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REVISTA CONSTRUÇÃO MERCADO – outubro de 2007

Fronteira imobiliária

Presidente da associação de loteadores explica como a Nova Lei de Responsabilidade Territorial pode colocar ordem no setor


"Vamos chegar numa equação em que o consumidor não seja penalizado quando não tiver condições de comprar o lote e que o empreendedor não tenha prejuízo" Luiz Eduardo de Oliveira Camargo

O setor de loteamentos vivia relegado ao status de primo pobre da construção civil. Sem linhas de financiamento, nem mesmo com os recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), os loteadores ainda sofrem a interferência direta de órgãos municipais, estaduais e federais no processo de licenciamento ambiental e urbanístico dos empreendimentos. Sem contar a falta de investimento em infra-estrutura de saneamento básico por parte das administrações públicas e seus concessionários. Mas esse cenário começa a mudar com a introdução de sistemas de securitização e de linhas de crédito recentemente lançadas, embora a juros pouco convidativos. Luiz Eduardo de Oliveira Camargo, presidente da Aelo (Associação das Empresas de Loteamentos e Desenvolvimento Urbano do Estado de São Paulo) comenta o interesse das instituições financeiras pelo setor, as adaptações necessárias na legislação e o que deve mudar se houver aprovação do projeto de lei 3.057/00, que revisa a Lei de Parcelamento do Solo (6.766/79). Denominado Nova Lei de Responsabilidade Territorial, o texto apresenta maiores responsabilidades do empreendedor e do Poder Público na implantação e manutenção de infra-estrutura, simplifica o processo de aprovação do projeto de loteamento, estabelece normas específicas para a regularização fundiária e compatibiliza os loteamentos com a legislação ambiental.

A Nova Lei de Responsabilidade Territorial, que revisa a atual Lei de Parcelamento de Solo, tenta resolver, entre outras coisas, as questões da especulação imobiliária e da devolução de lotes. Qual a perspectiva de mudanças com a aprovação desse projeto?

Hoje temos basicamente dois regramentos para a retomada de um lote por inadimplência do consumidor. A Lei 6.766/79 determina que não precisa devolver tudo e o Código de Defesa do Consumidor fala que o comprador não pode perder tudo. E por causa disso os tribunais estão lotados de ações. Então, estamos tentando uma solução e acho que está bem encaminhada, porque pessoas do Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) e do Ministério da Justiça estão trabalhando fortemente nisso. Acredito que vamos chegar numa equação que deixe todos satisfeitos, de modo que o consumidor não seja penalizado quando não tiver condições de comprar o lote, e que o empreendedor não tenha prejuízo. E temos de prestar atenção no seguinte: não podemos incentivar o especulador. Veja, uma pessoa pode comprar 15 lotes em vários loteamentos. Ele fica com os lotes daquele loteamento que foi um sucesso imediato de venda e que teve valorização de preço. Aquele lote que por alguma razão não teve resultado financeiro tão bom, ele devolve. É óbvio que quando alguém ganha o outro perde. Então, você vai instituir o investidor de lote, o que é ruim para o setor porque vai causar prejuízos e a quebra de muitas empresas. Então essa questão está sendo tratada de uma forma boa.

Quais outros aspectos estão sendo atualizados nesse projeto?

Há vários detalhes, como a questão dos registros do loteamento e a função do loteador. A empresa loteadora, principalmente no Estado de São Paulo, na maioria dos casos não é loteadora de direito e de fato. O loteador tem de ser o proprietário da gleba, e a maioria dos empreendimentos são feitos em parceria. Isso traz conseqüências legais e de responsabilidades civis e criminais que não incumbiriam à loteadora e sim ao proprietário da gleba. Então há uma proposta para que isso seja resolvido.

Outra polêmica é a falta de entendimento quanto à questão do loteamento fechado.

Eu não gosto dessa expressão, prefiro loteamento com controle de acesso. Não podemos ignorar a situação gravíssima que o País vive em relação à segurança pública. Hoje não se tem segurança em qualquer lugar do Brasil, e o direito à vida não pode ser negado. Se existe uma forma de proteção pelos loteamentos de acesso controlado, essa solução deve ser seguida.

Mas normalmente essa solução é adotada em loteamentos para as classes média e alta.

Não é verdade, os loteamentos populares são os que mais buscam proteção. E é fácil de entender. As pessoas mais ricas saem e deixam o empregado, o caseiro ou o segurança na casa. A pessoa mais simples às vezes deixa seu filho pequeno que fica sozinho em casa, além de todo o patrimônio. Então temos tido uma demanda muito forte, principalmente das classes populares, por segurança. Isso tem sido algo marcante. Hoje não há um embasamento legal para essa questão, mas como há questionamentos, estamos propondo que o projeto de lei 3057 trate desse assunto. Não podemos deixar passar a oportunidade de tratar do loteamento controlado. Importante ressaltar que a gente propõe de forma clara que deverá ser assegurado o direito de ir e vir de todo cidadão. Não estamos propondo em hipótese alguma que as áreas internas do loteamento sejam privatizadas. Queremos é ter segurança, mas as ruas e áreas verdes continuam públicas, não tem nada fechado.

