BE3286
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Os livros 4 e 5 do registro imobiliário: os indicadores real e pessoal
Luciano Lopes Passarelli*
1. Introdução
A Lei Federal 8.935, de 18 de novembro de 1994, define, em seu artigo primeiro, que “Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.
Dos fins colimados pelo sistema registral, quais sejam, a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos, neste trabalho queremos destacar a publicidade que, para nós, é mesmo a quintessência do registro imobiliário, uma vez que sua construção e operação só se justificam, em nosso atual estágio de desenvolvimento sociojurídico, se o que consta dos seus assentamentos destina-se a ser conhecido pela coletividade. Essa possibilidade torna-se, segundo pensamos, conditio sine qua non da concretude da função social da propriedade, consagrada no artigo 5º, XXIII, da Carta Política de 1988 e, no âmbito do direito civil, enfatizada no artigo 2.035, parágrafo único, do estatuto civilista de 2002. Essa afirmação decorre, em fundamentação breve temporis, da circunstância de que a clandestinidade, o oculto, conspiram contra a efetividade e objetivação da função social da propriedade. É direito da sociedade, assim, conhecer a extensão e os limites dos direitos reais sobre imóveis e eventuais outros ônus sobre eles incidentes, seja para melhor embasar suas decisões de praticar ou não determinado negócio jurídico, seja para municiar com elementos robustos as instituições encarregadas de formular políticas públicas ou exercer poder de polícia que direta ou reflexamente recaiam sobre a propriedade imobiliária. Ademais, ao publicar o direito protege-se também o direito individual do proprietário ao se criar uma obrigação negativa para todo o resto da coletividade de não embaraçar o livre exercício desse direito por seu titular, dentro dos seus contornos legais. Essa obrigação de respeitar a propriedade interessa também a toda a sociedade e à manutenção da ordem jurídica, porque leva o cidadão à certeza de que, se o Estado protegerá o proprietário contra ataques desautorizados pela lei por parte de terceiros, também o protegerá se, a seu turno, sua propriedade estiver ameaçada.
Nesse sentido, o Registro de Imóveis tem por escopo concentrar as informações acima referidas de sorte a proporcionar mecanismos de fácil recuperação delas, tendo, portanto, a vocação de ser a longa manus da função social da propriedade. De nada adiantaria realizar um trabalho com extrema correção técnico-jurídica, tornando seus assentamentos um repositório seguro a espelhar a situação da propriedade imobiliária na coletividade, se essa informação não pudesse ser recuperada com eficiência e segurança. Não se pode descurar que a expressão publicidade registral sai do campo das idéias e da abstração e se concretiza ao se instrumentalizar a informação na forma de uma certidão, disciplinada nos artigos 16 a 21 da Lei de Registros Públicos, no capítulo V, que, sugestivamente, leva a rubrica “da publicidade”. Esta singela peça sintetiza o clímax da atividade registral-imobiliária: após percorrer todo o iter do negócio jurídico-imobiliário, que passou pela confecção do título causal, ingresso e qualificação no Registro de Imóveis, com o conseqüente registro, se em termos, chega-se finalmente ao documento que prova e informa o direito. Embora o direito tenha sido constituído ou declarado pelo ato registral em si, ele seria inútil se não se destinasse ao conhecimento de todos os interessados.
Pois bem. Quais são os instrumentos instituídos pela Lei de Registros Públicos para permitir essa recuperação de informações? São os dois livros conhecidos como “indicadores”, previstos no artigo 173, respectivamente nos incisos IV e V: Livro nº 4, denominado “Indicador Real”, e Livro nº 5, ou “Indicador Pessoal”.
Pelo que ficou dito até aqui já se vislumbra a inafastável importância desses dois livros no sistema registral-imobiliário vigente, colaboradores que são no funcionamento dos livros principais, conforme assevera Miguel Maria de Serpa Lopes[1]. Da sua escorreita escrituração decorrerá o sucesso ou o fracasso dos fins perseguidos pelo registro imobiliário. Ulysses da Silva afirma que “eles são as portas abertas, no Registro de Imóveis, por onde entramos, em nossa pesquisa, para chegarmos a uma matrícula ou um registro [...] Dada a importância da função de tais livros, logo se vê a necessidade de bem escriturá-los”.[2]
Assim ressaltada a relevância do tema, examinemos em seguida os requisitos da escrituração desses dois livros.
