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APP em área urbana consolidada
Anaiza Helena Malhardes Miranda*


Histórico sobre APP na legislação brasileira – APP e proteção ciliar em área urbana – função ambiental das margens de corpos hídricos em área de ocupação consolidada – conflito de direitos e garantias constitucionais.

1 – INTRODUÇÃO

A aplicação dos limites ambientais trazidos pela alteração do Código Florestal em áreas urbanas, com ocupação consolidada, é hoje um dos grandes desafios do Direito Ambiental, e fonte de discussões diversas.

No Brasil, após quinhentos anos de ocupação, urbana e rural em áreas de várzeas, há apenas vinte anos temos uma legislação ambiental restritiva. A conciliação dessas circunstâncias fáticas com a preparação para o futuro de nossas cidades é uma tarefa instigante para os órgãos ambientais, juristas, advogados, Ministério Público e Poder Judiciário.

Hoje não mais se discute quanto à aplicação ao não do Código Florestal para as áreas urbanas, sendo inafastável sua aplicação. O desafio é outro, se funda na compatibilização do uso do solo urbano, nas áreas urbanas já consolidadas, nos séculos de ocupação do território nacional, com a novel legislação, especialmente em face da constante mutação arquitetônica e urbanística de nossas cidades.

Este estudo propõe uma avaliação dos diversos dispositivos legais que incidem sobre os espaços descritos pelo artigo segundo do Código Florestal, bem como avalia a aplicação dos limites ambientais determinados pelo dispositivo legal.

2 – HISTÓRICO DE NOSSA OCUPAÇÃO URBANA

Segundo a história do urbanismo brasileiro, o mesmo originou-se de práticas oriundas dos povos Ibéricos, para os quais a ocupação dos topos de morro, das áreas ciliares e várzeas era uma situação mais do que normal, e determinada segundo os padrões urbanísticos e sanitários da era medieval e moderna.

A ocupação dos topos de morro era uma constante naqueles povos, sendo indicada como questão de segurança para os antigos grupamentos urbanos, de forma que todas as cidadelas medievais apresentam fortificações em topo de morro.

Nas áreas às margens de rios e lagoas a situação não difere. A constante busca pela água nas atividades domésticas e agrícolas, sempre levaram os povos a buscarem ocupação em locais onde os recursos hídricos eram fartos e mais facilmente captados.

Nos países da Península Ibérica, Portugal e Espanha, onde a cultura moura foi mais difundida, por força dos longos anos de dominação árabe, as questões sanitárias se juntaram às necessidades de captação hídrica. Para esses povos a dispersão de esgoto sanitário nas águas correntes era uma prática salutar, em contraposição às cidades de origem romana e anglo-saxônica, nas quais as ruas possuíam uma única sarjeta ao centro, por onde escorriam os efluentes despejados das moradias, tanto pelas portas quanto pelas janelas, quando não era raro ocorrer o despejo de urinóis e bacias pelas janelas dos sobrados, colhendo algum desatento transeunte na rua abaixo.

Essa falta de cuidado e de respeito com os transeuntes, era prática repugnante aos povos mouros, cônscios de suas responsabilidades coletivas, de maneira que as casas passaram a ser construídas cada vez mais próximas das águas correntes, com as janelas dos fundos voltadas para o rio, e a frente para a rua, de forma a facilitar a dispersão das águas servidas e urinóis.

Dessa forma, as cidades brasileiras, em especial as que receberam maior influência ibérica em sua colonização, promoveram a ocupação do solo com suas casas construídas às margens dos rios, e de costas para eles, escondendo-o da paisagem, reforçando a idéia de insalubridade dos mesmos.

Somente em algumas cidades brasileiras na Região Norte e naquelas que receberam maior influência anglo-saxônica e germânica na sua colonização, se pode verificar a adoção do corpo hídrico como elemento urbanístico, incorporado à paisagem.

Porém, mesmo nessas cidades, se verificava a tendência de margear o corpo hídrico com avenidas e ruas em ambas os lados, não conferindo ao mesmo terreno para movimentação das margens (aluvião e avulsão), situações normais à movimentação de suas águas e seus efeitos sobre as suas laterais.

Aos poucos a impermeabilização do solo, com a implantação de calçamentos e ocupações urbanas, associada ao desmatamento de encostas, passou a produzir sobre as cidades um fluxo anormal de águas, especialmente nos dias de maior pluviosidade. O solo não mais era suficiente para absorver essas águas, que passaram a correr com mais rapidez sobre o solo pavimentado e impermeabilizado urbano. O resultado óbvio dessa conjunção de fatores é a ocorrência cada vez mais catastrófica de enchentes, com mortes e elevados danos patrimoniais a quase todas as cidades, independentemente de serem elas serranas ou situadas em planícies.

