BE3022

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Processo e Registro

A averbação do ajuizamento da execução no registro de imóveis
Reflexos da alteração do cpc pela lei 11.382/06.
Kioitsi Chicuta*


Desembargador Kioitsi Chicuta

Sumário: 1. Introdução1. Introdução. 2. Responsabilidade patrimonial e técnica de sub-rogação. Fraude de execução. 3. Justificativas para a publicidade do mero ajuizamento da ação. 4. Objetivos perseguidos pela alteração ao permitir averbação da execução no álbum imobiliário. 5. Averbação cautelar da execução. 6. Efeitos da averbação. 7. Considerações finais.

1. Introdução

A Emenda Constitucional 45/05 representa marco histórico na chamada reforma do Poder Judiciário, buscando romper circulo vicioso da demora na entrega da prestação jurisdicional e, dentre suas normas, há a inclusão do inciso LXXVIII, do artigo 5. º, da Constituição Federal, no qual dispõe que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Resta claro que a norma, de natureza programática, não teria condão de, por si só, mudar cenário vigente, sendo, então, remetidos ao Congresso Nacional vários projetos de reforma do Código de Processo Civil visando o que o Ministro Luiz Fux denomina de “aparelhar o Judiciário de instrumentos formais capazes de eliminar entraves burocráticos coexistentes no organismo dos ritos, sem prejuízo de estratégias que levam em consideração o estado de ânimo dos litigantes, demonstrando a visão do legislador quanto aos reais problemas da práxis”[1].

Várias alterações restaram aprovadas e, agora, através das Leis 11.232/05 e 11.382/06, chega-se ao Livro II do Código de Processo Civil, envolvendo o processo de execução e que tem se constituído em verdadeiro gargalo à credibilidade da Justiça, transformando-a em refém de devedores que, embora solventes, retardam adimplemento da obrigação por muitos anos, a ponto de, no final, lucrar com a demanda, pagando atualização e juros moratórios de 6% ao ano e que, com o Código Civil, passaram a 1% ao mês, em patamares inferiores até mesmo aos obtidos em aplicações financeiras ou imobiliárias.

Era no campo da execução forçada que mais se bradava reclamos de modernização, eliminando em relação aos títulos judiciais a existência de processo autônomo para cumprimento do deliberado jurisdicionalmente e criando mecanismos de efetividade no processo de execução embasado em título extrajudicial.

Evidentemente, num estudo tópico que se faz, não cabe enveredamento em aspectos relevantíssimos das modificações introduzidas nos dois diplomas legais citados, mas destacam-se duas alterações do enfoque:

a) efetividade da norma que considera a execução como aquela que visa satisfação plena do credor, sem os exageros até então admitidos para o princípio de que a execução deve ser feita de forma menos gravosa para o devedor (art. 620 do Cód. Proc. Civil);

b) consideração das partes como “agentes ativos com poderes e deveres para uma verdadeira e constante cooperação na busca e definição do procedimento que, afinal, pela voz do juiz, virá pôr fim ao conflito jurídico[2].

Não mais existe benevolência exacerbada em favor do devedor, recebendo ele tratamento processual igualitário na fase do processo de conhecimento, mas não naquele do cumprimento da sentença, onde há comando soberano a ser cumprido.

Em relação ao processo de execução de título extrajudicial, por certo, buscou-se eliminar os entraves burocráticos na sua tramitação, sem perder de vista necessidade de proteção igualitária das partes, elevando o prazo de pagamento de 24 horas para três dias, mas permitindo a realização da penhora e da avaliação em uma mesma oportunidade, facultando ao credor que indique já na inicial os bens a serem preferencialmente penhorados, além de permitir a defesa do executado sem a decantada “segurança do juízo”.

Estabeleceu regra de não suspensividade da execução para oposição de embargos, oficializou a penhora on line de depósitos e aplicações financeiras e, principalmente, agilizou sistema de alienação judicial, permitindo até mesmo a venda por iniciativa particular ou através de agentes credenciados, merecendo citado o artigo 694 e no que se dispõe que “assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado”, acrescentando seu § 2. º que, caso acolhidos os embargos à arrematação, “o executado terá direito a haver do exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior ao valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença”.  

