BE2862
Compartilhe:
Processo e Registro
A forma além do conteúdo
Opacidade no registro:
Menor confiança, maior custo, créditos mais caros
Fernando P. Méndez González [*]
Em minha opinião, quando uma norma é suscetível de interpretações divergentes, o critério prevalecente deve ser o da eficiência. A razão é simples: eficiência e justiça são o mesmo – ainda que essa afirmação possa causar certo desconforto entre juristas, que nutrem a suspeita de que assim perderiam importância e atribuições no âmbito da Justiça. O mesmo se pode dizer dos economistas – que unicamente pensam em termos de eficiência, o verdadeiro nervo da ciência econômica.
Para que se compreenda exatamente o que ficou sobredito, basta que nos fixemos no seguinte: em todos os países há injustiças, mas nos países subdesenvolvidos as injustiças são ainda maiores e muito mais numerosas.
Quando se intentam introduzir medidas que potencializem a eficiência, sempre ocorrem resistências em decorrência da perda de privilégios injustificados de determinados grupos. Maior eficiência exige ausência de privilégios injustificados, vale dizer, mais justiça. A luta pela justiça é a luta pela eficiência e vice-versa. Por essa razão, em países mais desenvolvidos, embora existam injustiças, elas ocorrem muito menos e a economia é mais eficiente, o que permite um maior bem-estar para todos.
No tráfico jurídico-econômico interagem várias instituições que, revestindo-se de distintas configurações, têm como característica comum estar destinadas a simplificar e agilizar as relações jurídicas – ou, em terminologia própria da economia institucional – a diminuir, na maior medida possível, os custos transacionais inerentes a qualquer operação de intercâmbio.
Quanto mais custos de transação sejam poupados, mais transações ocorrerão, e mais recursos serão canalizados para atividades produtivas.
Por essa razão, como dizia Ascarelli, “todo direito incerto é um direito ineficaz, elemento perturbador das relações jurídicas, sendo, portanto, benéficos os esforços tendentes a torná-lo certo e eficaz”. O Registro é exatamente isso: uma instituição dirigida a facilitar as transações imobiliárias, conferindo certeza ao domínio. Isso permite converter a propriedade em um ativo econômico.
Portanto, não há a menor dúvida de que quanto maiores sejam os efeitos jurídicos das inscrições registrais e, em geral, o valor legal dos assentos registrais – vale dizer, quanto maior seja o seu valor probatório ante os tribunais relativamente à titularidade e aos ônus de um imóvel – em maior medida se facilitará a contratação, pois o registro fundamentará a confiança de que é possível a contração entre estranhos (essa é a função do Estado) o que facilitará os intercâmbios, a especialização, o crescimento e o bem-estar.
Os Registros de Direitos são mais eficientes que os de documentos. Pois bem. Sempre insistimos em que a caracterização de um registro de direitos é justamente a de que possa proteger o adquirente de boa-fé, a título oneroso – ainda que o direito do transmitente se resolva por causas que não constem do Registro. Porém, essa regra só é possível porque existe uma outra, da qual não nos podemos olvidar: a presunção de que os direitos reais inscritos no Registro existem e que pertencem a seu titular, na forma determinada pelo assento respectivo. A tal ponto que, realmente, o efeito da fé pública será uma mera conseqüência desta regra. Essa regra – presunção da existência e titularidade do direito na forma determinada pelo Registro – significa, idealmente, que nada que não conste do Registro poderá afetar terceiros. Alterar essa regra significa dar benefícios a uns poucos em prejuízo de todos os demais membros da sociedade.
E isso é muito caro.
Não obstante, é inevitável que o Estado – especialmente a Fazenda Pública – irrogue a si certos privilégios que devem ser muito limitados, pois, do contrário, os demais credores elevarão as taxas de juros no mercado e se dificultará o desenvolvimento do creditício. E se o Estado goza desse privilégio legal para a cobrança de certos créditos fiscais, isso significa que os mesmos poderão afetar terceiros adquirentes sem necessidade de que ninguém o certifique.[1]
Nos demais casos, as ações judiciais que versem sobre o imóvel não podem afetar terceiros adquirentes se não se inscreve no Registro a ocorrência de tais ações. Deste modo, o titular registral, sobre cujo imóvel pese uma demanda judicial, pode aliená-lo, embora esteja gravado com a averbação (ou registro) da demanda judicial. Desse modo, o adquirente saberá, no momento da aquisição, que seu direito estará dependente do desenlace da lide. Se a sentença for favorável ao demandante, perderá o seu direito; em caso contrário, o conservará. Todavia, se, pelo contrário, quando o terceiro venha a adquirir o bem imóvel e no Registro não conste anotado qualquer demanda judicial, ao adquirente, a título oneroso e de boa-fé, não se lhe oporão as ações judiciais eventualmente propostas em face do transmitente, pois haverão de valer a presunção de existência e a titularidade do direito na forma determinada pelo Registro em decorrência do efeito da fé pública.
