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Palestra do XI Seminário de Direito Notarial e Registral: parcelamento do solo urbano – questões polêmicas


Palestra proferida no XI Seminário de Direito Notarial e Registral de São Paulo, realizado no dia 21 de abril de 2007, no hotel Stream Palace, em Ribeirão Preto.

Parcelamento do solo urbano – questões polêmicas
Mari Lúcia Carraro *

Falaremos sobre algumas questões relativas ao parcelamento do solo urbano e que estão relacionadas à prática do registro de imóveis.

O parcelamento do solo urbano é disciplinado pela lei 6.766 de 1979, porém o uso e a forma de ocupação são disciplinados pelo plano diretor ou por lei municipal.

O parcelamento do solo para fins urbanos só é admitido em zonas urbanas, zonas de expansão urbana, ou em casos específicos de urbanização especial.

A lei que previa o parcelamento do solo disciplinou duas formas: o parcelamento do solo poderá se dar por forma de loteamento ou desmembramento. O loteamento se dá quando há subdivisão de uma gleba em lotes destinados à edificação e, por ocasião desse parcelamento, haja aberturas de novas vias de circulação ou modificação das vias existentes. O desmembramento também tem como objeto a subdivisão de uma gleba em lotes destinados à edificação, no entanto, no desmembramento não pode haver prolongamento, modificação ou abertura de vias de circulação.

Inúmeras situações surgem no dia-a-dia do registro de imóveis que não se apresentam sob a forma de desmembramento ou loteamento, conforme a lei conceituou. Às vezes, não temos previsão específica a respeito desses casos em normas de serviço, em decisões e muito menos em leis.

Parcelamento de imóvel rural localizado em zona de expansão urbana

Exemplificaremos o parcelamento de um imóvel identificado como rural, localizado em região de expansão urbana, ou seja, sob a tutela do poder municipal, mas cujo traçado apresentado na planta do imóvel e no memorial descritivo indica a presença de futuros parcelamentos das glebas.

Esse desmembramento apresentado a registro é de fase embrionária, uma vez que está claro que haverá novos parcelamentos que irão atender aos requisitos da lei, qual seja a subdivisão em lotes destinados à edificação.

Os proprietários que fazem esse tipo de desmembramento acabam por manter o imóvel com produção agrícola ou pecuária enquanto não aprovado o parcelamento subseqüente, por lotes ou condomínio de casas.

Como esses casos estão previstos nos artigos 1º e 12 da lei 6.766, há de se exigir aprovação do município, muito embora não se tenha atendido a principal característica, isto é, a destinação à edificação. Essa aprovação se faz necessária pelo fato de o imóvel estar localizado dentro do território de expansão urbana, ou seja, dentro de um espaço onde o município deve disciplinar a forma de ocupação.

A aprovação desse tipo de parcelamento pelo município quase sempre é apresentada no registro de imóveis acompanhada de certidão de viabilidade emitida pelo município para implantação de futuros condomínios de casas ou loteamentos. Como acessório do principal, também se apresenta uma escritura de doação de áreas ao município, que sempre tem como objeto áreas cuja análise do traçado indicam futuras ou atuais vias de circulação, ou então, áreas destinadas à contenção de águas.

É importante observar que é nesse momento que o proprietário deve requerer a averbação da mudança da destinação do uso do solo de rural para urbano, conforme previsto no item 148, capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

Para essa averbação, que deve ser apresentada junto com o pedido de desmembramento, observamos que, se o imóvel estiver localizado em zona de expansão urbana e possuir o cadastro municipal, basta apresentar a comprovação de que comunicou o fato, ou seja, o pedido de desmembramento, a condição de que está alterando o uso do solo de rural para urbano, bem como o pedido de cancelamento ou pedido de alteração do cadastro CCIR junto ao Incra. Não há como fazer a averbação de alteração do uso do solo sem esse procedimento perante o Incra.

No entanto, se o imóvel está localizado em zona rural ou em zona de expansão urbana, mas ainda não possui cadastro municipal, além do requerimento, o proprietário deverá apresentar a anuência do Incra e uma certidão emitida pelo município.

Às vezes, a aprovação do município não se apresenta pela forma de certidão, mas mediante certidão de viabilidade do município, o que se faz necessário porque com aquele ato o município estará aceitando o imóvel como de sua responsabilidade. Se estiver dentro da zona de expansão urbana, na verdade, ele só estará comunicando que conhece o imóvel e que o reconhece como urbano. No caso de imóvel rural, se apresenta lei específica integrando-o para a zona de expansão urbana ou ele é declarado rural, porém aceito como núcleo especial.