E como fica a questão dos condomínios murados?

Não há que se falar murado, porque os lotes são fechados pelo comprador da casa ou pelo empreendedor que faz o fechamento perimetral. A questão é o acesso. Não defendemos essas portarias que têm barreiras físicas. Até podemos imaginar que tenha, para se saber quem está entrando. O que defendemos são portarias que tenham formas de se controlar a entrada, que não precisa ser uma barreira física. Pode ser que tenha uma cancela, uma porta ou o que quer que seja, mas há formas menos agressivas de ter isso. Por exemplo, uma câmera de vigilância, um sistema de rádio ou de telefonia ligando as casas à portaria. Acho que isso é mais eficiente e menos agressivo às pessoas, porque o direito de ir e vir deve ser assegurado a todos.

A responsabilidade de implantação e manutenção da infra-estrutura para o empreendedor, administração pública e concessionárias está bem definida?

Eu diria que está bem definida, mas nesse projeto de lei está se tentando definir com mais clareza as atribuições do empreendedor e das concessionárias.

Por quê?

Porque existe certa confusão. Pela legislação, pode-se chegar ao absurdo de querer fazer um loteamento e a concessionária alegar que tem de fazer um reforço de rede e buscar essa energia, por exemplo, em Itaipu, e o loteador tem de pagar isso para ele. Lógico que é um absurdo, mas pela legislação isso é possível.

Isso já aconteceu?

Não aconteceu até hoje, mas pode acontecer. Então, estamos propondo nesse projeto de lei que as concessionárias forneçam água, luz e esgoto na porta do loteamento. Dali para diante o empreendedor faz, mas até a porta as concessionárias devem trazer.

Os desentendimentos relacionados à Sabesp ainda são significativos?

Apesar da extrema boa vontade do presidente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e de sua equipe, esse é o pior órgão que os loteadores enfrentam, desde as diretrizes até a entrega das obras. Isso está sendo tratado e equacionado e acho que logo vamos ter uma solução.

Qual é o principal problema?

A Sabesp não traz água, manda o loteador ir buscar. Sem esgoto, o loteador faz uma estação de tratamento, paga os custos da estação e faz a manutenção. Com um detalhe: a Sabesp cobra. Alguma coisa está errada, primeiro porque o loteador não pode operar, depois, ele opera e a Sabesp é que recebe. Mas veja, é óbvio que o custo desse problema é repassado para o comprador, o que acaba onerando o preço do lote.

A situação é a mesma para o fornecimento de energia elétrica?

Esse é um problema muito sério, porque fazemos as redes, muitas vezes pagamos reforços de rede e isso tem custos absurdos. Só num país como o nosso, onde ninguém respeita o ordenamento jurídico, somos obrigados a doar as redes para as concessionárias.

O loteador faz a rede, doa e a concessionária ganha dinheiro com isso?

Existe um regulamento da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) que obriga o loteador a doar a rede para a concessionária sem qualquer custo. E o pior: tem concessionária cobrando da população uma tarifa desse custo. Está ocorrendo uma investigação no Mato Grosso do Sul sobre isso. O projeto de lei está tratando dessa questão também.

A parceria entre construtoras e loteadoras seria uma forma viável de alavancar esse setor?

Esse processo está começando. Existia certo distanciamento entre loteadores e construtores e hoje está havendo uma aproximação maior. Há até megagrupos que estão atuando como loteadores e construtores, muitos até estão fazendo loteamento para ter matéria-prima para suas construções. É cedo para dizer que há uma tendência, mas nota-se um movimento do mercado nesse sentido.

A entrada das construtoras no mercado financeiro deve acelerar esse processo, já que têm de produzir muito porque estão capitalizadas?

Com certeza, porque isso vai trazer muito dinheiro. O setor não é carente de dinheiro, está saudável, mas uma injeção forte de recursos como essa seguramente vai trazer um dinamismo muito bom para o setor.

Quais as condições de obtenção de crédito hoje para a produção de loteamentos?

São muito específicas, mas hoje está melhor que dois ou três anos atrás, quando não havia nenhuma linha de financiamento. Existem algumas empresas securitizadoras e um ou dois bancos trabalhando para esse setor. As taxas não são convidativas porque a fonte de recurso é a tesouraria ou aplicação DI [depósito interfinanceiro], mas a tendência é que isso melhore.

Quais as perspectivas para liberação de recursos do FGTS e SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) para a produção de loteamentos?

Não se vê nenhuma iniciativa nessa direção além do PL 3057. Propusemos uma alteração na lei para que os loteadores e os compradores possam usar recursos do FGTS para a obtenção de recursos de mais longo prazo e com taxas de juros menores. O comprador teria vantagens enormes nesse aspecto.

