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Palestra do IX Seminário de Direito Notarial e Registral: lei 11.441/2007


Palestra proferida no IX Seminário de Direito Notarial e Registral de São Paulo, realizado no dia 12 de fevereiro de 2007,no Centro de Convenções Stadium Alphaville, em Barueri, SP.

Lei 11.441/2007: efeitos e defeitos  
Euclides Benedito de Oliveira*

Ouvi dizer que alguns tabeliães ainda não estão aplicando a lei em seus cartórios, outros sim. É necessário ter cautela, uma vez que existem muitas dúvidas pendentes. Vamos falar desses pontos controvertidos, lembrando que a responsabilidade do notário é muito grande em todos os atos, e agora mais ainda com esse novo campo de atividade profissional, que vai exigir preparo extraordinário do notário e do registrador.

Como é possível fazer uma escritura de partilha sem saber qual é a ordem da vocação hereditária? Sem saber o que é concorrência sucessória? Esses são temas novos, será que teremos de esperar algum caso surgir no balcão do cartório para saber responder? É por isso que louvo a iniciativa da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo, do IRIB e do CNB-SP de proporcionar este debate. Somos os soldados dessa nova batalha de aplicação do Direito. Estamos na trincheira e temos de dar respostas rápidas, daí a necessidade dessa reciclagem profissional.

A situação anterior com relação à separação, divórcio e inventário era resolvida pela via judicial. A matéria é regulada no Código Civil e no Código de Processo Civil, em artigos que cuidam de cada um dos tópicos. No entanto, a situação atual consta na lei 11.441, de 5 de janeiro de 2007, que permitiu a escritura pública para a separação e divórcio consensuais desde que não haja filhos menores ou incapazes, bem como a realização de inventário e partilha por escritura pública. Esse será nosso campo de atividade, uma extensão do trabalho do notário, com as condições impostas pela lei.

Houve a passagem de processos, que antes corriam em varas judiciais, para a esfera administrativa, o que trouxe algumas questões complicadas. Por exemplo, quando se pergunta o estado civil de uma mulher e ela responde que está separada, que tipo de separação será essa? Será separada de fato, separada de corpos, separada judicialmente, ou ainda, separada em cartório?

Pode ser que alguém possa argüir a inconstitucionalidade da lei porque, se a separação judicial pode ser convertida em divórcio judicial, será que a separação administrativa poderá ser convertida em divórcio administrativo? A resposta é positiva, é claro que sim.

O parágrafo sexto, do artigo 226, da Constituição, dispõe que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano, nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

A Constituição fala em separação judicial, ela não foi modificada. Será que uma lei, que é norma infraconstitucional, pode alterar a Constituição? Não. Será que houve uma alteração ou apenas uma ampliação para uma outra situação não prevista na Constituição? A rigor, deveria haver uma Emenda constitucional para dizer que o divórcio pode ser concedido por conversão após um ano de separação, sempre judicial. Nesse sentido, o judicial atrapalha um pouco, mas creio que ninguém levantará essa questão, trata-se apenas de uma matéria nova a ser discutida.

No caso de inventário sem testamento, permito-me fazer uma pequena crítica à lei. Por que inventário sem testamento? Quem, via de regra, faz o testamento público é o tabelião. Ora, se o tabelião faz o testamento por que ele não pode executá-lo?

Há certa incongruência na lei, que deveria ser mais ampla nesse sentido. Tudo bem que é exigida a participação do Ministério Público, como ocorre nas escrituras de compra e venda que envolvem menores. Quando decorre de uma vara judicial, não tem que se levar ao promotor? Isso é comum. Portanto, essa é uma crítica ao legislador que não colocou ampliou essa possibilidade.

Sou completamente favorável à lei, muito embora acredite que deve haver extremo cuidado na aplicação dela. Essa lei não é uma grande novidade.  Na Argentina, na Itália, em Portugal, em outros países, já se faz isso.

Em Portugal, o Código Civil português prevê o divórcio consensual e a separação judicial feitos na Conservatória do registro civil, e não no tabelião. Pensando bem, por que, no Brasil, ficou a cargo do tabelião? Porque são eles que fazem as escrituras? Mas o registro civil não poderia ter uma ampliação da sua competência para fazer essas escrituras? Não é o registro civil que faz os casamentos, que está acostumado a ouvir as partes, aconselhar sobre regime de bens e orientar quanto ao futuro? Não entendo por que essa atribuição não foi dada ao registro civil.