A ocupação do solo sem atendimento a padrões de sustentabilidade ambiental específicos para a área, e a adoção de padrões urbanísticos gerais, que não promovem a identificação das particularidades de cada uma das áreas das cidades, associado ao êxodo rural e as pressões habitacionais, leva, cada vez mais, nossas cidades a situações insustentáveis, deixando a população, a cada ano, sujeita às intempéries, sem possibilidade de previsão desses efeitos, que se somam em progressão de danos, a cada nova estação de chuvas.

Esses fatos ainda não eram tomados no âmbito de seus drásticos efeitos, uma vez que era comum aos governos da época atribuírem as catástrofes ambientais à ação exclusiva da natureza.

Recente parecer da Assessoria Jurídica da FEEMA (FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente – Parecer RD nº 04/2007, oriundo da sua Assessoria Jurídica, da lavra do Dr. RAFAEL LIMA DAUDT d’OLIVEIRA, datado de 20 de junho de 2007)  assevera, in verbis:

Pesquisas climatológicas desenvolvidas desde 1960 apontam a triste realidade desta cidade, que enfrenta, sistematicamente, a média de uma catástrofe metereológica por década, cabendo destacar as mais recentes, ocorridas em 1966 (quando apenas 4 horas de temporal causou 100 mortes e milhares de desabrigados, sendo decretado estado de calamidade pública); 1988(que deixou um saldo de 277 mortos e mais 12 mil desabrigados, sendo decretado estado de calamidade pública e computados 303 casos de leptospirose, com 16 vítimas fatais) e a última em 1996( deixando 59 mortos e 1500 desabrigados).

Já em 1989, diante da magnitude do desastre de 1988, destacava-se a questão do uso inadequado do ambiente, especialmente o tropical, onde tem sido regra a falta de sintonia entre a ação antrópica e as leis da natureza. Não obstante tal constatação, até os dias atuais busca-se denominar oportunamente esses graves episódios como
 catástrofes naturais,  atenuando-se a responsabilidade do poder público quanto ao insatisfatório planejamento das cidades e ensejando uma percepção coletiva de que nenhuma medida poderia evitar os danos suportados pelas vítimas desses eventos.”

Dessa forma, ao afastar a ação do homem como um dos reflexos dessas catástrofes, ditas naturais, as legislações da década de 1960/70 passaram a incentivar a ocupação das várzeas e áreas ciliares, não só no meio urbano como no meio rural.

Projetos de governo como o PRO-VARZEA, destinavam recursos financeiros para os agricultores abaterem as matas ciliares para uso da agricultura. Nesses projetos uma parcela era destinada para a aquisição de agrotóxicos e outros insumos químicos para melhoria dos resultados de produção, o que levou à catastrófica situação de contaminação de nossa flora e fauna fluviais com pesticidas, cujos efeitos estamos longe de conhecer, ante a falta de recursos para pesquisas científicas nesse setor.

No meio urbano, inúmeras legislações federais, estaduais e municipais, incentivavam a canalização de rios e, por vezes, atém mesmo o seu capeamento superior, de maneira que as calhas naturais, a título de contenção de movimentação de margens, passaram a segregar cada vez mais os espaços então disponíveis para a progressão do caminho das águas superficiais, de forma que essas canalizações, hoje, em sua maioria assoreadas, não conseguem comportar o fluxo das águas.

Um paradoxo no exame dessas atividades se encontra na justificativa destinada, à época, pela legislação para essas intervenções, indicando que essas obras seriam destinadas a solucionar o problema das enchentes. Hoje vemos que essas intervenções são um dos fatores que mais colaboram com o fenômeno nos meios urbanos.

Os rios capeados com suas margens ocupadas, não possuem área de transbordo para as águas pluviais. Por outro lado, os rios segregados não conseguem suportar a quantidade de águas que findam por correr livres sobre as ruas, impermeabilizadas, acumulando-se nas áreas baixas, e, como conseqüência, provocando mais enchentes.

3 – ÁREAS DE DRENAGEM, FMP e APP – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

As áreas de drenagem de águas superficiais se dividem em dois campos, as drenagens naturais, chamados corpos hídricos e as drenagens artificiais, construídas pelo homem (galerias de águas pluviais, canais artificiais, drenagens de crista, escadas de drenagens, etc.).

É comum confundir-se FMP – Faixa Marginal de Proteção com APP – área de preservação permanente de matas ciliares. As faixas marginais de proteção dizem respeito ao aspecto hidrológico do rio, referindo-se aos espaços que o corpo hídrico necessita para expansão de calha em épocas de cheias acima dos parâmetros históricos de vazão, e espaços de movimentação de margens (aluviões e avulsões) e áreas de transbordo dos rios, que fazem parte da vida do corpo hídrico.

3.1. Das áreas de drenagem naturais

Todos os corpos hídricos são drenagens naturais, calhas estabelecidas pela natureza para o recebimento das águas, quer sejam elas perenes, sazonais ou oriundas do maior índice de chuvas naquele período.

É comum ao homem pensar no corpo hídrico como um elemento estático na natureza, de maneira que desde os mais remotos tempos da humanidade, se busca conter a alteração das margens dos rios. Porém, esquecemos que o rio é um elemento móvel e em permanente mutação na natureza, como o são os vulcões ativos, ilhas e margens de oceano.

