BE2890

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Faturamento de cartórios
(e número de papagaios na Serra do Cachimbo)
Sérgio Jacomino

 
"setor sobre o qual pouco se conhece como negócio"  (Photo by Dystopos)
 
O BE 2884, de hoje, divulgou matéria publicada no Valor Econômico de ontem que vai dar muito pano pra manga.

O jornalista Felipe Frisch entrevistou-me e as respostas que dei foram perfeitamente compreendidas e reproduzidas na matéria afinal publicada. O repórter foi fiel às minhas declarações. Mas não é bem isso que importa. Na verdade, há alguns problemas que comprometem essencialmente as conclusões da matéria. Vejamos.

O negócio é o seguinte: Cartórios
"setor sobre o qual pouco se conhece como negócio"

A comparação com outros setores da economia – empresas da construção civil, máquinas, minerais etc. – é descabida. Não se comparam coisas essencialmente dessemelhantes. Os cartórios não são empresas, não são "negócios": são serviços públicos delegados. Os dados que o repórter reclama para compor o cenário econômico da atividade são protegidos pelo sigilo fiscal. Os emolumentos são como que honorários da pessoa física. Já os dados relativos às empresas são divulgados em balanços, às vezes publicados no próprio jornal Valor Econômico. E o são em decorrência de exigência legal. Seria o mesmo que sustentar que os advogados, considerados como uma instituição única, teriam um faturamento superior, digamos, ao setor de supermercados. Ou pior, que a OAB teria a obrigação de divulgar os honorários dos advogados brasileiros.  

PIB – participação de São Paulo

É um argumento falacioso considerar como paradigma a relação feita a partir da fatia paulista no PIB para derivar as receitas de outros estados. É falacioso por uma razão palmar: as tabelas são estaduais e variam de estado a estado. A regra de três falha aqui fragorosamente. Depois, as porcentagens de emolumentos – parte que cabe ao Oficial – variam igualmente de estado a estado. Finalmente, a atividade econômica relacionada com os cartórios num estado como São Paulo será fundamentalmente diferente em comparação com outros estados. Basta o exemplo do Amazonas, onde a propriedade informal representa, nalgumas regiões centrais de Manaus, perto de 90% dos casos. Enfim, o valor de R$ 6,8 bilhões de faturamento é tão impreciso quanto o número de papagaios na Serra do Cachimbo no último censo do Ibama.

Estimativas desestimadas pela lógica

Diz a reportagem que se chegou ao resultado estimado a partir dos valores recolhidos ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), "correspondentes a 3,29%." Ok. Considera-se rendimento bruto os restantes 97%? Hum... a reportagem não diz – e nisto presta um baita desserviço. Provavelmente o repórter considerou o resto simplesmente resto, bagatela de alguns bilhões de reais.

O que importa é que são como empresas de pequeno porte

Pode-se pinçar uma conclusão importante na reportagem – embora os dados não sejam confiáveis, nem o enquadramento adequado. Por esses números, diz Felipe Frisch, "a receita de cada cartório anualmente seria de R$ 461 mil em média, valor equiparável a empresas de pequeno porte, com faturamento de até R$ 2,4 milhões". Na verdade, em regra é muito menos. Mas a conclusão é, ainda assim, importante. Diz o repórter que esse resultado representaria uma média, pois "há lugares com receitas melhores e piores". Ora, está entredito que há lugares muito melhores; logicamente, esses "lugares melhores" são em muito menor número – grandes centros urbanos –, o que nos levaria à conclusão de que a maioria dos cartórios tem uma receita muito modesta – muito mais modesta do que teria uma empresa de pequeno porte segundo critérios da própria Receita Federal.

Enfim, a reportagem erra feio nas projeções que faz a partir de premissas falsas. Mas teve a virtude de colocar o foco em questões candentes: concursos públicos, concorrências de cartórios, receitas modestas de registros etc. Nisso Felipe Frisch acertou em cheio e deve ser parabenizado.



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