Em Portugal, se houver decisões sobre filhos menores, se já houver pensão fixada em juízo, a separação consensual pode ser feita. No Brasil, só podemos fazer se não houver filhos menores ou incapazes. Ainda que resolvida a questão na esfera judicial, pelos termos da lei, não poderíamos fazer. Penso que essa é uma questão que poderá ser modificada no futuro.

O Código Civil português também prevê expressamente a reconciliação por escritura sem necessidade de ir ao juízo. Isso a nossa lei não previu. Portanto, a meu ver, a lei é fraca e tímida. Há um grande conteúdo nesse pequeno frasco. A lei foi sintética, mas deixou em aberto muitas questões. Modificou artigos do Código de Processo Civil, mas não modificou o Código Civil. O CPC é instrumentalização da lei material, qual seja o Código Civil. A separação e o divórcio não são mais tratados na Lei do Divórcio, mas sim, no Código Civil (Art. 1571 e seguintes). Entretanto, a nova lei não faz nenhuma menção ao Código Civil, somente ao CPC, como se não existisse a lei material.

Inventário é a mesma coisa. Esquece-se que o Código Civil trata de sucessões hereditárias num capítulo com cerca de 200 artigos, já o CPC instrumentaliza a matéria em apenas alguns artigos, cerca de vinte.

A lei também não é muita novidade no Brasil, uma vez que notários já faziam muitos atos ligados a esse temário, principalmente no campo dos inventários. Não esqueçamos que o tabelião fazia escritura de partilha amigável desde o Código Civil de 1916, muito embora a maioria das pessoas preferia fazer em juízo. Também podia fazer, e faz, testamento, cessão de direitos hereditários – matéria que hoje é de exclusiva competência do tabelião, por meio de escritura pública (Art. 1793 do CC) – renúncia de herança etc. Portanto, não há necessidade de se ter receio quanto à novidade, trata-se apenas de um complemento daquilo que já se faz e, de outro lado, de um alívio para o Judiciário.

Na verdade, esse alívio é muito pequeno. Fui juiz de família durante 10 anos e tenho algumas estatísticas. Cerca de 20% das ações se referem à separação em juízo, e 10% se referem às separações consensuais. Portanto, o alívio é pequeno, no entanto, se não há litígio por que ir ao Judiciário?

A primeira grande questão importante da lei é que esse serviço é opcional. A pessoa pode escolher tanto o Judiciário quanto o cartório para fazer a separação e o divórcio. Ainda há pessoas que não acreditam que estarão definitivamente divorciadas se procederem à escritura pública. Se tivesse de orientar às partes, eu sugeriria o tabelionato por ser mais rápido, fácil, e até mais agradável do que ir ao fórum. É muito mais cômodo o cliente ir ao cartório, ao escritório do advogado, e, até mesmo, resolver a situação em sua própria casa. Por que não? O cartorário pode se deslocar até a casa do cliente desde que sejam observados os limites de sua circunscrição.

Quanto ao advogado da parte, trata-se de figura essencial. Em 1982, a OAB não deixou passar uma lei que instituía o inventário administrativo, a lei 7.019/82. Essa lei acabando ficando diferente de sua proposta original uma vez que a OAB temia a diminuição do trabalho do advogado e acreditava que geraria insegurança jurídica, além de outros argumentos. Essa lei era para ter sido exatamente igual à lei 11.441, acabou não dando certo porque a OAB não foi consultada.

Agora sim, os advogados têm de assistir as partes, o que dá segurança a elas e também ao cartório. Por isso é preciso que se tenha muito cuidado, não pode haver indicação de advogado pelo notário. Os tabeliães que fizerem essa indicação poderão colocar em descrédito o seu trabalho. Nesse ponto, a ética também tem de ser lembrada, consulte sempre a OAB, a defensoria pública, ou então, que cada parte escolha o seu advogado, que pode ser um para as duas partes ou um para cada, tanto nas separações e divórcios quanto nas partilhas e inventários.

É necessário que se faça a perfeita identificação dos advogados, seja por meio de procuração assinada pelas partes, e o tabelião menciona que foi apresentada a procuração, ou faz-se no próprio ato da escritura a declaração de que as partes trouxeram advogado para assisti-las na escritura. Essa identificação é fundamental uma vez que pode acontecer de alguém aparecer se intitulando advogado sem o ser, sendo apenas um bacharel em Direito. É importante que se exija a carteira de inscrição na OAB.