Esquecemo-nos de antigas aulas de geografia na qual aprendíamos que os rios mais novos possuem força em suas águas, de maneira que apresentam traçado aproximado de uma linha reta, enquanto os rios mais antigos serpenteiam pelo solo, e a cada ano que passa, suas curvas são aumentadas. Exemplo disso e a vista do alto do Rio Amazonas e do Rio Xingu, o primeiro forte e jovem, com suas margens respeitadas em razão do seu imenso volume de águas; o segundo velho, tracejando belos contornos sobre as suas várzeas recobertas de vegetação, qual grande serpente negra a corta o verdume de suas margens cobertas pela mata ciliar, e de suas várzeas, com a floresta amazônica ao fundo, estabelecendo o contraste espetacular visto nas fotos aéreas do Rio Xingu.

3.2. Das Faixas Marginais de Proteção

A expressão é determinada pela lei, e indica a área livre necessária para o transbordo das águas de uma drenagem natural, nos períodos de maior pluviosidade. A FMP, portanto não se confunde com a área descrita no Código Florestal, que deve ser mantida com mata ciliar, estas destinadas à proteção dos corpos hídricos; tais como os cílios protegem nossos olhos, as matas ciliares protegem os ‘olhos’ das águas, seu espelho, sua calha.

A FMP somente pode ser identificada por meio de sua demarcação, com exame aprofundado do corpo hídrico, suas alterações sazonais, seus fluxos normais e expansivos, probabilidade de alteração do desenho de suas margens.

Portanto, demarcar a FMP de um rio, é demarcar a calha menor e a calha maior do corpo hídrico, estabelecidas segundo a média máxima de maior vazão em determinado tempo, em face de sua vazão mínima nos períodos de estiagem, bem como estabelecer a sua faixa de transbordo excedente e a área de movimentação prevista para o mesmo.

3.3. APP nas margens e entornos de corpos hídricos.

A Área de Preservação Permanente – APP, é a nomenclatura indicada pelo Código Florestal para identificar as áreas que devem ser mantidas com cobertura vegetal.

A Natureza Jurídica da APP – Área de Preservação Permanente, está no próprio Código Florestal, por meio do artigo primeiro, parágrafo segundo, inciso II, quando dispõe:

II – Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos art. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, acessibilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.”  (Grifo não existente no texto original).

As Áreas Preservação Permanente das margens de rios e dos entornos de nascentes, são aquelas compostas pelas matas ciliares, matas protetivas do corpo hídrico, e se fundamentam na necessidade técnica de manutenção da vegetação destinada a garantir seis aspectos protetivos aos mesmos, quais sejam:

1 – garantir a permeabilidade do solo nas margens, de forma a possibilitar a microdrenagem de águas pluviais, e assim diminuir a contribuição de águas à calha dos rios, reduzindo o volume das cheias;

2 – garantir a permeabilidade do solo nas margens, de forma a possibilitar a microdrenagem de águas pluviais, e abastecimento dos lençóis freáticos, e águas subterrâneas, especialmente nas áreas onde os aqüíferos se comunicam com as águas superficiais;

3 – evitar a erosão e o desmoronamento das margens, o alargamento da calha e a conseqüente alteração na profundidade do rio, o que pode levar, em casos extremos, a que o corpo hídrico desapareça, pela ação da evaporação de suas águas, que, correndo por largo espelho de pouca profundidade, fica vulnerável à ação do sol[1];

4 – evitar o assoreamento pelo carreamento de terras para o leito do rio em referência, bem como para os demais que receberão suas águas por afluência;

5 – garantir o choque das águas com a vegetação das margens, assim propiciando a desinfecção de eventuais elementos poluidores, orgânicos, que passam a ter, com o choque, a quebra de suas moléculas, e assim facilitando a despoluição das águas.

6 – manter o fluxo de águas para a bacia de referencia, mantendo os níveis hídricos em todo o complexo hidrológico. A supressão vegetal no entorno de nascentes e microdrenagens, leva à diminuição sistemática da vazão dos corpos hídricos maiores[2];

4 – DEMARCAÇÃO DE FAIXA MARGINAL DE PROTEÇÃO

A Lei Estadual nº 650 de 11 de janeiro de 1983, do Estado do Rio de Janeiro, criou uma obrigação para a SERLA – Superintendência Estadual de Rios e Lagoas, deferindo-lhe prazo de 06 (seis) meses para a realização da demarcação das faixas marginais de proteção em todo o Estado do Rio de Janeiro (art. 3º, parágrafo único), prazo este que restou prorrogado pela Lei Estadual nº 790 de 19.10.1984, para um ano, a partir da data da promulgação da Lei, e há muito vencidos, não tendo o órgão ambiental cumprido com seu mister.

A obrigação é exclusiva da SERLA, não somente porque a legislação estadual assim determina, mas porque foi nesse órgão que o organograma administrativo do Estado aglutinou os expertos no tema e as memórias documentais necessárias à implementação do trabalho.

