Internet sobre a atividade notarial na Itália?
R - Os notários italianos têm um acesso privilegiado à Internet através da chamada RUN (Rede Unitária do Notariado), uma intranet reservada à categoria, dotada de características de segurança.
O serviço é prestado por uma sociedade por ações (Notartel S.p.a.) da qual participam os órgãos representativos da categoria (Conselho Nacional do Notariado e Casa Nacional do Notariado).
A RUN coloca-se como interlocutora direta relativamente à RUPA (Rede Unitária da Administração Pública), em fase de construção. Atualmente, além dos serviços de correio eletrônico (domínio notariato.it), a RUN oferece o serviço de controle telemático para o Cadastro, o Registro Mercantil e o Registro Público de Automotores. Muito em breve estará disponível também o serviço de controle dos Registros Imobiliários. Com a aplicação da firma digital será, pois, permitida não só a consulta, mas igualmente a inserção direta de dados e modificação telemática dos dados nos citados registros públicos.
Conforme dados divulgados pelo Conselho Nacional do Notariado, no início de abril de 1999 foram ativadas as conexões à RUN de 1237 serviços notariais, sobre total de cerca de 4500 notários italianos. Muitos outros notários dispõem, todavia, de um acesso à Internet propiciado por um provedor diverso da Notartel.
Através da Internet, com instrumentos como correio eletrônico, www e grupos de discussões, tem sido distribuído quotidianamente um noticiário redigido aos cuidados do Conselho Nacional do Notariado, contendo atualizações legislativas e jurisprudenciais, estudos, resenhas e várias comunicações de interesse dos notários. Além disso, via Internet, podem ser baixados os arquivos de atualizações do BDN (Banco de Dados Notariais) existentes no CD-ROM. Os servidores do notariado hospedam, pois, a lista Sigillo, uma mailing list de discussão reservada aos notários.
O uso da Internet leva, sem dúvida, a uma grande simplificação das comunicações e das pesquisas de informações. Conseqüentemente, há uma melhoria da qualidade de trabalho e do produto final notarial. Qualquer notário conectado à rede dispõe, assim, de informações atualizadas, necessárias em face da exigência de pesquisa jurídica relacionada à formação e redação do ato notarial e às observações preliminares.
A perspectiva aponta no sentido de que exigências prévias e sucessivas, como por exemplo as transcrições e registro fiscal possam ser exeqüíveis via telemática, possibilitando, assim, concentrar maior energia sobre o aspecto mais intelectual da profissão.
Com o objetivo de preparar os notários para enfrentar todas estas novidades, desfrutando de todas as possibilidades, a Notartel organiza cursos de atualização informática. Segundo dados coligidos pelo Conselho Nacional do Notariado, em abril/99, os cursos de atualização foram concluídos por 785 colegas.
P - Na Idade Média se encontra a figura do Notário Eclesiástico, com jurisdição em várias regiões da Europa, por Delegação Papal. A globalização dos negócios jurídicos fará surgir um Notário que exerça as suas atividades além das fronteiras do Estado?
R - A função notarial, enquanto dotada de fé pública, é normalmente exercitada sob a delegação do Estado. Por este motivo, parece ainda hoje difícil conceber um notário que possa exercitar as suas funções junto a ordenamentos estrangeiros.
No âmbito da União Européia, enquanto para os advogados foi reconhecida a liberdade de estabelecimento em cada Estado-Membro, uma liberdade análoga pensa-se não aplicável aos notários, em virtude do art. 55 do Tratado, que exclui a liberdade de estabelecimento às atividades que são expressões, também ocasionais, de poderes públicos.
Por outro lado, os atos produzidos pelos notários resultam sempre mais aceitáveis e reconhecidos em face dos ordenamentos estrangeiros, sobre a base das convenções internacionais bilaterais ou multilaterais (como a de Bruxelas, pela União Européia). Considera-se, pois, a nova figura do cybernotary, que nasce exatamente para responder a esta exigência de circulação internacional dos documentos jurídicos.
Naturalmente, são menores os obstáculos ao exercício no exterior do outro aspecto da função notarial, isto é, aquela de profissional liberal e de consultor jurídico.