O inventário e partilha por escritura pública foi possível na nova lei mediante alterações do Código de Processo Civil – artigos 982 e 983. A lei só traz três artigos de fundo e mais dois artigos em vigência, creio que o legislador poderia ter regulado melhor essas questões.

Ainda persiste o inventário judicial. Apenas se pode fazer inventário por escritura pública de todas as partes forem maiores e capazes, e não houver testamento. O artigo 983 foi alterado apenas quanto à questão dos prazos para a abertura do inventário judicial e por escritura.

A partilha consensual entre maiores e capazes deve ser homologada pelo juiz?

O prazo agora é de 60 dias para abertura da sucessão e de 12 meses para o encerramento. Esse é apenas um prazo recomendado uma vez que, mesmo fora do prazo, pode e deve ser providenciado o inventário e a partilha dos bens da pessoa falecida.

Também foi alterado o artigo 1.031 do CPC, que trata do arrolamento sumário de bens, novo campo de atuação dos notários.

Essa alteração foi feita apenas para modificar a referência antiga ao artigo 1.773 do Código Civil revogado, passando ao artigo 2.015 do Código Civil novo. O artigo 1.031 foi modificado para atualizar e colocar a referência ao novo Código Civil. É esse artigo que contém a regra sujeita à homologação judicial.

A partilha amigável feita entre maiores e capazes deve ser levada ao juiz para homologação? Existe um aparente conflito de normas, o que traz uma dúvida crucial.

Muitas pessoas estão entendendo que a nova redação do artigo 1.031 refere que as escrituras de inventário e partilha têm de ser levadas à homologação judicial.

Walter Ceneviva escreveu, em sua coluna da Folha de São Paulo, que acredita na necessidade de homologação judicial. Errado. O artigo 1.031 foi corrigido e vale tão-somente para os arrolamentos sumários feitos em juízo. É claro que em juízo a partilha tem de ser homologada, mas não se feita no moldes do artigo 982, que prevê que a escritura lavrada pelo tabelião vale como título hábil para o registro imobiliário. Sendo válido como título para o registro, então independe de homologação judicial. É, portanto, um conflito aparente. O artigo 1.031 existe apenas para os arrolamentos sumários feitos em juízo, se houver testamento ou se as partes assim o quiserem.

Se entendêssemos que o artigo 1031 exige homologação judicial nas escrituras de partilha amigável, estaríamos dando um salto para trás e contrariando o artigo 982. A ementa da lei fala em separação, divórcio, inventário e partilha pela via administrativa. Ou seja, para nós, esse artigo não tem valor algum.

A questão dos prazos não é fatal, mas é muito importante que quem esteja na posse dos bens faça o mais rápido possível o inventário antes que alguém o faça. Esse alguém pode ser algum herdeiro, um cessionário, um credor, ou alguém que não está na posse dos bens, que pega a posição de inventariante e assume as rédeas do processo. Desse modo, o prazo é muito importante na via judicial para dar prioridade a quem administra os bens. Na via extrajudicial pode acontecer, mas é mais difícil uma vez que os inventários são feitos em cartórios apenas se houver consenso entre as partes.

Para atraso superior a 60 dias é cobrada multa de 10% no recolhimento do imposto. Se passar de 180 dias, a multa é de 20%, mais correções e juros.

Competência

Competência funcional, competência territorial e competência quanto aos bens. Essas são regras do Direito processual, mas que se aplicam neste caso, subsidiariamente.

Competência funcional: o tabelionato fará a escritura

O texto da lei diz que o tabelião fará a escritura. Segundo Zeno Veloso, ao falar em tabelião, a lei utiliza linguagem figurada para referir-se ao tabelionato, cujos profissionais estão autorizados para a prática desses atos, seja o tabelião substituto, seja o escrevente. Essa é a interpretação mais acertada, a meu ver.

A lei 8.935 de 1994, que regula a atividade dos notários e dos registradores, diz que é privativo do tabelião. O testamento, com o novo Código Civil, pode ser feito por seu substituto. A referência ao tabelião não é stricto sensu.

Competência territorial: em qualquer tabelionato do país

A escritura pode ser feita em qualquer tabelionato? No que diz respeito ao inventário, a lei processual civil dispõe que é competente o foro do último domicílio do falecido. Ou seja, não pode ser feito no lugar onde ele tenha bens, ou onde morreu, mas no local de sua última moradia. No entanto, essa competência vale para as ações judiciais, e não para as escrituras realizadas em cartório, uma vez que a nova lei não menciona o lugar. Portanto, a conclusão que se tem extraído é a de que pode ser feita em qualquer tabelionato do país.