Nesse ponto, vale uma pequena digressão, a fim de explicar como os padrões técnicos determinam a realização de uma demarcação.

Saber os limites da calha de um rio não é simples. Os cálculos partem das diversas medições pluviométricas em determinado período de tempo, dez anos, vinte anos, trinta anos, etc.

As informações quanto a essas medições se encontram, dentro do Poder Público Estadual, sob a guarda da SERLA, a qual não disponibiliza acesso à pesquisa e consulta desses dados com muita facilidade[3].

A partir desses dados, uma vez delimitado o período de tempo e o trecho examinado, se buscam os valores indicativos da menor e da maior vazão alcançadas pelo referido corpo hídrico naquele período, sendo a partir do ponto de maior cheia que determinará a largura da calha do rio e de cujos limites se iniciará a demarcação da faixa marginal de proteção.

Por exemplo, imaginemos que, para um determinado trecho do rio, o período de tempo pesquisado seja 20 (vinte) anos, sendo a calha do rio fixada em 3 metros no período da mais severa seca verificada nesses vinte anos, e tenha alcançado a largura de 10 metros na maior enchente verificada naquele ponto, nesse mesmo período de tempo. A expressão matemática representativa desse cálculo será:

A partir dessa margem, fixada na maior vazão, se iniciará a demarcação da faixa marginal de proteção, a qual, segundo o Código Florestal, será de, no mínimo, 30 metros para cada margem, medidos, assim, a partir do ponto de maior cheia histórica naquele trecho, nos últimos vinte anos.

Dessa forma, se torna patente que o calculo de FMP somente pode ser feito a partir dos dados históricos de vazão, a qual é calculada pelo Estado do Rio de Janeiro, há décadas, em todos os corpos hídricos do Estado, e esses dados, dentro da estrutura administrativa estadual se encontram arquivados junto a SERLA.

Malgrado a clareza da Lei em determinar que a SERLA realizasse a demarcação das FMP em todo o Estado, e, por obvio, divulgasse esses cálculos, a lei nunca foi cumprida por completo.

Desde a sua criação a SERLA se restringe a demarcar a FMP a partir de requerimento do interessado ou da fiscalização, de maneira que a demarcação não é continua, mas seccionada, e guiada pelos interesses de particulares, e de alguns fiscais.

Raros são os rios do Estado do Rio de Janeiro que se encontram plenamente demarcados, não sendo raros encontrarmos demarcações feitas sem o atendimento à Lei, o que gerou o parecer da Assessoria Jurídica do Estado[4].

A questão, embora complexa, deve ser enfrentada. Não se pode, simplesmente, por meio de duas Portarias administrativas, afastar a aplicação de uma Lei Federal, quanto mais afirmar que não irá ocorrer a revisão das medições e demarcações, realizadas equivocadamente, e fixadas fora das determinações legais.

5 - HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO SOBRE APP – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

A preocupação com a contenção das ocupações em faixas marginais de proteção de rios e lagos, até a ultima década do Século XX, era uma preocupação de poucos, e, não obstante a existência de legislação que visava conter a implantação de construções nas margens dos rios, essas leis eram, simplesmente, a ser desconsideradas pelos Municípios.

5.1. O CÓDIGO DE ÁGUAS

Já em 1934 o Código de Águas[5], timidamente, abraçou parte da questão, ao estipular um faixa de 15 metros de largura a cada margem como área non aedificandi.

Os objetivos do Código de Águas não eram ambientais, mas administrativos, e determinavam a criação de SERVIDÕES DE TRÂNSITO para os agentes da administração pública em 10 metros nos terrenos localizados às margens de correntes não navegáveis ou flutuáveis, e faixa de 15 metros, contados a partir do ponto médio de cheias nos terrenos banhados por correntes navegáveis.

Como se verifica, o objetivo da criação dessas faixas não edificantes nem de longe possuem o condão de proteção ambiental, mas simplesmente de ação administrativa de limpeza dos corpos hídricos, de ações emergenciais, e sanitárias.

Por outro lado, o Código das Águas estabeleceu uma limitação à edificação nesses terrenos, mas não cita a manutenção das matas ciliares nas mesmas.

5.2. OS CÓDIGOS FLORESTAIS DE 1934 E 1965

Coube ao Código Florestal, Lei nº 4.771/65, a disciplina sobre o tema. Desde a primeira legislação sobre o tema (o Código Florestal de 1934) já se tinha a idéia de conservação perene das florestas protetora e as remanescentes, nomenclatura que restou fixada pelo Código Florestal de 1965 como áreas de preservação permanente.

No que tange, especificamente, às matas ciliares, a Lei nº 4.771/65 estipulava metragens de APP bem diferentes das estabelecidas na legislação ambiental atual, sendo a mesma fixada em faixa de 5 metros, para cursos de água de até 10 metros de largura de calha.