P - Qual é a validade de um documento eletrônico redigido por um notário italiano no contexto da União Européia?
R - A Convenção de Bruxelas de 25.05.1987 dispõe sobre a supressão da legislação e de qualquer outra formalidade equivalente ou análoga (como ao apostilamento) para os atos públicos no âmbito dos Estados-Membros da Comunidade Européia. A convenção é expressamente aplicável aos atos notariais e às autenticações de instrumentos particulares. A Itália ratificou a convenção com a Lei n.190, de 24.04.1990.
P - O que se pode dizer da figura do Cybernotary?
R - O Cybernotary é uma nova figura profissional prevista no ordenamento dos Estados Unidos, delineado no âmbito do American Bar Association (ABA) e implementado pela primeira vez, como lei, no Estado da Flórida. A sua instituição deriva da diversidade de tradições jurídicas entre os sistemas de commom law e aquele de civil law e, portanto, da exigência (ainda mais sentida na presença de uma documentação eletrônica) de tornar os documentos jurídicos, provenientes do primeiro, aceitáveis pelo segundo.
Como é sabido, o ordenamento americano não conhece a figura do notário tal qual existe nos países de civil law - como na Itália, por exemplo. O public notary é um mero certificador e não tem qualquer dever de verificar a conformidade do conteúdo do ato que lhe é submetido para autenticação em face da Lei. O cybernotary, ao contrário, terá o dever de assegurar a legalidade dos documentos destinados ao exterior (authentication). Desse modo, evitar-se-á que esses documentos sejam rejeitados pelo ordenamento destinatário, constituindo, para tanto, uma ponte entre duas tradições jurídicas. A normativa italiana não institui, evidentemente, uma nova figura de cybernotary, já que as suas funções de autenticação consistem em tradição secular, patrimônio do notariado italiano e, em geral, daquele de tipo latino.
P - O senhor poderia prospectar a atividade notarial do próximo milênio?
R - A figura do notário na Itália, nos últimos anos, sofreu um aumento gradual em suas atribuições, funções e responsabilidades conexas. Pense-se, por exemplo, na recente atribuição das funções na sede dos procedimentos de expropriações imobiliárias. Este fenômeno enquadra-se numa tendência mais geral de diminuição do peso das funções da Administração Pública italiana e a sua delegação a sujeitos externos.
Nos próximos anos, a informática, a telemática e, conseqüentemente, o aspecto de organização do trabalho, terão um papel fundamental, trazendo uma automatização sempre maior de todos os procedimentos e atividades algoritmizáveis. Isto é, atividades que possam ser traduzíveis em instruções exeqüíveis por computadores eletrônicos. O papel do notário resta, porém, insubstituível em todas aquelas atividades e funções mais intelectuais e conexas à interpretação do direito que não podem, evidentemente, ser executadas por computadores.
Penso que a própria firma digital não levará a radicais transformações no cerne das atividades e natureza da profissão notarial, dado que esta continuará a ser desenvolvida segundo a tradição, mas com um instrumento novo e diverso: o documento eletrônico no lugar do documento em papel, com todas as vantagens dele derivadas, seja para o notário, seja para as partes.
Documentos eletrônicos e assinaturas digitais
Em recente evento promovido pelo Colégio Notarial de São Paulo, realizado no dia 19 de setembro último, em parceria com a OAB-SP., o Prof. Dr. Augusto Tavares Rosa Marcacini proferiu ilustrada palestra enfocando aspectos jurídicos e legais da contratação eletrônica.
O Professor Marcacini é atuante advogado na capital paulista, mestre e doutor pela Faculdade de Direito de São Paulo, além de professor de direito processual civil da Universidade São Judas Tadeu. Como membro da Comissão de Informática da Faculdade de Direito da USP, destacou-se nas discussões do projeto de lei 1589, em tramitação no Congresso Nacional.
O Dr. Marcacini é conhecido dos registradores brasileiros. A Revisa de Direito Imobiliário, editado pelo Irib/Revista dos Tribunais, publicou, na sua penúltima edição (n. 47 - jul./dez. 1999, p. 70), artigo que foi amplamente debatido no evento acima referido.