Diverso é o procedimento de desmembramento de um imóvel com destinação rural, localizado em zona de expansão urbana, em que o parcelamento pretendido não indica alteração do uso do solo. Se o imóvel estiver nessa situação, será utilizado o mesmo procedimento do desmembramento de imóvel rural. Cabe ao oficial do registro de imóveis solicitar à parte que apresente seu cadastro junto ao município, que também será lançado na matrícula. Nesse caso, a matrícula do imóvel conterá o CCIR – Certificado de Cadastro de Imóvel Rural e o cadastro municipal. Isso não está ligado à tributação, mas funciona apenas para efeitos de cadastro. Na matrícula, o cadastro municipal indicará que o imóvel está localizado em zona de expansão urbana e o município o reconhece, e o CCIR constará da matrícula apenas para que o proprietário possa tomar financiamentos agrícolas.

De uma forma ou de outra, quando apresentado ao registro de imóveis um pedido de desmembramento de imóvel nessa condição convém que o proprietário requeira o desmembramento de forma específica, esclarecendo o caso, e também declare se esse imóvel está ou não localizado em zona de expansão urbana.

Desmembramento sucessivo é possível

Outra situação freqüente no registro de imóveis é o desmembramento sucessivo, que geralmente não é aceito em razão da falta de uma interpretação legal do que seja desmembramento sucessivo. Embora sem previsão específica na lei, trata-se de uma forma legal de parcelamento do solo, se submetido ao registro especial previsto no artigo 18 da lei 6.766.

O desmembramento sucessivo ocorre basicamente em duas situações:

1. quando a área a ser parcelada tem origem em outro parcelamento, tenha o anterior sido submetido ou não ao registro especial;

2.  quando a área é parcelada aos poucos, em unidades pequenas, por meio de averbações isoladas no decorrer do tempo.

O artigo 1º da lei 6.766 dispõe que o parcelamento do solo para fins urbanos será regido por seus dispositivos. Dentre eles está o fatídico artigo 18, que diz “aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao Registro Imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação...”

O item 150.4 das Normas de Serviço da CGJSP também impõe ao oficial registrador o dever de examinar os pedidos de desmembramento com a finalidade de se evitar eventual artifício ao desvio dos requisitos do artigo 18, ou seja, se é necessário ou não o registro especial.

150.4.Nos desmembramentos, o oficial, sempre com o propósito de obstar expedientes ou artifícios que visem a afastar a aplicação da lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, cuidará de examinar, com seu prudente critério e baseado em elementos de ordem objetiva, especialmente na quantidade de lotes parcelados, se se trata ou não de hipótese de incidência do registro especial. Na dúvida, submeterá o caso à apreciação do Juiz Corregedor Permanente.”

Vale consignar que o registro especial tem dois objetivos: proteger o interesse público e os futuros adquirentes, demonstrando a eles, mediante a apresentação de certidões, que o loteador possui idoneidade econômica para implantar empreendimentos bem como idoneidade moral para vender os lotes.

A regra é que o registro especial deve ser feito em todos os casos de parcelamento, seja por loteamento, seja por desmembramento. A dispensa desse registro é uma exceção.

No que tange ao registro de imóveis, as normas de serviço da CGJSP disciplinam alguns casos de dispensa do registro especial. Um caso freqüente é o parcelamento que dá origem a um número pequeno de unidades imobiliárias. É justamente nesses casos que reside a dúvida. Fora os casos indicados nas normas de serviços, não existem requisitos específicos que determinem se é o caso de registro especial ou de dispensa dele.

Uma antiga decisão do TJ paulista sinalizava que haveria dispensa do registro especial para parcelamento do solo que desse origem a até dez unidades imobiliárias. No entanto, os indicadores que se sobressaem são pela obrigatoriedade do registro caso o desmembramento dê origem a áreas que possam ser subdivididas novamente, ou se uma área grande for parcelada aos poucos. Ou seja, naqueles casos em que, na matrícula, consta uma área grande com várias averbações de desmembramentos feitos no decorrer do tempo sem averbação de remanescentes.

A origem em outro parcelamento não é elemento caracterizador que obrigue ao registro especial, e nem o fato de o parcelamento atual ser requerido pelo mesmo proprietário que fez o anterior. Considerado o objetivo de proteção do interesse público, não importa o fato de o parcelamento ser requerido pelo proprietário que fez o anterior ou por um proprietário diferente.