Buscou-se superar, com diversas medidas, os entraves que vinham atravancando a execução, dotando-a de instrumentos que se esperam suficientes para cumprimento da promessa de oferecer ao cidadão uma Justiça efetiva, justa e de duração razoável. volta


2. Responsabilidade patrimonial e técnica de sub-rogação.   Fraude de execução.

O artigo 591 do Código de Processo Civil estabelece que o devedor responde com todos os seus bens, presentes e futuros, para cumprimento de suas obrigações, sempre na idéia preconcebida de necessidade de instauração de processo adequado e apto à satisfação do direito do credor.    Utiliza-se, para tanto, de técnicas que se denominam de sub-rogação e de coerção, através dos quais o Estado se substitui ao devedor, expropriando bens para satisfazer o credor, ou pressiona o devedor com ameaças de lhe impor sacrifícios pessoal ou patrimonial.   

Essa regra geral de que o patrimônio do devedor é garantia dos credores desdobra-se, como anota Candido Rangel Dinamarco, em duas, sendo a primeira de que todo patrimônio do devedor responde por suas obrigações e a segunda de que só o patrimônio do devedor responde[3]. Só em casos excepcionais é que se admite responsabilidade de terceiros, como na fraude de execução e na fraude contra credores, quando o bem sai do patrimônio do devedor, mas ele continua vinculado ao cumprimento da obrigação do anterior proprietário.  

A fraude de execução que interessa ao estudo é o do inciso II, do artigo 593, do Código de Processo Civil, e que ocorre “quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência”. 

A rigor, o ato de disposição, por si só, nada tem de fraudulento, mas a lei presume sua ocorrência depois de instaurado processo cujo resultado poderá acarretar a impossibilidade de satisfação do direito do credor. Entretanto é conhecido o dissenso sobre o momento de sua ocorrência, pendendo inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça no sentido de afastar afirmação de que a formação do processo pela propositura da demanda já cria clima propício à fraude executiva[4], exigindo, isto sim, a concretização do ato citatório.       

Optou o legislador pela solução de sacrificar o credor quando o  comportamento do terceiro adquirente tenha sido razoável, ou seja, que tenha ele adotado as cautelas normais e preconizadas a qualquer cidadão mediano, exigindo, para integração de seu bem ao processo executivo quando: “a) tenha efetivo conhecimento da propositura da demanda, quer o demandado já tenha sido citação, quer não; ou b) que esse conhecimento seja presumido de algum ato de publicidade como o registro da demanda no cartório de imóveis, farta divulgação pela imprensa, etc., ou c) que ele tenha deixado de comportar-se com a diligência ordinária do homem comum, não realizando as costumeiras pesquisas em cartórios de protesto, distribuidores judiciais, etc.   Essas situações comportam exame caso a caso, não sendo lícito presumir o conhecimento sem a ocorrência de algum desses fatos reveladores, segundo a experiência dos juízes (CPC, art. 335)[5]

Há inegável tendência de proteção ao terceiro adquirente de boa-fé, mas não se lhe perdoa quando atua desprovido da diligência ordinária exigível ao homem comum.  

Um dado objetivo e confiável foi aquele estampado no § 4º, do artigo 659, do Código de Processo Civil, estabelecendo obrigação do credor de “providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiro, o respectivo registro no ofício imobiliário, mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato e independente de mandado” e que, com a Lei 11.382/06, substituiu o ato de registro pelo de averbação.

Tornou mais explícita norma já vigorante do artigo 240 da Lei de Registros Públicos e que consignava que o registro da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior. volta


3. Justificativas para a publicidade do mero ajuizamento da execução

Sempre se entendeu no Direito Registral Imobiliário que os atos praticados no Registro de Imóveis guardam estreita vinculação com os direitos reais e os aspectos relevantes ao bem imóvel propriamente dito, não permitindo aceitação de pormenores que, embora vinculados à coisa, nada acrescentam ao sistema (veja-se vedação de registro e ou averbação do contrato de comodato, cessão de direitos hereditários, cessão de direitos possessórios, etc.).

O artigo 167 da Lei 6.015/1973 estabelece rol dos atos passíveis de registro ou de averbação, e tem-se admitido a inclusão de outros, mas desde que previstos em lei ou enquadrados no artigo 246 do mesmo estatuto.