2. Abordagem legal e normativa
Por primeiro, convém ressaltar que a atividade registral-imobiliária é fortemente influenciada por disposições normativas emanadas dos órgãos censório-fiscalizatórios, integrantes do Poder Judiciário, que têm a função de discipliná-la. Essa atribuição decorre da própria lei. A já referida Lei Federal 8.935/94, verdadeiro Estatuto dos Notários e Registradores, determina no seu artigo 28, inciso XIV, ser dever destes últimos “observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente”. Tanto é assim que deverá, também, “manter em arquivo as leis, regulamentos, resoluções, provimentos, regimentos, ordens de serviço e quaisquer outros atos que digam respeito à sua atividade” (inciso IV).
Não satisfeito, o mesmo diploma legal ainda elenca entre as infrações disciplinares, que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas no mesmo, “a inobservância das prescrições legais ou normativas” (art. 31, I).
O “juízo competente” é o estadual ou distrital (art. 37) e sua correta identificação, portanto, dependerá das Leis de Organização Judiciária de cada Estado-membro. No estado de São Paulo, essa atribuição é dos chamados “juízes corregedores permanentes” e, sobreposta hierarquicamente a eles, da Corregedoria Geral da Justiça, formando assim duas instâncias administrativas. É o que se depreende dos preceitos contidos nos artigos 50 a 52 do Decreto-Lei Complementar nº 3, de 27 de agosto de 1969 (Código Judiciário do Estado de São Paulo), e do item 4, capítulo XIII, do Provimento CG 58/89 (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo). Lembre-se quanto a isso que, com relação ao tema sub exame, o Poder Judiciário não atua em sua função jurisdicional típica, mas exerce atribuição administrativa anômala.
Há que se fazer referência também ao CNJ – Conselho Nacional da Justiça –, criado pela Emenda Constitucional nº 45/04, que o incluiu como órgão componente do Poder Judiciário, conforme se vê do artigo 92, inciso I-A, da CF/88. Este Conselho, dentre outras atribuições, inclusive a de conhecer de reclamações contra serviços notariais e de registro (art. 103-B; § 4º, inciso III, CF/88), pode também, no zelo pela observância das amplas regras contidas no artigo 37 da Carta Maior, desconstituir ou rever atos administrativos praticados pelo Poder Judiciário. O alcance das atribuições do CNJ permite entrever no mesmo – segundo pensamos – uma terceira instância administrativa, ou, mais propriamente, uma instância de superposição, já que pode conhecer diretamente dos temas aqui ventilados, até mesmo de ofício, ou avocar procedimentos em curso, nos termos dos mesmos preceptivos constitucionais citados.
Assim, ao notário e ao registrador não basta cumprir a lei stricto sensu: deverá também atentar se há disposição normativa, emanada dos órgãos aludidos, disciplinando cada fração de sua atividade.
No Estado de São Paulo, são amplamente conhecidas as chamadas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, atualmente consubstanciadas no Provimento CG nº 58/89 e que – advirta-se – estão em fase de atualização por parte daquele órgão.
Colocadas essas premissas, prosseguiremos o exame dos indicadores, sempre atentando não só para a Lei de Registros Públicos, mas também para as Normas da Corregedoria.
3. O Livro 4: o indicador real
O anterior diploma legal disciplinador do registro de imóveis, o Decreto nº 4.857, de 09 de novembro de 1939, já previa em seu artigo 186 a existência do livro destinado ao indicador real, que sob sua égide recebia o número 6. A sua escrituração era feita por lançamentos seqüenciais, embora o livro devesse ser repartido, por igual, entre as circunscrições que compusessem a “zona pertencente ao respectivo cartório”.
