BE3341
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Pacto antenupcial – regime matrimonial – separação total de bens. Doação – alienação – transferência de bens – cônjuge
Possibilidade do registro de escritura de pacto antenupcial em que os cônjuges, devendo casar sob o regime da separação obrigatória de bens, estipularam a possibilidade de doação, alienação e transferência de bens entre si.
Processo nº 583.00.2007.240561-0. Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo-SP.
É possível a venda e compra e a doação entre cônjuges casados no regime da separação obrigatória de bens? Esse tema sempre se mostrou tormentoso, em razão de uma aparente confusão acerca do conceito de burla ao regime de bens. Com todo o respeito aos que entendem que a alienação entre cônjuges pode configurar referida burla, me parece que, com relação aos bens excluídos da comunhão, não há porque cogitá-la. É preciso, quanto a isso, ter em mente que uma coisa é a comunicação dos bens por força do regime de bens adotado, outra, diversa, é o condomínio comum, ou voluntário, como o Código Civil de 2002 o nominou e disciplinou nos artigos 1.314 e seguintes. A primeira é forma de co-propriedade peculiar, oriunda do direito de família. A segunda advém do direito das coisas. Parece-me absolutamente necessário não confundi-los. O atual Código Civil autorizou expressamente a venda e compra entre os cônjuges, com relação aos bens excluídos da comunhão (art. 499), e também a doação (art. 544). Ora, se o varão, casado sob o regime da comunhão parcial de bens, por exemplo, doa um imóvel adquirido quando solteiro à sua mulher, não haverá comunicação, uma vez que nesse regime não se comunicam os bens havidos por doação (art. 1.669). Onde estaria, nesse caso, a burla do regime de bens? Podemos ir além: se no mesmo exemplo o varão doa a metade ideal do imóvel, haveria alguma alteração na realidade acima enfatizada? Por certo que não. A varoa passaria a deter a propriedade exclusiva de parte ideal correspondente a cinqüenta por cento do imóvel, em regime de condomínio geral ou voluntário. Não há confusão de patrimônios. Cada cônjuge seria titular de sua metade ideal, sem comunicação.
Será que o mesmo raciocínio se aplicaria ao regime da separação obrigatória de bens? Em interessantíssima sentença da lavra do magistrado Gustavo Henrique Bretas Marzagão, MM. juiz de Direito da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo, capital, nos autos do procedimento de dúvida 583.00.2007.240561-0, publicada no DOE de 21 de maio de 2008, foi determinado o registro de escritura de pacto antenupcial firmada por cônjuges que, malgrado sujeitos a casamento sob o regime da separação obrigatória, estavam estipulando a possibilidade de doação, alienação e transferência entre si. Depois de alentada fundamentação, o juiz sentenciante determinou o registro da escritura de pacto antenupcial.
A meu aviso, a fundamentação da sentença, que, creiam-me, merece a reserva de algum tempo do nosso agitado dia-a-dia para ser lida, está rigorosamente afinada com os atuais postulados da dignidade da família, que merece especial proteção do Estado (art. 226, Constituição Federal).
A família mudou. O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.511, e em conformidade com a Constituição Federal, elegeu como valor primordial da família a afetividade. O casamento, segundo referido preceptivo legal, estabelece “comunhão plena de vida”.
Desde o advento da Constituição Federal de 1988, e com o reforço do Código Civil de 2002, a família está informada pelos princípios da dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar, a igualdade de gêneros, de filhos e das entidades familiares, a convivência familiar, o melhor interesse da criança e do adolescente e a afetividade.
Esses princípios devem influenciar fortemente a interpretação e aplicação dos institutos, atos e negócios jurídicos que se destinem a adentrar nos álbuns imobiliários. Isso porque deverão constituir vetor hermenêutico quando da qualificação de títulos que versem sobre direitos de família. Os registradores e os órgãos censório-fiscalizatórios deverão promover um salto exegético que nos encaminhe para a superação de uma visão excessivamente patrimonialista por outra voltada ao atendimento ético-afetivo das necessidades familiares e superação de seus conflitos. Daí porque haverá a necessidade de uma razoabilidade e proporcionalidade no momento de buscar o equilibro entre os direitos de família e os puramente patrimoniais, construindo-se fundamentações que facilitem o ingresso de títulos confeccionados nesse microssistema, sem sacrifício aos princípios informadores do registro imobiliário e, evidentemente, aos direitos de terceiros.