Porém, vamos convir que essa abertura traz uma certa insegurança porque nunca se sabe ao certo onde foi feito o inventário. Nesse sentido, a Corregedoria está criando controles através de uma Central de separações, divórcios, partilhas e inventários. Se houver centrais estaduais e uma central federal que informe se foi aberto um inventário, ou se alguém se separou, o controle será possível e muito útil para essa disseminação.

Competência quanto aos bens: território nacional

Um detalhe simples que muitas vezes leva à confusão é que somente se pode levar a inventário bens situados em território nacional (art. 89, inciso II, CPC). Se a pessoa falece no Brasil, tinha bens no país, mas também deixa bens, por exemplo, em Portugal, tem de ser abertos dois inventários, um no Brasil e outro em Portugal. Isso acontece porque nossa competência é delimitada por questões de soberania nacional.

Sucessãocausa mortis: legítima

Antes de fazer o inventário é preciso conhecer as regras da sucessão causa mortis. Existem duas espécies de sucessão: a sucessãocausa mortis e a sucessão hereditária. Vamos nos restringir à sucessãocausa mortis, que pode ser legítima ou testamentária.

A sucessão testamentária não possibilita a escritura de partilha, ficamos com a sucessão legítima, que é aquela que se dá em favor de pessoas nomeadas na lei, segundo a ordem da vocação que estabelece quem são os herdeiros.

Alguns herdeiros são mais herdeiros do que os outros, os chamados herdeiros necessários, uma vez que a eles compete, necessariamente, a metade da herança, a legítima. São eles os descendentes e os ascendentes, de acordo com o antigo Código Civil. No novo Código, o cônjuge também foi contemplado como herdeiro necessário.

Se a pessoa estiver numa dessas classificações, tem direito à metade da herança – a legítima –, e a outra metade, a disponível, pode ficar para outra pessoa. Portanto, a posição do herdeiro necessário está consagrada.

Exclusão da herança

Em outras situações, entretanto, existe a exclusão da herança. Há situações em que a pessoa é descendente ou ascendente, mas não tem direito, ou perde o direito à herança por exclusão. Pode ocorrer de comparecerem as partes João, Maria e filhos, mais o viúvo ou a viúva, e dizer que desejam que tudo fique para João porque ele está desempregado e precisa mais do que os outros. Nesse caso, o tabelião faz uma escritura de renúncia.

A escritura de renúncia pode ser lavrada no próprio termo da escritura de partilha? Penso que sim. Um ato notarial pode abranger diversos fins. A cobrança é feita de forma separada ou cumulativa? É bom lembrar que, no caso de renúncia, o valor volta ao monte e não vai para aquela pessoa que se desejaria de fosse, às vezes, a mãe ou algum irmão. Se alguém deseja que sua cota de renunciante fique para determinada pessoa, não se pode esquecer que a renúncia tem de ser feita conforme uma cessão de direitos, na verdade, uma renúncia imprópria, translativa, em favor de. Nesse caso, a pessoa está aceitando e dando o passe a outro. A pessoa recebe em causa mortis e transmite inter vivos, portanto, incidem dois impostos.

Também pode haver exclusão da herança por força de lei, ou do testamento, se houver a prática de um ato grave e ofensivo à pessoa do testador. São os casos de indignidade e deserdação. Por exemplo, o caso de Susane Von Richthofen, que cometeu matricídio e parricídio.

O antigo Código Civil não tratava da cessão de direitos hereditários. O atual Código Civil exige, nos artigos 1791 a 1795, principalmente no artigo 1793, que primeiro se tenha por objeto a herança como um todo. Portanto, como regra não pode haver cessão de direitos de bem individuado, a não ser que haja acordo geral dos herdeiros e o próprio juiz autorize.

Existe a cessão de direitos hereditários da parte que a pessoa tem na herança. É claro que se ela for herdeira única pode vender tudo ou parte dos bens, mas esse é um caso excepcional. Se houver mais de um herdeiro, cada um tem direito à parte ideal, logo, não se pode vender algo que não se sabe de quem será no momento da partilha. É por isso que há proibição. Isso também tem de ser feito por escritura pública, creio, no próprio ato da escritura de partilha.