É de ser ressaltado que essa faixa de 5 metros vigorou até recente alteração, em 1986, passando para 30 metros no menor índice, ou seja, para rios com largura de até 10 metros[6].

5.3. O CÓDIGO FLORESTAL DE 1965 E A LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO.

Por sua vez a Lei 6.766/79, a Lei de Parcelamento do Solo Urbano, que veio a substituir o famoso Decreto-lei nº 58, entendeu por bem enfrentar a matéria, estabelecendo como área não edificante uma faixa de 15 metros de largura ao longo de todos os corpos hídricos que cortassem terrenos a serem loteados ou objeto de condomínios.

Ao estabelecer essa faixa como livre de edificações a lei de parcelamento de solo urbano repetia os limites do Código de Águas, e ampliava a faixa estabelecida, então pelo Código Florestal.

Não obstante, no período de tempo compreendido entre 1965 e 1979, ou seja, durante 14 (quatorze) anos, a estipulação da largura mínima em cinco metros das faixas marginais de proteção de corpos hídricos, com largura de calha de até 10 metros, levou a adoção da regra em quase todas as legislações urbanísticas brasileiras, e muitos estados e municípios simplesmente não aplicavam a norma da Lei 6.766/79, mas anotavam em suas leis edilícias e urbanísticas, o limite de 5 metros.

Para agravar a situação, no Estado do Rio de Janeiro, a SERLA somente se incumbia dos rios navegáveis e não navegáveis, remetendo os cursos de água, considerados de microdrenagem, à gestão municipal, cuja legislação, não raro, fixava os limites em 5 metros[7].

Para alguns doutrinadores, os limites de 15 metros a cada margem, indicados pela Lei 6.766/79 teria vigido apenas ate o ano de 1986, quando promulgada a Lei 7.511/86, que estabeleceu novos limites ambientais.

Interessante trazer à colação que o artigo quarto, inciso II da Lei 6.766/79, ao criar a faixa non aedificandi de 15 metros ao longo de cada margem dos corpos hídricos, faz ressalva explícita quanto a maiores exigências estabelecidas por legislação específica. Dessa forma, inquestionável a aplicação da norma desde sua edição, e vigente até o presente momento, afastável, tão-somente, em face da aplicação de norma específica ambiental.

É certo que alguns autores sustentam a derrogação do dispositivo da lei de parcelamento do solo urbano (Daniel Roberto Fink e Márcio Silva Pereira,), parecer esse encampado pela FEEMA[8], recentemente, porém a questão merece exame acurado, especialmente em face dos objetos de cada uma das leis.

O Prof. Paulo Affonso Leme Machado[9]  indica ter havido a ampliação do limites de proteção ambiental criados pela Lei 6.766, em razão da alteração legislativa do Código Florestal.

Não parece ser o melhor entendimento. Um parâmetro não se confunde com o outro. Embora tratem de limites de ocupação de margens de rios, o artigo segundo do Código Florestal trata da PRESERVAÇÃO de matas ciliares e demais vegetação em APP, já a Lei 6.766/79 trata, especificamente, de uso do solo para EDIFICAÇÃO urbana.

Os objetos de ambas as leis são diversos: um é ambiental o outro urbanístico. Essas duas ciências, embora com estreita correlação no meio das cidades, não espelham a mesma visão.

A Lei ambiental indica as áreas de interesse ambiental que devam ser protegidas da intervenção humana, preservando-se a vida silvestre e natural nos seus espaços, a preservação dos recursos hídricos, a estabilidade geológica e o fluxo gênico.

A Lei urbanística trata de áreas que não podem sofrer, em hipótese alguma, edificação, dentro dos critérios da engenharia civil, sendo a intenção do diploma legal garantir segurança humana na ocupação dos espaços urbanos, evitando o convívio de pessoas em áreas de instabilidade. São critérios de segurança humana na ocupação do solo, associados à critérios de melhoria da paisagem urbana e da saúde coletiva.  

Ou seja, o Código Florestal trata em preservação das matas ciliares, visando a garantia das funções ambientais dos espaços e vegetação ciliar, conforme já indicado acima; A Lei de Parcelamento do Solo Urbano indica as restrições edilícias nesses espaços, visando a segurança, a saúde social e a harmonia arquitetônica nas ocupações humanas.        

Esse é o entendimento de vários doutrinadores, como Guilherme José Purvin de Figueiredo[10], citando Fernando Alves Correia, a fim de apresentar a distinção entre o Direito Ambiental e o Direito Urbanístico:

O direito urbanístico não tem como fim direto e imediato a proteção do ambiente, mas a fixação de regras jurídicas de uso, ocupação e transformação do território, o que significa que o ‘mobil’ ambiental, embora presente, não constitui a idéia condutora da regra jurídica,e, ao contrario, as normas juridico-ambientais são intrinsecamente preordenadas aos fins de tutela do ambiente.

