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Palestra do IX Seminário de Direito Notarial e Registral: alteração do regime de bens e o registro de imóveis


Palestra proferida no IX Seminário de Direito Notarial e Registral de São Paulo, realizado no dia 12 de fevereiro de 2007,no Centro de Convenções Stadium Alphaville, em Barueri, SP.

Alteração do regime de bens e o registro de imóveis
Luciano Lopes Passarelli*

Vamos tratar da  alteração do regime de bens e os reflexos no registro de imóveis, tema singelo com conclusões singelas.

Inicialmente, é necessário considerar o artigo 1.511 do Código Civil, que diz o seguinte: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.

Esse é um dos artigos mais bonitos do Código Civil, no entanto, no dia-a-dia, não é bem assim que funciona. Do contrário, talvez não fosse necessária a legislação que se tornou conhecida como Lei Maria da Penha, a lei 11.340, de 7 de agosto de 2006,que aumentou o rigor na punição dos crimes cometidos contra a mulher no seio do lar.

Desde a Constituição de 1937, a família é tratada com destaque pelo legislador constituinte. Diz a Constituição que a família merece especial proteção do Estado. Por que o constituinte usa a expressão especial? Todos os direitos constitucionais devem ser protegidos pelo Estado, os direitos individuais e os direitos coletivos. Devemos partir do velho princípio hermenêutico de que a lei não contém palavras inúteis e inócuas. Se o legislador disse que a família merece proteção especial é porque deverá ser especial. Portanto, quando houver conflitos de valores envolvendo direito de família, este deverá se sobrepor a outro, caso não seja possível compatibilizá-los. 

A Constituição de 1988 foi mais adiante ao dizer que, além de merecer especial proteção do Estado, a família constitui a base da sociedade (art. 226). É essa sociedade que o legislador quer nos propor.

De acordo com a Constituição, é família a sociedade formada pelo casamento com ou sem filhos, pela união estável com ou sem filhos, pelas sociedades monoparentais – quando somente um dos pais convive com os filhos. Boa parcela da doutrina e da jurisprudência entende que as uniões homoafetivas também constituem família e devem ser protegidas pelo Estado.

Apesar da polêmica que envolve o tema, recentemente, o Tribunal de Justiça de Goiás divulgou decisão confirmando sentença de primeira instância que reconhece uma união homoafetiva como união estável, o que não é novidade. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também divulgou decisões nesse sentido. No entanto, essas são decisões bastante complicadas porque se aplicarmos o regime da união estável à união homoafetiva certamente surgirão problemas de ordem sucessória.

Se houver impedimentos para o casamento não se trata de união estável, mas de concubinato. Para a união estável ser configurada, não pode haver causas suspensivas para o casamento. Ou seja, se houver causas suspensivas não será considerada união estável, mas concubinato homoafetivo? Ora, certamente haverá problemas para se afirmar que a união homoafetiva é união estável, muito embora já existam decisões nesse sentido.

Pessoas solteiras podem constituir família? Isso parece contraditório porque são necessárias duas pessoas para constituir uma família. No entanto, houve uma decisão recente do STJ que negou a penhora de único imóvel residencial pertencente a uma pessoa solteira, dizendo que o imóvel é bem de família.

A Lei Maria da Penha ampliou largamente o conceito de família, em seu artigo quinto. Apesar de restringir a aplicação desse conceito para os efeitos da lei, ela dispõe que é considerada família as pessoas que mesmo sem laços de afinidade natural e sanguínea assim se considerarem. Esse conceito de família é muito subjetivo, se alguém disser “ele é um irmão para mim”, e se houver reciprocidade, aí está uma família.

Esse largo conceito de família da lei 11.340 vai acabar sendo invocado em outras situações, por analogia, por interpretações extensivas.