É preciso lembrar que os co-herdeiros têm preferência. No entanto, como está sendo feito no próprio ato, com a presença de todos, já se dá ciência de que se tem a concordância dos co-herdeiros na cessão a estranho, para evitar que uma pessoa de fora venha a ser condômina dos herdeiros.

Direito material quanto à ordem da vocação hereditária

Atualmente, no Brasil, ninguém sabe quem são os herdeiros, tamanha a balburdia legislativa que o Código Civil trouxe nesse campo.

Houve uma mudança total na ordem de chamamento dos herdeiros. A vocação hereditária é o chamamento e a ordem de convocação para ser herdeiro.

No Brasil colonial, no tempo da consolidação das leis civis, vinham os descendentes, e entre eles havia a ordem dos mais velhos, depois os ascendentes, os colaterais até o décimo grau e, por último, o cônjuge.

A ordem da sucessão sofreu algumas mudanças. Os herdeiros legítimos, que antes eram os descendentes e ascendentes, agora seguem uma ordem estabelecida no artigo 1.829 Código Civil de 2002.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.”

Descendentes são os filhos, ou netos, na falta dos primeiros, e se não houver cônjuge ou companheiro. Se não houver descendentes, a sucessão legítima passa para os ascendentes – pais, avós e bisavós. A divisão é feita por linha, a linha paterna recebe metade e a linha materna a outra metade, diferentemente do que ocorre com os descendentes cuja divisão se faz por classe e graus.

Os ascendentes sempre concorrem com os cônjuges. No México, esse sistema funciona há bastante tempo – ao falecer alguém sem filhos, os ascendentes recebem a metade da herança e o cônjuge a outra metade, independentemente do regime de bens. Na falta do cônjuge, ela vai para os colaterais até quarto grau. Não devemos esquecer que pode haver companheiro sobrevivente.

Concorrência sucessória: pressupostos e critérios

O instituto da concorrência é uma novidade absoluta tanto em relação ao cônjuge quanto no que diz respeito ao companheiro, como foi com a união estável e agora com a união homossexual. Esse instituto é, na verdade, uma divisão da herança entre descendentes e cônjuges, e ascendentes e cônjuges, mas que é feita com base em determinados pressupostos e critérios.

Como sabemos, o cônjuge tem direito à meação, que não se confunde com a herança. A meação é aquilo que se apura de acordo com o regime de bens do casal. Se o regime for o da comunhão universal, em geral a meação cai sobre tudo, exceto sobre bens incomunicáveis. Na comunhão parcial, a meação cai somente nos bens havidos durante a convivência, observados os critérios do artigo 1.659 e seguintes do Código Civil.

Os pressupostos dependem do regime de bens. O artigo 1.829 diz que o cônjuge concorrerá com os descendentes, salvo no regime da comunhão universal ou da separação obrigatória de bens. O legislador usou da negativa salvo se. Ao invés de negar, se o regime for um desses, seria mais fácil dizer que o cônjuge concorrerá com os descendentes se for casado no regime: da separação convencional de bens; da comunhão parcial de bens, se houver bens particulares; e da participação final nos aqüestos, se houver bens particulares.

É bom lembrar que o cônjuge somente tem direito a concorrer à herança se não estiver separado judicialmente, e nem divorciado. Nesse sentido, existem também os separados de fato. No Brasil, muitas pessoas não se separam judicialmente. A lei diz que os separados de fato por não mais de dois anos têm direito à herança. Esse direito ainda é conservado se a separação tiver ocorrido há mais tempo, caso seja provado que o sobrevivente não teve culpa na separação, o que é denominado de culpa mortuária (Art. 1.830, CC).

Esse é um dos pontos mais criticados do Código, uma vez que é impossível discutir a culpa de um morto. O pior é que essa discussão, que às vezes resvala para uma ação ordinária de exclusão da herança, não obedece ao principio do contraditório. É óbvio que a viúva poderá dizer que a culpa da separação não é dela, e sim do  de cujus, que não tem como se defender. Isso é um absurdo.

Pela regra do artigo 1.832, o cônjuge recebe uma cota igual à de cada filho. É como se fosse mais um filho. Se o falecido deixou três filhos mais o cônjuge para concorrer na herança, a herança será dividida em quatro, mas não poderá ser inferior a um quarto, se os filhos forem comuns, havidos com o falecido.

No caso de filho exclusivo do autor da herança, se o sobrevivente não for ascendente do filho com quem concorreu, a cota não obedece ao mínimo de um quarto. Se houver filhos exclusivos, o cônjuge não é apenas mais um, recebe apenas um quarto, e os 75% restantes são divididos entre os filhos.