Em segundo lugar, no que concerne à substancia, há matérias que constituem o núcleo central do direito do ambiente e que, de modo algum, se podem confundir com as do direito urbanístico (proteção da fauna e da flora; prevenção da poluição nas suas diferentes modalidades; a matéria da responsabilidade civil por danos ao ambiente; a matéria do ilícito ambiental, que de índole criminal, que de índole administrativa; o contencioso do direito ambiental; o direito organizatório do ambiente; a matéria do Direito Internacional Público e Privado do Meio Ambiente”
.

Hoje vários pesquisadores e doutrinadores buscam harmonizar a interpretação de ambos Direitos, especialmente quanto a adoção das regras ambientais em áreas urbanas consolidadas, como ocorre no parecer divulgado pela Assessoria Jurídica da FEEMA[11] por força da perda da possibilidade de ocorrência da função ambiental do espaço marginal de corpos hídricos e da vegetação ciliar.

Nesses casos, porém, ainda que se ateste a completa perda da função ambiental, e ainda que se defenda a não aplicação dos limites ambientais, estará em vigor a norma urbanística, que limita a faixa não edificante das margens dos corpos hídricos em 15 metros, na forma do artigo quarto da Lei 6.766/79.

Inexiste, pois, a colidência entre os institutos, vez que os objetos de ambas as leis são diversos. Uma determinada área pode não ter a proteção ambiental, e ainda assim sofrer bloqueios para implantação de obras civis de edificação. Dessa forma, há que se sustentar a plena vigência do artigo quarto, III, da Lei 6.766/79, dentro dos parâmetros urbanísticos atuais.

5.4. A LEI ESTADUAL-RJ 650/83 E A PORTARIA SERLA 324/2003

No Estado do Rio de Janeiro a Lei Estadual nº 650, de 11 de janeiro de 1983, estabeleceu a Política Estadual de defesa e proteção das bacias fluviais e lacustres do Estado do Rio de Janeiro, bem como as medidas de preservação dos mananciais hídricos[12].

A título de proteção do corpo hídrico a referida Lei, especificou as medidas de proteção das FMP – Faixa Marginais de Proteção de corpos hídricos. Porém, demonstrando a pouca influencia das exigências ambientais da época, atrelou à Política Estadual o Projeto de Alinhamento de Rio  (PAR) e o Projeto de Alinhamento de Orla de Lagoa (PAO), pelos quais estimulava obras de interferências nos traçados naturais de rios e de lagoas.

Quanto a fundamentação legal para a demarcação da calhas e margens de rio, no Parágrafo único do artigo terceiro, dispõe a referida Lei Estadual sobre os limites da FMP, a saber:

Parágrafo único – a Faixa Marginal de Proteção (FMP), nos limites da definição contida no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, será demarcada pela Superintendência Estadual de Rios e Lagoas – SERLA, obedecidos os princípio contidos no artigo 1º do Decreto-Lei nº 134, de 16 de junho de 1975, e artigos 2º e 4º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, na largura mínima estabelecida no artigo 14 do Decreto nº 24.643, de 10 de junho de 1934.” (Grifo não existente no texto original).

A atribuição para a demarcação de FMP – faixa Marginal de Proteção dos rios, por força da referida Lei Estadual e do Decreto Estadual nº 2.330 de 08.01.1979, que criou o órgão ambiental, restou deferida à SERLA – Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas, sendo por ela é exercido desde então.

Durante muito tempo a SERLA adotou no Estado do Rio de Janeiro as normas estaduais contidas, especificamente, em Decretos estaduais e em suas portarias, olvidando-se das disposições contidas no próprio texto da Lei Estadual nº 650/83, que textualmente remetia a limitação estabelecida na Lei Federal 4771/65.

Dessa forma, a SERLA determinava a FMP para rios de largura até 10 metros em 15 metros, simplesmente desconsiderando a alteração legislativa implementada ao artigo segundo da Lei 4771/65, que alargou a FMP nos cursos de água menores (até 10 metros de largura) de 5 metros, pára 15 e depois de 15 metros para 30 metros, muito embora o texto do artigo terceiro, Parágrafo único da Lei Estadual nº 650/83 fizesse menção expressa a adoção dos limites estabelecidos pelo Código Florestal, na demarcação dessas áreas pelo órgão estadual.

Após inúmeras cobranças da sociedade civil e do Ministério Publico do Estado do Rio de Janeiro a SERLA abandonou a diretriz anterior, adotando os limites determinados pelo Código Florestal, o que fez por meio da Portaria SERLA nº 324 em 25 de agosto de 2003, a qual define a base legal para estabelecimento da largura mínima da FMP e dá outras providências.

A demora na adoção dos critérios legais federais pela SERLA, perdurou de 1986, quando do Código Florestal recebeu a primeira alteração, até o ano de 2003, quando a lei passou a ser efetivamente adotada pelo órgão ambiental. Nesse período um elevado número de processos administrativos tramitaram junto ao órgão estadual, recebendo demarcação de FMP em 15 metros, e em alguns casos, em parâmetros menores, segundo o texto originário do Código Florestal (5 metros), de maneira que, hoje, a questão deve ser enfrentada.