Assim, todos os imóveis referidos direta ou indiretamente nos atos de registro, termo esse usado aqui em sentido amplo, lançados nos Livros 2 (inscrição hipotecária), 3 (transcrição das Transmissões), 4 (Registros Diversos) e 8 (Registro Especial), deveriam ser indicados no Livro 6, que para tanto era dividido em cinco colunas, a saber: 1) denominação do imóvel, se rural; 2) menção da rua e do número, se urbano; 3) nome do proprietário; 4) referências aos números de ordem e páginas dos demais livros, e 5) anotações.
Por óbvio que simplesmente manter livros escriturados em seqüência de nada adiantaria no momento de efetuar uma busca. Daí que o diploma anterior previa, em seu artigo 189, que o registrador mantivesse um índice auxiliar, que deveria ser organizado em ordem alfabética, o que se conclui da circunstância do texto legal determinar a confecção do índice pelas ruas e números de cada circunscrição, em se tratando de imóveis urbanos, e pelos nomes e situações, se rurais. Não deveria, assim, ser organizado por número de protocolo ou outro critério qualquer. O mesmo preceptivo legal autorizou aos registradores a adotarem, sob sua exclusiva responsabilidade, o sistema de fichas.
A Lei 6.015/73 reduziu os oito livros do sistema anterior para cinco, conforme se vê do seu artigo 172, mantendo o Indicador Real, agora com o número 4. A vigente lei manteve, em princípio, a regra de que os livros de registro deveriam ser todos encadernados mas, para facilitar o serviço, autorizou desde logo a adoção da escrituração mecânica, em folhas soltas (art. 3º, parágrafo segundo), ou em fichas (art. 173, parágrafo único). Não deixou, porém, em seu anexos, de prever um modelo para o Livro 4, com quatro colunas para escrituração: 1) número de ordem; 2) identificação do imóvel; 3) referências aos demais livros e 4) anotações.
Não houve uma alteração substancial com relação ao Decreto nº 4.857. A Lei 6.015, em seu artigo 179, com a redação dada pela Lei 6.216/75, continuou prevendo escrituração seqüencial, no caso de ser o livro encadernado, com o livro-índice auxiliar, nos mesmos moldes da regra anterior. Na prática, houve ampla adoção pelo sistema de fichas.
Em São Paulo, o Provimento CG 58/89, que instituiu as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, determina no item 82 do capítulo XX que, se adotado o sistema de fichas, deverão as mesmas ser arquivadas separadamente para cada município que componha a circunscrição imobiliária e, se houver distritos e subdistritos, o arquivo deverá sofrer nova subdivisão. A ordem de arquivamento é a alfabética, considerando-se o nome dos logradouros[3]. A regra vale também para a escrituração em livros que, nesse caso, deverão ter o número de suas folhas divididas pelo mesmo critério acima referido (determinado número de folhas para cada Município, distrito e subdistrito).
O item 83 das Normas de Serviço traz uma regra importante, verbis: “na escrituração do Livro nº 4 deverão ser observados critérios uniformes, para evitar que imóveis assemelhados tenham indicações discrepantes”. No Estado de São Paulo, tal é a importância dada à observância desses critérios uniformes que esse item consta expressamente do modelo de Termo de Correição a ser utilizado pelos Juízes Corregedores Permanentes, conforme se vê do Comunicado CG nº 1.179/2007.
Se essa regra já era salutar no sistema de livros ou fichas, ela ganha especial importância em tempos de ampla informatização dos indicadores, com a utilização de softwares que permitem a criação e manipulação de bancos de dados eletrônicos. Como em regra as ferramentas de busca desses sistemas pesquisam a seqüência de caracteres fornecidos como parâmetro, poderá ser que a busca não retorne nomes de logradouros grafados com divergências ortográficas, como nos exemplos clássicos de “Luiz”, com “z” ou “s”. Assim, recomenda-se especial atenção aos critérios de escrituração, no que diz respeito a esses nomes que aceitam grafias diferentes e, principalmente, nos problemas atinentes a acentuação, cedilha e pontuação, já que se o nome do logradouro contiver hífen, por exemplo, esse sinal deverá ser registrado sob pena da pesquisa ser infrutífera ou ocasionar indesejáveis lançamentos em duplicata, criando um novo registro quando já havia um anterior. Ambos ficarão, portanto, com dados apenas parciais: o que já existia não receberá os dados inseridos por último, e o registro criado depois não conterá os elementos constantes da primeva indicação.