Como estímulo para o debate que se fará nos dias 29, 30 de novembro e 1 de dezembro vindouros, acima noticiado, o Boletim Eletrônico publica a entrevista concedida pelo Prof. Marcacini ao registrador paulistano Sérgio Jacomino.
Boletim Eletrônico Irib/AnoregSP - O Sr. sustenta que é possível inscrever o documento eletrônico na teoria geral da prova documental. Sustenta ser perfeitamente possível utilizar, sem qualquer disposição legal sancionadora, documentos eletrônicos como prova de atos e fatos jurídicos. O fundamento legal estaria no artigo 332 do CPC. Em relação aos entes públicos, o Sr. sustenta ser possível a utilização dos documentos eletrônicos e o reconhecimento notarial de firmas digitais - ao menos com regulamentação administrativa. Gostaria que o Sr. pudesse esclarecer melhor suas proposições, especialmente sobre a regulamentação administrativa de funções notariais e de registro em relação aos documentos eletrônicos.
Augusto Tavares Rosa Marcacini - Sim, tenho sustentado que, em nosso sistema jurídico, o documento eletrônico tem valor probante, mesmo à luz das leis em vigor. O fundamento principal das minhas proposições, em verdade, reside no fato de que o conceito de documento não está necessariamente preso à noção de algo corpóreo. Não há, na lei, qualquer definição do que seja um documento. Se a doutrina tradicionalmente o vem definindo como uma "coisa", o fez diante da realidade que se apresentava. O documento, no fundo, é um registro, que narra o presente para ser conhecido no futuro. Se a técnica evoluiu ao ponto de permitir um registro não corporificado em algo tangível, também podemos considerá-lo documento. É certo que o documento eletrônico é prontamente alterável sem deixar vestígios no meio físico. Porém, quando comparo o documento eletrônico à prova documental, refiro-me apenas ao documento eletrônico assinado por criptografia assimétrica. Esta é a única técnica existente que permite conferir a autenticidade do documento eletrônico, assegurando que ele não foi alterado depois de aposta a assinatura digital. Ou seja, uma vez assinado por criptografia, o documento eletrônico preenche as mesmas funções do documento em papel, não havendo porque negar sua natureza de documento, neste sentido de "registro". Quando invoco o artigo 332 do CPC, o faço como um argumento final: como nosso sistema jurídico não relaciona taxativamente quais são os meios de prova, ainda que não fosse considerado prova documental, o documento eletrônico seria uma prova outra, inominada. Entretanto, considero importante legislar sobre o assunto, até para divulgar a possibilidade técnica de se assinar digitalmente um documento eletrônico. Afinal, estamos lidando com algo muito novo e complexo. Quantos sabem o que é criptografia assimétrica? Quantos já experimentaram utilizá-la? Uma lei sobre o assunto chamaria a atenção dos operadores do Direito, iniciaria uma cultura sobre a criptografia. Por estas razões, considero muito oportuna a aprovação do PL 1589, apresentado pela OAB-SP.
No tocante à regulamentação do uso por entes públicos, vimos recentemente a publicação de Decreto presidencial dando início à implantação da Infraestrutura de Chaves Públicas do Governo Federal. Por outro lado, quando me referi, em meu artigo, às funções notariais, não estou afirmando que todas elas possam ser reguladas em normas administrativas, notadamente as hipóteses em que a forma pública seja da essência do ato. Quando elaborei aquele estudo, pensava inicialmente na regulamentação administrativa de funções mais básicas, de utilidade imediata para a contratação eletrônica remota, como autenticações, reconhecimentos de chaves ou o registro de títulos e documentos eletrônicos. Hoje, estas funções estão previstas no PL 1589, de modo que talvez estejamos mais próximos de uma lei sobre o assunto, do que de uma normatização administrativa. Para outras atividades registrais e notariais, como registros de imóveis, registros civis, escrituras públicas, creio que seria necessária uma legislação própria.
BE - O Sr. sustenta, ainda, que a autenticação de documentos escasso valor jurídico agrega, pois a presunção de veracidade e autenticidade não é absoluta. Os documentos autenticados por tabeliães, bem como o registro em títulos e documentos, não desoneraria o interessado da apresentação do original?