O equivocado posicionamento do órgão ambiental, a SERLA, originou uma verdadeira confusão administrativa junto aos Municípios do Estado do Rio de Janeiro. Por força de demarcações em limites menores do que estabelecidos pela Lei Federal, vários projetos de parcelamento do solo urbano foram aprovados, em razão da apresentação do projeto de demarcação de FMP aprovado pela SERLA, na largura ali determinada[13].

No parecer jurídico que fundamentou a edição da Portaria SERLA nº 324 em 25 de agosto de 2003[14], decidiu o órgão ambiental por não alterar as Faixas Marginais de Proteção já demarcadas com fulcro no Decreto Estadual, assim justificando o posicionamento:

O Estado do Rio de Janeiro vinha adotando o critério determinado pela Lei Estadual 650 de 11.01.1983, qual seja a largura mínima de 15 metros quando o Ministério Público questionou sua legalidade face ao que determina o Código Florestal.

A rigor, o Código Florestal – norma geral, suspenderia a eficácia da lei estadual conforme preceitua o §2º do art. 25 da CF/88.

Sucede que o entendimento anterior do Estado era pela aplicação da sua legislação por considerar inaplicável o Código Florestal na demarcação de rios, mas sim o Código de Águas. Com efeito, esse diploma legal estabeleceu que os terrenos reservados (FMP) são os que, banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15 (quinze) metros para a terra, contados desde o ponto médio das enchentes ordinárias...

Parece-me, deste modo, que somente a partir da publicação da portaria SERLA precitada, o novo critério pode ser adotado, sob pena de ferir o princípio da segurança das relações jurídicas”
(Drª Anna Luiza Gayoso P.Paraíso – Procuradora do Estado – Assessora Jurídica Chefe da SEMADUR).

Data vênia, não há como sustentar a fundamentação jurídica apresentada no dito parecer. Não foi a Lei Estadual 650/83 que determinou a FMP dos rios menores em 15 metros, mas um decreto estadual. A referida Lei Estadual nº 650 adota, TEXTUALMENTE, os limites determinados pela Lei Federal 4771/65, o Código Florestal, e uma vez alterado este, também está alterado os padrões que deveriam ser adotados pelo Estado do Rio de Janeiro.

Por outro lado, como já dito acima, não já confundir a área non aedificandi estabelecida pelo Código de Águas com a FMP, até mesmo porque o mesmo se destina às águas navegáveis e não navegáveis, e não, especificamente, por exemplo, às pequenas drenagens, como na maioria das situações dos rios com menos de 10 metros de largura de calha.

Como bem salientou a FEEMA em seu parecer jurídico[15], as determinações do Código Florestal são aplicáveis desde a sua edição, e não ficam atrelados à vigência de Portaria Administrativa no âmbito da SERLA.

A razão que objetivou o parecer nos parece mais bem delineado no último parágrafo transcrito, quando a ilustre Procuradora menciona o Princípio da Segurança das Relações Jurídicas, uma das garantias do cidadão, constantes do artigo quinto da CR/88, mas sobre esse tema falarei mais a seguir.

Por fim, mesmo que a Lei Estadual indicasse os limites da servidão administrativa, criada pelo Código de Águas, fosse o parâmetro a ser adotado pela SERLA para a demarcação da FMP, não seria o limite de 15 metros o único indicado, já que o Decreto Federal nº 24.643/34 determina faixa não edificante de 10 (dez) metros para cursos não navegáveis ou flutuáveis, e de 15 (quinze) metros para os cursos navegáveis, não se referido as microdrenagens.

Assim, fixar 15 metros, para  toda a qualquer demarcação, também estaria  contrária às disposições da legislação aduzida.

6 – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – APP e OCUPAÇÃO URBANA CONSOLIDADA

Por todo o histórico apresentado até o presente momento denota-se que a grande dificuldade do operador do Direito e aglutinar a aplicação da legislação ambiental, que a partir de 1986 expandiu para 30 metros de largura os limites mínimos para as faixas marginais de proteção, quando todo o histórico da ocupação urbana no Brasil determinou a ocupação sistemática das áreas topo de morro e áreas de várzea, inclusive incentivando as correções de traçado, canalizações e capeamentos de corpos hídricos.

Muitas dessas intervenções nos corpos hídricos não somente eram estimuladas pela Lei, como eram realizadas pelo próprio Poder Público, havendo na União e em alguns estados, como no Rio de Janeiro, em diversas épocas, órgãos específicos para patrocinar e efetivar essas intervenções.

Quinhentos anos de ocupação, urbana e rural em áreas de várzeas, contra vinte anos de legislação ambiental restritiva! Uma tarefa instigante para os órgãos ambientais, juristas, advogados, Ministério Público e Poder Judiciário.

Como já dito acima, hoje não mais se discute quanto à aplicação ao não do Código Florestal para as áreas urbanas, sendo inafastável sua aplicação.

