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Direito Registral Imobiliário – Diálogo entre magistrados e registradores: repercussão do registro na atividade judiciária


Desembargadores Marcus Vinícius dos Santos e Gilberto Passos de Freitas

A parceria entre a Escola Paulista de Magistratura, EPM, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, CGJSP e o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, IRIB, teve como objetivo levar aos magistrados e aos registradores imobiliários informações sobre os aspectos das atividades dos registradores que repercutem na atividade judiciária.

Doutores Marco Antônio Muscari, Ricardo Dip, Vicente Amadei, Sérgio Jacomino, Patrícia Ferraz, Narciso Orlandi Neto, Flauzilino A. Santos e George Takeda

Participaram da abertura do encontro o desembargador Gilberto Passos de Freitas, corregedor-geral da Justiça do Estado de São Paulo; o desembargador Marcus Vinícius dos Santos Andrade, diretor da Escola Paulista de Magistratura; e o doutor George Takeda, vice-presidente do Irib/SP e registrador imobiliário em São Paulo, capital.

Proferiram palestras o desembargador Ricardo Dip, do Tribunal de Justiça de São Paulo; Narciso Orlandi Neto, advogado, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo; Sérgio Jacomino, diretor do Irib e registrador em São Paulo, capital; e Patrícia André de Camargo Ferraz, diretora do Irib e registradora de imóveis, de Diadema, SP, que, juntamente com os juízes Marco Antônio Botto Muscari, da CGJSP, e Tânia Mara Ahualli, professora da EPM foram os coordenadores do evento, realizado no último dia 3 de agosto.

Prestigiaram e participaram do encontro o juiz Marcelo Martins Berthe, titular da primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo; o juiz auxiliar da CGJSP Vicente de Abreu Amadei; o juiz Venício Antonio de Paula Salles, do Tribunal de Justiça de São Paulo; o presidente do Irib Helvécio Duia Castello, e o presidente da Arisp Flauzilino Araújo dos Santos.

Os desembargadores Gilberto Passos e Marcus Vinícius deram início aos trabalhos, cumprimentando os presentes. George Takeda lembrou o objetivo comum do encontro, “alcançar a segurança jurídica”.

Doutores Tânia Ahualli,  Venício Antonio de Paula Salles, George Takeda, Marco Antônio Muscari e Patrícia Ferraz

Qualificação registral e autonomia do registrador

O primeiro palestrante do diálogo entre magistrados e registradores foi o desembargador Ricardo Dip, que iniciou sua exposição com um paralelo entre a qualificação registral nos anos 1930 e nos anos 1990, observando que quase nada mudou. “Qualificação registral é algo que diz respeito à potência de alguma coisa, essa alguma coisa é o título, em órgão ou fim, esse fim é o registro”.

O desembargador ressaltou que a sentença de um juiz e a qualificação feita por um registrador têm em comum o fato de que são decisões de prudência jurídica. “A prudência é uma virtude. Não se trata de uma busca de conclusão necessariamente de toque universal, mas na dimensão de uma realidade particular, para saber como agir”.

A autonomia do registrador provocou discussão na platéia. Segundo o palestrante, “o registrador tem liberdade no momento de decidir se deve ou não registrar o título, no entanto, tem de acatar as ordens do juiz, na última instância”.

Sérgio Jacomino lembrou que no caso de uma ordem judicial de penhora, por exemplo, deveriam ser convocadas todas as partes envolvidas no processo, uma vez que um terceiro pode ser prejudicado e cabe ao registrador informar e dar garantia jurídica a esse processo.

O desembargador Ricardo Dip concordou e complementou que o registrador tem sob sua custódia a propriedade imobiliária daqueles que vão ao registro em busca de proteção. “Ao proteger a propriedade imobiliária privada, o registrador garante nossa liberdade concreta até mesmo em face do Estado. O registrador tem uma função que deve ser exercida com o máximo de consciência e à altura do cargo que exerce. Ele, de fato, defende nossa liberdade concreta”.

No entanto, George Takeda informou que em muitos casos, o juiz não aceita a recusa do registrador, que é obrigado a executar a ordem sob pena de prisão.

O palestrante reconheceu a necessidade de melhorar a comunicação e o entendimento entre juízes e registradores e sugeriu a criação de uma justiça registral.