O rigorismo formal do sistema registrário obstava, evidentemente, simples anotação do ajuizamento de ação judicial, exigindo, em casos específicos, citação do devedor, quer em relação às ações reais e pessoas reipersecutórias relativas a imóveis (art. 167, I, 21, da Lei 6.015/73), quer pela realização da penhora no processo de execução.

Mas, agora, num primeiro exame, a possibilidade de averbação da distribuição da execução elimina parcialmente a discussão doutrinária do momento de caracterização da fraude de execução, permitindo sua consideração como sendo a do mero ajuizamento, desde que observada a providência acautelatória.

Isto sem considerar as dificuldades existentes no então “registro” da penhora e que esbarra em princípios rígidos e necessários, como, por exemplo, os da especialidade e da continuidade, impedindo, por exemplo, sua realização pelo fato de:

a) o estado civil do devedor constante na matrícula ser diverso daquele do processo de execução[6].

b) faltar intimação da penhora ao cônjuge[7];

c) ausência de prova de prévia averbação da construção na matrícula do imóvel e penhora que recai em terreno e respectiva acessão artificial.     

Agora, o artigo 615-A do Código de Processo Civil diz que “o exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto”. volta


4. Objetivos perseguidos pela alteração ao permitir averbação da execução no álbum imobiliário.

Vez por outra se ouve interpretação de que a nova disposição legal alterou antiga regra de se exigir certidões dos distribuidores cíveis, trabalhistas e fiscais, bastando, agora, apenas certidão atualizada do Registro de Imóveis para forrar o terceiro adquirente da fraude de execução.      

Não foi esse, à evidência, o objetivo da alteração legislativa, mas sim a consideração de necessidade de preservação do patrimônio do devedor para plena satisfação do credor (cf. Luiz Fux, ob. cit., pág. 258) e isto principalmente pelo fato de que pode levar tempo para a citação do devedor e a possível expropriação futura do bem do devedor.

Vale a propósito observação de Humberto Theodoro Júnior de que “as regras legais não podem ser lidas e interpretadas isoladamente, fora do sistema a que se integram e em atrito com a sua teleologia[8].

Ao estabelecer medidas de efeitos práticos no processo de execução visou afastar o intérprete de divagações sobre conceitos isolados do fenômeno formal, colocando, isto sim, o credor no exercício efetivo do direito subjetivo ameaçado ou violado por eventual conduta ilegítima do devedor.

Os conflitos judiciais, consoante anotado pelo jurista gaúcho, “em quase totalidade, nascem justamente das múltiplas e divergentes interpretações das normas vigentes[9] e, na situação específica, visou-se antes de tudo melhorar a situação do credor e em nome da segurança jurídica.  

Na prática, com a providência alvitrada, anteciparam-se os efeitos de publicidade que se obtinham apenas por ocasião do registro da penhora do bem imóvel, ou seja, o preceito foi introduzido “com o propósito de garantir ainda mais a execução além daquela já prevista no § 4. º do art. 659[10]. A obtenção, pelo terceiro, das certidões das ações ajuizadas ainda deve ser considerada essencial para demonstração de sua boa-fé e a adoção de cautelas de praxe, muito embora, num futuro não remoto, se possa visualizar existência de informações compartilhadas por vários prestadores de serviços públicos e obtidas através de meios eletrônicos. Mas, até então, não há como dispensá-las.  

De toda forma, em artigo publicado na Folha de São Paulo de 11/02/2007, o editor assistente de imóveis, Edison Valente, destaca que “a nova lei poder dar, então, uma falsa impressão de que não é mais necessário correr atrás de várias certidões diferentes, em fóruns cíveis, trabalhistas, Justiça Federal, cartórios de protesto etc., para certificar-se de que o imóvel e seu vendedor não têm pendências judiciais. Mas a via crúcis ainda é necessária, ponderam os especialistas[11].     

O ato averbatório é mais garantia do credor e menos instrumento de segurança para eventual terceiro interessado na aquisição. volta


5. Averbação cautelar da execução

A averbação tem caráter eminentemente acautelatório[12] e, para sua concretização no sistema registral imobiliário, exige tão somente que o credor, no momento do ajuizamento da ação de execução, localize bens disponíveis do devedor e, com a certidão emitida pelo Distribuidor ou pelo Ofício Judicial, se dirija à serventia predial para que ali execute o ato de publicidade material.   