Portanto, não é a origem ou a titularidade que configuram desrespeito às regras do registro especial, mas o uso do parcelamento para um número de unidades que poderão vir a dar origem a outras unidades. Por isso, a exigência de registro especial é excessiva se o imóvel parcelado der origem a unidades que não comportam mais novos desdobros, ou se o proprietário de uma área relativamente grande desmembra uma parte, cria uma nova unidade e a vende para terceiro. Passado algum tempo, solicita novo desmembramento da área que ficou em seu nome e que muitas vezes se trata do próprio local onde mora. Nesse caso, convém observar a profissão da pessoa, ou seja, se ele tinha uma área de mil metros quadrados, subdividiu a gleba por duas vezes seguidas, sendo ele um corretor de imóveis, fica implícito que ele fez aquilo com o intuito de reparcelar no futuro. No entanto, se demonstrado que houve necessidade e que sua profissão nada tem a ver com a comercialização de imóveis, não há porque exigir dessa pessoa o registro especial.

Outro caso comum no registro de imóveis é uma área, em geral uma quadra, subdividida por meio de averbações. Existem matrículas com mais de cem averbações de desdobros sem apuração de remanescente. A rigor, essa matrícula é o típico caso de desmembramento sucessivo, e a prática de qualquer ato depende da apuração do remanescente e do registro especial. Porém, mesmo casos como esses devem ser analisados em contexto mais amplo.

Caso típico e reiterado numa cidade vizinha a Ribeirão Preto é o registro de uma área, que hoje são quadras, cujo antigo proprietário foi vendendo partes desse imóvel. À época, a prefeitura emitiu uma certidão de desmembramento, alguns foram ao registro e averbaram o desmembramento e registraram sua aquisição, mas outros que receberam a escritura do proprietário até hoje não apareceram para registrar. Portanto, quase tudo foi vendido. O remanescente é de uma ou duas unidades, às vezes em cantos opostos da quadra.

Embora seja o típico caso de parcelamento que exige o registro especial, em casos como esse acabo por deferir o registro da escritura que hoje a pessoa traz ao registro de imóveis, mas cuja lavratura foi providenciada há tempos, se ela apresentar uma planta de localização de todos os desmembramentos averbados na qual se observe que remanescem poucas unidades apenas. Não há porque exigir dessa pessoa o registro especial, mesmo porque é possível que o vendedor já seja falecido. Nesses casos, defiro o pedido baseado nos objetivos do registro especial, ou seja, a proteção do interesse público e a proteção do adquirente. Nesse sentido, rendo homenagens a uma decisão da CGJSP, de 2006, que avaliou um caso em Piracicaba, cuja ementa diz: “Parcelamento sucessivo suscetível de caracterizar fraude à lei exige análise conjuntural, com atenção não só à cadeia de assentos, mas também à cadeia de domínio e ao lapso temporal entre as inscrições prediais feitas. Assim sendo, quando ausente uma razão urbanística, e quando ausente um dano eventual a adquirente, não há porque se exigir o registro especial, mesmo que seja em nome do antigo proprietário que já desmembrou outras vezes”.

Contrato-padrão depositado no RI deve dispor acerca da promessa de compra e venda

Outro ponto que sempre leva à discussão quando apresentado ao registro de imóveis se refere aos contratos-padrão de venda de lotes.

O artigo 18 da lei 6.766 impõe ao loteador a obrigação de depositar no registro de imóveis, junto com o processo de registro do loteamento, o contrato-padrão de venda dos lotes. O item 171 das normas de serviço impõe ao oficial registrador o dever de avaliar as cláusulas desses contratos.

Primeiramente, deve-se observar que a modalidade do negócio jurídico previsto na lei, que poderá ser celebrado pelo loteador com o futuro adquirente, é de compromisso de compra e venda. Assim, o contrato-padrão a ser depositado no registro de imóveis deve dispor acerca da promessa de venda.

Em razão da venda de lotes ser pública, o contrato de promessa de compra e venda se classifica como contrato de adesão, devendo, portanto, considerar todos os direitos pertinentes ao consumidor assegurados em lei, especialmente o Código de Defesa do Consumidor.

Cabe ao oficial avaliar as cláusulas desse contrato, de modo a poder indeferi-lo se ele contiver condições em desacordo com as previsões legais ou jurisprudência pacífica. Hoje, quase todos os adquirentes acabam firmando contrato de compra e venda com o empreendedor no momento da compra, no entanto, alguns ainda ficam com sua situação pendente. Para esses é que o contrato-padrão arquivado no cartório irá servir.

