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III Seminário Internacional de Direito Registral Imobiliário: o registro imobiliário do século XXI


Leia a transcrição da palestra apresentada pelodiretor de relações internacionais do Colégio de Registradores da Propriedade e Mercantis da Espanha, Fernando de la Puente Alfaro.

O III Seminário Internacional de Direito Registral Imobiliário, realizado nos dias 2 e 3 de abril de 2008, na Universidade Fundação Educacional Serra dos Órgãos, em Teresópolis, no Rio de Janeiro, foi promovido em parceria pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, Irib; Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Humanas e Sociais da  Unifeso; Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo, Arisp; Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de Minas Gerais e Associação dos Notários e Registradores de Minas Gerais, Serjus-Anoreg/MG; Colégio de Registradores da Espanha e Cadri, Curso Anual de Direito Registral Ibero-americano. O evento foi co-patrocinado pelo banco Santander e pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança, Abecip.

O registro imobiliário do século XXI
Fernando de la Puente Alfaro*

Estudo de objetivos comuns na organização e implantação, funcionamento e aperfeiçoamento dos sistemas registrais ibero-americanos.

Ao falarmos do registro do século XXI temos de ter consciência de que já estamos vivendo nele. Nem todos os registros estão conscientes da necessidade de proporcionar serviços jurídicos do século XXI, serviços de última geração.

Os destinatários dos serviços jurídicos prestados pelos registros da propriedade são, essencialmente, os operadores jurídicos: bancos, cadernetas de poupança, empresas e advogados, ainda que o destinatário final seja cada um de nós.

Esses operadores formam o que chamamos de mercado imobiliário, um conjunto de bens imóveis que entram e saem do mercado, que são objeto de compra e venda, de alienação fiduciária, de hipoteca, de qualquer gênero de transmissão jurídica. Esse conjunto de operadores que formam o mercado imobiliário sabe muito bem o que quer. Precisamos tornar esse mercado mais preciso.

Às vezes, as transações imobiliárias levam meses em complexas negociações entre as partes. No entanto, ao chegarem a um acordo as partes querem realizar o negócio imediatamente e com o máximo de segurança jurídica. Todos nós sabemos que não existe segurança jurídica plena, mas existe uma segurança máxima, com a redução, na medida do possível, das indeterminações de aspectos negociais, ou do direito, que ficam na penumbra. Se reduzirmos ao máximo essas imprecisões, o mercado terá mais segurança para agir.

Esse desafio está posto pelo mercado imobiliário sem qualquer compaixão, por isso temos de proporcionar serviços jurídicos da melhor qualidade. Esse é o desafio. Na verdade, existem dois cenários: o de países que têm boa infra-estrutura jurídica e que reagem à demanda do mercado e o de países que não têm infra-estrutura jurídica de primeira qualidade, técnica e agilidade. O mercado reage a essa realidade, portanto, os países que não derem resposta adequada ao desafio do mercado serão incapazes de atender o mercado imobiliário internacional.

A boa notícia é que sabemos como responder a esse desafio. Preocupamos-nos com isso no dia-a-dia, há muitos anos estudamos como implantar o futuro. Toda vez que nos reunimos em congressos como este, para aprofundar os estudos do direito registral, estamos procurando fórmulas para melhorar nossos serviços.

Nossa atividade está repleta de declarações, como a recentíssima Declaração de Lima, nas quais marcamos nossos objetivos para o futuro. Temos de aplicar essas conclusões à realidade do século XXI. Temos de nos conscientizar de que essa realidade é um movimento, uma criação contínua de uma atividade permanente.

Quais as características do registro futuro que estamos gerando? Primeiramente, em resposta às demandas do mercado esse registro irá proporcionar segurança jurídica tão completa quanto possível. Em segundo lugar, o registro tem de ser gerido com os mesmos critérios do mercado. Temos de ser rápidos, dinâmicos. Esse é um registro com valor agregado.