Outro tema polêmico é o seguinte: será que há uma precedência da família formada pelo casamento sobre a união estável? Há várias posições a respeito. Boa parcela entende que não, que a união estável está em pé de igualdade com o casamento. E há posições no sentido de que uma vez que a Constituição incentiva a conversão da união estável em casamento, está dando prevalência ao casamento. Se há que converter é porque a união estável ainda é algo imperfeito. Particularmente, alinho-me àqueles que entendem que o casamento tem prevalência sobre a união estável, apesar de saber que essa posição está longe de ser pacífica.

Todos os atos com reflexos sobre a propriedade devem ser levados ao RI

Uma decisão paradigmática do Conselho Superior da Magistratura, de 1996, diz que o matrimônio e o óbito representam fatos jurídicos de evidentes repercussões patrimoniais, condicionadas à atuação dos registros públicos, cuja exterioridade é do interesse de todos.

É do interesse de todos a notícia do casamento, do regime de bens e das suas repercussões patrimoniais por conta do óbvio reflexo que tem sobre o patrimônio imobiliário do casal. Isso atende à necessidade de segurança jurídica e atende ao clamor da sociedade pela publicidade eficaz. A clandestinidade não atende aos interesses da função social da propriedade. A função social não pode ser abstrata, deve acontecer na prática. E um dos modos pelo qual a função social da propriedade se instrumentaliza é publicizando a propriedade e os demais direitos reais, de sorte que toda a sociedade possa conhecê-los. Uma das maneiras mais eficazes para essa publicidade seria a adoção do princípio da concentração, ou seja, todos os atos que tenham reflexo sobre o patrimônio do casal devem estar sinalizados na matrícula.

Segundo o registrador espanhol Nicolás Nogueroles, em 2002 a Inglaterra publicou, a lei de propriedade, estabelecendo um prazo de dez anos para que os ônus ocultos sejam extirpados do ordenamento e todos os direitos que refletem diretamente sobre a propriedade sejam atraídos para o registro de terras. Portanto, parece-me que estamos um passo atrás de um país sem tradição no que se refere à proteção da propriedade.

Qual é o interesse na clandestinidade? Por que fazer o cidadão peregrinar de órgão em órgão atrás de inúmeras certidões para ver seus direitos garantidos, se ele pode fazer isso apenas com uma única certidão? Todos os atos com reflexos sobre a propriedade imobiliária – entre eles, casamento, alteração de regime de bens, separação, divórcio, restabelecimento da sociedade conjugal –, devem ser levados ao registro público.

Despatrimonialização das relações matrimoniais

O artigo 1511 do Código Civil, consagrou o elemento pessoal-afetivo como um valor maior a informar as regras na família. O Código Civil de 2002 despatrimonializou as relações matrimoniais dando prevalência ao elemento ético-afetivo nas relações matrimoniais, deixando para segundo plano os valores patrimoniais.

O Estado não deve embaraçar a solução das pendengas patrimoniais entre o casal uma vez que essa interferência poderá constituir obstáculo para a solução de seus problemas. Pelo contrário, o Estado deve facilitar essa solução, de maneira a não causar problemas no seio do lar.

Por isso, o artigo 1511 é uma cláusula aberta, uma técnica legislativa amplamente utilizada na redação do novo Código Civil. Deixando de lado a técnica redacional legislativa anterior, de enumerar casuisticamente os casos, preferiu o legislador de 2002 valer-se de preceitos legais, por meio de formas polissêmicas, para permitir ao juiz aplicar a norma que reclama melhor solução ao caso concreto.

Essas cláusulas abertas têm um conteúdo ético-jurídico informado pelos princípios constitucionais. Significa dizer que devemos partir sempre da interpretação da Constituição, uma vez que as cláusulas abertas constituem modelos hermenêuticos e fornecem rumos para permitir contínua atualização dos preceitos legais. Servem de instrumental para o aparelhamento das vigas mestras do Código Civil novo que, de acordo com o professor Miguel Reale, é informado pelos princípios da eticidade, ou seja, pela prevalência da ética, princípios da socialidade, o que abrange a função social do contrato, função social da propriedade, função social da empresa, função social da família, além de operacionalidade. O Código Civil não pode ser uma lei impossível de ser executada, a lei deve ser operacionalizada e aplicada no caso concreto.