Caráter jurisdicional à justiça registral

Em entrevista ao Boletim Eletrônico do IRIB, o desembargador Ricardo Dip explicou o que seria essa solução. “Justiça registral é o conjunto de atividades de caráter administrativo, ou seja, não há coisa julgada a respeito das decisões dessa justiça registral. Minha proposta, que ainda precisa ser muito estudada e debatida, é que se dê caráter jurisdicional à justiça registral, criando um mecanismo normativo para que a justiça registral adquira essa jurisdicionalidade, que é da soberania própria do poder Judiciário”.

George Takeda entende que quando o terceiro não é parte no processo de uma decisão jurisdicional ele não pode ser prejudicado. “O registrador deveria poder examinar o caso e alertar o juiz de que aquela decisão não pode afetar o direito de um terceiro que não faz parte do processo. A legislação deve ter uma regra mais precisa a respeito do que o registrador pode ou não fazer”.

Para o juiz Marcelo Berthe, a criação de uma justiça registral é tormentosa. “É muito difícil solucionar esse confronto que se dá entre as ordens judiciais e a qualificação do registrador. Sobre a solução proposta pelo doutor Ricardo Dip, eu precisaria refletir mais. É certo que alguma coisa precisa ser feita”.

Regularização fundiária e formalização da propriedade

Patrícia Ferraz falou sobre regularização fundiária e a necessidade de o Brasil adotar o termo o termo formalização da propriedade, a exemplo de outros países do mundo. “Somente com seu imóvel legalizado, o cidadão será inserido na economia formal”, destacou. Ela defendeu a formalização da propriedade não apenas como instrumento de garantia de acesso à moradia e de segurança da posse, mas principalmente como instrumento de fomento ao desenvolvimento econômico e, também, como instrumento valioso de combate à pobreza. “A garantia do acesso à moradia está prevista na Constituição federal. É inegável que devemos trabalhar para dar condições de vida mais dignas para a população de baixa renda”.

As pessoas precisam receber títulos de propriedade para dá-los em garantia real, obter crédito no mercado formal com juros mais baixos e, conseqüentemente, alcançarem condições de mudar de patamar socioeconômico. Só assim poderemos promover o desenvolvimento econômico do país de forma sustentada.”

Questionada sobre a eficácia da usucapião coletiva, Patrícia Ferraz declarou que considera a ferramenta eficaz, contudo receia a não-efetividade de garantia de propriedade dada ao cidadão. “É próprio do ser humano querer ser dono de seu imóvel, o direito à habitação está na  Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. XXV, 1). A usucapião coletiva é um instrumento que garante tão-somente a regularização da terra”, disse. “No entanto, é preciso parcelar, registrar, abrir matrícula para cada imóvel e conferir o respectivo título de cada um. Só assim o cidadão será proprietário e poderá capitalizar isso a seu favor.”

Segundo Patrícia Ferraz, dois terços das áreas urbanas e rurais do Brasil são irregulares e o número de imóveis nessas condições chega a 12 milhões. Como diminuir esse índice? “É preciso vontade política e uma ação conjunta entre Legislativo, Judiciário, registradores e Administração pública. É preciso entender que regularização fundiária não é somente parcelamento do solo, temos de dar segurança jurídica e só o registro garante isso. Cabe às outras esferas prevenir e punir para que não surjam mais áreas irregulares no Brasil.”

A complexa questão dos emolumentos

Antes de abordar seu tema – emolumentos – Narciso Orlandi Neto falou sobre o regime jurídico a que estão submetidos registradores e tabeliães.

O palestrante lembrou que o artigo 236 da Constituição federal especifica que se trata de uma atividade pública prestada em caráter privado. “Embora o parágrafo primeiro cometa a fiscalização do serviço de notários e oficiais de registro ao poder Judiciário, a Constituição não estabelece nenhum vínculo empregatício entre eles. A CGJSP foi pioneira em decidir que não há hierarquia nos tabelionatos e cartórios de registros”, observou.

O parágrafo segundo do artigo 236 da Constituição federal estabelece que esses profissionais têm direito a emolumentos pelos atos que praticam. A lei 8.935/94, que regulamentou o artigo 236, diz que não há interferência do Estado na administração dos cartórios. No entanto, o artigo 22 estabelece a responsabilidade civil pelos atos que os titulares e seus prepostos praticarem. E o artigo 28 da lei 8.935 repetiu o direito aos emolumentos pelos atos praticados”.

