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TÍTULOS FRAUDADOS - MINISTRO CULPA CARTÓRIOS


Os problemas apontados pelo Sr. Ministro de Política Fundiária e desenvolvimento Agrário são antigos. O anúncio de fraudes em cartórios, alardeado bombasticamente nos jornais e demais meios de comunicação, comporta algumas considerações. A primeira é a de que os notários e registradores aplaudem a iniciativa do Sr. Ministro no sentido de se apurar irregularidades que até o momento são imputadas, quase esclusivamente, aos serviços registrais brasileiros. A segunda, é que a complexidade dos problemas fundiários recomenda moderação e prudência na divulgação de denúncias sem a correspondente apuração regular, preservando os profissionais que exercer com exação suas atividades.

A ignorância do sistema registral é endêmica neste pobre país. Não se persegue a compreensão de mecanismos preventivos de segurança jurídica porque é da nossa tradição investir na patologia, não na profilaxia. Sobrecarregamos o Judiciário com a escumalha das relações jurídicas deterioradas, porque não afirmamos mecanismo preventivos de litígios. No caso específico das fraudes, o Sr. Ministro desconsiderou que a sobreposição de áreas, ou a chamada síndrome de beliche dominial, tem origem em primeríssimo lugar na própria titulação outorgada pelo Estado no caso de reforma agrária. Basta confirir a notícia publicada no Estadão de 8/1/99 (p. A-10) divulgando a editação da MP 1797 que trata da ratificação de títulos de domínio de terras na fronteira pelo INCRA. Na opinião de Sérgio Paganini, chefe do Departamento de Desapropriação e Aquisição do  próprio INCRA, a vistoria do órgão deveria resolver o problema de áreas ocupadas por sem-terra e do fenômeno da "chamada superposição dominial, com vários títulos para uma mesma propriedade". Além disso, os técnicos do governo acreditam que muitos proprietários perderão as terras, já que há impasses em áreas outorgadas pelos Estados, que seriam de propriedade da União.

Mas não é só.

O mesmo Estadão, na edição de 7/6/99, divulgava que as fraudes, em sua esmagadora maioria, provêm de títulos judiciais - demarcatórias, retificações de registro e principalmente usucapiões. Ora, o mandado judicial, quando ingressa no Registro Predial, é imediatamente cumprido, jamais questionado nos seus aspectos de especialidade, disponibilidade e origem. É forma originária de aquisição. Depois, o próprio Estado é chamado aos processos, aquiescendo com as postulações que afinal são deferidas.

Ora, as superposições dificilmente são percebidas pelos ofícios prediais. À míngua de maiores detalhes na descrição e individuação dos imóveis, sem que haja uma perfeita integração entre o registro imobiliário e um cadastro físico minimamente organizado, jamais poderemos identificar as fraudes anunciadas retumbantemente pelo Sr. Ministro.

Aliás, o cadastro rural do INCRA, que a instituição quer ver revitalizado por levantamentos geodésicos, e com inserção de novas informações, é como "vinho novo em odres podres", na feliz expressão do Prof. Dr. Jürgen Philips, pois baseado exclusivamente em declarações unilaterais dos interessados, é um repositório inseguro de informações. O cruzamento dessas informações com os levantamentos geodésicos (SIR) é conceituamente equivocado, na avaliação do especialista em cadastros. Com razão se sugeriu ao Ministério precaução na afirmação de fraudes, pois os dados incoincidentes podem ter sua causa na péssima organização cadastral dos imóveis rurais, a cargo do próprio INCRA, baseado em informações inconsistentes fornecida pelos próprios interessados.

Lamentavelmente a integração entre cadastro e registro é inexistente no estágio atual do sistema registral e cadastral brasileiros. Sem essa interdependência, sustentada por procedimentos de apuração geodésica, não é possível o controle que deveria ser feito (e não foi feito, na melhor das hipóteses) pelo próprio INCRA. O Registro Predial não dispõe de recursos tecnológicos para apurar essas distorções. E nem é essa a sua função, que primacialmente se destina à colimação da segurança jurídica.