Se depois de registrado o loteamento e arquivado o contrato-padrão for apresentado ao registro de imóveis algum contrato de compra e venda que contenha cláusulas abusivas, o oficial não poderá entrar no mérito. O máximo que poderá fazer é certificar a parte de que aquele contrato possui cláusulas abusivas, uma vez que a nulidade das cláusulas, e não do negócio, é consagrada em nossa jurisprudência. Mesmo que as cláusulas abusivas estejam em negrito, letras maiúsculas, ou que a pessoa tenha declarado que leu individualmente o contrato, a nulidade é da cláusula e não do negócio jurídico, portanto prevalecem as cláusulas essenciais ao negócio.

As condições abusivas mais encontradas no contrato-padrão estão relacionadas: ao percentual de restituição dos valores pagos em caso de rescisão de contrato de compra e venda; filiação obrigatória do adquirente a uma associação de moradores, obrigando-o a pagar até manutenção de áreas públicas; cessão de direitos somente com a anuência do loteador, pagando-se a ele uma taxa de transferência – é o momento em que ele exige a quitação das parcelas anteriores e vencidas; taxa para elaboração de contrato; perda de benfeitorias feitas em eventual rescisão de contrato; indexação do saldo devedor por índices autorizados para instituições financeiras; constituição de arras; exclusão do princípio do pagamento do saldo a restituir, ou do cômputo de um terço, que deverá ser observado em caso de cancelamento do compromisso de compra e venda.

A par da discussão existente, o loteador pode alienar um lote por outro instituto que não o do compromisso de compra e venda. Pode doar, permutar, dar em pagamento, vender com garantia hipotecária ou vender com alienação fiduciária. Não há vedação para o uso desses institutos na venda de um lote. O que é vedado é o uso desses institutos consagrados no contrato-padrão. Embora haja uma oferta pública, o contrato a ser celebrado entre o loteador e o adquirente é um contrato civil.

Obras de infra-estrutura: cronograma de obras e comunicação da não execução

Outra situação que deve ser observada, e está relacionada ao registro de um loteamento, é a comunicação do decurso do prazo para a execução das obras de infra-estrutura. Todo ato de aprovação de loteamento ou desmembramento é precedido de um ajuste de tempo e condições necessárias para o loteador implantar as obras de infra-estrutura, bem como para indicar os lotes que porventura venham a garantir essa obrigação.

O cronograma de obras é documento obrigatório e deve fazer parte do processo de loteamento. Do registro do loteamento deve constar se houve ou não imóveis dados em garantia para a execução da infra-estrutura e a indicação do prazo de execução das obras. Se não feito no registro do loteamento, essas duas situações devem estar consignadas em averbação separada, mas na matrícula-mãe.

De acordo com o Item 170.2 das Normas de Serviço da CGJSP, cabe ao registro de imóveis comunicar ao município e ao Ministério Público se houver decurso do prazo de registro sem apresentação do termo de quitação dessas obrigações, mas cabe ao município cobrar a eventual obrigação do loteador.

Uma vez não executado o loteamento na forma e prazo ajustados no cronograma, a lei prevê que o município poderá – o correto seria deverá – tomar a iniciativa de regularizar o loteamento, isto é, terminar as obras de infra-estrutura. O município tem mecanismos para isso, tem como receber as prestações devidas ao loteador e tem como executar as garantias hipotecárias.

A responsabilidade por loteamentos sem as obras de infra-estrutura implantadas não deve recair somente no loteador, mas também no poder público, que tem grande parcela de culpa nisso. Se o loteamento for regularizado pelo município na falta de execução das obras, o título a ser levado ao registro de imóveis será o compromisso de compra e venda e a ele será dado o caráter de transferência definitiva do imóvel.

Convém observar que após a conclusão das obras o município dá ao loteador o termo de quitação, o termo de recebimento do loteamento. Essa condição deve também fazer parte do processo de registro, fazendo-se um termo de juntada ao processo físico do loteamento e uma averbação na matrícula-mãe, consignando que aquele empreendimento foi recebido pelo município, que deu quitação em tal data.