Nesse ponto, podemos afirmar que o direito de família, atualmente, preocupa-se com a felicidade nos lares, que devem ser estruturados e proporcionar oportunidades de afeto e de carinho aos filhos, para que cresçam orientados sobre o que é o amor, estabilidade emocional e psicológica, de modo que desenvolvam plenamente essas potencialidades. Portanto, o Estado não pode antepor ao elemento afetivo o elemento patrimonial. Esse é um problema dos cônjuges, cabendo somente a eles regular suas relações patrimoniais como melhor lhes convier.

Alteração do regime de bens com o antigo e o novo Código Civil

O artigo 230 do Código Civil de 1916 vedava a possibilidade de alteração do regime de bens ao dizer que o regime dos bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável. A redação adotada pelo novo Código Civil introduziu a possibilidade de alteração do regime de bens ao dispor, no artigo 1639, parágrafo segundo, que “é admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

Curiosamente, na contramão do que diz a lei 11.441, essa alteração foi remetida ao juiz, talvez por ser considerado mais seguro. Nesse sentido, já na esteira da nova legislação, por que não adotar a possibilidade de alteração do regime de bens por escritura pública?

Em entrevista ao Boletim INR – Serac, o desembargador José Renato Nalini disse que toda jurisdição voluntária poderia perfeitamente ser atribuída aos notários. Por que não deixar o Judiciário com mais tempo para se dedicar àquilo que realmente é sua tarefa, qual seja a solução de conflito intersubjetivo de interesses qualificado por uma pretensão resistida?

Fazendo uma rápida referência ao Direito comparado, na Itália, essa alteração é possível desde 1943, com o Código Civil italiano. A modificação da convenção patrimonial anterior ou sucessiva ao matrimônio não gera efeitos se o ato não for estipulado com o consentimento de todas as pessoas que participaram da mesma convenção ou de seus herdeiros. Na Itália, não se exige intervenção judicial para essa modificação.

Na Espanha, também é possível essa modificação. Segundo o artigo 1.317 do Código Civil espanhol, a modificação do regime econômico matrimonial realizado durante o matrimônio, não prejudicará em nenhum caso os direitos adquiridos por terceiros. No entanto, o ato é feito por escritura pública e averbado no registro civil.

Na França, de acordo com o artigo 1396 do Código Civil francês, a alteração do regime de bens pode ser feita quantas vezes o casal quiser, e pode ser feita por notário, porém, depende de homologação judicial. Numa peculiaridade da legislação francesa, a modificação do regime de bens deve ser levada ao registro civil e só produzirá efeitos três meses após a ação.

Na Alemanha, o regime de bens também pode ser livremente modificado, ressalvados os direitos de terceiros, segundo o parágrafo 1.415 do Código Civil alemão, e também deve ser levado aos registros públicos para terem oponibilidade erga omnes, segundo o parágrafo 1.412, alínea II, do BGB. Durante a realização dessa pesquisa, não encontrei elementos para identificar se o registro público de que trata esse artigo seria o registro civil ou o registro de imóveis.

Há 25 anos, Orlando Gomes já dizia que não há razão para manter essa proibição, referindo-se ao artigo 230 do CC de 1916, que proibia a alteração do regime. O direito de família aplicado, isto é, que disciplina a relação patrimonial entre os cônjuges, não tem o cunho institucional de direito de família puro. Tais relações se estabelecem, mediante pacto, pelo qual têm os nubentes a liberdade de estipular o que lhes aprouver. Por que proibir que modifiquem cláusulas do contrato que celebraram, mesmo quando o acordo de vontades é presumido por lei? Que mal há na decisão de cônjuges casados pelo regime da separação de o substituírem pelo da comunhão? É necessário apenas que o exercício desse direito seja controlado a fim de impedir a prática de abusos.

A primeira dúvida que surgiu quando o novo Código Civil entrou em vigor foi se era possível alterar o regime de bens adotado na vigência do Código Civil de 1916. Pessoas já casadas poderiam valer-se da novidade legislativa?