ATRM - Juridicamente falando, a autenticação da cópia cria uma presunção relativa de sua conformidade, que admite prova em contrário. Em tese, isto inverteria o ônus da prova no processo, cabendo a prova a quem alega a desconformidade. Entretanto, o problema prático é que para apurar qualquer alegação feita contra a cópia autenticada será necessária a exibição do original. Apesar de militar presunção em seu favor, a parte não poderia deixar de exibir o original, pois não tem direito de frustrar a prova da parte contrária. E há casos em que a parte contrária poderia se insurgir contra o próprio original. Veja só: imagine que o adversário tenha alegado que sua assinatura é falsa. O Tabelião que autenticou a cópia - ou o registro de títulos - não fez esta conferência, nem era sua função fazê-la. E a perícia sobre a assinatura haverá de ser feita sobre o original. Ou, então, o sujeito pode ter adulterado o original e tirado uma cópia autenticada dele, ou registrado. Alegada a falsidade, a exibição do original seria a única forma de apurar a questão. Daí a minha afirmação de que, no processo, a autenticação da cópia do documento pouco representa em termos probatórios.
Uma decisão recentíssima do STJ veio a corroborar estas minhas afirmações. Um acórdão da Corte Especial, de 1º de agosto de 2000, decidiu que o juiz não pode exigir, de ofício, que as cópias apresentadas pela parte sejam autenticadas, cabendo à parte contrária impugná-las, sob pena de serem presumidas verdadeiras.
BE - Por falar nisso, em recente entrevista, o min. Ruy Rosado de Aguiar, do STJ, alertou para o fato de que os contratos celebrados pela internet (do qual a parte guarda uma cópia impressa), possuem valor jurídico igual ao de uma prova oral, já que não é possível atestar a autenticidade do documento. Gostaria que o Sr. comentasse.
ATRM - Sem assinatura digital, gerada por criptografia assimétrica, o documento eletrônico sequer tem o valor de uma prova oral. Compararia o documento eletrônico sem assinatura digital a um papel impresso, apócrifo e escrito com tinta delével. Ou seja, pode ter sido elaborado ou modificado por qualquer um. Pode ter sido autoproduzido em favor próprio, o que não se admite como prova.
De fato, o nascente comércio eletrônico não tem utilizado assinatura digital o que retira qualquer valor probante dos documentos eletrônicos que descrevem as condições do negócio. Entretanto, salientaria que o consumidor goza de proteção legal, inclusive com inversão do ônus da prova em seu favor, se suas afirmações forem verossímeis. Pode o juiz, então, determinar ao fornecedor que faça a prova contrária, caso em que o risco da insegurança recairia sobre este último.
BE - Há nítida tendência contemporânea de descongestionar o sistema judicial com a adoção de mecanismos institucionais preventivos de conflitos. O Sr. concordaria que admitir que o sistema judiciário brasileiro devesse absorver todas as questões relacionadas com a validade de documentos eletrônicos poderia aprofundar ainda mais os problemas que o Poder Judiciário vem enfrentado para solucionar a avalanche de conflitos e litígios que o assola, verdadeira "explosão litigiosa"?
Bem, a Constituição afirma que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Então, não se trata de concordar ou não com a possibilidade de um litígio terminar em juízo. Esta possibilidade existe, é inatacável e, principalmente, é expressão de um Estado Democrático de Direito. Nem penso que o problema principal da avalanche de processos seja causado pela lei, ou que será agravado diante do comércio eletrônico. O problema deste acúmulo é outro, e disso tratei em minha recente tese de doutoramento. O Estado brasileiro é o maior litigante, abarrota o Judiciário e é o primeiro a dar mal exemplo ao cidadão. Veja, agora, esta tentativa, claramente inconstitucional, de parcelamento dos precatórios oriundos de decisões judiciais transitadas em julgado. Ao lado disso, temos um excesso de litígios na sociedade, causados por instabilidades sociais e econômicas várias, como inflação astronômica, sucessivos planos econômicos frustrados e violadores de direitos, crise de habitação, de emprego, recessão, juros altos, isto tudo junto é potencialmente explosivo. Por fim, não temos na sociedade uma cultura arraigada de prevenção ou solução alternativa de conflitos. Adicione a isso a falta de infra-estrutura do Poder Judiciário. Diante deste quadro, o Judiciário só poderia mesmo estar abarrotado de processos, não havendo como resolvê-los rapidamente. Ou são alteradas estas condições, ou vamos morrer vendo a lei ser alterada, sem a correspondente melhoria na celeridade processual.