O certo é que não é mais suficiente que os registros de propriedade proporcionem informações jurídicas, como: quem é o proprietário do imóvel? Qual é a descrição desse imóvel? Essas informações são muito importantes para nossa atividade, mas não são suficientes.

E, finalmente, tem de ser um registro tecnologicamente avançado. Temos de proporcionar um ambiente de grande dinamismo tecnológico que vai nos trazer novos desafios.

Características do registro do século XXI

Deve ser um registro que proporcione máxima segurança jurídica. Não podemos esquecer que o mercado imobiliário é também um mercado de direitos, portanto, quanto mais bem definidos esses direitos menor será grau de incerteza sobre seu conteúdo.

Além disso, atuamos num mercado internacional e o Brasil é uma excelente prova disso. Há muitos investidores estrangeiros adquirindo e construindo imóveis no Brasil. Essa circunstância traz uma questão absolutamente nova. Esses operadores internacionais, que atuam simultaneamente em diversos países e mercados, comparam a segurança jurídica proporcionada por esses sistemas, individualmente.

Há quinze anos, a comparação entre sistemas era um exercício meramente teórico e acadêmico pelos estudiosos do direito registral. Estudávamos o sistema alemão e o sistema italiano, mas tratava-se de um exercício meramente teórico. Agora essas comparações estão ganhando o mercado. As pessoas comparam os sistemas e o grau de segurança jurídica que oferecem. O mercado age em conseqüência disso e divide o cenário no qual atua em países de primeira divisão e países de segunda divisão.

Se quisermos construir um sistema moderno que dê respostas às exigências do mercado, não temos outro remédio senão recorrer a um sistema que já existe e que conhecemos bem, o registro de direitos de plena proteção.

Não falamos de simples teoria. Um sistema de direitos precisa evoluir para uma proteção jurídica nos diferentes países que queiram melhorar sua situação jurídica no mercado imobiliário. No entanto, temos de fazê-lo cientes do país onde atuamos, ou seja, não é possível importar sistemas. Cada sociedade e cada sistema devem encontrar seu ponto de equilíbrio, atentar para as exigências do mercado e considerar o que se pode fazer, com um custo razoável. Ou seja, deve-se alcançar um grau de segurança jurídica que permita crescer no mercado por um custo razoável.

O registro de plena proteção é uma tendência. Defendemos esse registro de direitos porque é uma realidade incontestável que ele oferece segurança jurídica mais completa a custos mais baixos.

A segurança jurídica que temos de proporcionar afirma ainda mais essa nossa consideração a respeito do modelo espanhol de registro de propriedade, ou seja, do princípio de proteção daquele que adquire confiado no que o registro publica. O ideal é conseguir o máximo de proteção possível, por exemplo, que uma pessoa seja notificada pelo próprio registro toda vez que alguém requisitar informação sobre sua propriedade.

Os países que proporcionam boa segurança jurídica são distinguidos com grandes mercados imobiliários, ao passo que os países cuja segurança jurídica deixa a desejar possuem menores mercados imobiliários, ou mercados praticamente residuais. O importante é que agora dispomos da opinião do maior mercado imobiliário do mundo, o europeu, com população de 500 milhões de pessoas, que, recentemente, publicou um documento de importância extraordinária para a projeção do futuro do registro imobiliário. O Livro Branco sobre a integração dos mercados de crédito hipotecário da União Européia recomenda que os Estados-membros garantam a execução hipotecária em prazo e custo razoáveis, bem como os incentiva a aderir ao projeto Eulis, o Serviço de Informação Cadastral Europeu (European Land Information Service – www.eulis.org – que pretende facilitar o acesso a informações on-line sobre a propriedade.

Um segundo documento importante é o relatório da União Européia em matéria de transações imobiliárias, que também faz recomendações de importância extraordinária aos 27 Estados-membros, como a advertência sobre a necessidade de intensificação da qualificação do registrador.