O grande argumento dos que entendiam que quem já era casado não poderia mudar o regime de bens era o artigo 2.039 do Código Civil, que diz que “o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior é o por ele estabelecido”. Muitos autores entenderam que esse artigo vislumbrava a impossibilidade de alteração do regime de bens para quem já era casado.

Uma das primeiras decisões nesse sentido foi tomada, em 22 de outubro de 2003, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na apelação cível do desembargador Sérgio Fernando, que entendeu que o artigo 2.039 se aplica às regras que disciplinavam cada regime de bens e que sofreram alteração no novo Código Civil.

Se compararmos as regras dos dois códigos civis, vamos ver que alguns regimes tiveram particularidades alteradas. O artigo 2.039 faria referência a essas alterações, ou seja, quem era casado antes do advento do novo Código Civil e tinha seu regime de bens da comunhão parcial regulamentado pelas regras anteriores, permaneceria regulamentado pelas regras anteriores. Esse é o sentido e o alcance do artigo 2.039. Por exemplo, atualmente, na separação de bens não há mais necessidade de vênia conjugal para os atos elencados nesse artigo. No entanto, para quem era casado antes do advento do novo Código continuaria existindo a exigência de vênia conjugal.

De acordo com o Código Civil de 1916, alguns bens estavam excluídos no regime da comunhão universal. Quem era casado em comunhão universal pela vigência do antigo Código, continuaria tendo esses bens excluídos, mesmo com o novo Código. É nesse sentido que o artigo 2.039 veio dizer que as regras anteriores de cada regime de bens permanecem. Atualmente, quem se casar sob o regime da comunhão universal, terá aplicado a regra do novo Código Civil.

Na comunhão parcial de bens, também não são mais excluídos os bens relacionados no artigo. Antes eram excluídos, com uma pequena diferença em relação aos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge.

Ainda sobre o artigo 2.039, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, diz num acórdão que podemos interpretá-lo no sentido de que ali se explica que a vigência da nova lei, pela novidade de alguns de seus dispositivos, não implica automática modificação do regime de bens. Ali não há referência à imutabilidade do regime de bens, mas apenas se estabelece que, mesmo com a vigência do novo Código, o regime de bens do casamento preexistente continua o mesmo. Não há modificações automáticas, totais ou parciais, em decorrência da alteração de alguns dos princípios antigos. E o acórdão conclui pela possibilidade da alteração do regime de bens, mesmo que o casal tenha contraído matrimônio na vigência do Código Civil passado .

Em citação feita pelo professor Silvio Rodrigues logo após a vigência do novo Código Civil – em obra de cuja atualização participaram os professores Zeno Veloso e Francisco Cahali –, ele diz que as pessoas casadas sob a égide da lei anterior podem beneficiar-se da mutabilidade do regime de bens introduzida pelo parágrafo segundo do artigo 1.639 do novo Código Civil.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não destoou e entendeu que o casal que escolheu originariamente o regime da comunhão parcial, e que prefere agora a comunhão universal, cuja alteração permitirá o saque pela esposa do saldo de fundo de garantia ao qual tem direito, é perfeitamente possível, embora o casamento tenha sido celebrado na vigência do Código Civil de 1916.

Pacificando a matéria, o STJ, mediante recurso especial, decidiu que “apresenta-se razoável não considerar o artigo 2.309 como óbice à aplicação de norma geral, concernente à alteração instrumental do regime de bens nos casamentos ocorridos sob a égide do Código Civil passado, desde que ressalvados os direitos de terceiros, apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido, não havendo que se falar em retroatividade legal...”.

Esse recurso foi conhecido e provido para admitir-se a possibilidade de alteração do regime de bens adotado por ocasião de matrimônio realizado na vigência do Código Civil de 1916.