BE - O Sr. não vislumbra a necessidade social de prover mecanismos de segurança jurídica preventiva aos atos e negócios jurídicos, antecipando o surgimento de conflitos com o deslocamento do ônus da prova a quem alega a não autenticidade do instrumento notarial ou ato autenticado? A tendência de "jurisdicionalização" de todas relações jurídicas não agrava o custo social relacionado com a manutenção da ordem jurídica?
ATRM - Sem dúvida alguma, mecanismos de prevenção ou de solução alternativa de conflitos são profundamente desejáveis. Entretanto, este é um problema muito mais cultural do que legal. Por outro lado, vejo um lado positivo na explosão de processos: isto mostra que o cidadão médio descobriu a Justiça. E mesmo assim ainda há muita gente neste país que vive à margem do direito a um processo judicial.
No tocante à presunção de autenticidade dos atos notariais, isto sempre inverte o ônus da prova no processo, exceto no caso de reconhecimento de firma por semelhança, que nenhuma presunção produz quanto à autenticidade da assinatura. Somente o reconhecimento da firma lançada na presença do Tabelião produz esta presunção. Numa situação intermediária estão as cópias autenticadas, pois, como disse anteriormente, apesar da presunção de autenticidade, não será possível eximir por completo o interessado de exibir o original em juízo.
BE - Como o Sr. avalia a sorte dos mecanismos preventivos de conflito - como atividades notariais, de registro e a recente arbitragem - no atual cenário do direito brasileiro?
ATRM - Um dos pontos sensíveis que aponto no nosso processo judicial é o fato de que ele tem premiado o litigante de má-fé. Enquanto pessoas maliciosas tiverem a noção de que deixando de pagar uma dívida, pagarão mais barato em juízo, não há estímulo suficiente para convencer o litigante a realizar uma conciliação, mediação ou arbitragem.
Quanto às atividades notariais, creio que um de seus problemas é o seu desconhecimento pelo cidadão médio, para não dizer pela grande maioria da população. Poucos leigos sabem distinguir o registro de imóveis do registro de títulos e documentos, por exemplo. Na experiência que tenho com a assistência judiciária, tive a oportunidade de, mais de uma vez, atender pessoas que "compraram" um imóvel por instrumento particular "registrado" nos Títulos e Documentos. A nós, bacharéis, isto pode parecer estúpido, mas o comprador, pobre e iletrado, acreditou que o negócio era bom, já que recebeu um documento todo carimbado, dando conta de que foi registrado, microfilmado, etc... Para mim, o vendedor faz isso de má-fé, abusando do desconhecimento que paira sobre os registros e sobre o Direito em geral.
BE - O projeto de lei (PL 1589) prevê a participação do notário na certificação da chave pública, conferindo a nota de presunção de autenticidade. Qual a eficácia dessa autenticação? A presunção de exatidão e autenticidade é relativa? Como pode ser atacada judicialmente? A quem incumbe o ônus da prova?
ATRM - Segundo o projeto, será agregada às funções do Tabelião a certificação das chaves públicas. Este é um ato que exige formalidades solenes, com comparecimento pessoal do interessado. Daí o projeto compará-lo com o reconhecimento de assinatura lançada na presença do Tabelião. Temos então uma presunção relativa de autenticidade da chave pública assim certificada, o que tem o condão de inverter o ônus da prova: caso, no processo, seja negada a autenticidade da chave, a prova incumbe a quem apresenta esta impugnação.