Os desafios do mercado imobiliário e a necessidade de reformas institucionais

Os registradores, às vezes, são os que mais resistem às mudanças. Temos de tomar a iniciativa da mudança, se não quisermos que ela seja conduzida de forma ineficaz por desconhecimento do sistema. A reforma da segurança jurídica implica alterações legislativas. Esse processo é lento e complicado, mas não podemos deixar de nos empenhar. Existem registros que ainda são feitos à mão exatamente como se fazia há 200 anos atrás. Além disso, a organização dos registros também é muito importante.

O mercado imobiliário exige respostas. Vamos lidar com um grande número de informações, uma vez que o volume de transações está crescendo vertiginosamente. O mercado mostra uma tendência de grande crescimento e exige de nós respostas a esse aumento do volume de informações. Também vai exigir que ofereçamos outros tipos de informações. Por exemplo, alguém que investigue o registro de uma propriedade cujo proprietário possui uma determinada empresa pode ter interesse em saber quem compõe essa empresa, quando ela se constituiu, qual sua razão social, se tem perdas ou lucros, quais são seus representantes, por quem é administrada, etc. Ou seja, já não basta saber que essa sociedade é dona da propriedade. O mercado vai exigir uma informação completa e tratada, isto é, não basta que o registrador ofereça a informação para análise e conclusões do interessado. Será nosso trabalho gerir a informação e torná-la disponível.

Para atender esses desafios propostos pelo mercado imobiliário temos de estar conscientes de que devemos aproveitar ao máximo os recursos de que dispomos, como por exemplo, usar maciçamente a tecnologia de maneira a otimizar os recursos materiais e humanos de que dispomos. Temos de ter formação cada vez mais completa e contínua porque a legislação que regulamenta o mercado imobiliário também se torna cada vez mais complexa. Temos de lutar por uma estrutura organizacional. Não podemos implantar determinadas reformas destinadas à melhoria dos serviços públicos se não existir uma forte organização que imponha essas reformas. Essa é uma exigência do princípio da igualdade. Cada cidadão tem o direito de obter a mesma segurança jurídica em qualquer parte do Estado e, portanto, é preciso que haja uma organização que assuma a responsabilidade de assumir o princípio da igualdade e faça as reformas necessárias para que todos possam desfrutar da mesma segurança jurídica.

Ao fazer essas reformas vamos nos deparar com resistências institucionais, especialmente entre os registros geridos de forma privada, mas se não prestarmos um serviço de qualidade ao público seremos varridos. Determinadas reformas legais são lentas e difíceis de obter. No entanto, não temos escolha, precisamos agilizar e otimizar nossos sistemas.

O registro do século XXI

O registro do século XXI será de valor agregado, primeiramente, devido à publicidade. O mercado global, com operadores que geram diferentes patrimônios em diferentes países, exige informações 24 horas por dia e 365 dias por ano. Essa informação tem de ser numa tacada só, isto é, a empresa ou o banco que opera no mercado global quer informações do Brasil – não apenas de São Paulo ou do Paraná, mas de qualquer lugar do Brasil –, ou de qualquer outro país, numa tela única e num só portal.

O operador do mercado global não apenas vai querer informações de diferentes lugares, mas diferentes tipos de informações: de propriedade, mercantis ou territoriais. Isso porque nem toda informação juridicamente relevante está expressa no registro de propriedade ou no registro mercantil, portanto, há necessidade de se dotar os registros de bases gráficas.

Ainda com relação à publicidade, os operadores vão exigir a universalização de acesso aos registros, um acesso eletrônico único que permita acessar os registros de qualquer país. E mais, não só uma interconexão de registros, mas uma interconexão de sistemas com outras entidades jurídicas. Por exemplo, bancos que gostariam de conhecer o sistema de bancos de outros países por meio tecnológico que permita obter informação do Brasil, do Peru, do Equador, da Argentina etc. É importante, portanto, interconectar os diferentes sistemas. Isso, porém, vai exigir a multifuncionalidade. É preciso interconectar também as diferentes especialidades de registro mercantil e civil com as bases de bancos de dados municipais que possam dar informações fiscais. Queremos conhecer todas as informações pertinentes que possam afetar as decisões, por exemplo, relativas à compra e venda de uma propriedade.