E o regime da separação obrigatória, será possível alterar? O Código Civil traz três hipóteses que obrigam a eleição desse regime. Primeiro, as pessoas que contraem o casamento com a inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento. Por que impedir a mudança do regime de bens após essas causas suspensivas terem sido superadas? Superadas as causas suspensivas que obrigaram a adoção do regime da separação obrigatória, é tranqüila a conclusão de que não há motivo para impedir que os cônjuges possam alterar o regime da separação obrigatória para outro de sua livre escolha.

A segunda hipótese se refere às pessoas maiores de sessenta anos, casadas sob o regime da separação obrigatória. Elas podem alterar o regime de bens? Foi desenhada pela doutrina e pela jurisprudência a tendência aparente da não-possibilidade de alteração. No entanto, um desses acórdãos foi considerado pelo ministro Cezar Peluso como flagrantemente inconstitucional e um desrespeito ao princípio da dignidade humana, uma vez que parte do pressuposto de que a pessoa, no exato momento em que completa sessenta anos torna-se um adolescente desvairado, não tem mais juízo para cuidar de seus bens e vai cair em qualquer conto do baú. Para o ministro Peluso, essa interpretação é absolutamente desarrazoada, entendendo que é possível a alteração do regime de bens. No entanto, parece que a tendência é a de prevalecer a idéia da impossibilidade de alteração de seu regime de bens.

Por fim, os nubentes que dependem de suprimento judicial para casar. A idéia é a mesma das causas suspensivas, ou seja, vencidas as hipóteses que obrigaram a buscar o suprimento judicial para o casamento, por que não autorizar a alteração do regime de bens? Não faz sentido que uma pessoa casada pelo regime da separação obrigatória de bens, porque não tinha completado a idade, tenha de ficar amarrada a essa condição mesmo depois de quarenta anos de casamento.

É necessário fazer pacto antenupcial? Entendemos que não porque a alteração do regime de bens é um sucedâneo do pacto antenupcial. É um procedimento de jurisdição voluntária, portanto, as partes poderão livremente contratar o seu regime de bens, ou mesmo misturá-los. No Brasil, o princípio da livre estipulação do regime de bens permite que as partes contratem regimes híbridos inominados. Por exemplo, a pessoa pode escolher que determinados bens serão regrados pelo regime da comunhão parcial e outros bens pelo regime da comunhão universal.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul regulamentou a matéria no provimento 24/2003, esclarecendo expressamente que a modificação do regime de bens do casamento decorrerá de pedido manifestado por ambos os cônjuges em procedimento de jurisdição voluntária, devendo o juiz competente publicar edital no prazo de trinta dias, a fim de imprimir a devida publicidade da mudança, visando resguardar o direito de terceiros.

Precedência das razões invocadas

Esse é um tema que também desperta dúvidas.

O enunciado 113 da I Jornada de Direito Civil veio estabelecer que “é admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza,exigida ampla publicidade.”

Parece desnecessária a expressão perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza. Já não estão ressalvados os direitos de terceiros? Se houver prejuízo a terceiro, a alteração será ineficaz com relação a eles.

Existem aqueles que temem a possibilidade de pressão do cônjuge mais forte sobre o cônjuge mais fraco. O cônjuge que tem ascendência sobre o outro poderá impor condições sob ameaças veladas, fazendo com que o cônjuge mais fraco aceite uma alteração desfavorável para si. A sugestão para esse problema seria a realização de audiência para que o juiz verifique se está havendo vício da manifestação de vontade.

Efeitos ex nunc  e ex tunc

Como fica o patrimônio existente quando o regime de bens é alterado? É necessário, primeiro, saber se essa alteração terá efeitos ex nunc, ou seja, se terá efeitos daqui para frente,ou se essa alteração terá efeitos ex tunc, ou seja, vai alcançar o patrimônio já existente.

Em 2003, logo no início da vigência do novo Código Civil, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu que a modificação só teria efeitos sobre os bens adquiridos posteriormente. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, porém, entendeu que a alteração do regime de bens pode ser efetuada a qualquer tempo com efeitos retroativos à data do casamento, ressalvados os direitos de terceiros. Portanto, a alteração teria efeitos ex tunc porque alcançaria o patrimônio já existente. Ora, não existe o princípio da livre estipulação dos bens? Como dissemos, o Estado não deve se intrometer nas questões patrimoniais uma vez que deve prevalecer o elemento ético-afetivo nas relações matrimoniais.