Há sistemas informatizados que têm funções de buscas “fonéticas”, ou que façam automaticamente pesquisas por grafias assemelhadas, e ainda que pesquisem “frações” dos nomes, em ordem a permitir, por exemplo, que uma rua denominada “Imperador Dom Pedro Segundo” possa ser localizada fornecendo-se uma seqüência qualquer de algumas letras componentes da denominação. Essas ferramentas são altamente desejáveis para ter-se um sistema realmente confiável e operacional.
Outro critério que me parece aconselhável é valer-se da vetusta parêmia quod abundat non nocet, de sorte a serem realizados lançamentos que alberguem, dentro do possível, todas as possibilidades de buscas futuras. Assim, uma “Rua 06” poderia ser indicada como “Rua 06”, “Rua 6”, “Rua Zero Seis” e “Rua seis”. Penso ser mais adequado depurar a pesquisa no caso concreto, descartando os lançamentos que não se identifiquem com a busca desejada, do que correr o risco de, por inobservância do critério de lançamento, obter um resultado falso negativo, o mais grave de todos, já que o falso positivo ainda terá a vantagem de ser de fácil identificação, já que o equívoco da busca surgirá ictu oculi.
Com o mesmo desiderato de proporcionar a maior amplitude possível na pesquisa, as Normas paulistas disciplinam, ainda, no seu item 84, que os imóveis localizados em esquina deverão receber indicações para todas as ruas confluentes. Outra providência absolutamente salutar. Esse item também mereceu referência expressa no “Termo de Correição” paulista, referido alhures. Apenas observa-se que, se houver construção, a indicação da sua numeração deverá ser feita apenas para a rua para qual o imóvel efetivamente faz frente, sendo as demais indicadas sem referência à numeração, ou com alguma nota de esclarecimento, como por exemplo, “contém o prédio número 0 da Rua A”, em ordem a evitar confusões com outro prédio que eventualmente tenha o mesmo número, mas com frente para a rua de confluência.
No item 85, as Normas de Serviço disciplinam ainda que se houver alteração da denominação do logradouro, deverá ser feita nova indicação no Livro 4. Caso se utilizem fichas, deve ser aberta uma para a nova denominação conservando-se a anterior, com remissões recíprocas. Assim, v.g., na ficha anterior da Rua A, lançar-se-á “atual Rua Imperador Dom Pedro II”, e neste consignar-se-á “antiga Rua A”. A mesma regra deve ser aplicada aos sistemas informatizados.
O mesmo raciocínio acima aplica-se, nos termos do aludido item 85, às hipóteses de construção de prédio ou mudança da sua numeração.
Ad ultimum, de bom alvitre constar o número do cadastro municipal do imóvel, abrindo indicação para o mesmo, o que é, em regra, facilmente obtido nos sistemas informatizados.
Em seguida, a normatização paulista aborda o problema dos imóveis rurais, que apresentam, em regra, maior dificuldade para uma indicação eficaz. A Lei de Registros Públicos, em seu artigo 179, parágrafo segundo, limitou-se a prever como critérios de lançamentos os “nomes e situações” dos imóveis rurais. Esses critérios podem não atender satisfatoriamente o escopo de uma busca efetiva. Basta imaginar, dentre outros exemplos, o número de imóveis rurais, situados no mesmo município, denominados “Nossa Senhora Aparecida”.