O mercado global também vai exigir que exista uma informação territorial avançada porque existem determinadas informações que não estão expressas em registros jurídicos como, por exemplo, as comunicações derivadas do meio ambiente, as limitações derivadas da construção na costa que, na Espanha, são informações das mais importantes. Essas informações não estão expressas em termos verbais nos registros, mas são planos setoriais realizados por uma administração competente na matéria que deverá delimitar a área e o uso da propriedade imóvel. A única forma de se proporcionar esse tipo de informação por meio de ferramenta tecnológica é dotá-la de bases gráficas. Com as bases gráficas poderemos dar toda e qualquer informação relevante. Por exemplo, uma pessoa compra um terreno onde não se pode construir porque está localizado a 50 metros da praia. Que serviço jurídico é esse que não informa ao comprador que ali não poderia ser erguida nenhuma edificação?

Vamos nos deparar com problemas de reformas procedimentais. Vamos ter de aprender a gerir o registro de outra forma. Teremos problemas legais, de custos econômicos. Como financiar essas reformas? Como financiar esses recursos tecnológicos que nos permitirão melhorar os serviços? E de onde vamos tirar essa tecnologia, uma vez que ela não está disponível numa loja para ser adquirida?

A solução está em nossas mãos, somos os únicos que podemos aplicá-la. O financiamento dessas ferramentas é um problema que se resolve porque podemos encontrar ajuda em nosso próprio país, ou por meio de convênios internacionais. Podemos intercambiar tecnologia que vai permitir economizar dinheiro e tempo, além de melhorar globalmente o serviço prestado. Vamos ver crescer nossa riqueza institucional porque vamos melhorar nossos serviços. Portanto, não devemos nos render.

Na Espanha, temos iniciativas nesse sentido. Dois projetos foram aprovados pela Comissão Européia, sendo que um deles será interconectado com um país da América do Sul que não tem capacidade tecnológica para implantar o serviço. Vamos ajudá-lo a criar uma rede interna que permita obter informações a respeito dos imóveis desse país e que estará disponível na web.

Queremos interconectar o sistema nesse e em outros países. Queremos criar uma rede ibero-americana de comissão registral, de forma que qualquer cidadão de qualquer lugar do mundo com apenas um acesso possa obter uma informação registral de imóveis localizados em qualquer um desses países da América ou da Espanha e criar, com isso, a maior rede mundial de informações imobiliárias.

Também aprovamos um projeto de implantação de bases gráficas em outro país da América do Sul. Estamos colaborando com esse país e eles nos ajudam muito. Estamos desenvolvendo um programa de informática que estará à disposição de todos, gratuitamente, porque nosso objetivo é o registro da propriedade.

Para terminar minha exposição, gostaria de enfatizar que os registradores devem se conscientizar a respeito do momento que vivemos. Estamos imersos numa revolução tecnológica que já mudou tudo e é a causa de nossos problemas, mas, ao mesmo tempo, é também a solução deles. Temos à frente uma realidade da qual não podemos fugir, temos de enfrentá-la e melhorar nossos sistemas para oferecer os melhores serviços jurídicos. Estamos diante dessa possibilidade e espero que possamos encará-la juntos, em comunidade ibero-americana, para proporcionar um valor agregado gigantesco ao registro. Não devemos melhorar somente nosso sistema, mas o sistema global de informação imobiliária. Não podemos olhar para o outro lado na hora do pênalti, somos nós que temos de fazê-lo.

*Fernando de la Puente Alfaro é Diretor de Relações Internacionais do Colégio de Registradores da Propriedade e Mercantis da Espanha.



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