A obtenção da certidão é assegurada constitucionalmente (art. 5. º, inciso XXXIII) e não pode ser obstada pelo Juiz, salvo em se tratando de informação resguardada pelo sigilo ou de decisão jurisdicional concedida em processo diverso, tratando-se do que Sidney Palharini Júnior denomina de prerrogativa do exeqüente[13]

Trata-se, como se vê, de ato unilateral da parte e que não exige qualquer intervenção do Juiz, bastando apenas que ela solicite ao Cartório e lá obtenha garantia para seu direito de credora.   

Muito se discute sobre o órgão do Poder Judiciário incumbido do fornecimento da certidão, mas o uso da expressão no ato da distribuiçãopressupõe que, a princípio, ela deva ser fornecida pelo próprio Distribuidor, cuidando cada Tribunal dotar seu setor de instrumentais adequados para atendimento desse mister, em atendimento até mesmo do disposto no § 5º, do artigo 615-A, do Código de Processo Civil, não se confundindo, como equivocadamente se menciona, em procedimentos relativos à distribuição de processos executivos, estipulação de emolumentos, ao processo averbatório no Cartório de Registro de Imóveis, dentre outros.     

As regras de distribuição já estão inseridas nas leis de organização judiciária e não cabe ao Tribunal a fixação de emolumentos, iniciativa que cabe à lei estadual, além do que a própria Lei de Registros Públicos e o Código Civil estabelecem regramentos próprios para o processo de registro e de averbação.

Nada impede que, registrado e autuado o processo de execução, a certidão seja expedida pelo próprio Ofício Judicial. Pouco importa que, em Comarcas com mais de uma Vara, o processo não tenha sido distribuído, bastando apenas que a petição inicial da ação de execução tenha sido oficialmente recepcionada.

Por se cuidar de ato da parte e que não se submete ao controle prévio do Juiz, não estabelece a lei termo final, limitando-se apenas àquele inicial. Esse raciocínio faz com que o intérprete estabeleça parâmetros para sua atuação, permitindo prática de ato averbatório do ajuizamento da execução enquanto não concretizada a averbação da penhora. Resta certo que, realizada esta, não subsiste interesse para a primitiva providência, mesmo porque não se concebe exigência ou mesmo capricho para obtenção dos mesmos efeitos já alcançados e com maior eficácia. Ou seja, ainda que a penhora já tenha sido feita no processo, a obtenção da sua averbação na matrícula do imóvel específico é fato distinto e que, enquanto não alcançado esta, permite ao exeqüente que a efetive, assegurando seu direito como credor. O que não se admite é que o credor promova averbação em matrícula distinta daquela do bem constrito.

Da mesma forma que se deu abertura para atuação da parte com maior autonomia e com significativa repercussão sobre os atos executivos e a solução do processo, resta sempre o questionamento sobre seus limites quantitativos. Não existe indicação desse aspecto e, à primeira vista, poder-se-ia sustentar que o credor deverá averbar apenas nas matrículas dos bens suficientes e estritamente necessários para cobrir as obrigações não cumpridas. No entanto, tal assertiva esbarra no princípio de que todo o patrimônio do devedor é garantia de seus credores e o próprio § 2º, do artigo 615-A, do Código de Processo Civil, anota que “formalizada a penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados”, demonstrando possibilidade de solicitar averbações em tantas matrículas quantas necessárias a seu critério, não alcançado, evidentemente, aqueles impenhoráveis ou inalienáveis, com ressalva de que os bens de família da Lei 8.004/1990 podem sofrer a averbação acautelatória, salvo o bem de família instituído nos moldes do Código Civil (artigos 1.171 a 1.722).

Evidentemente, não está aberta a porta para averbações indiscriminadas e com objetivo manifesto de prejudicar o devedor com ajuizamento de processo de execução e que sequer passou pelo crivo de admissibilidade do Juiz, não se desconhecendo efeitos negativos de anotações dessa espécie em relação aos possíveis interessados na aquisição dos bens. Bem por isso, a própria lei estabelece que “o exeqüente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do § 2. º do art. 18 desta lei, processando-se o incidente em autos apartados” (§ 4. º, do art. 615-A, do Cód. Proc. Civil), não se referindo especificamente ao seu aspecto quantitativo, mas ao comportamento carregado de comportamento censurável.