O desafio, hoje é outro, como compatibilizar o uso do solo urbano, nas áreas consolidadas, nos séculos de ocupação do território nacional com a novel legislação, especialmente em face da constante mutação arquitetônica e urbanística de nossas cidades.

O artigo segundo do Código Florestal, em seu parágrafo único dispõe que “no caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípio e limites a que se refere este artigo”.

A leitura do texto indica que a aplicação dos limites ambientais estabelecidos para o meio urbano, o qual, na forma de piso básico ambiental, deve ser observado pelas legislações estaduais e municipais, segundo o sistema constitucional de fixação da competência legislativa para as matérias ambientais.

Dentro das cidades há que se identificar quais são as áreas livres (silvestres), as áreas rurais, e as áreas de ocupação urbana consolidada. Guilherme José Purvin de Figueiredo assevera em sua obra que o “território municipal pode ser subdividido em zonas urbanas, urbanizáveis, de expansão urbana e rural. A conceituação de área ou zona urbana sempre foi uma questão tormentosa, sendo conhecida a regra fixada pelo art. 32, §1º do Código Tributário que, para efeitos do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) considera como tal a definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

            I – meio fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

            II – abastecimento de água;

            III – sistema de esgotos sanitários;

            IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; e

            V – escola primária ou posto de saúde a uma distancia máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.”

Prosseguindo no exame legal das áreas de ocupação consolidada, a Resolução CONAMA nº 302/2002, por sua vez, a classifica como aquela que atende a alguns requisitos, quais sejam:

            “a) definição legal pelo poder público;

             b) existência de, no mínimo, quatro dos seguintes equipamentos de infra-estrutura urbana:

            1. malha viária com canalização de águas pluviais;

            2. rede de abastecimento de água;

            3. rede de esgoto;

            4 – distribuição de energia elétrica e iluminação pública;

            5. recolhimento de resíduos sólidos urbanos;

            6. tratamento de resíduos sólidos urbanos; e

             c) densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por Km².”

Recente posicionamento da ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, com assento na Assessoria Jurídica da Gerência Rio de Janeiro do IBAMA[16] , entende que a aplicação do Código Florestal se dá pela geomorfologia da área, indicando critérios do princípio da razoabilidade no exame caso a caso, segundo a melhor solução para o meio ambiente, para as áreas de ocupação consolidada.

Indica o Parecer da Advocacia Geral da União, acima referido, em suas conclusões, in verbis:

6.5 Nas áreas urbanas onde a ocupação não está consolidada é imperativa a obediência aos dispositivos do Código Florestal. Já nas áreas onde a ocupação é consolidada, deve-se aplicar o princípio da razoabilidade para ponderar qual é a melhor solução para o meio ambiente e para os cidadãos’
Alessandro Q. Machado, Procurador Chefe do IBAMA/RJ em Parecer da Advocacia Geral da União de 06.08.2007 – Procuradoria – Geral Federal – Procuradoria Federal Especializada junto ao Ibama, referente ao Processo Administrativo nº 02022.000671/2006 – Interessado DIJUR/RJ – Assunto: Aplicação do Art. 2º do Código Florestal em Área Urbana, pág. 32. (Grifo não existente no texto original).

No corpo do parecer afirma o IBAMA, que a alteração dos limites ambientais trazidos pela Lei 4771/65, alterados em 11 de janeiro de 1986, não  indica a imediata necessidade de desfazimento de todas as obras urbanas implantadas ao longo dos anos nessas áreas, porem, uma vez que seu proprietário pretenda o seu desfazimento, com a demolição das edificações existentes no local, nenhuma outra pode ser construída, devendo a área de APP ser revegetada e entregue à proteção ambiental.

Em socorro a essas conclusões, o referido parecer traz em socorro as conclusões da Procuradora Municipal de Porto Alegre, Drª VANESCA BUZELATO PRESTES[17], in verbis:

Na hipótese de já existir edificação, a modificação do projeto (reciclagem de uso ou reforma) deve respeitar o limite da construção já erigida, não permitindo ampliação para dentro da APP. Já na hipótese de derrubada da edificação pré-existente para a construção de nova edificação devem ser respeitados os limites previstos pelo Código Florestal atual.”

A afirmação do IBAMA contradiz a conclusão do próprio parecer que dá como indicação interpretativa do caso concreto a adoção do Principio da Razoabilidade.

A questão fática é lógica. Afastada as circunstâncias de acidente no local, uma construção consolidada somente é desfeita para implantação de novo projeto no local, de maneira que, a nova implantação deve ser analisada segundo o principio da razoabilidade em cotejo com o interesse ambiental na área, como reza a conclusão 6.5 do aludido parecer.

A adoção dos limites estabelecidos pelo artigo segundo do Código Florestal sem o exame do Princípio da Razoabilidade levará a verdadeiros absurdos urbanísticos, especialmente em áreas com ocupação humana urbana anteriores a alteração legislativa do próprio dispositivo citado, qual seja o ano de 1986.

Na maioria das cidades, as ocupações tradicionais urbanas se encontram em topos de morro ou vár



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