Para amenizar essa dificuldade ínsita aos imóveis rurais, o item 86 das Normas de Serviço determina que, além da denominação, deverão ser abertas indicações separadas para quaisquer outros elementos disponíveis que permitam a precisa localização do imóvel, sendo que o item 86.1 destaca os acidentes geográficos conhecidos e mencionados nas matrículas. Elementos frutos da ação humana evidentemente também merecerão indicação.
Nesse sentido, rios, montes, estradas, represas, lagos naturais ou artificiais e outros deverão receber indicação própria, com remissões recíprocas. Como os sistemas informatizados permitem vários parâmetros de buscas, recomenda-se que o mesmo preveja a possibilidade de pesquisa por confrontantes conhecidos. Assim, se o imóvel confrontar com uma “floresta estadual fulano de tal”, deve-se abrir indicação para a mesma, como confrontante do imóvel em questão.
Outro elemento muito útil é o número de inscrição no cadastro do INCRA (CCIR). Esse elemento é obrigatório em São Paulo (item 86.3 das Normas de Serviço) e é facilitador das buscas, não há dúvida. Pelas mesmas razões, embora não previsto nas Normas, recomenda-se a indicação do Número do Imóvel na Receita Federal – NIRF. Quanto ao cadastro, comentando sobre as dificuldades de indicar de forma segura os imóveis, não só os rurais, mas, em alguns casos, até mesmo os urbanos, Ulysses da Silva afirma que “cresce a importância do número de inscrição territorial ou predial na Prefeitura Municipal ou do código fornecido pelo INCRA, como elemento superior de identificação”[4], posição esta secundada por Maria Helena Diniz[5] .
Por derradeiro, cumpre apontar a precisa observação de Walter Ceneviva, no sentido de que “é da observância atenta das exigências pertinentes ao indicador real, em conjunto com as decorrentes da matrícula, que o registro imobiliário brasileiro acabará por ter a desejada segurança”[6].
Assim, parece que Afranio de Carvalho, impressionado com o advento da matrícula, vaticinou equivocadamente que o Livro 4 perderia ao menos parcialmente a importância que tinha desde os tempos do Império. Para ele, a manutenção do Livro 4 se justificaria quase que tão-somente para evitar o manuseio das matrículas ao realizarem-se buscas, de sorte que estas sofressem menos desgaste[7]. Contudo, a experiência mostrou que, bem longe disso, os dois indicadores, na verdade, são peças indispensáveis no sistema registral atual. Sem eles, seria virtualmente impossível operacionalizar esse sistema.
4. O Livro 5 – o Indicador Pessoal
Assim como se disse acerca do Indicador Real, o Indicador pessoal também era previsto no Decreto 4.857/39, levando ali o número 7. Sob a forma de livro encadernado, deveria ter trezentas folhas divididas alfabeticamente. Sob a letra respectiva, deveria ser feita a indicação dos nomes de todas as pessoas que, ativa ou passivamente, individual ou coletivamente, figurassem nos livros de registro.
Nos termos do artigo 190 daquele diploma, a indicação deveria ser feita por extenso, vedadas, portanto, quaisquer abreviações. Essa observação não é de somenos importância, já que até hoje é possível encontrar nomes abreviados, com todas as conseqüências negativas que essa prática traz para a eficácia das pesquisas. Embora essa disposição não tenha sido repetida na atual Lei de Registros Públicos, é forçoso reconhecer que continua prevalecendo como princípio que decorre do sistema.
O livro deveria ter seis colunas, destinadas respectivamente a: 1) número de ordem; 2) nomes das pessoas; 3) domicílio; 4) profissão; 5) referência aos demais livros; 6) anotações.
Uma regra curiosa é que deveriam ser feitas no máximo oito indicações por página.
Na coluna destinada às “anotações” deveriam ser lançados, em remissão recíproca, os nomes das outras pessoas comparecentes ao ato jurídico objeto do registro.