É um desafio, sem dúvida, mas do qual não podemos mais fugir. O que me parece claro, contudo, é que o Estado e seus agentes deverão buscar fórmulas para permitir que a família, os cônjuges, estabeleçam com a maior liberdade possível como irão reger suas questões patrimoniais. A interferência do Estado deve ser mínima, sob pena de gerar conflitos desnecessários no seio familiar, o que não atende aos comandos emergentes da Constituição Federal.
Ao menos no que pertine aos bens imóveis, que é o tema que nos interessa aqui, a preservação dos direitos de terceiros é alcançada facilmente, como sinaliza a sentença ora sob comento: com o registro do pacto antenupcial e demais atos e negócios jurídicos no Registro Imobiliário. Com a publicidade proporcionada pelo Registro Imobiliário, os terceiros interessados terão plena possibilidade de conhecer o regramento patrimonial do casal e, assim, tomar decisões com plenitude de informação. Se o casal for negligente e não providenciar o registro dos atos acima referidos, não poderão opô-los aos terceiros, tendo, então, eficácia inter partes apenas.
Daí porque, fazendo remissão no mais aos fundamentos exarados na sentença, tenho para mim que ela merece nosso aplauso. Segue abaixo o texto na íntegra.
Luciano Lopes Passarelli
Co-editor
Processo Nº 583.00.2007.240561-0
Texto integral da Sentença
DÚVIDA IMOBILIÁRIA – recusa de registro de pacto antenupcial com regime matrimonial de separação total de bens (legal) dispondo sobre a possibilidade de doação, alienação e transferência de bens ao cônjuge – possibilidade ante a plena capacidade dos contratantes – improcedência.
Vistos.
Cuida-se de dúvida imobiliária suscitada pelo 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, por requerimento de Gillian Carol Steel, que pretende registrar pacto antenupcial em que se estabeleceu a possibilidade de livre disposição entre cônjuges casados no regime de separação legal de seus bens. Alega o Registrador que o título não foi registrado por afrontar o regime de separação obrigatória imposto, devendo a cláusula que permite a livre disposição de bens entre cônjuges ser excluída do contrato antenupcial por meio de reti-ratificação (fls. 02/03). A interessada impugnou o feito sustentando a validade do contrato antenupcial haja vista que a imposição do regime de separação a cônjuges maiores de 60 anos vem sendo mitigada pelas Cortes brasileiras desde a promulgação da Constituição Federal (fls. 24/28).
O Ministério Público ofereceu parecer no sentido de procedência da dúvida, sustentando que a estipulação da possibilidade de fazer doações, alienações e transferências entre si, de bens pretéritos e futuros, implica burla ao regime legal de bens do casamento sendo, portanto, nula (fls. 37/38).
É O RELATÓRIO.
FUNDAMENTO E DECIDO.
Anote-se, de início, que não cabe a este Juízo correicional-administrativo verificar a nulidade, ou não, do ato a ser registrado. Tal fato deve ser objeto de ação própria por terceiro interessado na via adequada. O que se discute aqui é a possibilidade de registro de pacto antenupcial com disposição que autoriza cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória de bens a doarem, alienarem ou transferirem seus bens um ao outro.
A despeito da r. manifestação do Ministério Público, a recusa deve ser afastada.
A lei não veda que cônjuges casados no regime da separação legal de bens estipulem a livre disposição de bens entre si no pacto antenupcial. Apenas exige que o pacto antenupcial seja feito por escritura pública (artigo 1.653 do Código Civil), o que foi feito e encartado nos autos. Demais disso, pelo que consta, o pacto foi celebrado por partes capazes que, ao menos em tese, tinham discernimento no momento da celebração do ato. Extrai-se, portanto, que, formalmente, o título está em ordem, não se podendo falar, por conseguinte, em nulidade do ato levado a registro.
Quanto à disposição do artigo 1655, do Código Civil, que prevê a nulidade do ato cuja convenção ou cláusula contravenha disposição absoluta de lei, forçoso reconhecer que foi respeitada. Apesar de o Oficial de Registros argumentar no sentido de que o antigo diploma civil de 1916 previa em seu art. 312 a proibição da estipulação de doações recíprocas nos casos de separação obrigatória de bens, é certo que tal disposição não foi repetida pelo atual legislador de 2002. Aliás, ao contrário: foi revogada pelo art. 2045, do Novo Código Civil, que dispôs expressamente sobre a revogação do Código Civil de 1916 (v. LICC, art. 2º).