Problema maior é se houver filhos comuns e exclusivos, mais conhecida como situação híbrida. Para a situação híbrida, a lei não tem resposta. Existem quatro ou cinco soluções possíveis segundo a doutrina, todas elas tormentosas e que não são aceitas pacificamente.

Com relação aos ascendentes, o cálculo é mais fácil. Os cônjuges concorrem com os pais, ficando um terço para cada. Se houver somente o pai, ou a mãe, ou ainda, somente os avós, metade fica com o cônjuge e a outra metade para o outro, independentemente do regime de bens.

Além disso, o cônjuge tem direito aos direitos reais, quais sejam: o direito real de habitação sobre o imóvel que servia de moradia para o casal, e o direito real de usufruto que, na verdade, foi eliminado no novo Código.

O usufruto vidual (Art. 1.611, §1º, CC de 1916) não existe mais no direito atual. Essa informação deve constar da escritura pública, para conste também do registro imobiliário, de modo que, caso alguém venha a adquirir o bem de João e Maria, saiba que existe o direito real de habitação sobre coisa alheia, reservado ao cônjuge, uma vez que o direito de habitação é vitalício.

No que se refere ao companheiro, a regra é parecida. Costumo dizer que tem momentos em que o companheiro está up e tem momentos em que o companheiro está down. Falta harmonia no sistema do direito sucessório. O companheiro é regulado no artigo 1.790 e tem direito à meação.

No que diz respeito à herança, o companheiro recebe uma cota concorrente sobre os bens havidos onerosamente durante a convivência. Aqui, não se fala em regime de bens, mas sim, em datas de aquisição dos bens e formas de aquisição. O companheiro recebe cota igual ao do filho em comum, ou meia cota em caso de filho exclusivo. Por exemplo, o companheiro adquiriu uma casa a título oneroso durante a convivência. Ao falecer, deixa um filho e companheira. Ela tem direito a 50% da meação e os outros 50% é herança, à qual também concorrerá se os bens foram havidos durante a convivência. Sobre a herança, ela receberá cota igual à do filho comum, ou seja, 25% vão para ela e os outros 25% para o filho. Ao fazer a soma, veremos que a companheira acabou ficando com 75% e o filho apenas com 25%. Se fosse casada no regime da comunhão parcial, e houvesse apenas bens comuns, teria direito a 50% da meação. E por não haver concorrência, dada a falta de bens particulares, também teria direito a 50% da herança, e o filho mais 50%. Nesse sentido, o companheiro é privilegiado em face do cônjuge.

Inventários em conjunto

Também é preciso lembrar que existem os inventários em conjunto. Pode aparecer uma turma grande para proceder a dois inventários de uma só vez. Geralmente isso ocorre se um dos cônjuges falecer logo depois do outro, quando ainda não tinha sido concluída a primeira sucessão na via judicial. Se o casal faleceu junto, poderá fazer-se o inventário dos dois ao mesmo tempo, desde que os herdeiros sejam os mesmos.

Uma outra hipótese é a do herdeiro que falece no curso do inventário no qual ele recebe um quinhão e deixa somente esse quinhão para seus próprios herdeiros. Nesse caso, também é possível o inventário conjunto.

Recolhimento de tributos: ITBI e ITCMD

Assim como no inventário judicial, também na escritura terão de ser recolhidos os tributos, além de proceder-se ao pagamento dos emolumentos. Esses tributos são o ITBI – imposto de transmissão sobre bens imóveis, e o ITCMD – imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos, que ocorre sempre sobre a herança e nunca sobre a meação. O que se tributa é a parte que cabia ao falecido em vida, portanto, a herança.

O ITCMD também incide sobre bens que são passados a título gratuito a mais do que a cota do herdeiro. O ITCMD é de competência estadual e regulado pela mesma lei.

O ITCMD é devido se alguém ficar com mais, a título gratuito. Nesse caso, é uma transmissão inter vivos, ou transmissão sobre bens imóveis, que incide na esfera municipal, quando há transmissão a título oneroso de parcela maior do que seria a parte ideal da pessoa.

Escritura de partilha: para que serve

A partilha tem de ser feita, mas nem sempre. Partilha significa divisão em cotas, em partes. Pode haver uma adjudicação, por exemplo, que não é mencionada na lei, mas é da essência do processo.