Mantendo basicamente a dicção do anterior diploma legal, a atual Lei de Registros Públicos autorizou a utilização de fichas em seu artigo 180, parágrafo único, com a redação dada pela Lei 6.216/75, que não estava previsto expressamente no Decreto 4.857/39. Comentando sobre a escrituração do Indicador Pessoal, se utilizando livros ou fichas, Regnoberto M. de Melo Junior aduz que “a praxe demonstra que, em qualquer tipo de Serviço de Registro Público, o uso de fichas (somente destas) para o Indicador Pessoal, dispondo os nomes em ordem alfabética, é solução mais consentânea com a finalidade do sistema da LRP”[8].
Já as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em seu item 87, ao repetir que as indicações deveriam ser feitas relativamente a todas as pessoas que, individual ou coletivamente, ativa ou passivamente, direta ou indiretamente figurassem nos livros de registro, introduziu expressão não constante da Lei, qual seja: “inclusive os cônjuges”. A explicitação não deixa de ser salutar, em ordem a evitar dúvidas de que, de uma forma ou de outra, negócios jurídicos envolvendo imóveis acabam por refletir-se na esfera patrimonial dos cônjuges, quando menos por exigir vênia conjugal em eventual alienação ou oneração, embora esta seja dispensável se tratar-se do regime da separação convencional. Mas, por um ou outro fundamento, o fato é que há determinação normativa de indicação do cônjuge, ainda que ele não participe diretamente do negócio jurídico levado a registro.
Ainda tratando sobre os cônjuges, no item 90 do capítulo XX preceituam as Normas paulistas que, após a averbação de casamento, caso a mulher adote o patronímico do marido, deve ser aberta nova indicação, mantendo-se a anterior, com remissão recíproca. Não se olvide que no atual sistema constitucional e legal o marido também pode adotar o nome da mulher, seja em face da igualdade proclamada pela Carta Constitucional entre os cônjuges (art. 5º, I, CF/88), seja porque essa possibilidade é pressuposto lógico da aplicabilidade do artigo 1.578 do Código Civil de 2002.
Em outras hipóteses em que ocorra também alteração do nome, como na adoção (art. 1.627 do Código Civil), naquelas previstas nos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, e ainda no parágrafo segundo desse último artigo, aplicável às uniões estáveis, segundo pensamos, desde que visto sob a necessária lente constitucional, ou mesmo em casos de mera correção de grafia, como se vê do artigo 110 do mesmo diploma legal, sempre dever-se-á abrir nova indicação, com manutenção da anterior e remissões recíprocas.
As Normas também não se contentaram com a indicação do nome das partes, disciplinando dever constar também o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, ou do Registro Geral da Cédula de Identidade, ou a filiação respectiva, quando se tratar de pessoa física, ou o número de inscrição no CNPJ/MF, quando pessoa jurídica, conforme se vê do item 89 do Capítulo XX. Afranio de Carvalho chama esses elementos de “adjuntos nominais” que tornam “possível, no caso de haver no livro várias pessoas com o mesmo nome, discernir precisamente aquela em que cuja folha há de ser lançada a referência ao ato registrado”[9], funcionando para ele, então, como uma prevenção contra homonímia.
Observe-se que a circunstância de haver sido utilizada no texto sob comento a expressão “é recomendável” que o Oficial Registrador assim proceda pode levar o leitor desavisado a concluir que trata-se de “mera” recomendação. Tal, porém, não se dá quando tratamos de disposição normativa oriunda de órgão censório-fiscalizatório no exercício de sua atribuição legal de emitir normas técnicas (artigo 29, XIV, da Lei Federal 8.935/94). Uma recomendação de tal órgão não pode ser ignorada e deve, portanto, ser cumprida. Aliás, no Dicionário Eletrônico Houaiss encontramos que o verbo bitransitivo “recomendar” tem, dentre outras acepções, também a de “ordenar”[10]. Robustecendo essa tese, de se observar que esse item consta expressamente do “Termo de Correição” divulgado pelo Comunicado CG nº 1.179/2007, publicado no DOJ de 27 de novembro de 2007.