Em acórdão do TJRS – apelação cível 70 009 665 415 –, o desembargador relator Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, citando o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, assenta em seu voto que “face ao princípio da livre estipulação (art. 1.639, caput), sendo possível estipular regime não regrado no código, a mudança poderá, a critério dos cônjuges, operar-se a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória, caso em que teríamos a criação de um regime não regrado no CC.” 

Portanto, é necessário fixar que a alteração do regime de bens inaugura um novo statu iuris paraa propriedade imobiliária. Isso quer dizer que, alterado o regime de bens, valerá aquilo que ficou estabelecido da alteração para frente. Não vamos mais voltar no tempo para saber, por exemplo, o que se comunicou ou o que não se comunicou à época do casamento. O que importa agora é o que ficou valendo na alteração.

Registro da partilha por escritura pública

Podemos fazer o registro da partilha por escritura pública? Sim, é possível se considerarmos os termos dos artigos 499 e 108 do Código Civil. No entanto, há decisões no Estado de São Paulo que reconhecem que o termo feito pelo escrivão nos autos também é válido. Há decisões dizendo que são dois atos registrais que devem decorrer do processo no qual foi homologada a alteração do regime de bens do casal. O primeiro é relativo à própria alteração do regime e o segundo pertinente à partilha.

Portanto, não há dúvida de que a partilha de bens deve ser feita caso haja atribuição de um bem que antes era comum para apenas um dos cônjuges, ou se, eventualmente, alguém ficou com parte maior do que lhe cabia. A partilha terá de ser feita, homologada e levada a registro, devendo ser verificadas as questões tributárias.

De qualquer maneira tem de ser fixado que a partilha feita na alteração do regime de bens tem de ser homologada, diferentemente do que diz a lei 11.441. De acordo com o que colhemos de um curso promovido pelo professor Washington Monteiro, se a modificação alcançar o patrimônio adquirido anteriormente, deverá ser apresentada a relação de bens e feita a partilha, por exemplo, no caso de transformação do regime de comunhão em separação. Se houver, portanto, atribuição de bem antes comum a só um dos cônjuges, ou diferença de quinhão, a partilha tem de ser feita e registrada.

Geralmente o formal de partilha tem que atender aos requisitos de qualquer título apresentado ao registro de imóveis. Deve ser verificada a incidência de imposto de transmissão, deve conter o termo nos autos de partilha, sentença homologatória com certidão de trânsito em julgado, na forma do artigo 1.575 do Código Civil, combinado com as normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Também deverão ser apresentados o valor venal e a certidão de casamento com a alteração já averbada. A alteração do regime deve ser averbada pelo registro civil, que expedirá nova certidão de casamento e, em seguida, a partilha será levada a registro.

Não haverá partilha se não houver alteração da titularidade subjetiva, ou seja, o que era comum continuará sendo comum, o que era próprio continuará sendo próprio. Podemos fazer aquilo que já estamos acostumados, averba-se a separação ou o divórcio e o que era comum em função do regime de bens passa a ser comum, agora pela disciplina do condomínio ordinário do Código Civil. Houve apenas uma alteração do regime jurídico da co-propriedade. Nesse caso não se trata de registro, o ato é de averbação, com a apresentação de simples requerimento, firma reconhecida pelo tabelião e a certidão de casamento onde conste averbada a alteração do regime de bens.

Se a pessoa é casada sob o regime da comunhão parcial – em que há dois patrimônios, isto é, o que é particular de cada cônjuge e o que é comum dos dois –, e pretende alterá-lo para o regime da separação, os bens que eram particulares vão continuar sendo particulares, sendo necessário apenas proceder à averbação da alteração. Os bens que eram comuns continuarão sendo comuns, também com averbação da alteração do regime. No entanto, se houver um bem comum que passe a pertencer exclusivamente a um dos cônjuges, a partilha e seu registro terão de ser feitos.