A presunção, evidentemente, é relativa. Presunções absolutas são raras no sistema; algumas delas são, no fundo, uma forma indireta de dar a um fato a conseqüência jurídica de outro fato, o que, a meus olhos, soa como uma extravagância do legislador, um certo arcaísmo técnico. O Código Civil diz que após vinte anos de posse, a boa-fé é presumida... Não seria mais fácil dizer que não é necessária a boa-fé, basta o fato objetivo de vinte anos de posse? O CPC diz que transitada em julgado a sentença, presumem-se deduzidos e repelidos todos os argumentos que as partes poderiam ter alegado, mas não alegaram. Não seria mais fácil dizer que a sentença é imutável, ainda que a parte apresente fundamento não deduzido no processo? Não sei lhe dizer quantas são as presunções absolutas que nosso Direito prevê, mas arriscaria dizer que muitas não resistiriam a crítica semelhante. Por outro lado, numa sociedade democrática, que prestigie um processo contraditório e participativo, a palavra de alguém, seja de quem for, não pode ser bastante para produzir uma presunção absoluta. A presunção que decorre da atividade notarial e registral, por isso, é sempre relativa, o que não é pouco, pois acarreta a inversão do ônus da prova em juízo.
Entretanto, a atividade notarial não se presta apenas a inverter o ônus da prova. Esta é uma conseqüência que se apresenta no processo. Mas antes do processo existem sujeitos realizando um ato jurídico qualquer, que querem confiar naquilo que celebram. Quem, por exemplo, examina uma certidão imobiliária, quer acreditar que o vendedor é mesmo o dono da coisa. A partir do momento em que se sabe que aquele registro foi feito diante de uma escritura solene, e que na celebração desta foram conferidas as identidades dos signatários, etc., transmite-se confiança. Uma confiança que decorre de um procedimento e da expectativa de que tudo foi conferido, que o original das escrituras constantes do registro estão sob a guarda de um notário e, portanto, se houver um litígio, não só teremos a presunção de autenticidade em nosso favor, mas toda uma seqüência de registros e documentos que farão prova cabal, confirmando a declaração pública.
É por isso que o projeto prevê a forma com que o Tabelião há de certificar chaves públicas. A declaração que o Tabelião lançar eletronicamente, ao certificar a chave, poderá ser posteriormente corroborada com registros que ficarão em seu poder, caso se faça necessário, caso haja litígio posterior. Sabedores disso, os agentes poderão confiar naquela certificação, objetivo primeiro que se busca atingir com esta atividade.
BE - Há uma indisfarçável tendência de se utilizar o sistema de validação de documentos eletrônicos e reconhecimento de firmas digitais inspirados no modelo norte-americano. Além da colonização cultural, há reconhecidos interesses do capital em modelar as relações jurídicas à imagem e semelhança da matriz. Desconsideram-se as profundas diferenças que marcam os sistemas de direito anglo-saxão em relação à família romano-germânica. Como o Sr. avalia o resgate da importância dos notários no contexto do direito alemão, espanhol, italiano e demais países da Europa na recente regulamentação de leis que consagram o princípio da fé pública robustecida em comparação dos esquemas privados de autenticação e validação?
ATRM - Não sou especialista em Direito Notarial, para falar com desenvoltura sobre esta sua última colocação. Mas, de um modo geral, tenho muitas desconfianças quando se pretende transpor institutos jurídicos anglo-saxões para o nosso sistema. O mínimo que se pode dizer é que são sistemas muito diferentes, de culturas jurídicas muito diferentes, de modo que as chances desta transposição não dar certo estão sempre presentes. A técnica legislativa também é distinta. Talvez por não conhecer mais a fundo a common law, confesso que as leis processuais norte-americanas que já li me assustaram bastante. São leis extremamente prolixas e detalhistas. A lei sobre assinaturas digitais do Estado de Utah, por outro lado, traz mais de trinta definições, e chega a dizer o que é "pessoa", o que é "bit". Esta é, de certo modo, as críticas que tenho à aprovação do projeto de lei que tramita no Senado Federal, fruto de uma mera tradução do modelo proposto pela UNCITRAL. Não que o modelo em si seja ruim. Apenas penso que seria melhor retirar dali os princípios básicos e colocá-los numa lei com redação familiar, adequando-se a novidade tecnológica com o nosso sistema jurídico. Isto incrementaria em muito a aceita
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