De qualquer forma, a providência vem ao encontro do escopo da efetividade da pesquisa. Com o auxílio das ferramentas da informática, robustece-se em muito as buscas que possam contar, dentre outros parâmetros, com os números do CPF/MF e do RG da pessoa pesquisada e, à falta de outros elementos, sua filiação.
Não se olvide também que, malgrado o texto legal utilize o disjuntor “ou”, a Instrução Normativa nº 461/04 disciplina que é obrigatória a inscrição no CPF/MF para qualquer tipo de operação imobiliária (art. 20, VI). A seu turno, a Instrução Normativa RFB 748/07 também disciplina que todas as pessoas jurídicas devem ter sua inscrição no CNPJ/MF, de sorte que para esses cadastros não vale a aplicação disjuntiva da regra sobre comento: eles são obrigatórios, até porque sem eles fica inviabilizada a expedição da Declaração sobre Operação Imobiliária – DOI.
Vale lembrar novamente a advertência já feita quanto aos indicadores reais, no que pertine à grafia dos nomes, notadamente em serviços informatizados, como adverte Ulysses da Silva, aduzindo que “assim é que, na escrituração do Indicador Pessoal, será utilizado, de preferência, um programa baseado na fonética, de modo a obtermos pesquisa segura, sem problemas, a partir de um nome dado com ou sem h inicial, i ou y, s ou z, q ou k, dois eles, dois cês, dois esses, embora escritos com a grafia original. O programa facultará, também, a pesquisa pelo sobrenome, pelo número da cédula de identidade ou do CPF”[11].
Walter Ceneviva aduz que “embora a lei continue referindo livro-índice, recomenda-se a vantagem da clareza e da rapidez da indexação do indicador pessoal por meio de computador, uma vez provido da necessária capacidade, nos serviços de grande movimento, e assegurados meios complementares de arquivamento, denominado back-up, ou becape, na adaptação corrente, em disquete ou disco compacto de gravação digital (CD-ROM)”[12].
Já há outras técnicas de back-up disponíveis: o CD-ROM já foi substituído pelo DVD-ROM. Há discos rígidos removíveis, que podem receber a cópia de segurança e serem guardados em locais diversos da Serventia, e também os chamados “servidores espelho”, também situados em local diverso, que recebem os mesmos dados do servidor principal em tempo real. Aqui também vale o brocado quod abundat non nocet. Pelo máximo de segurança, recomenda-se uma combinação de todas as técnicas disponíveis para confecção de cópias de segurança.
5. O futuro
Neste trabalho, tivemos a intenção de expor o sistema atual de indicação no Registro de Imóveis. Não temos pretensão de abordar a fundo questões envolvendo a utilização das ferramentas informatizadas que já se vislumbram no horizonte, notadamente as relacionadas ao uso da rede mundial conhecida como “internet”. Essa matéria tem diversos pontos polêmicos e ainda demandará debates em círculos mais autorizados e doutos, notadamente em face da discussão envolvendo guarda de base de dados, direito à privacidade, etc.
Contudo, de se notar que a Lei Federal 8.935/94 determinou em seu artigo 41 que “incumbe aos notários e aos oficiais de registro praticar, independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à organização e execução dos serviços, podendo, ainda, adotar sistemas de computação, microfilmagem, disco ótico e outros meios de reprodução”.
É inevitável – e também desejável – que os processos de arquivamento de dados e recuperação dos mesmos se valham amplamente dos modernos recursos de informática, conforme autorizado no texto acima citado.
Se dúvidas pudessem ainda haver sobre a possibilidade dos notários e registradores adotarem amplamente os indicadores informatizados, tenho para mim que restaram superadas pelo advento da Lei Federal nº 11.419/06, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. Esta lei traz importante regra no seu artigo 16, verbis:
Art. 16. Os livros cartorários e demais repositórios dos órgãos do Poder Judiciário poderão ser gerados e armazenados em meio totalmente eletrônico”.