Naturalmente, não escapam desta regra as ações judiciais por alienação em fraude contra credores ou à execução. Se o imóvel houver sido alienado, sem haver sido pago o imposto correspondente, a lei estabelece que o Estado, sem necessidade do Registro, tem preferência para executar o imóvel em garantia do pagamento do imposto, por um prazo máximo, preferentemente a qualquer outro credor. A execução fiscal afetará terceiros – mesmo que não faça constar tal circunstância no Registro.[2] Nos demais casos, só afetarão terceiros se tais ações figurarem no Registro com anterioridade da inscrição da aquisição.
A posição esposada por Ulysses da Silva (in O registrador imobiliário em face da lei 11.382, de 2006, BE #2810, 22/1/2007) é claramente incompatível, a meu juízo, com as exigências mínimas de segurança e agilidade do tráfico jurídico. Nesse caso, irremediavelmente, acabaria sendo necessário contratar um seguro que cobrisse os riscos relativamente à existência eventual de ações judiciais não publicizadas pelo Registro, já que o adquirente não estaria blindado em face delas.
Certamente, sua interpretação conduz a uma situação mais ineficiente e mais injusta, favorecendo-se a uns poucos – possíveis demandantes – em prejuízo de todos os demais. Em suma: menor confiança, maior custo, créditos mais caros.
Notas
[*] Fernando P. Méndez González é registrador em Barcelona, Espanha. O texto aqui publicado foi elaborado especialmente para o BE-Irib. Tradução: SJ.
[1] No caso brasileiro, calha observar que a Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830, de 1980) no seu art. 7º c.c. art. 14 prevêem o registro da penhora decorrente de executivos fiscais, pese, embora, a regra do artigo 185 do CTN que estabelece a presunção de fraude para os casos de alienação ou oneração de bens ou rendas por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, “por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa”. O registro não é necessário para qualificar a fraude nesses casos. (NT).
[2] Vide nota 1.
Últimos boletins
-
BE 5624 - 17/07/2024
Confira nesta edição:
Você conhece a parceria IRIB e YK Editora? | Resolução CD/ANPD n. 18, de 16 de julho de 2024 | PEC n. 65/2023: Presidente da ANOREG/BR e da CNR escreve artigo sobre o tema | AEDO: CNJ reforça importância de concluir cadastro para ser doador de órgãos | Governo Federal afirma que reforma tributária será positiva para compra e venda no setor imobiliário | TAC7: RH e Finanças para Cartórios | IX Congresso Internacional de Direitos Humanos de Coimbra: uma visão transdisciplinar | XXIII Congreso Internacional de Derecho Registral IPRA-CINDER | A revolução dos empreendimentos multifamily, suas oportunidades e desafios – por Debora de Castro da Rocha e Edilson Santos da Rocha | Jurisprudência do TJMG | IRIB Responde.
-
BE 5623 - 16/07/2024
Confira nesta edição:
Envie seu artigo para publicação no Boletim do IRIB | CN-CNJ expede Provimento sobre permissão de lavratura de instrumento particular para negócios translativos de créditos reais | Cidades com população de até 50 mil pessoas serão beneficiadas com PMCMV | CCJ do Senado Federal analisará Projeto de Lei que criminaliza invasão e ocupação de praias | TAC7: RH e Finanças para Cartórios | IX Congresso Internacional de Direitos Humanos de Coimbra: uma visão transdisciplinar | XXIII Congreso Internacional de Derecho Registral IPRA-CINDER | Comentários ao prov. 172 do CNJ – Escritura pública na AFG – por Vitor Frederico Kümpel e Natália Sóller | Jurisprudência do TJDFT | IRIB Responde.
-
BE 5622 - 15/07/2024
Confira nesta edição:
XLIX ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL: FAÇA SUA INSCRIÇÃO COM DESCONTO! | Portaria MCID n. 682, de 12 de julho de 2024 | Solução de Consulta RFB n. 205, de 11 de julho de 2024 | NUGOTERF-CGJ/MT alinha primeiras ações do grupo | Reforma tributária: operações imobiliárias poderão ter alíquotas reduzidas | IX Congresso Internacional de Direitos Humanos de Coimbra: uma visão transdisciplinar | XXIII Congreso Internacional de Derecho Registral IPRA-CINDER | Notas sobre a “intimação única” do fiduciante na alienação fiduciária de múltiplos imóveis – por Mauro Antônio Rocha | Jurisprudência da CGJSP | IRIB Responde.
Ver todas as edições
Notícias por categorias
- Georreferenciamento
- Regularização fundiária
- Registro eletrônico
- Alienação fiduciária
- Legislação e Provimento
- Artigos
- Imóveis rurais e urbanos
- Imóveis públicos
- Geral
- Eventos
- Concursos
- Condomínio e Loteamento
- Jurisprudência
- INCRA
- Usucapião Extrajudicial
- SIGEF
- Institucional
- IRIB Responde
- Biblioteca
- Cursos
- IRIB Memória
- Jurisprudência Comentada
- Jurisprudência Selecionada
- IRIB em Vídeo
- Teses e Dissertações
- Opinião
Últimas Notícias
- Resolução CD/ANPD n. 18, de 16 de julho de 2024
- Carta de Arrematação. Compromisso de compra e venda. Modo derivado de aquisição da propriedade. Continuidade registral.
- Compra e Venda – escritura pública. Desmembramento não averbado. Matrícula própria – ausência. Legalidade. Continuidade.