Sendo assim, não há como, sob o argumento de interpretar a vontade do legislador, aplicar lei revogada, ignorando o art. 2045, do Novo Código Civil. Acresça-se a isso o fato de a escritura ora em debate ter sido lavrada na vigência do Novo Código. Inaplicável, destarte, a disposição do Código revogado. Além disso, vem prevalecendo na doutrina e jurisprudência o entendimento de que a obrigatoriedade da adoção do regime de separação legal é inconstitucional.
A propósito, cite-se a decisão proferida em 1998 pelo ministro César Peluso, então desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a égide do Código Bevilaqua: “Tampouco são nulas as doações ulteriores ao matrimônio. E não o são, porque o disposto no art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil, refletindo concepções apenas inteligíveis no quadro de referências sociais doutra época, não foi recepcionado, quando menos, pela atual Constituição da República e, portanto, já não vigendo, não incide nos fatos da causa. É que seu sentido emergente, o de que varão sexagenário e mulher qüinquagenária não tem liberdade jurídica para dispor acerca do patrimônio mediante escolha do regime matrimonial de bens, descansa num pressuposto extrajurídico óbvio, de todo em todo incompatível com as representações dominantes da pessoa humana e com as conseqüentes exigências éticas de respeito à sua dignidade, à medida que, por via de autêntica ficção jurídico-normativa, os reputa a ambos, homem e mulher, na situação típica de matrimônio, com base em critério arbitrário e indução falsa, absolutamente incapazes para definirem relações patrimoniais do seu estado de família. [...] Noutras palavras, decretou-se, com vocação de verdade legal perene, embora em assunto restrito, mas não menos importante ao destino responsável das ações humanas, a incapacidade absoluta de quem se achasse, em certa idade, na situação de cônjuge, por, deficiência mental presumida iuris et de iure contra a natureza dos fatos sociais e a inviolabilidade da pessoa. [...] Deduzir, com pretensão de valor irrefutável e aplicação geral, homens e mulheres, considerados no ápice teórico do ciclo biológico e na plenitude das energias interiores, à condição de adolescentes desvairados, ou de neuróticos obsessivos, que não sabem guiar-se senão pelos critérios irracionais das emoções primárias, sem dúvida constitui juízo que afronta a amesquinha a realidade humana, sobretudo quando a evolução das condições materiais e espirituais da sociedade, repercutindo no grau de expectativa e qualidade de vida, garante que a idade madura não tende a corromper, mas a atualizar as virtualidades da pessoa, as quais constituem o substrato sociológico da noção da capacidade jurídica. [...] Não é tudo. A eficácia restritiva da norma estaria, ainda, a legitimar e perpetuar verdadeira degradação, a qual, retirando-lhe o poder de dispor do patrimônio nos limites do casamento, atinge o cerne mesmo da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República (art. 1º, III, da Constituição Federal), não só porque a decepa e castra no seu núcleo constitutivo de razão e vontade, na sua capacidade de entender e querer, a qual, numa perspectiva transcendente, é vista como expressão substantiva do próprio Ser, como porque não disfarça, sob as vestes grosseiras de paternalismo insultuoso, todo o peso de uma intromissão estatal indevida em matéria que respeita, fundamentalmente, à consciência, intimidade e autonomia do cônjuge. E aqui, para agravo da classificação jurídica que, como toda legislação, opera, distinguindo entre categorias de cônjuges, fundado em critérios factuais aleatórios, o velho artigo 258, parágrafo único, II, do Código Civil, perpetra discriminação não menos desarrazoada e injusta, porque não há norma nem princípio jurídico que impeça a alguém, em razão de idade avançada e de envolvimento afetivo, doar bens ao parceiro, antes ou durante o concubinato, e sequer no decurso de relacionamento efêmero que reúna todos os ingredientes de uma aventura amorosa. Tampouco estão os mais jovens imunes aos riscos patrimoniais da ilusão e da farsa. Por que é, pois, que, sob pretexto de vulnerabilidade psíquica, subentendida como doença peculiar da instituição matrimonial, haveriam de ser tolhidos na mais nobre das manifestações humanas, que é o