Narciso Orlandi Neto falou também da legislação que garante a isenção de taxas para os estados, o poder público, os municípios e suas autarquias.

Embora alertasse para eventuais abusos na cobrança de taxas por parte de alguns cartórios, o palestrante observou que há uma idéia errada e generalizada no sentido de que o oficial registrador e o tabelião ganham muito dinheiro porque os emolumentos são altos. “Essa é uma falsa impressão, uma vez que há milhares de cartórios no Brasil e nem todos praticam dezenas de atos todos os dias. É muito difícil convencer o legislador da necessidade de se estipular emolumentos justos para cada ato.”

Talvez a corregedoria pudesse disciplinar e eliminar os acúmulos, corrigindo o que está errado”, sugeriu. “O cidadão imagina que o valor total que paga pelo ato vai para o bolso do registrador. Ele ignora que boa parte desse valor vai para o Estado, para o Tribunal de Justiça, para o fundo de remuneração dos atos do registro civil, para a carteira das serventias não oficializadas, e que com a parte que lhe cabe o oficial ainda deve manter a infra-estrutura do cartório, pagar funcionários e impostos, comprar materiais, computadores e outros itens e serviços”.

Reforma da lei cabe ao Executivo

Segundo o juiz Vicente de Abreu Amadei, cabe ao poder Executivo avaliar a iniciativa de um projeto de lei para reformar a lei de emolumentos. “O tema foi muito bem abordado e é relevante tanto para registradores como para juízes e para a doutrina em geral. O papel do poder Judiciário é fiscalizar a atividade e, nessa fiscalização, existe a preocupação com o binômio da continuidade do serviço e de sua regularidade. Por isso, no que diz respeito aos emolumentos, é atribuição do poder Judiciário, por meio da CGJ, comunicar à secretaria da Justiça os entendimentos divergentes em torno do assunto e como a CGJ tem solucionado essas questões para o aperfeiçoamento da lei de emolumentos. E isso temos feito”, declarou.

Segurança jurídica, efetividade do processo e o registro de imóveis

Esse foi o tema da palestra de Sérgio Jacomino, que encerrou o encontro entre magistrados e registradores. Ele comentou as alterações no Código de Processo Civil e destacou a idéia dos legisladores de dar mais eficácia às decisões judiciais.

Parece que o legislador de 2002 recolheu, da tradição dos tratadistas, expressões que fizeram fortuna no nosso meio e que aparentemente estavam esquecidas nos debates sobre processo civil, como por exemplo, a expressão de um tratado de registros públicos, de 1939, que é de uma presunção absoluta: “a inscrição prova o estado de má-fé na aquisição”. Terá sido coincidência ou será que as palavras têm vida própria e acabam por adquirir uma consistência que ultrapassa os tempos, inspirando inadvertidamente os processualistas e aqueles que estão encarregados de fazer a reforma no Código de Processo Civil?”.

A Lei de Registros Públicos, em vigor desde 1976, já previa tudo o que as reformas do CPC acabaram de consagrar” assegurou Jacomino. “É como se a LRP não tivesse sido lida atentamente por aqueles que atuavam no processo. Temos uma suspeita de que o processo civil foi discutido à luz de referências da doutrina italiana, na qual o registro imobiliário não desempenha seu completo papel como na Espanha, Áustria, Suíça e Portugal. A questão do registro foi deixada de lado e não foi valorizada. Essa exacerbada discussão formal tomou corpo, desconsiderando-se o que os regulamentos de registros públicos já previam como solução para a questão tormentosa da fraude. A inteligência não é um atributo da contemporaneidade, essas coisas estavam ditas lá atrás”.

Diálogo pode gerar fórum aberto de discussões

Finalmente, o juiz Marco Antonio Botto Muscari avaliou o resultado do encontro Diálogo entre magistrados e registradores. “Após tantas horas de atividade podemos concluir que o evento foi um absoluto sucesso. Conseguimos estabelecer um diálogo muito profícuo que envolveu as ricas experiências da magistratura e dos registradores. Já estamos pensando numa periodicidade mensal para um fórum aberto de discussões entre juízes e registradores. Estou muito satisfeito e só tenho a agradecer às três entidades que organizaram o evento”.

Imagens do  Diálogo entre magistrados e registradores

Todas:  http://www.flickr.com/photos/iacominvs/sets/72157601314660433/



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