Ora, se podemos fazer uma escritura de partilha, que é mais complicada, por que não podemos fazer uma adjudicação em que há um único herdeiro ou cessionário? Às vezes, há diversos herdeiros, mas todos valem por um. Esse comparece como cessionário e recebe os bens individualmente. Essa é a escritura de inventário e adjudicação, e não escritura de inventário e partilha, como ocorre tranqüilamente na esfera judicial.

A escritura de partilha serve de título para o registro imobiliário (Art. 982). No entanto, não é só para isso que serve uma escritura de partilha. Não está expresso na lei, mas ela serve para outros fins necessários ao seu cumprimento. Por exemplo, levantar dinheiro em banco. Faz-se a partilha de um depósito no valor de cem mil reais para cinco herdeiros. Cada um tem direito a 20 mil. Com a escritura de partilha é possível retirar o valor no banco. Alguns bancos não estão aceitando a escritura para esse fim porque não conhecem as novas regras. Em último caso, se a pessoa não conseguir levantar o dinheiro mediante a escritura de partilha, pode procurar o corregedor ou a vara de família e pedir um alvará.

A conversão é uma espécie de divórcio, por isso está abrangida na lei

Esse é um tema bem menos problemático porque, em geral, a partilha ocorre entre A e B que estão de acordo.

O artigo 1.124-A foi acrescido ao CPC e diz que “a separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal, e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento”.

Somente esse artigo foi acrescentado ao capítulo que dispõe sobre separação e divórcio consensuais (Arts. 1.120 a 1.124). Esqueceu-se o legislador de que a separação e o divórcio têm regramento no artigo 1.571 e seguintes do Código Civil. Esqueceu-se o legislador de que o artigo 1.571 do Código Civil reza que a dissolução da sociedade conjugal dá-se: I - pela morte de um dos cônjuges; II - pela nulidade ou anulação do casamento; III - pela separação judicial; IV - pelo divórcio.

Há, nesse ponto, um conflito de normas. A nova lei, é claro, revoga a lei velha naquilo que for incompatível com ela, mas não seria melhor ter também alterado o artigo 1.571 para fazer constar que a dissolução se dá por separação judicial ou separação administrativa?

Quanto à conversão da separação em divórcio, a lei silenciou. O silêncio do legislador pode ter dois sentidos: primeiro, ele está negando, uma vez que não concedeu; segundo, ele não proibiu, portanto, deixou em aberto.

A primeira interpretação do silêncio que nega é tratada pelos alemães de silêncio eloqüente. O novo Código Civil reza que é herdeiro necessário o descendente, o ascendente e o cônjuge. Portanto, como não menciona o companheiro e o colateral significa que eles não são herdeiros necessários. Nesse caso, o silêncio também é eloqüente.

Agora foi prevista a separação consensual por escritura pública, mas não se falou na conversão da separação em divórcio. Será que isso é uma negativa ou um esquecimento? Acredito que nem uma coisa nem outra, muito embora já há quem negue a conversão por escritura. A própria CGJSP, nos primeiros estudos do grupo, era contra, havendo até um voto contra na última conclusão.

O artigo 226, parágrafo sexto, da Constituição diz que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano, nos casos expressos em lei, ou uma vez comprovada a separação de fato por mais de dois anos.

Em suma, a conversão é uma espécie de divórcio e, por isso, está abrangida na lei. A conclusão do grupo de estudos acabou sendo nesse sentido.

Se uma separação judicial transitou em julgado e as partes apresentaram as provas – por exemplo, a certidão de casamento averbada ou uma cópia da sentença –, é possível fazer a conversão? É claro que sim, trata-se de um direito novo, o de converter-se em divórcio, o que é muito mais simples.

O requisito temporal, nesse caso, é um ano de separação judicial. Mesmo que os cônjuges tenham permanecido juntos não importa, não há necessidade de estarem separados de fato, podem até ter se reconciliado e voltado a conviver.

Qual será o estado civil de uma pessoa separada por escritura pública? Como qualificar o estado civil dessa pessoa na escritura? Separada por escritura? Separada administrativamente? Separada extrajudicialmente? O que me parece que vai pegar é, pura e simplesmente, o termo genérico separado.

Escritura pública de separação consensual: requisitos, pensão e partilha

As partes devem ser maiores e capazes, não podem ter filhos menores e devem estar casadas há mais de um ano. Devem, também, estar de acordo nas disposições sobre a pensão alimentícia, partilha e nome.