Será que esta regra aplica-se aos notários e registradores? Tenho que a resposta é afirmativa, porque notários e registradores são “órgãos do Poder Judiciário”, na categoria de “serviços auxiliares”, conforme se depreende do artigo 103-B da Constituição Federal de 1988, parágrafo quarto, inciso III, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já teve oportunidade de enfatizar que notários e registradores exercem função auxiliar do Poder Judiciário[13].
Claro que haverá que se ter todas as cautelas necessárias, até porque, como enfatiza a Consolidação Notarial e Registral do Rio Grande do Sul, “a responsabilidade por qualquer erro ou omissão do fichário será sempre do Oficial”[14]. Além disso, a Lei Federal 8.935/94 elenca entre os deveres dos notários e registradores a adequada guarda e conservação das bases de dados que lhes foram confiadas. Mas Regnoberto M. de Melo Junior, tecendo considerações sobre o indicador real, averba que “na presentânea era da informática, o registrador, profissional do Direito e oficial público, tem critério e maturidade suficientes para manter organização que cumpra os fins do artigo 179: localizar eficazmente o imóvel lançado no serviço imobiliário ao seu encargo”[15]. O mesmo aplica-se sem dúvida ao indicador pessoal.
Há experiências promissoras em andamento, como o ofício eletrônico[16], operado pela Arisp, com link disponível também através do IRIB, na página www.crsec.com.br. Certamente os anos vindouros trarão novidades quanto ao tema, requerendo de notários, registradores e demais estudiosos da área atenção e atualização constantes.
Notas
[1] LOPES, Miguel Maria de Serpa. Tratado dos Registros Públicos, 6º ed. Brasilia: Livraria e Editora Brasilia Jurídica, 1996, v. IV, p. 291.
[2] SILVA, Ulysses da. Direito Imobiliário. O Registro de Imóveis e suas atribuições. A nova caminhada. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2008, p. 101.
[3] A mesma regra está presente na Consolidação Normativa Notarial e Registral do Rio Grande do Sul (Provimento 32/06-CGJ, art. 360).
[4] SILVA, Ulysses da. Direito Imobiliário. O Registro de Imóveis e suas atribuições. A nova caminhada. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2008, p. 104.
[5] DINIZ, Maria Helena. Sistemas de Registros de Imóveis, 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 586.
[6] CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada, 16ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 401.
[7] CARVALHO, Afranio de. Registro de Imóveis, 3ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 1982, p. 369.
[8] MELO Junior, Regnoberto M. de Melo. Lei de Registros Públicos Comentada. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 2003, p. 466.
[9] CARVALHO, Afranio de. Registro de Imóveis, 3ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 1982, p. 370.
[10] Dicionário Eletrônico Houaiss, versão 2.0, verbete “recomendar”. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, s/d. CD-ROM.
[11] SILVA, Ulysses da. Direito Imobiliário. O Registro de Imóveis e suas atribuições. A nova caminhada. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2008, p. 103.
[12] CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada, 16ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 402.
[13] STJ. ROMS 15.315-SP, 3ª T. Rel. o Ministro Ari Pargendler, j. 13/05/2003.
[14] Artigo 362.
[15] MELO Junior, Regnoberto M. de Melo. Lei de Registros Públicos Comentada. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 2003, p. 464.
[16] Para informações sobre o ofício eletrônico, consulte www.arisp.org.br ou www.ofícioeletronico.com.br.
Referências Bibliográficas
CARVALHO, Afranio de. Registro de Imóveis, 3ª ed. Forense : Rio de Janeiro, 1982.
CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada, 16ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
Dicionário Eletrônico Houaiss, versão 2.0. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, s/d. CD-ROM.
DINIZ, Maria Helena. Sistemas de Registros de Imóveis, 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Tratado dos Registros Públicos, 6º ed. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996, v. IV.
MELO Junior, Regnoberto M. de Melo. Lei de Registros Públicos Comentada. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 2003.
SILVA, Ulysses da. Direito Imobiliário. O Registro de Imóveis e suas atribuições. A nova caminhada. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2008.
*Luciano Lopes Passarelli é Oficial de Registro de Imóveis de Batatais-SP. E-mail: [email protected]
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