Esses seriam os dois recursos possíveis para a produção? Uma parcela não poderia vir do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador)?

Há cerca de quatro anos tivemos algumas conversas com o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], depois não voltamos mais porque sentimos que é um banco que tem vocação industrial. O BNDES tem muito dinheiro e recurso, já trabalhamos isso e não conseguimos ir para a frente. Mas não esquecemos, só estamos aguardando uma oportunidade melhor.

A introdução dos sistemas de securitização nesse mercado é viável?

As empresas securitizadoras foram grandes parceiras desde o primeiro momento. De uns cinco anos para cá temos procurado as securitizadoras, que nos abriram as portas e perceberam o gigantismo desse setor. Produzimos no Estado de São Paulo algo em torno de 120 mil lotes por ano e o Brasil produz mais um tanto. Então, estamos falando de um mercado de 240 mil lotes por ano, não é um mercado para ser ignorado por ninguém. Eu diria que hoje eles têm produtos interessantes tanto para financiar a produção como para financiar o comprador. Os juros ainda são um pouco altos, mas acho que isso vai melhorar. Algumas empresas que já trabalham em parceria com securitizadoras estão contentes com a agilidade e transparência dessas empresas.

Como as loteadoras devem se preparar para acessar esse mercado?

Existe um instrumental jurídico e técnico que precisa ser adequado. Todos precisam falar a mesma linguagem e estamos trabalhando nisso. Já existem muitos produtos prontos, mas é um trabalho contínuo. Conforme as securitizadoras vão aparecendo, nós nos reunimos e preparamos instrumental jurídico para trabalhar, porque o loteador tem de estar pronto do começo ao fim. Se ele lança um empreendimento sem ter pensado na securitização, vai ter dificuldades depois. O lançamento tem de estar atrelado à securitizadora.

O senhor se refere a uma padronização dos contratos quando diz que o instrumental jurídico precisa ser adequado?

É um dos exemplos. A Aelo, junto com o Secovi (Sindicato da Habitação) e o SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo) têm um grupo de trabalho que trata disso. Num primeiro momento acertamos com os registradores de cartório como a Anoreg (Associação dos Notários e Registradores do Brasil), e mais recentemente o IRIB (Instituto de Registro Imobiliário do Brasil) também aderiu ao grupo de trabalho. Nós tínhamos muitos problemas com os registradores. Com esse grupo de trabalho e o desenvolvimento de uma minuta padrão, essa dificuldade praticamente foi superada. Com essa novidade das securitizadoras, estamos trabalhando e aguardando ainda duas ou três regulamentações que não dependem de nós para a finalização de uma minuta padrão.

As leis ambientais hoje atendem o setor?

Não temos uma legislação ambiental que atenda a área urbana. A legislação foi feita para atender o campo e próximo a 2002 foi inserido um parágrafo determinando que a lei valia para todo o País. Obviamente traz características rurais que impossibilitam sua aplicação na área urbana. O equacionamento da questão ambiental é um dos pontos nervosos do PL 3057. É uma questão polêmica que precisa ser vista com cuidado porque a responsabilidade dos loteadores é muito grande. Então é preciso cautela no trato ambiental e precisamos de parâmetros ditos pelos técnicos especialistas em meio ambiente, que se traduzam num melhor projeto ambiental. Os ambientalistas de fato precisam ser ouvidos com cuidado e atenção, no momento não podemos deixar passar essa responsabilidade.

Os loteamentos clandestinos ainda atravancam o desenvolvimento do setor? Como anda essa questão?

O loteamento clandestino é aquela ocupação que não teve nenhuma aprovação. Hoje, quem promove esse tipo de ação, dificilmente tem alguma punição. O PL trata dessa questão e visa a punição severa não só de quem promoveu essa ocupação mas também para o agente público que foi omisso. É uma concorrência desleal e predatória. O loteador regular leva anos para conseguir a aprovação do loteamento, além de ser obrigado a fazer rede de água, coleta e destinação de esgoto, pavimentação, iluminação, guia sarjeta, drenagem e arborização. O loteador tem custo maior que aquele que nem sempre é proprietário da área, abre as ruas com uma máquina e sai vendendo os lotes. Tentamos resolver essa questão com um selo de regularidade de aprovação para o público distinguir o que está regular do que não está. Temos convênio com Procons, Secretaria da Habitação, Graprohab (Grupo de Análise de Projetos Habitacionais), Creci (Conselho Regional dos Corretores de Imóveis) e Secovi.

Quem certifica esse empreendimento?

Uma comissão independente. Qualquer empreendedor, mesmo que não seja associado à Aelo, pode ter seu selo de regularidade e aprovação.

(Revista Construção mercado nº 75, seção Entrevistas, outubro de 2007)



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