Para fazer uma separação consensual por escritura pública, as partes não precisam estar totalmente de acordo e combinadas. Notei ter surgido uma interpretação forte de alguns pensadores no sentido de que, sem a partilha, com o casal absolutamente de acordo quanto à pensão alimentícia e outros, não deve proceder-se à separação.

Em juízo, a partilha pode perfeitamente ficar para depois, a pensão pode ser resolvida nas vias próprias. A meu ver, a melhor tese é a de que, o que é válido no Judiciário, também valerá extrajudicialmente. Ou seja, a partilha também pode ser deixada para depois, ou então, partilha-se uma parte e o restante fica para a sobrepartilha.

Além da dissolução da sociedade conjugal, há as demais disposições – pensão e partilha. O conteúdo principal pode ser satisfeito sozinho. Repito, não há vinculação. A pensão não admite renúncia (Art. 1.707, CC), mas admite dispensa, desistência da parte que dispõe de rendimentos para seu próprio sustento.

Devem ser previstos na pensão o modo de revisão, atualização periódica de valor e o índice a ser usado, tudo para evitar problemas futuros. Também pode haver pensão temporária, muito embora alguns juízes não admitam.

Requisitos e efeitos da escritura de separação e divórcio

Para o divórcio exige-se dois anos de separação de fato, comprovada mediante documentos e testemunhas que, no próprio termo da escritura, declaram que conhecem a pessoa e que sabem que ela está separada de fato há mais de dois anos. É preciso tomar muito cuidado, uma vez que testemunhas podem faltar com a verdade. É bom compromissá-las a dizer a verdade, sob as penas da lei.

Essa escritura é destinada ao registro civil, para constar o novo estado civil da pessoa, e ao registro de imóveis, se houver partilha de bens imóveis, e ainda, é destinada a outros fins que sejam necessários ao seu cumprimento, como por exemplo, desconto da pensão pelo empregador. Em juízo, expede-se um ofício, mas esse não é um ato próprio do cartório. A parte é que deve requerer e munir-se do instrumento adequado.

Gratuidade: separação e divórcio

A escritura e os atos notariais, diz a lei, são gratuitos para as pessoas que se declararem pobres, sob as penas da lei. O parágrafo terceiro do artigo 1.124-A do CPC – redação dada pela lei 11.441 – vale para a separação e divórcio, não se aplicando às escrituras de inventário. Nas conclusões do grupo de estudos, a CGJSP ampliou a gratuidade também para os inventários. Creio que essa é uma analogia que prejudica o notário.

Quando a lei fala em “demais atos notariais”, o que se entende é que são abrangidos todos os atos ligados à escritura de partilha. Outros atos notariais também são praticados. A escritura de reti-ratificação, a volta ao nome de solteiro, etc.

Nem tudo acaba em dores quando se acaba o amor. Às vezes esse amor é reacendido e temos o restabelecimento da sociedade conjugal, que é possível depois da separação judicial. Na escritura de separação o princípio é o mesmo.

Será que esse restabelecimento depende de ordem judicial ou basta a declaração das partes? É preciso lembrar que a separação judicial não extingue o casamento, somente a sociedade conjugal. Permanece o vínculo conjugal e o casamento fica em  standby. Não basta a declaração das partes, deve-se comunicar o registro civil por meio de escritura. Se a separação foi feita em juízo e restabeleceu-se o casamento por escritura pública, é necessário comunicar ao processo. No divórcio o restabelecimento acontece somente mediante novo casamento.

A lei trouxe inúmeros benefícios, no entanto, será necessário o aprimoramento dessa legislação no futuro. É necessária uma interpretação mais extensiva em alguns casos. Certamente, teremos novas regras e instruções do Conselho Nacional de Justiça – CNJ; é por isso que as corregedorias estão mais cautelosas e aguardam uma definição superior.

Precisamos de mais mecanismos de segurança e de orientação para os notários, como a iniciativa do Educartório, de estudos constantes, para que possamos bem aplicar a nova lei.

É preciso ter cautela. Em caso de dúvidas, o notário deve consultar seu juiz-corregedor, que não existe apenas para fiscalizar, mas também para orientar. Os cartórios devem se preparar, é preciso priorizar a reciclagem desses profissionais para que cumpram os novos encargos. É necessário investir em mais infra-estrutura material e humana para dar bom atendimento aos usuários e fazer a família brasileira um pouco mais feliz.

*Euclides Benedito de Oliveira é advogado e jurista.

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