Outra questão discutida no procedimento de registro de um loteamento diz respeito às restrições impostas pelo loteador quanto ao uso de um lote que geralmente são mais restritivas do que as restrições urbanísticas e dão uma característica especial ao empreendimento. As mais comuns são as relacionadas ao uso exclusivamente residencial do imóvel, área máxima de construção, percentual de ocupação do solo, vedação de desdobro do imóvel, vedação de fechamento frontal do terreno, etc. A forma de o loteador impor essas restrições ao imóvel é mencioná-las no memorial descritivo, no contrato individual ou no contrato-padrão. As situações polêmicas que chegam ao registro de imóveis em geral acontecem no momento em que a pessoa resolve fazer o desdobro do imóvel, quando pretende aprovar um condomínio de salas comerciais, registrar um contrato de locação do imóvel para fins comerciais, ou averbar a edificação de mais um prédio dentro de um mesmo terreno. Quase todas essas restrições sofreram modificações no decorrer do tempo devido à mudança do comportamento humano e também devido à existência de legislação autorizativa do poder público municipal. A sinalização da jurisprudência se dá mais no sentido da manutenção das restrições impostas pelo loteador em detrimento das urbanísticas até que os proprietários renunciem. É uma das raras situações em que o interesse do particular se sobrepõe ao interesse coletivo, em que uma norma contratual particular se sobrepõe a uma norma pública.

No registro de imóveis, enquanto não apresentada a ordem judicial determinando o afastamento das restrições, ou pedido firmado por todos os proprietários do loteamento, não é feito ato contrário à restrição existente.

Paliativamente, vejo que, no futuro, essas restrições poderiam ser impostas somente em loteamentos onde há uma reserva de lotes para uso comercial e de naturezas que vêm fazer com que aquele loteamento ou bairro se torne auto-sustentável, e que também permita o acesso a outras vias de grande circulação, como avenidas paralelas. Outra medida seria o enfrentamento desse problema pelo poder Judiciário e, quando pacífico seu posicionamento, o registrador faria as averbações ou os atos requeridos pelos proprietários, considerando a prevalência das restrições urbanísticas.

Outro fato corrente no registro de imóveis é o pedido de averbação de reserva permanente do tipo “requeiro a averbação da reserva permanente sobre uma área urbana”, ou “requeiro averbação de reserva legal sobre uma área urbana”. Recentemente, recebi dois termos emitidos pelo DEPRN, Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais, instituindo reserva legal sobre área urbana, com fundamento na lei 4.771. O pedido foi denegado por entender, primeiro, que a reserva legal só pode ser imposta sobre área rural; segundo, a reserva permanente acaba não ingressando no registro de imóveis uma vez que trata-se de restrições e obrigações existentes sobre uma determinada região, ou seja, os imóveis localizados em determinada região são submetidos à obrigação de manutenção de florestas, que não têm previsão legal para o acesso ao registro.

Todas as obrigações ambientais assumidas pelo loteador perante o município, ou Ministério Público, mesmo as obrigações legais, usualmente vêm representadas por um termo de compromisso. Da mesma forma, recebe as condições para aprovação e execução do empreendimento impostas pelo Graprohab; ambas devem fazer parte do processo de loteamento apresentado a registro que não é levado à matrícula do imóvel.

Sobra de áreas em loteamento

É comum que após o registro de um loteamento o registrador receba o pedido de abertura de matrícula de uma área localizada dentro do loteamento, que não foi oferecida pelo loteador ao município, e este entende que essa propriedade é dele. Isso ocorre quando da não observância do projeto no momento da execução, ou então, quando o loteador faz o parcelamento sem prévia retificação da área da gleba.

Ao aprovar um projeto de loteamento, o loteador informa quais são os bens de sua propriedade que poderá alienar a terceiros ou deixar em seu nome, geralmente lotes ou áreas reservadas. O que remanesce, mesmo sem indicação específica feita pelo loteador, é público e cabe ao município apurá-las, podendo até dispor delas.

Uma medida preventiva, mas não saneadora do problema, é que ao receber o processo para análise o oficial do registro de imóveis some todas as áreas, lote por lote, praça por praça, áreas institucionais e área verdes, uma a uma, verificando se essa soma confere com a soma indicada na planta. Geralmente há diferença na soma. Nesses casos, solicitamos que o interessado aprove novamente o projeto perante o município, mas não no Graprohab, uma vez que as questões relativas ao adensamento populacional e reservas de áreas verdes já foram analisadas pelo instituto. Dessa forma, o loteador apresenta a nova planta aprovada pelo município e faz um requerimento expresso no sentido de que a planta anterior, aprovada pelo Graprohab, faça parte do processo de registro.

Um ditado muito antigo diz que o prefeito faz a praça, o povo faz o caminho. Isso quer dizer que as mudanças do comportamento humano levam à interpretação de uma norma segundo as necessidades do seu tempo. Por esse motivo é que a interferência do Judiciário se faz fundamental para o estabelecimento de parâmetros e limites à interpretação da norma existente.

*Mari Lúcia Carraro é registradora em Ribeirão Preto.



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