J. E. Carreira Alvim e Luciana G. Carreira Alvim Cabral mencionam caso de execução de título executivo prescrito como caracterizador de averbação manifestamente indevida[14].

Tanto não envolve necessariamente o aspecto quantitativo que a lei prevê, além da necessidade de comunicação ao juízo das averbações efetivadas e no prazo de dez dias de sua concretização, o cancelamento daquelas referentes a bens não penhorados. Aliás, não raras vezes se reconheceu o bem como protegido pela Lei 8.009/90 ou se acolheu embargos de terceiro opostos por comprador ou compromissário comprador sem título registrado, mas comprovadamente elaborado em data anterior ao do propositura da ação.

Para que o Registro de Imóveis efetue a averbação exige-se tão só certidão de distribuição do processo e que consigne os nomes das partes e o valor da causa, constituindo-se a primeira no título a que se refere o inciso IV, do artigo 221 da Lei 6.015/73, e os demais como subsídios necessários para o processo registrário, eis que necessários para registro dos nomes dos interessados e para controle do princípio da continuidade, evitando que a anotação seja feita em matrícula de bem que não pertence ao devedor[15] e para cobrança de emolumentos. A menção do valor da causa não constitui fundamento para que o registrador recuse a prática do ato, não se lhe permitindo alegações próprias do devedor (desproporção entre o valor do bem frente aquele da dívida, excesso de averbações) e que devem ser formuladas no processo. Via de regra, não se permite intervenção do devedor na averbação efetivada pelo credor na fase preliminar, mas, respeitados os direitos deste, é possível cancelá-la para que outra seja feita em bem diverso e indicado por aquele.

Escolhido o bem sobre o qual vai recair a penhora, as averbações dos demais bens não atingidos devem ser canceladas e a providência, a princípio, cabe ao credor. Não há necessidade de mandado, bastando apenas que ele se dirija ao ofício predial e, ali, requeira cancelamento às suas expensas, obtendo certidão a ser exibida ao Juiz. Não o fazendo, compete à autoridade processante as providências para a devida regularização.  

A questão ganha contornos interessantes quando o credor, já no ato da distribuição, solicita ao Juiz os benefícios da assistência judiciária (Lei 1.060/50). A certidão pode, enquanto não apreciada a inicial pelo Juiz, ser fornecida, mas fica sempre a dúvida no atendimento da solicitação da parte, máxime quando conhecida a séria resistência oposta para a dispensa na cobrança de emolumentos. Nesses casos, o credor só deve buscar o Registro de Imóveis quando o benefício da Justiça Gratuita lhe for concedido. volta


6. Efeitos da averbação

O § 3.º, do artigo 615-A, do Código de Processo Civil, dispõe que “presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593)”, ampliando elenco de casos explicitados no artigo 593 do mesmo estatuto legal. Estabeleceu, à evidência, medida de prevenção contra fraude de execução por meio de registro público, significando que, depois da averbação do ajuizamento da ação, os bens afetados não poderão ser livremente alienados pelo devedor. Não perde ele o direito de disposição, a exemplo do que ocorre em relação ao bem penhorado, mas, se alienado, o negócio jurídico é mantido, sendo, porém, ineficaz em relação ao credor exeqüente e que poderá fazer com que a constrição recaia no bem adquirido por terceiro, promovendo, em seguida, os atos de alienação judicial.

Tal presunção, ao contrário do que ocorre em relação à penhora, é apenas relativa.   Ou seja, “não opera quando o executado continue a dispor de bens para normalmente garantir o juízo executivo.   Mas se a execução ficar desguarnecida, a fraude é legalmente presumida, independentemente da boa ou má-fé do adquirente, graças ao sistema de publicidade da averbação, no registro público, da simples existência da execução contra o alienante”[16]. A fraude é analisada frente à existência ou não de outros bens que possam responder pela dívida. volta


7. Considerações finais

O estabelecimento de novas regras para o cumprimento da sentença e para a execução de título extrajudicial significa mudança de postura do legislador para tornar efetiva a atuação jurisdicional, eliminando gargalos que vinham causando retardos injustificáveis na realização do direito do credor, principalmente naqueles em que visíveis intentos procrastinatórios.