Em suma, as imbricações, superposições, interseções de parcelas, gerando duplicidade de registros, é de responsabilidade de quem outorgou os títulos ou de quem aquiesceu nos processos judiciais. Se os problemas tiveram origem nos serviços notariais e de registro, tais faltas devem ser apuradas para aperfeiçoamento do próprio sistema.

Os cartórios têm mantido contatos com o INCRA no sentido de prover o órgão de informações técnicas que visam a superação desses graves problemas, lamentavelmente imputados exclusivamente aos cartórios.

CARTÓRIOS NEGAM ACUSAÇÃO DO MINISTÉRIO

Presidente Bernardes

Os registradores negam veementemente as fraudes que lhes são imputadas. Segundo o colega da comarca de Presidente Bernardes (SP), José Alexandre Ibanez, "esse cartório não cometeu esse tipo de crime". O registrador está disposto a abrir todos os registros de imóveis até para o ministro da Política Fundiária, Raul Jungmann. "Quero colaborar", declarou à reportagem do Estadão de 21/12/99. Respondendo pelo cartório desde 1993, Ibanez explicou à jornalista Sandra Sato "que a sua tarefa é simplesmente registrar o imóvel, depois de checadas informações sobre as terras negociadas". Explicitando o grosseiro erro de informação, que denuncia ignorância do sistema notarial e registral brasileiros, diz que não colhe assinaturas de ninguém para a documentação de transferência do imóvel, um encargo do tabelião. Remata a entrevista enfatizando que "a Corregedoria-geral da Justiça de São Paulo é muito rigorosa e está constantemente fiscalizando os cartórios". O registrador José Ibanez foi ouvido pelo Boletim Eletrônico e se diz atingido em sua honra profissional e não tem mais tranqüilidade para sair às ruas.

Altamira

O serviço registral de Altamira (PA), citado pelo Ministro como o principal envolvido nas fraudes, contesta a denúncia. Em reportagem do jornalista Carlos Mendes (Estadão de 18/12/99) a responsável pelo 1º Ofício de Altamira, no Pará, Eugênia Freitas, negou ontem que tenha emitido escritura falsa de terras públicas a empresas particulares, principalmente à Rondon Projetos Ecológicos, do empresário Cecílio do Rego Almeida. O empresário diz ser dono de 3,772 milhões de hectares na região. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto de Terras do Pará acusam Almeida de tentar apropriar-se ilegalmente de terras localizadas na Floresta Nacional de Altamira. O Sr. ministro de Política Fundiária, Raul Jungmann, citou nominalmente o cartório de Altamira como um dos principais envolvidos em fraudes na legalização de terras no Pará, onde 20 milhões de hectares teriam sido "grilados" da União, Estado, Forças Armadas e áreas indígenas. A registradora replica afirmando que "tudo o que foi feito aqui foi perfeitamente legal. Se eu for citada, vou me defender". Ela afirmou que não iria declarar mais nada ao Estado, porque não havia recebido nenhuma comunicação do Tribunal de Justiça do Estado sobre supostas irregularidades. E arrematou: "Fizeram uma correição no cartório e não houve nenhum problema." A correição foi determinada em agosto pela desembargadora Maria de Nazareth Brabo de Souza, corregedora-geral do TJ paraense. O trabalho foi realizado pelo juiz-titular de Altamira, Raimundo Flecha. Ele não atua mais na comarca desde novembro.

ANOREG se pronuncia

A ANOREG manifestou-se no sentido de que se apurem as irregularidades imputadas genericamente aos cartórios que figuram na lista divulgada pelo Ministerio. Obtempera, contudo, que as acusações deveriam ser fundamentadas e especializadas, para que não pesem tão graves acusações genéricas sobre toda uma categoria tão importante para o sucesso das políticas fundiárias do próprio Governo Federal.

Nesta semana foram agendadas entrevistas com autoridades do Ministério e da Procuradoria-geral da União para esclarecimentos e tomada de providências para salvaguarda dos interesses e reputação dos oficiais registradores e notários envolvidos.

Neste espaco serão divulgados os resultados.



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