Se houver um bem particular para ser atribuído ao outro cônjuge, a princípio, não se trata de partilha. Se o bem era exclusivo de um e vai ser atribuído a outro, o que temos é uma compra e venda ou uma doação, que terá de ser resolvida por escritura pública, na forma do artigo 108 do Código Civil. No Estado de São Paulo se admite, por decisão do Conselho Superior da Magistratura, que o termo nos autos supra a escritura pública. Essa é uma boa oportunidade para rever a matéria, uma vez que a lei 8.935/94 diz que compete exclusivamente ao tabelião lavrar escrituras públicas. Não parece que seja o caso de estender essa possibilidade ao escrivão judicial.

Nesse sentido, uma decisão de Itapetininga estabeleceu: “se, como regra geral, a competência para a documentação de negócios jurídicos que sejam aptos à transmissão do domínio de bens imóveis de valor superior à taxa legal cabe a tabeliães de notas, tal regra não se reveste de natureza absoluta e comporta exceções relativas a atos jurídicos admitidos em procedimentos judiciais". Não seria o caso de rever esse entendimento? A idéia não é tirar do Judiciário os procedimentos que atrapalham sua atividade essencial, qual seja a solução de lides?

Hipóteses de averbação

Se a pessoa é casada no regime de comunhão parcial e quer alterá-lo para o de comunhão universal, todos os bens passam a integrar o patrimônio comum, sendo necessária somente a averbação da alteração.

Se a pessoa é casada no regime da comunhão parcial e quer alterá-lo para o da participação final nos aqüestos, é preciso atentar para uma peculiaridade. No regime da participação final nos aqüestos cada cônjuge tem patrimônio próprio que somente será levado à partilha por dissolução do casamento. Se houver bens comuns que continuarão a ser comuns, cada um receberá parte ideal de 50% e a alteração do regime de bens será averbada. Se os bens forem particulares e continuarem a ser particulares, a alteração também será averbada. Se o imóvel for atribuído exclusivamente a um dos cônjuges, é preciso distinguir se a atribuição será feita a título gratuito ou a título oneroso. Apenas os bens havidos a título oneroso serão levados ao monte final. Portanto, é necessário verificar se a atribuição está ocorrendo a título gratuito ou a título oneroso para que, por ocasião da dissolução do casamento, seja possível saber se o bem deve ou não ser partilhado.

Como a alteração do regime de bens é um sucedâneo do pacto antenupcial, é possível que se adote a regra do  artigo 1.656 do Código Civil que, no regime da participação final nos aqüestos, permite a dispensa da outorga marital e uxória para a transmissão de bens imóveis.

Se a pessoa é casada no regime da comunhão universal e quer alterá-lo para o da comunhão parcial, os bens comuns continuarão a ser comuns e será feita somente a averbação da alteração. Se o bem for atribuído exclusivamente a um dos cônjuges deverá ser feito o registro da partilha desse bem.

Se a pessoa é casada no regime da comunhão universal e quer alterá-lo para o da separação de bens, os bens comuns continuarão a ser comuns e será feita a averbação da alteração. Se houver atribuição exclusiva do bem a um dos cônjuges, a partilha deverá ser feita e registrada. A mesma regra valerá para a pessoa que alterar seu regime de bens para o da participação final nos aqüestos.

Se a pessoa é casada sob o regime da participação final nos aqüestos e quer alterá-lo para o da comunhão universal, todos os bens vão entrar na comunhão e a alteração do regime será averbada.

Se essa pessoa quiser mudar para o regime da comunhão parcial, os bens continuarão sendo particulares e será averbada a alteração do regime. A transmissão de bens constituirá uma compra e venda ou doação por escritura pública.

Se a pessoa quiser mudar para o regime da separação de bens, a mesma regra será aplicada, ou seja, se houver transmissão de bens, terá de ser feita uma compra e venda ou doação por escritura pública.

*Luciano Lopes Passarelli é registrador de imóveis de Batatais, SP.

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