Dentre os objetivos louváveis destaca-se a preocupação de preservação do patrimônio do devedor, evitando que ele seja reduzido ou dilapidado por entraves comuns aos processos judiciais, desde a demora verificada em alguns Ofícios Judiciais (cumprimento de aspectos burocráticos de registro e autuação do processo, a conclusão ao Juiz e a expedição do mandado de citação) até a efetiva citação do devedor executado e que pode exigir até mesmo que seja realizada por edital.      Permitiu-se, sem necessidade de concurso do Juiz, a publicidade no Registro de Imóveis do ajuizamento da ação de execução contra o titular de direito real, advertindo eventual interessado na aquisição de enquadramento em fraude de execução.

Trata-se, como anteriormente destacado, de antecipação dos efeitos, embora sem a mesma força, da inscrição da penhora, que passa agora a ser realizada também por ato averbatório e não mais por registro, medida que, apesar de contestada e que vigorou por várias décadas, passa a prevalecer, mesmo porque não gerador de direito real, mas apenas de publicidade para efeito erga omnes.    

A medida, de inegável caráter acautelatório, evitará, pelo menos no processo de execução e também no cumprimento de sentença judicial, aplicável por força do artigo 475-R do Código de Processo Civil, discussões alongadas e que muitas vezes causava frustração aos direitos do credor e que se via impedido de obter resultado útil na demanda. Em boa hora foram idealizadas alterações ao já superado sistema de execução. volta


BIBLIOGRAFIA

FUX, Luiz, A Reforma do Processo Civil, Editora Impetus, 2006

THEODORO JUNIOR, Humberto, As Novas Reformas do Código de Processo Civil, Editora Forense, 2006

THEODORO JUNIOR, Humberto, A Reforma da Execução do Título Extrajudicial, Editora Forense, 2007

ALVIM, J. E. Carreira, e ALVIM CABRAL, Luciana C. Carreira, Nova Execução de Título Extrajudicial, Juruá Editora, 2007

PALHARINI JUNIOR, Sidney, Nova Execução de Título Extrajudicial, diversos autores, Editora Método, 2007

FIORANELLI, Ademar, SANTOS, Flauzilino Araújo, SILVA, Ulysses, Penhora e Cautelares no Registro de Imóveis, IRIB, 2005

DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, vol. IV, Malheiros Editores, 2005

BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Efetividade do Processo e Técnica Processual, Malheiros Editores, 2006

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Aspectos Polêmicos da Nova Execução 3, Editora Revista dos Tribunais, diversos autores, 2006

Notas

* Kioitsi Chicuta é Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

[1] A Reforma do Processo Civil, Apresentação do autor

[2] Humberto Theodoro Júnior, A Reforma da Execução do Título Extrajudicial, pág. 5

[3] Instituições de Direito Processual Civil, vol. IV, págs. 322/323

[4] Cf. jurisprudência citada por Theotônio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, pág. 674

[5]  cf. Candido Rangel Dinamarco, ob. cit., pág. 394

[6] Apelações Cíveis 27.269 e 40.416, do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, relatores os Desembargadores Antônio Carlos Alves Braga e Márcio Martins Bonilha

[7] Apelação Cível 43.429, do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, relator o Desembargador Nigro Conceição)

[8]  As Novas Reformas do Código de Processo Civil, pág. 5

[9] Humberto Theodoro Júnior, As Novas Reformas do Código de Processo Civil, pág. 118

[10] J. E. Carreira Alvim e Luciana G. Carreira Alvim Cabral, Nova Execução de Título Extrajudicial, pág. 40

[11] Folha de São Paulo de 11/02/07, Caderno de Classificado Imóveis, pág. 01

[12] Sidney Palharini Júnior, Nova Execução do Título Extrajudicial, pág. 52

[13] Ob. cit., pág. 53

[14] Ob. cit., pág. 44

[15] Sydney Palharini Junior, ob. cit., pág. 54

[16] Humberto Theodoro Júnior, A Reforma da Execução do Título Extrajudicial, pág. 34



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