exercício da generosidade e da justiça, apenas os cônjuges os quais não raro têm largas razões para compartilhar e repartir por conta de injunção normativa, esta, sim, decrépita, e cuja menor extravagância está em desestimular, por reação legítima em resguardo da autonomia, ética e da liberdade jurídica, que relações não matrimoniais se convertam em casamento? E atentado considerável à estabilidade do ordenamento jurídico é já o descrédito notório, que, provocado pela inconveniência dessa conversão, capaz de satisfazer anseios genuínos e evitar incertezas danosas à ordem social, levaria, ou vem levando, à desuetudo dos casamentos tardios. [...] São estas todas razões mais que bastantes por negar vigor ao artigo 258, parágrafo único, II, do Código Civil, em especial na sua imodesta conseqüência de proibir alienações, gratuitas ou onerosas, entre os cônjuges. Não custa, porém, aduzir que, conquanto sem argumentos manifestos, há quem, dentre juristas respeitáveis, sustente não ser essa, conseqüência da regra: "Quando o regime é o da separação, os cônjuges podem livremente negociar um com o outro" (AGOSTINHO ALVIM, "Da Doação", SP, Ed. RT, 1ª ed., 1973., p. 147, n. 46). É quem chegue a mesma conclusão, entendendo ser inaplicável ao casamento, ainda que celebrado sob regime legal de separação pura de bens, que é o de que se cogita na hipótese, o conteúdo restritivo do artigo 312 do Código Civil, o qual só apanharia os nubentes, não os cônjuges; "Os bens e demais frutos que sobejam aos encargos do casamento podem ser doados a quem quer que seja, inclusive ao outro consorte... A 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 20 de março de 1947 (R. dos T., 167, 689), tentou estender às doações entre cônjuges o que só se refere às doações entre nubentes: É nula a liberalidade feita pelo marido à mulher na constância do casamento contraído sob o regime de separação obrigatória de bens. É certo que o artigo 312 do Código Civil trata das doações antenupciais, não fazendo referência a doações durante a vigência do casamento. Mas, está subentendido, por força de extensão, que a proibição compreende também as liberalidades na constância do casamento, porque, do contrário, não haveria razão para lei vedar as doações antenupciais. Seria inutilidade. Sem razão; não se interpretam leis sem se entenderem" (PONTES DE MIRANDA, op. cit., pp. 431-432, § 943, n. 2. Não há contradição com p. 425, § 939, n. 5, onde trata de doações inter sponsos, não inter conjuges. Cf., ainda, seu "Direito de Família", RJ, Ed. Jacintho R. dos Santos, 1917, p. 238, § 115)” (Apelação Cível 007512-4/2-00, TJSP, julgamento 18/08/98, São José do Rio Preto, Relator: Cezar Peluso).
Se é certo que o casamento de maior de 60 anos pode se dar de forma interessada no patrimônio do outro cônjuge, certo também é que tal interesse pode se dar em qualquer idade. “A plena capacidade mental deve ser aferida em cada caso concreto, não podendo a lei presumi-la, por mero capricho do legislador que simplesmente reproduziu razões de política legislativa, fundadas no Brasil do início do século passado” (Silmara Juny Chinelato, apud Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, Vol. VI, Editora Saraiva, p. 410). Mesma orientação foi tomada em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Não colhe o inconformismo do apelante, eis que a vedação prevista na lei civil, em razão da idade do autor, não se refere à doação na constância da união estável, de sociedade de fato, ou mesmo do casamento. Para se atingir o objetivo do autor, necessário seria que fosse ele interditado para os atos da vida civil. A doação de imóvel para a companheira ou cônjuge não se estende ao impedimento da sociedade constituída com separação total ou parcial. Trata-se, na verdade, de ato de mera liberalidade praticado por profissional do Direito, a fazer presumir, portanto, conheça as razões e vicissitudes dos impedimentos e suas vantagens, impostos pelo legislador, que, por si-sós, não constituiriam um bill de indenidade para as demais pessoas, fossem quais fossem suas atividades profissionais. Outrossim, quanto ao art. 312 do CC/16, cabe mencionar que referido dispositivo nada mais fez do que impor odiosa restrição ao casamento, quando um dos cônjuges não pode sequer fazer mera liberalidade, amparando o outro, sem desamparar a própria velhice ou eventual prole. Sobre este assunto, pertinente trazer a decisão proferida pelo TJ/MG, Apelação n. 1.0491.04.911594- Apelação n. 546.548.4/7- São Pauto Voto n. 15.769, Rei. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE, julgado em 29.03.2005: (...). Pois bem, o atualíssimo Diploma Civil de 2002, que tantas inovações progressistas nos trouxe, nesta parte manteve este censurável atentado contra a liberdade individual de pessoas maiores e capazes, fazendo uma odiosa discriminação contra estas pessoas, ferindo o seu direito de livre disposição do patrimônio adquirido com seu trabalho, cabendo ao Judiciário, no cumprimento de sua função precípua de integração do ordenamento jurídico para o alcance da justiça, analisar cada caso concreto e fazer a leitura legal que mais se amolda aos objetivos prescritos pela norma. O objetivo do retro citado artigo [art. 1641, do CC] é de proteção dessas pessoas (maiores de 60 anos) contra, como são costumeiramente chamados, casamentos interesseiros, onde o nubente mais jovem contrai matrimônio com idoso visando auferir vantagem econômica. A proteção da lei, ao meu entender, deve parar por aí, pois já cumpriu assim o seu objetivo de proteção e alerta aquele que está contraindo matrimônio com pessoa mais jovem. Alargar o sentido da norma para proibir o sexagenário, maior e capaz, repita-se, de dispor de seu patrimônio de maneira que melhor lhe aprouver é, como dito acima, um atentado contra a sua liberdade individual (...). A aplicação da proibição ao cônjuge, já de tenra idade, de fazer doação ao seu consorte jovem deve ser aplicada com rigor naquelas hipóteses onde se evidencia no caso concreto que o nubente mais velho já não dispõe de condições para contrair matrimônio, deixando claro que este casamento tem o único objetivo de obtenção de vantagem material’” (APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 546.548-4/7-00, TJSP, julgamento 02/04/2008, São Paulo, Relator: CAETANO LAGRASTA).
Tenha-se em mente, outrossim, que o Novo Código Civil estatuiu como princípio básico o da boa-fé objetiva, diferentemente do Antigo, regido pelo interesse privado e pela boa-fé subjetiva.
Carlos Roberto Gonçalves explica muito bem o assunto: “Todavia, a boa-fé que constitui inovação do Código de 2002 e acarretou profunda alteração no direito obrigacional clássico é a objetiva, que se constitui em uma norma jurídica fundada em um principio geral do direito, segundo o qual todos devem comportar-se de boa-fé nas suas relações recíprocas. Classifica-se, assim, como regra de conduta. Incluída no direito positivo de grande parte dos países ocidentais, deixa de ser principio geral de direito para transformar-se em cláusula geral de boa-fé objetiva. É, portanto, fonte de direito e de obrigações. Denota-se, portanto, que a boa-fé é tanto forma de conduta (subjetiva ou psicológica) como norma de comportamento (objetiva). Nesta última acepção, está fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e na consideração para com os interesses do outro contraente, especificamente no sentido de não lhe sonegar informações relevantes a respeito do objeto e conteúdo do negócio” (Direito Civil Brasileiro, Vol. III, 2ª Edição, Ed. Saraiva, p. 35/36).
Sendo o pacto antenupcial, em última análise, um contrato, deve prevalecer a boa-fé objetiva, ou seja, deve-se presumir a honestidade contratual das partes. Por derradeiro, insta salientar que o registro na Serventia Predial dará publicidade do ato a terceiros a partir do seu ingresso no registro tabular, portanto terá efeitos ex nunc, isto é, não alcançará atos realizados no passado, sendo que neste citado período o contrato terá produzido efeitos apenas entre as partes.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada pelo 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, por requerimento de Gillian Carol Steel, para determinar o registro do Pacto Antenupcial encartado nos autos.
Oportunamente cumpram-se o artigo 203, II, da Lei de Registros Públicos e o conseqüente disposto na portaria-conjunta 01/2008 das 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos de São Paulo.
PRIC.
São Paulo, 28 de abril de 2008.
GUSTAVO HENRIQUE BRETAS MARZAGÃO
(DOE, 21/05/2008, in Jurisprudência IRIB)
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